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Processo nº 931/2015
(Autos de recurso civil)

Data: 10/Março/2016

Assuntos: Execução
      Legitimidade para recorrer
      Entrega efectiva do imóvel ao depositário
      Apresentação das alegações juntamente com o requerimento de interposição de recurso

SUMÁRIO
- Se não tivesse sido efectivamente entregue o bem penhorado, não teria o depositário possibilidade de mostrar o bem a quem quer que fosse, pelo que seria pouco provável que haja alguém interessado em apresentar propostas para aquisição do mesmo bem, ou mesmo havendo interessado, apenas iria oferecer um preço relativamente mais baixo.
- Nestes termos, por ter a exequente ora recorrente interesse em impugnar o despacho que indeferiu o pedido de entrega efectiva do bem penhorado ao depositário, tem legitimidade para recorrer do tal despacho.
- A penhora de imoveis é feita mediante termo no processo, através do qual os bens se consideram entregues ao depositário, isto é, uma transferência de posse meramente jurídica, mas não deixa de haver possibilidade de se seguir a tradição material da coisa por acto judicial, se assim for requerido pelo depositário, nos termos previstos no artigo 725º do CPC.
- Se os bens nomeados à penhora se encontram em poder de um terceiro, ou seja, alguém que não é o executado, esses continuam a ser sujeitos à apreensão, sem prejuízo dos direitos que o terceiro possuidor possa opor ao exequente, nomeadamente por meio de embargos de terceiro, previstos nos termos dos artigos 715º e 292º, ambos do CPC.
- Alegando o depositário ter dificuldade em tomar conta do bem penhorado, não obstante vir alguém dizer que tinha tomado de arrendamento à executada parte do imóvel penhorado, arrendamento esse titulado por contratos celebrados em 2010, mas não logrou deduzir embargos de terceiro para obstar à efectivação da penhora, nos termos consentidos pelos artigos 982º, nº 2 e 1210º, ambos do CC, deve ser deferida a entrega efectiva do imóvel ao depositário.
- Em regra, o recurso interpõe-se por meio de requerimento no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão, sendo as alegações apresentadas no prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho que admite o recurso, mas nada impede que o recorrente, com vista a encurtar o prazo de tramitação processual, e por uma questão de celeridade processual, apresente o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações num mesmo e único acto.

O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 931/2015
(Autos de recurso civil)

Data: 10/Março/2016

Recorrente:
- A (exequente nos autos de execução)

Recorrida:
- B (executada nos mesmos autos)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pela exequente A contra a executada B, foi penhorado o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2XXXX, construído em terreno concessionado por arrendamento pela RAEM, tendo sido nomeado fiel depositário C.
A dada altura, o referido depositário pediu ao Tribunal que autorizasse a entrega efectiva do imóvel, mas foi indeferido o pedido.
