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Processo nº 249/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Novembro de 2015
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
- Regulação do poder paternal

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong que decreta o divórcio entre os cônjuges e homologa a o acordo sobre a regulação do poder paternal sobre os filhos de ambos, por não existir qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.












Proc. nº 249/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, (A), do sexo masculino, divorciado, de nacionalidade chinesa, portador do bilhete de identidade de residente permanente de Macau n.º 1407554(3), reside em Macau, Rua de Pequim, Edf. I Hoi, 19º andar H intentou acção especial de revisão de decisões proferidas por Tribunais do exterior de Macau, contra B (B), do sexo feminino, divorciada, de nacionalidade chinesa, portadora do bilhete de residente da RPC n.º 440681198608290421, residente na Província de Guangdong, cidade de Fuoshan, 順德區XX街道XX街三巷1號 ou em Hong Kong, 鰂魚涌XX花園X座15樓G座 (adiante designada como Ré).
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A requerida respondeu ao pedido do autor e o MP não se opôs ao deferimento da pretensão.
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Cumpre decidir.
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II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III – Os factos
1 - A. e R. contraíram casamento civil em 11 de Janeiro de 2005 em Hong Kong (vd. o Doc. 1).
2 - Na constância do casamento, nasceram dois filhos menores que se chamam C e D, respectivamente (vd. os Doc. 2 e Doc. 3).
3 - O A. é residente habitual de Macau e a R. é residente da China.
4 - A R. pediu divórcio ao tribunal distrital da RAEHK e este proferiu sentença provisória de divórcio em 29 de Outubro de 2014, determinando que seria dissolvido o casamento caso ninguém apresentasse ao tribunal motivos fundamentados para a decisão não transitar em absoluta no prazo de seis semanas, contado a partir da data da sua prolação (vd. o Doc. 4).
5 - No mesmo processo e no mesmo dia (29 de Outubro de 2014), o Tribunal Distrital da RAEHK elaborou a ordem proferida pelo deputy district judge, George Own, na audição à porta fechada (vd. o Doc. 5), a qual foi rectificada posteriormente pela ordem proferida pelo mesmo juiz, por haver lapso dum nome na decisão sobre o exercício do poder paternal relativo aos dois filhos menores do casal (vd. o Doc. 6).
6 - Na decisão sobre o exercício do poder paternal relativo aos dois filhos menores foi indicado expressamente que, sob o mútuo consentimento de ambas as partes, o juiz ordenou que os filhos da familiar, C e D, ficassem confiados à guarda e cuidados do pai, ora autor, ficando a ora ré com direito de visita razoável aos filhos.
7 - A visita aos filhos seria feita da seguinte forma:
(i) A peticionante/Ré pode visitar os filhos pelo menos duas vezes por mês. O tempo e dias serão combinados depois entre a peticionante/Ré e o contestante/Autor.
(ii) A peticionante/Ré pode viajar com os dois filhos nas grandes férias escolares (férias do Verão e Inverno), não podendo o número de dias da viagem exceder a metade das referidas férias. Os pormenores serão combinados depois entre as partes. (vd. o Doc. 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.)
8 – A decisão de divórcio apresenta o seguinte teor:
Região Administrativa Especial de Hong Kong Tribunal Distrital
Processo de divórcio N.º 3043 e 2013
B (Peticionante)
e
A (Contestante)
Julgado pelo deputy district judge, George Own
Sentença provisória de divórcio
Tendo confirmado que a peticionante e o contestante estão separados há mais de dois anos antes do pedido de divórcio, o juiz proferiu sentença provisória de divórcio em 29 de Outubro de 2014.
B (Peticionante)
e
A (Contestante)
O casamento contraído em 11 de Janeiro de 2005 no Marriage Registry Cotton Tree Drive é irremediavelmente quebrado, assim decretar-se-á a dissolução do casamento caso ninguém apresente ao Tribunal motivos fundamentados para a presente decisão não transitar em absoluta no prazo de seis semanas, contado a partir da data da sua prolação.
Aos 29 de Outubro de 2014.
9 – Na mesma data, foi proferida uma rectificação da sentença, com o seguinte teor:
Região Administrativa Especial de Hong Kong Tribunal Distrital
Processo de divórcio N.º 3043 e 2013
B (Peticionante)
e
A (Contestante)
Julgado pelo deputy district judge, George Own, à porta fechada
Ordem de Rectificação
