Proc. nº 311/2015
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 25 de Fevereiro de 2016
Descritores:
- Imposto de turismo
- Incidência real
- Hotéis
- Actividades específicas
- Actividades principais e complementares
- Caducidade da liquidação
SUMÁRIO:
I. Dentro da actividade específica que desenvolvem hoje em dia, os hotéis prestam serviços principais, como o alojamento e alimentação, além de outros, que se dizem complementares.
II. Todos os serviços complementares, à excepção dos excluídos expressamente no art. 1º, nº 2, al. a), do RIT, são tributados em imposto de turismo
III. O Imposto de turismo é um imposto indirecto, que não incide sobre o rendimento (não se tributa o lucro), mas sobre a actividade (o serviço) e o respectivo valor.
IV. O prazo de caducidade de 5 anos referido no art. 9º do RIT inicia a sua contagem no primeiro dia do ano seguinte àquele (ano) a que respeita a liquidação.
Proc. nº 311/2015
(Recurso Contencioso)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, com sede em Macau, na ….., Taipa, contribuinte fiscal n.º XXXXXXX4, ------
Recorre contenciosamente do despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 19 de Janeiro de 2015, que indeferiu o recurso hierárquico necessário, onde peticionou a revogação do acto de liquidação de Imposto de Turismo relativo ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2009 concernente ao estabelecimento B.
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Na petição inicial, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. É entidade recorrida o Senhor Secretário para a Economia e Finanças e objecto do recurso o seu Despacho de 19/01/2015, que indeferiu o recurso hierárquico necessário em que se impugnou a liquidação de Imposto de Turismo referente ao período de tributação dos meses de Janeiro a Dezembro de 2009 relativo ao estabelecimento B.
2. O valor da colecta notificada foi integralmente pago sob reserva.
3. O acto recorrido padece de falta de fundamentação, por não fornecer a interpretação do artigo 1.º do RIT, não discriminar os serviços concretamente prestados que originam o facto tributário nem o período em que o facto tributário ocorreu ou o preço individualizado.
4. O acto recorrido padece de falta de fundamentação, por ofensa aos artigos 70.º, alínea a), 114.º e 115.º, todos do CPA.
5. A recorrente não se pronunciou no procedimento do 1º grau, iniciado pela entidade recorrida, e que culminou com o acto de liquidação adicional do Imposto de Turismo.
6. A dispensa da audiência de interessados prevista no artigo 97.º do CPA exige uma decisão devidamente fundamentada nesse sentido.
7. Não existe no procedimento administrativo decisão que dispense a audiência de interessados e respectiva fundamentação, pelo que a decisão da entidade recorrida que sancionou tal actuação ofende a regra do artigo 97.º do CPA, o que consubstancia vício de violação de lei conducente à anulabilidade do acto recorrido.
8. A violação do direito de audiência da recorrente imposto pelos artigos 10.º e 93.º do CPA, consubstancia vício de forma determinante da invalidade do acto recorrido, conducente à sua anulação.
9. É ilegal a liquidação de IT no período compreendido entre 1 de Janeiro e 3 de Maio de 2009, por ofensa ao artigo 9.º do RIT, encontrando-se a matéria colectável apurada até à recepção da respectiva notificação, que ocorreu em 3/05/2014, abrangida pelo instituto da caducidade do direito à liquidação.
10. O IT é um imposto de obrigação única que tem por base um facto instantâneo, nascendo a obrigação fiscal de eventos autónomos, pelo que a contagem do prazo de caducidade se inicia na data da ocorrência desse facto.
11. No Imposto de Turismo o facto tributário ocorre no momento da prestação do serviço.
12. A verificação da caducidade conduz à violação de lei, consubstanciada na ofensa ao artigo 9.º do RIT.
13. A entidade recorrida assume que o serviço facturado por um estabelecimento hoteleiro está sujeito a IT mesmo que não se prenda com esta actividade específica ou o serviço tenha sido prestado por terceiros.
14. São serviços complementares os que se relacionam com a dormida no hotel, tais como as refeições, tratamento de roupa e o acesso a meios de telecomunicação.
15. Não se incluem no âmbito da incidência do IT todos os serviços que não tenham qualquer carácter complementar ao alojamento por não existir entre ambos uma relação de acessoriedade.
16. O alojamento não pressupõe o fornecimento de certos bens ou o acesso a certos serviços, como os que a entidade recorrida considerou incluídos no âmbito da tributação do IT.