Inconformada, interpôs a exequente recurso para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. 原審法官不批准從物理上向受寄人事實交付房地產,理由是認為CPC 723, 3並不要求實際地向受寄人交出受查封不動產。
2. 然而,首先,法律在CPC 725明確規定了實際交付,同時CPC 729規定了受寄人負有善良家父盡心盡力管理財產之義務,其目的只有一個,就是能確保司法變賣能在最大限度內取得成功,保障執行人的債權得以滿足,本案中,倘若漠視受寄人的訴求,不將受查封房地產向受寄人作實際交付,並由其作實際管理的話,此舉違反了法律的明文規定,也令受寄人未能履行其法定職責。
3. 其次,本執行程序的目的不能達到,因為我們可以想像,到了司法變賣階段,本案中執行人仍在佔據查封物業,仍在經營酒店的話,那麼,誰人會出標競投,以取得一間未能“交吉”的物業呢?所以,向受寄人交吉物業,以等待司法變賣後,能再交吉予取得人,這是確保執行程序能正確開展的必要手段,這也是受寄人制度的初衷。
4. 法律的規定及目的非常清楚:當不動產被查封後,該不動產必須交吉予受寄人,以確保能司法變賣能在最大限度內取得成功,沒有任何例外。
5. 被執行人曾透過異議指出被查封物業存在一商業企業,以及部份作已出租,所以不能向受寄人交付物業。這是無理的。首先,本案由執行人有權指定查封財產,現時,被執行人提出一些其他財產,以阻礙執行,是不適時的。
6. 再者,執行人指定並查封後,查封命令向被執行人作出,其有權按CPC 754條在10日內就查封提出反對,在期限過後,被執行人無權反對,所以,被執行人於27.06.2013年所作出異議,根本不應受理。
7. 其三,執行人提到查封房地產不應擴及在該處營運中的商業企業。
8. 但是,即使真的在該處存在一企業,不也會妨礙到執行人行使其權力,指定查封被執行人的房地產,因為,原因同上,被執行人有權先指定查封財產。倘被執行人指定並查封了其他足夠的財產,是可以避免其房地產遭查封。可是,被執行人並沒有這樣做,而在房地產所在處存在一企業,並不是阻礙查封該房地產的法律原因,也即時說,被執行人不能以該不動產處有一企業,來對抗法院查封該處不動產的命令。
9. 同時,在司法變賣該房地產後,該企業必然不復存在,因為,在本案中,該房地產的使用權是組成該企業(在案中,明顯是酒店)的必要因素,被執行人喪失其房地產的所有權時,也同時喪失其使用權,其酒店企業必蕩然無存。
10. 基於此,按上述,上級法院應基於違反CPC 725及其他訴訟規定,廢止原審法官fls. 166及背頁的決定,並命令批准受寄人於fls. 120所作的聲請,將被查封房地產向受寄人作實際交付,以讓受寄人能履行其法定職責。
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido com a consequente entrega efectiva do imóvel ao depositário.
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Notificada a parte contrária, pugnando pela falta de legitimidade da exequente para recorrer da decisão e pela negação de provimento ao recurso.
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Posteriormente, foi interposto um segundo recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
1. 上訴人在聲請上訴同時呈交上訴陳述,其目的在於適時推動程序,符合司法上的慣例,屬單純事務上的操作,沒有違反法律,沒有影響到案件的審判,也沒有影響到他方當事人的權利。故此,上級法院應廢止該決定,並裁定上訴人在05.05.2015提起的平常上訴連同陳述屬適時及合法。
2. 亦因適時及合法,廢止該附隨事項訴訟費之決定,以及
3. 第255頁當中,原審法院在沒有說明理由下中止程序,法院中止訴訟的決定並非純事務性的決定,也並非自由裁量的決定,原審法官以等待異議結果為由中止執行程序,是超越了法律的設計,所以並不合理。故此,該決定屬可上訴,上級法院應廢止原審法院不批准上訴的決定,命令原審法院批准上訴。
倘上級法院不認同第3點,則:
4. 第255頁當中,原審法院在沒有說明理由下中止程序,法院中止訴訟的決定並非純事務性的決定,也並非自由裁量的決定,原審法官以等待異議結果為由中止執行程序,是超越了法律的設計,所以並不合理。故此,該決定可上訴,而按第267及268頁中不批准上訴的決定,按CPC 595, 2應以聲明異議方式作出,所以,上級法院應廢除這部份的上訴,命令原審按聲明異議方式,來處理第255頁的決定可否上訴的問題。
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso.
A este recurso não respondeu a recorrida.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Atenta-se à seguinte factualidade relevante para a decisão dos recursos:
Em 17.12.2012, foi deduzida pela exequente ora recorrente a presente execução. (fls. 2)
Por despacho de 8.4.2013, foi autorizada a penhora do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 21366, construído em terreno concessionado por arrendamento pela RAEM, tendo sido nomeado fiel depositário C. (fls. 61)
Em 24.5.2013, o referido depositário pediu ao Tribunal que se ordene a entrega efectiva do imóvel nos termos previstos no artigo 725º do CPC, mas foi indeferido o pedido. (fls. 120, 165 verso e 166)
Não se conformando, a exequente interpôs recurso para este TSI.
