Processo nº 1002/2015
Data do Acórdão: 17MAR2016
Assuntos:
Contrato-promessa de compra e venda
Resolução do contrato
Sinal
Execução específica
Direito ao arrependimento
SUMÁRIO
Conjugando os normativos do artº 436º com os do artº 820º, ambos do CC, é de concluir que, não obstante a existência do sinal, que por força do disposto no artº 820º/2, primeira parte, do CC, não pode ser interpretada como afastamento da execução específica, a nossa lei, para além de sujeitar o promitente vendedor faltoso à obrigação de restituir o sinal em dobro, permite ao promitente comprador, autor do sinal, a alternativa de recorrer à execução específica para obter o cumprimento da promessa.
Assim, se nós reconhecêssemos a validade da resolução unilateral a iniciativa da promitente vendedora mediante a simples comunicação da intenção de recusar o cumprimento da sua promessa e a restituição do sinal em dobro, estaríamos a derrogar, injustificadamente, o direito à execução específica, que a lei confere ao promitente comprador, como alternativa ao recebimento do sinal em dobro.
Pois no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente comprador do direito a recorrer à execução específica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de “situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens”
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 1002/2015
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV3-15-0023-CAO, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
A, com os demais sinais dos autos vem instaurar acção sob a forma de processo ordinário contra B e C ambos melhor identificados nos autos.
Para tanto alega que a Autora, na qualidade de promitente-vendedora, comunicou aos RR., enquanto promitentes-compradores, a sua intenção de resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrada entre a A. e os RR. em 04.10.2012, através de notificação judicial avulsa de 25.11.2014, e no entender da A, a dita resolução tinha sido feita correcta e legalmente, só que os RR. perante tal comunicação manifestou a sua discordância, isso leva a A. a propor esta acção para definitivamente remover as dúvidas e incertezas. .
Conclui pedindo que seja confirmada a resolução do contrato de promessa de compra e venda entre a A. e os RR., com todas as legaís e devidas consequências.
Citados os RR. para contestarem vieram estes fazê-lo invocando a oposição sobre a pretensão da Autora, manifestando que a Autora ainda tem interesse em manter o contrato de promessa em causa, por isso, não aceita a pretendida resolução do contrato, concluindo pela improcedência da acção.
*
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
*
Dos elementos existentes nos autos, afigura-se que já reúne matéria de facto suficiente e condição para conhecer do fundo da causa sem demais diligências instrutórias nem é necessária realizar a audiência de julgamento e discussão.
A questão aqui se coloca pe1a A. é de saber se o devedor pode declarar resolução do contrato de promessa por sua iniciativa com base no incumprimento imputável a si própria.
Conforme a petição inicial, é isento de discussão o facto de a A. deixar de ter vontade de cumprir o contrato de promessa em causa, surge assim o incumprimento definitivo por parte da promitente-vendedora. É pacífica na doutrina e jurisprudência que basta a dec1aração do devedor no sentido de não mais pretender cumprir a prestação a que está adstrito para concluir-se pelo incumprimento definitivo do devedor, e como é óbvio, nesta situação, tal incumprimento é imputável ao devedor.
Verificando o incumprimento definitivo imputável ao devedor, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro - Cfr. art.º 790º do CPC.
A resolução do contrato, segundo a norma supra citada, trata-se duma consequência legal do incumprimento culposo do devedor, sendo também uma faculdade de que o credor se pode aproveitar ou não1, portanto, não é bem referir que a resolução por incumprimento implica o incumprimento definitivo tal como se refere no art.º 32º e 37º da petição inicial, a A. aí inverte a lógica daquela norma e se calhar por causa deste entendimento erróneo, leva a Autora formular um pedido que nunca pode proceder. Senão vejamos.
Como se sabe, a resolução do contrato só é possível quando fundada em lei ou convenção. No caso vertente, segundo o contrato de promessa celebrado entre as partes, nele não se constata nenhuma cláusula que confere às partes o poder de resolver o contrato unilateralmente, assim, no caso em que a Autora invoca ter direito de resolver o contrato, não isente de alegar qual norma lhe atribui tal direito, o que não acontece no caso.