17. As verbas room service/in-suite dining não estão sujeitas a IT, por não ser a unidade hoteleira que providencia esses serviços no âmbito das suas actividades específicas, mas sim os restaurantes instalados num complexo hoteleiro, e que estão isentos de IT, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 15/2008.
18. É ilegal a liquidação de IT referente às verbas pela utilização do mini-bar.
19. A utilização do centro de escritórios/business centre não se encontra sujeita a IT.
20. O facto do centro de escritórios se encontrar localizado no estabelecimento hoteleiro não o qualifica como uma actividade específica dos estabelecimentos hoteleiros ou um serviço complementar.
21. O serviço de in-suite movies não é prestado pela recorrente, mas por uma entidade terceira que desenvolve esta actividade económica, sendo o rendimento desse serviço da empresa prestadora sujeito ao Imposto Complementar de Rendimentos, excluídos da determinação da matéria colectável do IT, nos termos do artigo 5.º do RIT.
22. Os valores dos descontos oferecidos aos hóspedes não se encontram sujeitos a IT, porque o valor tributável deste imposto é o preço efectivamente cobrado pelos serviços.
23. O RIT não prevê que o imposto é devido ainda que o preço não seja cobrado.
24. A entidade recorrida atribui ao termo serviços complementares uma abrangência que não encontra fundamento na norma de incidência, enquadrando nesse conceito todas as actividades realizadas num estabelecimento hoteleiro, em violação aos princípios da Legalidade e da Tipicidade previstos no artigo 71.º, alínea 3) da Lei Básica.
25. A criação de factos tributários por forma a obter a incidência do IT constitui um acto ilegal à luz dos Princípios do Direito Tributário, que não admitem a integração de lacunas ou a interpretação extensiva, em sede de elementos essenciais do regime fiscal, em especial da incidência.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.ªs entendam por bem suprir, se requer a anulação do acto do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 19 de Janeiro de 2015, que indeferiu a pretensão formulada em sede de recurso hierárquico necessário, onde se peticionou a revogação do acto de liquidação de Imposto de Turismo no período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2009 relativo ao estabelecimento B, no valor de MOP 37,990.00 Patacas (trinta e sete M/1, novecentas e noventa Patacas) por alegados serviços prestados pela recorrente pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC:
a) em vício de forma, por falta de fundamentação;
b) em vício de violação de lei do artigo 97.º do CPA e em vício de forma por preterição da audiência de interessados, imposta pelo artigo 93.º do mesmo Código;
c) em vício de violação de lei, por ofensa aos artigos 1.º, 2.º, 5.º e 9.º do RIT e do artigo 15.º da Lei n.º 15/2008;
d) em vício de violação de lei, por ofensa aos Princípios da Legalidade e da Tipicidade, consagrados no artigo 71.º, alínea 3) b da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
Mais se requer, a citação da entidade recorrida para, querendo, contestar o presente recurso, ao abrigo do artigo 53.º do CPAC, bem como para, nos termos do n.º 1 do artigo 55.º do mesmo Código, juntar o original do processo administrativo integral bem como todos os demais documentos atinentes à matéria do presente recurso.».
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A entidade recorrida contestou, apresentando as seguintes conclusões:
«Iª - O acto de liquidação oficiosa recorrido encontra-se devidamente fundamentado na Proposta n.º 0200/NVT/DOI/RFM/2014, onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para terem sido aquelas actividades tributadas, em obediência ao artigo 115.º do CPA, que dispõe que a fundamentação “deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão…”.
IIª - E as razões de facto e de direito subjacentes ao acto de liquidação oficiosa constantes da proposta referida foram sucintamente vertidas na Nota constante no verso do modelo M/6 notificada à ora recorrente.
IIIª - Foram indicados os serviços, o período a que estes respeitam, os montantes, a taxa aplicável e as normas legais em que assenta a liquidação.
IVª - Conforme factos apurados pela análise das declarações da recorrente em sede de Imposto Complementar de Rendimentos e de Imposto de Turismo e na sequência da resposta da recorrente aos pedidos de informação da administração Fiscal, foram apurados os elementos relevantes e discriminados os rendimentos de acordo com os items constantes da Proposta n.º 0200/NVT/DOI/RFM/2014.
Vª - O acto de liquidação oficiosa relativo ao período de 12 meses do ano de 2010 impôs-se perante a falta de declaração de diferentes serviços por parte da recorrente face à diferença apurada entre a declaração da recorrente relativamente ao imposto complementar de rendimentos e as declarações relativas ao imposto de turismo.