Em 14.4.2015, pelo juiz do TJB foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, solicite informação, no termo do prazo referido a fls. 535 verso dos autos de reclamação, sobre o estado dos embargos.” (fls. 255)
Desse despacho interpôs a exequente, em 5.5.2015, recurso para este TSI, formulando num único articulado o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações. (fls. 265 e 266)
Em resposta a esse pedido, o juiz deu em 8.5.2015 o seguinte despacho (fls. 267 e 268):
“Nos termos do artº 593º do CPC, o recurso interpõe-se por requerimento.
     Só após a notificação da sua admissibilidade, pode a recorrente apresentar as suas alegações – artigo 613º, nº 2 do CPC.
     Ora, no caso, em jeito de recurso penal, duma assentada, apresentam-se quer o requerimento aludido, quer as alegações, tudo no mesmo “papel”.
     Destarte é extemporânea a apresentação das alegações.
     Pelo exposto desentranhe o requerimento e devolva.
     Notifique, sendo a recorrente para apresentar requerimento de interposição de recurso no prazo de 10 dias e por forma a beneficiar do momento em que juntou o seu requerimento desentranhado.
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Custas do incidente com taxa de justiça fixada em 5 U.C. (artº 15º do RCT).
Notifique.
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Vista a procedência dos embargos de executado, nos termos do artigo 223º nº 1, última parte do CPC, declaro suspensa a execução até que seja proferida decisão naqueles autos pelo STJ, digo TSI.
A razão de ser desta opção tem que ver com a circunstância de que nenhum prejuízo advém da paralisação do andamento dos autos para a exequente visto a garantia emergente para o seu “crédito” materializado na penhora.
Atento o disposto no artº 702º do CPC, enquanto estiverem pendentes os embargos, nunca o exequente, ou qualquer credor, poderá obter pagamento.
A suspensão, na nossa óptica, releva de bom senso, assim se impondo com racionalidade e no quadro de uma opção de cautela.
Fica assim claro o que esteve na nossa mente quando se proferiu o despacho de fls. 255, destarte também dando substância jurisdicional à decisão e por forma a que não haja dúvidas da sua recorribilidade, facto que poderia não ser evidente relativamente ao que foi posto em crise (fls. 255).
Notifique.”
Por requerimento de 26.5.2015, a exequente interpôs recurso do despacho de fls. 255 e também recurso do despacho de fls. 267 e 268. (fls. 272)
Por despacho de 5.6.2015, foi apenas admitido o recurso do despacho de fls. 267 e 268, e não o do de fls. 255, por entender que a decisão de fls. 255 foi substituída pela decisão de fls. 267 verso e 268. (fls. 274)
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Comecemos pelo primeiro recurso.
Foi penhorado nos presentes autos o bem imóvel melhor identificado nos autos, tendo o depositário nomeado nos autos pedido ao Tribunal a sua entrega efectiva nos termos concedidos pelo artigo 725º do CPC, mas foi indeferido o pedido.
Defende a recorrida que a recorrente não tem legitimidade para interpor o recurso, por não se enquadrar em qualquer das circunstâncias previstas no artigo 585º do CPC.
Preceitua-se nessa disposição legal que “1. Os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido; 2. As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem dela recorrer, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.”
A doutrina portuguesa dominante entende que a legitimidade para recorrer deve aferir-se por um critério material, no sentido de que tem legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão for desfavorável (ou não for a mais favorável que podia ser), qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal a quo.1
Por outro lado, a legitimidade para recorrer afere-se ainda pelo critério do prejuízo directo e efectivo, na medida em que podem recorrer aquelas pessoas que sejam directa e efectivamente prejudicadas pela decisão.
