Processo nº 80/2016 Data: 25.02.2016
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
José Maria Dia Azedo
Processo nº 80/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau, (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no art. 56°, n.° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 109 a 114 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever conceder provimento ao recurso; (cfr., fls. 116 a 117).
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Nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação do recurso (fls.109 a 114 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vício de violação do preceituado no art.56° do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Ressalvado o elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que não merece provimento o recurso em apreço.
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002)
No caso sub judice, a MMa Juiz a quo aponta prudentemente:就本案囚犯的情況,尤其在一般預防方面,基於其是次所犯的是涉及鉅額的電腦詐騙犯罪,根據有關已證事實,囚犯與其同夥入境本澳後,有預謀地乘復活節長假之時銀行暫停營業和暫停檢查自助櫃員機的機會,使用彼等所攜帶之近百張已非法載入多家銀行或信用卡機構所發出之信用卡或提款卡的資料和密碼的“白卡”,在本澳之銀行自助櫃員機進行提款,其後再將有關不法利益按協議瓜分,案中囚犯與其同夥合力使利該等“白卡”透過銀行櫃員機進行不少於一百次的提款操作,並成功不法提取了澳門幣303,000元之相當鉅額款項。由此可見,作為外籍人士的囚犯之犯案故意程度極高,情節及不法性均嚴重,應予以相當程度的譴責,事實上,其行為已嚴重影響到本澳的公共安全及秩序,對社會安寧以至是法律秩序均造成相當程度的負面影響,同時亦嚴重影響銀行業之正常及有序運作。須指出,儘管這個負面因素在量刑時已被考慮,但是,在決定假釋時仍必須將之衡量,考究將囚犯提早釋放會否使公眾在心理上產生無法接受之感,會否對社會秩序產生重大衝擊。
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação da MMa Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, o pressuposto consagrado na alínea b) do n.°l do art.56° do CPM.
Com efeito, como bem observou a MMa Juiz a quo, a colocação do recorrente em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social e a confiança do público no ordenamento jurídico da RAEM. O que nos faz prever, a jusante, que não se verifica o pressuposto consagrado na alínea b) do n.°1 do art.56° do CPM.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que é irrefutável e incensurável o douto despacho em escrutínio”; (cfr., fls. 124 a 125-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.M. em 13.04.2012, para cumprimento de uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado pela prática de 1 crime de “burla informática”;
– em 12.12.2015, cumpriu dois terços de tal pena, expiando toda a pena em 12.10.2017;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua família, na Roménia.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão os pressupostos do art. 56°, n° 1 do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr., n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e ponderando no tempo de reclusão que o ora recorrente já cumpriu, preenchidos estão os ditos “pressupostos formais”.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.11.2015, Proc. n.° 948/2015 e de 07.01.2016, Proc. n.° 1086/2015).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.
Com efeito, demonstram os autos, (a factualidade dada como provada em sede do julgamento efectuado), que o ora recorrente, agindo em conformidade com um plano préviamente traçado e em conjugação de esforços com outros indivíduos, introduziu-se, como turista, em Macau, para aqui levar a cabo a prática do crime pelo qual acabou punido na pena que ora cumpre.
De facto, o mesmo veio a Macau já “preparado e equipado” para a execução e consumação do crime, e, poucos dias depois, entrou em acção, servindo-se das máquinas “ATM” instaladas em vários pontos da cidade para levantar ilícitamente quantias em dinheiro que não lhe pertenciam, fazendo-as suas, conseguindo assim um total de mais de MOP$300.000,00.
Nesta conformidade, atento o tipo, modus operandi e consequências do crime pelo ora recorrente cometido, tendo igualmente presente, a pena fixada, a expiada e o período da pena que falta cumprir, cremos pois que, pelo menos, por ora, importa acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.000,00.
Macau, aos 25 de Fevereiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 80/2016 Pág. 14
Proc. 80/2016 Pág. 15