Processo nº 611/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Setembro de 2015
ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
SUMÁRIO:
- A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
- A marca registanda , não obstante ter uma certa composição figurativa (reproduzida em letras minúsculas estilizadas, com o preenchimento do espaço vazio nas letras "o", "e" e "p"), não possui capacidade distintiva, visto que o que destaca da marca em crise é a própria palavra “XXXXX” e não o preenchimento do espaço vazio nas letras em referência. Por sua vez, a palavra “XXXXX” é um termo genérico com uso comum, pois, é uma palavra frequentemente usada na publicidade dos produtos/serviços criados com ideias, invenções ou concepções novas/próprias, a fim de atrair os potenciais clientes.
- Não possuindo capacidade distintiva, não pode ser objecto do registo.
O Relator,
Processo nº 611/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Setembro de 2015
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 13/03/2015, julgou-se improcedente o recurso intentada pela Recorrente A, confirmando a decisão da DSE pela qual se negou o registo da marca N/8XXXX.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) Não obstante o pendor subjectivo que subjaz à questão que se discute nos autos, a interpretação feita na sentença recorrida das als. b) e c) do nº 1 do art. 199º do RJPI conjugado com alínea a) do nº 1 do art. 9º aplicável ex vi nº 1 do art. 214º do RJPI, deu lugar a uma decisão que se afasta dos princípios legais pelos quais se rege a atribuição de protecção registai atribuída a determinada marca.
b) A palavra "XXXXX" incorporada na marca registanda encontra-se reproduzida em letras minúsculas estilizadas, destacando-se como pormenores particularmente distintivos o preenchimento do espaço vazio nas letras "o", "e" e "p".
c) A marca que a Recorrente pretende registar é, pois, uma marca de serviços mista, porque integra uma parte nominativa e uma parte figurativa, e complexa por ser composta por uma pluralidade de elementos (nominativo e figurativo).
d) Ainda que se admita que a marca em apreço é puramente nominativa, é incontroverso que a palavra "XXXXX" é registável de per si.
e) É evidente que o termo "XXXXX" não se refere a nenhum serviço em concreto, sendo claramente utilizado pela Recorrente no seu sentido figurado e fantasioso.
f) Admitir que a palavra "XXXXX" se tornou numa expressão genérica e usual em Macau, implicaria que nenhuma palavra pudesse ser registada como marca.
g) A distintividade de "XXXXX" sai reforçada pelo facto de a marca registanda ser estilizada, o que a torna ainda mais identificadora.
h) A expressão inglesa "XXXXX" é alheia ao léxico português e chinês, ambas línguas oficiais de Macau.
i) Não existem quaisquer indícios de que "XXXXX" se tenha tornado usual na linguagem corrente em Macau e, muito menos com relação a serviços na classe 35 da Classificação Internacional de Nice.
j) Nem é previsível que o termo "XXXXX" se torne usual no mercado de Macau ou que concorrentes da Recorrente possam a vir a precisar de usar esse termo para identificar os seus produtos ou serviços.
k) Sem conceder, note-se que, mesmo sinais descritivos e genéricos e, portanto, aplicáveis a uma infinidade de produtos e serviços, também podem servir como marcas quando aqueles produtos e serviços, sejam acompanhados de um sinal mais diferenciador - também nos parece que a marca registanda se enquadra neste tipo de situação.
l) O registo da marca "" apenas proíbe que outros agentes económicos usem essa palavra para identificação dos mesmos serviços ou serviços afins como marca.
m) "XXXXX" não é uma expressão de natureza comum e publicitária - tal poderá suceder noutras latitudes (que desconhecemos, diga-se), mas jamais em Macau.
n) A Recorrida registou várias marcas puramente nominativas, correspondentes a substantivos.
o) "" é um sinal apto a diferenciar serviços na classe 35, distinguindo os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado.
p) Sendo Macau um território em que predomina a língua chinesa, parece-nos lógico e evidente que a palavra "XXXXX" não se tenha tornado uma expressão corrente para qualquer tipo de serviços e, muito menos, para serviços na classe 35.
q) Não obstante, sempre se diga que nem mesmo as traduções da palavra "XXXXX" para português e chinês constituem termos genéricos e usuais neste território, no sentido dado pela lei.
r) A marca "" goza de capacidade distintiva intrínseca para serviços relacionados com vestuário e afins, pelo que a decisão de recusa do Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que conceda a marca à Recorrente.