VIª - Sendo, pois, correcta a liquidação adicional nos termos do artigo 8.º do RIT.
VIIª -Aliás, após ter sido notificada da liquidação oficiosa a ora recorrente apresentou inclusivamente reclamação e recurso hierárquico daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação das actividades em sede de imposto de turismo.
VIIIª - Constituindo a falta ou insuficiência de fundamentação um vício de forma que determina, em princípio, a invalidade do acto administrativo, sem conceder, sempre se dirá que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance (vide STA 26.06.91, proferido no recurso n.º 10457, de 18.05.94, proferido no recurso n.º 17940, de 4.06.97, proferido no recurso n.º 21228, de 11.06.97, proferido no recurso n.º 16376).
IXª - Sendo não essencial a comunicação da fundamentação integral do acto este é plenamente eficaz se tal notificação não for requerida pelo administrado como o não foi no caso dos autos e após a notificação do acto de liquidação oficiosa a ora recorrente não solicitou qualquer elemento que considerasse em falta.
Xª - Os regulamentos fiscais são especiais relativamente ao previsto no CPA, pelo que, não havendo lacuna, não se aplica supletivamente o CPA, nos termos do n.º 6 do seu artigo 2.º
XIª - Não havendo lugar a audiência dos interessados na liquidação oficiosa prevista no artigo 8º do RIT.
XIIª - In casu, relativamente ao imposto de turismo está prevista a auto liquidação em que o legislador já dá oportunidade ao contribuinte de dar o seu contributo para o cumprimento da obrigação fiscal.
XIIIª - Se a Administração fiscal, na sua actividade fiscalizadora, ou recorrendo simplesmente aos registos, encontra dados novos que permitem a liquidação oficiosa pode e deve faze-lo sem ter que efectuar qualquer audiência prévia, conforme se alcança de forma inequívoca na previsão do artigo 8º do RIT.
XIVª - O Regulamento é bem claro e nem a necessidade correcção da liquidação ou a natureza do Direito Fiscal admite semelhante detença.
XVª - O que não significa que, havendo alguma dúvida, como foi o caso, não possam as mesmas ser dissipadas através de troca de ofícios, mas não pelo alegado dever de audiência do contribuinte, que ainda não existe no ordenamento jurídico da RAEM, tendo, contudo a recorrente sido ouvida.
Direito
XVIª - Enquanto proprietária de um estabelecimento hoteleiro assim definido nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, é a recorrente, sujeita à incidência do imposto de turismo, por aplicação conjugada dos artigos 1.º e 2.º do RIT.
XVIIª - Estão compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3.º do Decreto Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, sejam alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no n.º 2 do artigo 1.º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias que são excluídos da incidência do imposto.
XVIIIª - Sendo assim, os serviços complementares prestados pelos estabelecimentos hoteleiros são tributáveis, só estando excluídos da norma de incidência os já mencionados serviços complementares referentes a telecomunicações e lavandarias.
XIXª - O conceito de serviços complementares pressupõe como se disse o mesmo fim Da actividade principal, de alojamento e restauração e ainda todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tomaram necessário juntar às actividades principais.
XXª - O serviços previstos para a concessão a um hotel de esta ou aquela categoria por corresponderem a prestações de serviços incluídos nas exigências de conforto de determinada unidade hoteleira são considerados serviços complementares incluídos nas actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros independentemente de poderem ser desenvolvidas por um outro agente económico. Veja-se o serviço de lavandarias - lavandarias e tinturarias - que é qualificado no âmbito da Contribuição Industrial com o código próprio da Tabela de Actividades 95.20.00 e não se põe em causa ser um serviço complementar.
XXIª - A opção por prestar directamente o serviço, ou disponibilizar certo tipo de produtos, ou, por mera opção de gestão, subcontratar a uma empresa terceira certo tipo de serviços não tem, na óptica da Administração Fiscal, qualquer efeito em termos fiscais, na medida em que o serviço é disponibilizado ao cliente que, a partida, sabe que pode contar com ele, por constar na “lista de serviços disponibilizados e publicitados pelo Hotel”.
XXIIª - Presentemente em Macau a realidade traduz-se na oferta de serviços de uma diversificação e sofisticação tal que o legislador, embora não tenha previsto, sabedoramente acautelou ao enunciar uma norma aberta com o conceito indeterminado, mas determinável, de “serviços complementares” de estabelecimentos hoteleiros e similares.