Data: 29 de Outubro de 2014
Lido o pedido de convocação de consentimento, formulado pela peticionante e contestante em 4 de Julho de 2014.
A pedido da peticionante, o contestante promete informar mensalmente à peticionante a situação dos filhos, não podendo esconder qualquer coisa sobre os dois filhos.
A peticionante aceita que o contestante possa levar os dois filhos para estudarem em local fora da jurisdição da RAEHK antes de estes completarem 18 anos de idade. E o contestante promete que vai trazer, a pedido da peticionante, os dois filhos para a jurisdição da RAEHK.
Sob o mútuo consentimento de ambas as partes, decreta o juiz:
1. Os filhos da familiar, C e D, ficam confiados à guarda e cuidados do contestante e a peticionante tem direito de visita razoável aos filhos. A visita aos filhos será feita da seguinte forma:
(i) A peticionante pode visitar os filhos pelo menos duas vezes por mês. O tempo e dias serão combinados depois entre a peticionante e o contestante.
(ii) A peticionante pode viajar com os dois filhos nas grandes férias escolares (férias do Verão e Inverno), não podendo o número de dias da viagem exceder a metade das referidas férias. Os pormenores serão combinados depois entre as partes.
O juiz ordena mais que o contestante apresente ao tribunal uma promessa escrita no prazo de 14 dias, contado a partir da prolação desta ordem, a fim de garantir que traga os filhos da família para Hong Kong quando lhe é exigido.
O juiz autoriza que os filhos da família, C e D, permaneçam em local fora da jurisdição de Hong Kong.
2. O contestante pagará à peticionante um montante fixo (lump sum payment) no valor de cem mil renminbi no prazo de 14 dias a partir da prolação da decisão absoluta de divórcio. Após o pagamento do montante fixo à peticionante, extinguem-se os pagamentos periódicos assegurados, pagamentos periódicos, um ou mais montantes fixos e ordem de transferência de propriedade combinados entre os dois, como também os pedidos formulados nos termos da Lei de Processo Matrimonial e da Lei de Processo Matrimonial e Propriedade e os de assistências subsidiárias, e
3. Não emite ordem sobre as custas processuais a este processo e à convocação de consentimento supra dita.
O juiz declara:
O Tribunal acredita e aceita que o casal tem apenas os referidos filhos da família que se enquadram no art.º 18.º da Lei de Processo Matrimonial e Propriedade. As regalias relativas aos dois filhos da família já são reguladas da forma satisfatória ou da melhor forma na altura.
Aos 29 de Outubro de 2014.
10 – A decisão judicial transitou no dia 12 de Janeiro de 2015 (doc. dls. 26 do apenso traduções).
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IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo autor. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do Tribunal Distrital da RAEK, que decretou o divórcio entre os cônjuges e homologou o acordo quanto à regulação do poder paternal sobre os dois filhos, que ficaram confiados à guarda do pai, com direito de visitas por parte da mãe.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento e a regulação do poder paternal sobre os filhos. Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a sentença de divórcio já transitou.
Acrescenta-se ainda que a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Região Administrativa e Especial de Hong Kong e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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A requerida na sua resposta diz aceitar a presente pretensão do requerente na condição de este ser o responsável pelos alimentos dos dois filhos, tomar cuidado deles e exercer o direito de vigilância sobre eles.
É uma posição compreensível, que reafirma o seu papel de mãe, preocupada com os seus filhos, confiados, porém, à guarda e confiança do pai. Mas, tendo sido essa, precisamente, a decisão do tribunal da RAEHK, a preocupação da requerida está salvaguardada, não havendo por ora razões para se suspeitar que o acordo dos progenitores sobre a regulação do poder paternal não está a ser respeitado (de outra forma a requerida tê-lo-ia dito).
Portanto, não existe nenhum obstáculo à revisão.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong datada de 29/10/2014, transitada em 12/01/2015, que decretou o divórcio entre A, (A) e B (B) e procedeu à regulação do exercício do poder paternal dos filhos C e D, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 05 de Novembro de 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


249/2015 3