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A Entidade Recorrida respondeu à motivação do recurso da Recorrente, nos termos constantes a fls. 128 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A Recorrente Walton (...) requereu junto da Direcção dos Serviços de Economia, o registo da marca N/8XXXX, que consiste na expressão o registo da marca“” para assinalar serviços na classe 35, tudo conforme fls 2 do apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos.
2. A DSE recusou o referido pedido de registo de marca, o que fez com fundamento na al.a) do nº 1 artº 214, al.a) do nº 1 do artº 9, conjugado com a al. b) e c) do nº 1 do artº 199, todos do RJPI.
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III – Fundamentação
O presente recurso consiste unicamente em saber se a marca registanda N/8XXXX () possui capacidade distintiva para os produtos e serviços da classe 35ª, susceptível de ser objecto de registo.
Na óptica da ora Recorrente, a marca registanda em crise possui capacidade distintiva para os produtos e serviços que visa assinalar, tanto pelo seu elemento nominativo como pelo figurativo.
Quid iuris?
Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas.
A constituição da marca, em princípio, é livre. Pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente. Pode ser ainda composta pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI).
Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
A lei estabelece, a este respeito, várias restrições, uma das quais é justamente a constituição da marca tem de ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
Assim, a marca não pode ser exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem, a época de produção dos produtos ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artº 199º do RJPI).
Referem-se aqui, as palavras do Prof. Ferrer Correia, os chamados sinais descritivos dos produtos.
Para o mesmo autor, os sinais descritivos dos produtos só não poderão preencher, de per si, o conteúdo da marca se forem usados sem modificação. A proibição já não valerá quando, através de alterações gráficas e fonéticas, se lhes atribua um conteúdo original e distintivo.
No caso em apreço, a marca em causa tem a seguinte composição: .
Para a ora Recorrente, a referida palavra não é um termo genérico e usual com natureza comum e publicitária em Macau, na medida em que as línguas oficiais da RAEM são chinês e português, com predominância da língua chinesa.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar este entendimento.
É certo que as línguas oficiais da RAEM são chinês e português, com predominância da primeira.
No entanto, não podemos esquecer que a RAEM é uma cidade internacional, sendo a língua inglesa frequentemente usada na vida quotidiana, especialmente na publicidade dos produtos e serviços disponíveis no mercado local.
Nesta conformidade, o facto de ser uma palavra inglesa não exclui a possibilidade de ser um termo genérico e usual na RAEM.
A palavra “XXXXX” em inglês tem os seguintes significados: conceitos, noções, concepções, ideias, teorias e invenções.
A nosso ver, trata-se de um termo genérico com uso comum, pois, é uma palavra frequentemente usada na publicidade dos produtos/serviços criados com ideias, invenções ou concepções novas/próprias, a fim de atrair os potenciais clientes.
Assim, a palavra “XXXXX” de per si não tem capacidade distintiva para ser objecto do registo como marca.
Quanto ao seu elemento figurativo, notamos que a marca registanda encontra-se reproduzida em letras minúsculas estilizadas, com o preenchimento do espaço vazio nas letras "o", "e" e "p".
Mesmo com este elemento figurativo, continuamos a entender que a marca registanda não tem capacidade distintiva suficiente.
Repare-se, o que destaca da marca em crise é a própria palavra “XXXXX” e não o preenchimento do espaço vazio nas letras em referência.
Ou seja, o que fica na impressão dos consumidores é o próprio termo em si, distraindo portanto o alegado elemento figurativo, o que diminui, ou até se torna de nenhum efeito, a capacidade distintiva desse elemento.
Não cremos que um consumidor médio consiga distinguir produtos/serviços assinalados simplesmente com a palavra “XXXXX” e “”, tendo em conta a grande semelhança entre uma e outra.
Face ao expendido, o recurso não deixará de se julgar improcedente.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo a decisão recorrida.
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Custas pela ora Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 24 de Setembro de 2015.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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611/2015