No vertente caso, não obstante o pedido de entrega efectiva ter sido formulado pelo depositário, mas é bom de ver que ele, para além de ter direito a receber determinada remuneração, não tem qualquer interesse na execução, antes pelo contrário é a própria exequente ora recorrente que terá interesse em ver os autos prosseguirem os seus trâmites até final, de modo que os bens penhorados possam ser vendidos ao melhor preço com vista a recuperação do seu crédito.
De facto, se não tivesse sido efectivamente entregue o bem penhorado, não teria o depositário possibilidade de mostrar o bem a quem quer que fosse, pelo que seria pouco provável que haja alguém interessado em apresentar propostas para aquisição do mesmo bem, ou mesmo havendo interessado, apenas iria oferecer um preço relativamente mais baixo.
Nestes termos, salvo o devido respeito por melhor opinião, por ter a exequente ora recorrente interesse em impugnar o despacho que indeferiu o pedido de entrega efectiva do bem penhorado ao depositário, entendemos que a mesma tem legitimidade para recorrer do tal despacho, pelo que passamos agora a apreciar a questão suscitada no recurso.
Foi pedida a entrega efectiva do imóvel penhorado ao depositário, mas decidiu-se no despacho recorrido que a entrega do imóvel a que se alude no artigo 723º, nº 3 do CPC tem um sentido meramente jurídico não exigindo, portanto, a concreta tradição da coisa.
Além disso, entende-se ainda que, caso exista o alegado arrendamento de parte do imóvel, é impossível a sua entrega pelo menos no que a esta parte concerne.
Quid iuris?
Estatui-se no nº 3 do artigo 723º do CPC que a penhora de imoveis é feita mediante termo no processo, através do qual os bens se consideram entregues ao depositário, isto é, uma transferência de posse meramente jurídica, mas não deixa de haver possibilidade de se seguir a tradição material da coisa por acto judicial, se assim for requerido pelo depositário, nos termos previstos no artigo 725º do CPC.
Como observa José Lebre de Freitas, “pela penhora, o direito do executado é esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passam para o tribunal, que, em regra, os exercerá através dum depositário. Quando a penhora incide sobre o objecto corpóreo dum direito real (penhora de bem imóvel, penhora de bem móvel, penhora de quota em bem indiviso), a transferência dos poderes de gozo importa uma transferência de posse. Cessa a posse do executado e inicia-se uma nova posse pelo tribunal: nomeado um depositário, este passa, em nome alheio (do tribunal), a ter a posse do bem penhorado.”2
Aliás, diz ainda o artigo 715º do CPC o seguinte:
“Os bens do executado são apreendidos ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem prejuízo dos direitos que a este seja lícito opor ao exequente.”
Em regra, se os bens nomeados estão na posse do executado, o funcionário judicial deve efectuar a penhora, mas se o executado alega, no acto de penhora, que os bens penhorados pertencem a um terceiro, cabe ao funcionário averiguar a que título os bens se acham em poder do executado e exigir a apresentação da eventual prova documental. Havendo dúvidas sobre a titularidade do bem, o funcionário deve efectuar primeiro a penhora, cabendo ao tribunal resolver, depois de ouvidos o exequente e o executado e de obtidas as informações necessárias, se a penhora deve ser mantida (artigo 716º CPC).
Mas pode acontecer que os bens nomeados à penhora se encontram em poder de um terceiro, ou seja, alguém que não é o executado. Neste caso, os bens continuam a ser sujeitos à apreensão, sem prejuízo dos direitos que o terceiro possuidor possa opor ao exequente, nomeadamente por meio de embargos de terceiro, previstos nos termos dos artigos 715º e 292º, ambos do CPC.