Tal como supra referido, a faculdade da resolução do contrato pertence exclusivamente ao credor quando verificar o incumprimento definitivo por parte do devedor, neste caso, o credor pode aproveitar essa faculdade ou não a aproveita, tudo depende da vontade do credor. A razão de ser daquela norma é simples, uma vez que ao optar pela resolução do contrato, o credor só pode ter direito à indemnização quanto ao interesse contratual negativo, i.e., uma indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato2. Ao passo que a indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido3. Pelo que no caso de o credor pretende pedir uma indemnização quanto ao lucro cessante derivado do incumprimento do contrato por parte do devedor, para ver ressarcido algum interesse patrimonial que deveria obter se o contrato de compra e venda tivesse sido cumprido devidamente, então, a fim de sustentar o pedido como tal o credor não devia optar por resolver o contrato, antes pelo contrário, insiste pelo cumprimento do devedor.
No caso vertente, os RR. na sua contestação revela a intenção de manter o contrato-promessa, exigindo o cumprimento do devedor, pelo que, não se vê qualquer razão para confirmar a resolução feita por parte da Autora.
Desse modo, é fácil concluir que a Autora, como devedora culpada configurada na petição inicial, não possui direito de declarar unilateralmente a resolução do contrato-promessa de compra e venda em questão e o pedido formulado pela Autora é manifestamente improcedente, mesmo que ficassem provados todos os factos alegados no seu petitório.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção integralmente improcedente, e em consequência, absolvendo os RR. do pedido.
Custas a cargo da A..
Registe e Notifique.
Não se conformando com o decidido, veio a Autora recorrer da mesma concluindo e pedindo:
31. Assim, entende a Recorrente que a apreciação da causa feita em primeira instância peca por ser demasiado restrita, superficial e, por conseguinte, vulnerável,
32. Não apenas por não ter tido em conta a totalidade dos factos alegados pela A., ora Recorrente, mas igualmente por subsumir a mesma factualidade num enquadramento legal que não corresponde àquele que é
a realidade dos factos,
33. Pois provado ficou, e a decisão que consta do saneador-sentença expressamente o admite, que houve incumprimento definitivo do contrato, que se manifestou na declaração da Recorrente.
34. Porém, o Meritíssimo Juiz de primeira instância não teve isso em conta em conta, assim como não teve em conta a preocupação da Recorrente de não causar quaisquer prejuízos aos Recorridos,
35. Tanto é que a Recorrente respeitou de forma clara e inequívoca o regime do sinal previsto por lei, prova mais do que expressa não apenas da impossibilidade de cumprimento do contrato por parte daquela como da sua boa fé na relação com os Recorridos.
36. A decisão de que agora se recorre, para além de não conhecer, ou de conhecer de forma deficiente e superficial questões que são determinantes à boa apreciação da causa, peca ainda por não especificar os fundamentos de direito que a justificaram, pelo que é nula.
Diante dessas considerações, e atendendo a todo o supra exposto, a Recorrente requer seja conhecido o presente recurso e, concomitantemente
a) Seja a decisão declarada nula por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil
bem como
b) Seja a decisão declarada nula por falta de especificação dos fundamentos de direito nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 571.º do mesmo diploma.
Termos que
PEDE DEFERIMENTO
Ao recurso responderam os Réus pugnando pela improcedência.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, para além da arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, que para nós é manifestamente improcedente, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação consiste em saber se, no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, a promitente-vendedora, ora Autora, pode resolver o contrato-promessa mediante simples notificação da recusa de cumprir e simples restituição do sinal em dobro.
Então apreciamos.
Comecemos pela arguição da nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
Nos termos do disposto no artº 571º/1-d), primeira parte, do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Como se sabe, só se verifica a omissão de pronúncia, geradora da nulidade da sentença nos termos do disposto no artº 571º/1-d) do CPC, quando o tribunal ignora pura e simplesmente qualquer questão que devesse ser apreciada por ser essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes; por isso se diz que, mesmo sem abordar algum dos fundamentos alinhados por elas, não é nula a sentença se esta contiver todos os argumentos de facto e de direito que a sustentam, ainda que, porventura, em erro de julgamento. – cf. Acórdão do TSI no Proc. nº 867/2010.
E de qualquer modo, o que é essencial é que a nulidade por omissão de pronúncia há-de incidir sobre “questões” que hajam sido submetidas à apreciação do tribunal, com estas não se devendo confundir as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes – cf. Acórdão do TSI no Proc. nº 358/2014.