Ora bem, no vertente caso, verifica-se que depois de feita a penhora, alguém veio dizer que tinha tomado de arrendamento à executada parte do imóvel penhorado, arrendamento esse titulado por contratos celebrados em 2010, mas não logrou, segundo se constata nos autos, deduzir embargos de terceiro para obstar à efectivação da penhora, nos termos consentidos pelos artigos 982º, nº 2 e 1210º, ambos do CC.
Refere Teixeira de Sousa3 que “os bens nomeados à penhora podem encontrar-se em poder de um terceiro, isto é, alguém que não é o executado. Esta circunstância não impede a sua apreensão, sem prejuízo, porém, dos direitos que o terceiro possuidor possa opor ao exequente. Assim, ainda que o bem nomeado tenha sido, por exemplo, arrendado ou comodatado a um terceiro, isso não obsta à apreensão do bem.”
Daí que, salvo o devido respeito, entendemos que no caso em apreço nada impede que se proceda à apreensão dos bens do executado, em conformidade com o disposto no artigo 715º do CPC, e uma vez que alega o depositário ter dificuldade em tomar conta do bem penhorado, deve ser deferida a sua entrega efectiva, ao abrigo dos termos do artigo 725º do CPC.
Destarte, concede-se provimento ao recurso da exequente quanto a esta parte.
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Antes de entrar na apreciação do segundo recurso, vejamos o desencadeamento dos eventos que culminou com o tal recurso:
- Por despacho do juiz proferido a fls. 255, determinou que, decorrido o prazo de 60 dias, fosse solicitada informação sobre o estado dos embargos de executado a correr seus termos processuais no TSI.
- Inconformada, dele interpôs a exequente recurso, tendo formulado num único articulado o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações.
- Por despacho de fls. 267 e 268, o juiz deu duas decisões: a primeira diz respeito à extemporaneidade das alegações, por entender que só após a notificação da admissibilidade do requerimento de recurso é que podia a recorrente apresentar as suas alegações, daí que ordenou o desentranhamento da referida peça e condenou a recorrente em custas do incidente; e em relação à segunda parte do despacho, decidiu suspender a execução até que seja proferida decisão nos autos de embargos de executado, dando substância jurisdicional à decisão de fls. 255.
- Novamente inconformada, interpôs a exequente dois recursos, um do despacho de fls. 255 e outro do despacho de fls. 267 e 268, mas só foi admitido recurso do último despacho.
Prevê-se no artigo 589º, nº 3 do Código de Processo Civil de Macau que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”.
Com fundamento nesta norma tem-se entendido que se o recorrente não leva às conclusões da alegação uma questão que tenha versado na alegação, o tribunal de recurso não deve conhecer da mesma, por se entender que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.4
Daí que, é perante a matéria de facto acima descrita que se vai conhecer desse segundo recurso, tendo em conta as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito.
Nas suas conclusões, a recorrente suscita duas questões: uma no sentido de que, não obstante ter ela formulado num único articulado o requerimento de recurso e as respectivas alegações, não há qualquer violação de lei, pelo que entende dever o tribunal a quem julgar tempestiva a apresentação das alegações juntamente com o requerimento de interposição de recurso e, em consequência, revogar a decisão de condenação em custas do incidente; outra tem a ver com a (in)admissibilidade de recurso do despacho de fls. 255, defendendo a recorrente nas suas conclusões alegatórias que o despacho de fls. 255 é legalmente recorrível, pedindo, assim, que se revogue o despacho recorrido que não admitiu o recurso daquele despacho (de fls. 255), ou que se mande seguir os termos próprios da reclamação, com vista a apreciar a questão de (in)admissibilidade de recurso daquele mesmo despacho.
Começamos por esta última questão.
Notificada do despacho de fls. 267 e 268, a recorrente interpôs recurso, respectivamente, do despacho de fls. 255 e do despacho de fls. 267 e 268, tendo apenas sido admitido recurso do último despacho.