Ao acusar, de forma vaga e conclusiva, a sentença recorrida de não ter tido em conta a totalidade dos factos por ela alegados e não ter conhecido, ou de ter conhecido de forma deficiente e superficial questões que são determinantes à boa apreciação da causa, a Autora não fez mais do que a mera discordância infundada com a decisão de direito.
Mas uma coisa é certa, não houve omissão da pronúncia por parte Tribunal sobre questões que lhe cabem conhecer, pois conheceu efectivamente a única questão colocada nos presentes autos, que é justamente a de saber se o promitente-vendedor pode resolver o contrato-promessa mediante a simples notificação de recusa de cumprir e a simples restituição do sinal em dobro.
Pois basta uma simples leitura da sentença recorrida para fazer saltar logo à vista que esta questão foi exaustivamente apreciada pelo Tribunal a quo.
Improcede assim a arguição da nulidade da sentença.
Então passemos à apreciação da questão de direito.
Ora, ficou assente por confissão e não impugnada a seguinte matéria de facto, alegada na petição inicial, com relevância à decisão de direito:
1. No dia 4 de Outubro de 2012, a A. celebrou com os RR. um contrato de promessa de compra e venda de imóvel a construir identificado à data por 3A da Rua 5 de Outubro n. 109 e Rua do Teatro n.º 7;
2. O edifício foi hipoteticamente designado como XX com descrição predial do terreno número 609.
3. O imóvel ainda não estava construído à data da celebração do contrato-promessa (cfr. Doc. 1).
4. Com a celebração do contrato de promessa, a A. prometeu vender e os RR. prometeram comprar livre de ónus e encargos financeiros o futuro imóvel pelo preço de HK$1.768.000,00, ou seja, MOP$1.823.692,00.
5. As partes acordaram o pagamento do preço do imóvel em tranches/prestações.
6. Inicialmente, os promitentes-compradores teriam que pagar o depósito de HK$176,800.00 à promitente-vendedora.
7. A segunda prestação seria relativa a 10% do preço do futuro imóvel, ou seja, no montante de HK$176,800.00 e pagável 40 dias após a assinatura do contrato de promessa.
8. E a terceira e última prestação, equivalente a 80% do preço total do imóvel, ou seja, HK$1,414,400.00 seria devida nos 14 dias após a emissão de licença de habitação pela Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Para o Tribunal a quo, em síntese, à excepção das situações em que a resolução é fundada na lei ou na convenção, não pode haver lugar à resolução do contrato pelo devedor, por sua iniciativa, com base no incumprimento imputável a si próprio.
Como in casu não foi alegada norma legal alguma nem demonstrada a existência de uma cláusula convencional que permite a resolução do contrato-promessa nos termos queridos pela Autora enquanto promitente vendedora, o Tribunal a quo entende que ela não pode resolver unilateralmente o contrato-promessa mediante a restituição às Rés do sinal em dobro.
A Autora, por sua vez, continua em sede do recurso a estar convicta de que, com fundamento no incumprimento definitivo a si própria imputado e na impossibilidade de cumprimento, poder resolver o contrato, mediante a restituição do sinal em dobro.
Então vejamos.
Como se sabe, a resolução do contrato é feita por manifestação de vontade de uma das partes que pretende fazer extinguir o vínculo contratual, sendo válida desde que para tal tenha fundamento na lei ou no próprio contrato – artº 426º/1 do CC.
In casu, estão em causa um contrato-promessa da compra e venda de um imóvel a construir e a tentativa, por parte da promitente vendedora, de ficar desvinculada à promessa de vender, com fundamento na alegada impossibilidade do cumprimento ou no incumprimento voluntário definitivo do contrato.
Antes de mais, é de afastar o fundamento da invocada “impossibilidade do cumprimento”, pois não foram dados por assentes factos demonstrativos da tal “impossibilidade do cumprimento”, nem foi pedida, em sede do presente recurso, a alteração da matéria de facto assente com vista à inclusão dos tais factos na matéria assente.
Portanto, só resta saber se, face à lei ou face ao contrato, o incumprimento voluntário definitivo do contrato e a restituição do sinal em dobro por parte da promitente vendedora, de per si, são ou não fundamentos suficientes para que a parte faltosa ponha termo ao contrato.
Por força do princípio da liberdade contratual, as partes têm a faculdade de fixar, livremente e dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos e incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver – artº 399º/1 do CC.
In casu, em lado algum da petição inicial foi alegado que a ora Autora e os ora Réus convencionaram expressamente que o promitente vendedor pode resolver o contrato-promessa mediante simples declaração unilateral, acompanhada da restituição do sinal em dobro.
Assim, face ao contrato, a promitente vendedora não pode fazê-lo.
Então passemos a ver se pode fazê-lo face à lei.
Coloca-se então a questão de saber se, face à lei, no caso em apreço, a restituição do sinal em dobro é a única consequência que pode recair sobre a promitente vendedora faltosa.
Ou vistas as coisas na óptica do promitente comprador, se o recebimento do sinal em dobro é o único direito que ele tem quando a promitente vendedora recusar cumprir a promessa de vender.
Em caso afirmativo, cremos que a Autora, enquanto promitente vendedora faltosa, pode resolver o contrato-promessa mediante a simples recusa de cumprir e a restituição do sinal em dobro.
Se o recebimento do sinal em dobro não é o único direito que a lei confere ao promitente comprador no caso da recusa de cumprir por parte da promitente vendedora, esta não pode resolver o contrato-promessa nos termos pretendidos.
Ora, o regime da falta de cumprimento de um contrato-promessa encontra-se regulado nos artºs 436º e 820º/1 e 2 do CC.
Diz o artº 436º do CC que:
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
Ao passo que o artº 820º/1 e 2 do CC reza:
1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso do não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havido convenção em contrário, o promitente-adquirente, relativamente a promessa de transmissão ou constituição onerosas de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
In casu, ficou provado que foi estipulada a antecipação dos pagamentos do preço faseados – vide os pontos 5 a 7 da matéria assente.
E a própria Autora confessou o recebimento do sinal pago pelo promitente comprador – vide o artº 8 da petição da notificação judicial avulsa, ora constante das fls. 12 dos presentes autos.
E não ficaram provados factos demonstrativos do acordo expresso das partes para afastar a execução específica.
Ante estes elementos fácticos assentes e conjugando os normativos do artº 436º com os do artº 820º, ambos do CC e supracitados, é de concluir que, in casu, não obstante a existência do sinal, que por força do disposto no artº 820º/2, primeira parte, do CC, não pode ser interpretada como afastamento da execução específica, a nossa lei, para além de sujeitar o promitente vendedor faltoso à obrigação de restituir o sinal em dobro, permite ao promitente comprador, autor do sinal, a alternativa de recorrer à execução específica para obter o cumprimento da promessa.
Isto é, o promitente comprador, autor do sinal, pode optar ou pelo recebimento do sinal em dobro, ou pelo recurso à execução específica.
Assim, se nós reconhecêssemos a validade da resolução unilateral a iniciativa da promitente vendedora mediante a simples comunicação da intenção de recusar o cumprimento da sua promessa e a restituição do sinal em dobro, estaríamos a derrogar, injustificadamente, o direito à execução específica, que a lei confere ao promitente comprador, como alternativa ao recebimento do sinal em dobro.
Pois no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado “direito ao arrependimento”, e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente comprador do direito a recorrer à execução específica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de “situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens” – palavras utilizadas pelo Prof. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 380, embora usadas em contexto algo diferente, são-nos igualmente pertinentes para explicar a mens legislatoris do artº 820º/2, primeira parte do nosso CC.
Contra essa conclusão nem se pode argumentar dizendo que in casu não há mais condições para a celebração do contrato prometido, pois nada nesse sentido foi demonstrado nos autos.
De qualquer maneira, a ora Autora tem sempre a possibilidade de invocar tal inexistência das condições para a celebração do contrato prometido no eventual processo, a instaurar pelos ora Réus, destinado à obtenção da execução específica.
Tudo visto, é de concluir que bem andou o Exmº Juiz a quo ao decidir como decidiu, não reconhecendo in casu à ora Autora a prerrogativa de revogar unilateralmente o contrato-promessa nos termos pretendidos tendo em conta as circunstância concretas do caso e que nada temos a censurar a sentença recorrida.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pela Autora, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 17MAR2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 Cfr. PIRES DE LIMA ANTUNES VARELA, CÓDIGO CIVIL ANOTADO, V. II, pg 58.
2 Cfr. ALMEIDA COSTA, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 9a EDIÇÃO, pg. 548
3 Idem, ibidem.
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Ac. 1002/2015-17