Em boa verdade, uma vez que não foi admitido o recurso do despacho de fls. 255, se a recorrente pretendesse impugnar a referida decisão de indeferimento, deveria reclamar para o presidente do TSI, nos termos previstos no artigo 595º, nº 1 do CPC, e não bastaria defender e pedir a admissibilidade daquele recurso nas próprias alegações de um outro recurso, que é o caso.
E não se diga que se deve aplicar o disposto no nº 2 do artigo 595º do CPC, sendo este aplicável apenas nas situações em que, perante uma decisão de indeferimento de recurso, o recorrente em vez de reclamar, veio interpor recurso, daí que, em prol dos princípios da cooperação e da economia processual, a lei manda neste caso seguir os termos próprios da reclamação.
Mas no presente caso, perante a decisão de indeferimento do recurso interposto do despacho de fls. 255, a recorrente não logrou interpor recurso, apenas vem defender a sua tese nas alegações de um outro recurso, pelo que entendemos que o disposto no artigo 595º do CPC é manifestamente inaplicável in totum.
Tudo para apontar a improcedência das razões vertidas nos pontos 3 e 4 das suas conclusões.
*
Em relação à questão vertida nos pontos 1 e 2 das conclusões das alegações do seu recurso, defende a recorrente que a lei não proíbe a formulação num único articulado o requerimento de interposição de recurso e, em simultâneo, as respectivas alegações, pelo que entende dever ser admitida a apresentação das alegações juntamente com o requerimento de interposição de recurso, com a consequente revogação da decisão que condenou a recorrente em custas do incidente.
Em nossa opinião, em certa medida, julgamos ter razão a recorrente.
Em regra, o recurso interpõe-se por meio de requerimento no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão, sendo as alegações apresentadas no prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho que admite o recurso.
Trata-se de um prazo peremptório cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, isto é, marca o dia do termo do prazo de prática do respectivo acto processual.
Em nossa modesta opinião, embora a lei preveja que o prazo para apresentação das alegações conta-se a partir da notificação da decisão que admite o recurso, mas nada impede que o recorrente, com vista a encurtar o prazo de tramitação processual, e por uma questão de celeridade processual, apresente o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações num mesmo e único acto.
Nesta medida, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, julgamos que as alegações de recurso podem ser apresentadas juntamente com o requerimento de interposição de recurso, pelo que não se deve considerar a recorrente ter dado causa ao referido incidente, e em consequência, há-de revogar-se o despacho recorrido no tocante à condenação da recorrente em custas do incidente.
Mas quanto à própria peça processual constituída pelo requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações, entendemos que aquela se tornou supervenientemente inútil com o proferimento da segunda parte do despacho de fls. 267 e 268.
Em bom rigor, a decisão de fls. 255 foi substituída pelo despacho de fls. 267 verso e 268, daí que, mesmo que se considerem tempestivas as alegações, aliás apresentadas juntamente com o requerimento de interposição de recurso, entendemos que nenhuma relevância jurídica possui tal peça processual em virtude de que, com aquela substituição, a decisão de fls. 255 deixou de ter existência autónoma.
Nestes termos, concede-se parcialmente provimento a este segundo recurso, revogando-se o despacho recorrido no tocante à condenação da recorrente em custas do incidente, julgando-se supervenientemente inútil a peça apresentada pela recorrente em 5.5.2015.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcialmente provimento aos recursos interpostos pela recorrente A e, em consequência:
- Autorizar a entrega efectiva do imóvel penhorado ao depositário, nos termos previstos no artigo 725º do CPC;
- Revogar a decisão quanto à condenação da recorrente em custas do incidente.
Custas do primeiro recurso pela recorrida, e do segundo pelas recorrente e recorrida, em partes iguais.
Registe e notifique.
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RAEM, 10 de Março de 2016
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 Teixeira de Sousa, citado por José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, pág. 19
2 José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, p. 216
3 Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 1998, p. 259
4 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, p. 663
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