XXIIIª - Os serviços como banquetes room-service/in-suite dining, e food&beverage, estacionamento e In-suite movies entre outros entre outros são serviços para benefício dos quais os clientes escolhem ficar alojados na unidade hoteleira e que as mesmas usam cada vez mais para atrair a atenção e conquistar os clientes, que visam complementar a sua actividade principal.
XXIVª - São pois serviços que apelam ao cliente, pela possibilidade de obter comodamente e por vezes até com vantagem de preço no conjunto, beneficiando em seu favor a relação custo benefício, ficando o valor do imposto de turismo diluído, até pela taxa residual diminuta, no valor global praticado, não interessando para o caso quem efectivamente presta o serviço - o que necessariamente integra estes serviços no conceito legal de serviços complementares.
XXVª - Quanto à tributação que ocorre sobre a totalidade do preço, independentemente de, em resultado de desconto, o cliente beneficiar de um preço preferencial refira-se que nos termos do artigo 37.º do DL n.º 16/96/M, de 01/04/96, e do artigo 5.º do RIT, o preço dos serviços prestados será o preço dos serviços prestados aos clientes indicados na tabela de preços e não o preço preferencial oferecido aos clientes ou preços cobrados após desconto, não havendo, também aqui, infracção ao artigo 5.º do RIT.
XXVIª - Estão compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3º do Decreto Lei nº 16/96/M, de 1 de Abril, são alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no nº 2 do artigo 1º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias.
XXVIIª - Esta norma (nº 2 do artigo 1º RIT) constitui uma norma de delimitação negativa da situação jurídica de incidência, precisando, em sentido restritivo, o âmbito da norma de incidência (o nº 1 do artigo 1º do RIT) de forma a evitar o enquadramento no âmbito do respectivo tipo de certas realidades que nele estariam incluídas se tal norma não existisse. Neste caso, os serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias.
XXVIIIª - Os serviços de banquetes, room-service/in-suite dining e food&beverage, parque de estacionamento, in-suite movies e os serviços prestados com descontos oferecidos aos hóspedes - sendo tributável o valor constante da tabela de preços -, foram efectivamente prestados pelo “B” no hotel caindo no âmbito de incidência do imposto de turismo por se enquadrarem nos respectivos serviços complementares (artigos 1.º e 2.º do RIT) e não beneficiarem de qualquer isenção pelo que inexiste violação dos princípios da Legalidade e da Tipicidade do regime tributário do artigo 71.º alínea 3) da Lei Básica.
XXIXª - Também não colhe a alegada analogia a que recorreu a administração tributária para uma suposta integração de lacunas, quando relativamente ao conceito de “serviços complementares” estamos no campo da interpretação de normas jurídicas tributárias e não no da aplicação dessas normas a casos semelhantes não previstos pelo legislador.
XXXª - Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.
Termos em que se requer a V.Exa, que seja o presente recurso declarado improcedente e, consequentemente, mantido o acto recorrido.».
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Não houve lugar a produção de prova e nas alegações facultativas as partes mantiveram no essencial as respectivas posições já anteriormente assumidas.
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O digno Magistrado do MP emitiu, por fim, o seguinte parecer:
« Vem “A”, impugnar o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 19/1/15 que, em sede de recurso hierárquico, manteve acto de liquidação oficiosa de Imposto de Turismo relativo ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2009, relativo ao estabelecimento “B”, assacando-lhe vícios de falta de fundamentação, preterição de audiência prévia e violação de lei, por ofensa, seja dos artºs 1º, 2º, 5º e 9º do R.I.T., e 15º da Lei 15/2008, seja por atropelo dos princípios da legalidade e tipicidade consagrados no artº 71º, al 3 da LBRAEM.
Por partes:
Começando pela questão da caducidade, limitar-nos-emos, a este propósito, a remeter para o decidido por este Tribunal, no âmbito do proc. 586/2013, no sentido de que “o artº 9º do RIT prevê de forma clara que o prazo de 5 anos da caducidade só se conta a partir do termo do período anual de tributação, visto que a palavra “àquele”, resultante da contracção da preposição “a” com o pronome “aquele”, só pode significar “ao ano”.
Nestes parâmetros, sem necessidade de maiores alongamentos ou considerações, resultando claro que o prazo de caducidade só se conta a partir do termo do período anual de tributação e não da data de ocorrência do facto, conforme pretendido pela recorrente, fácil é verificar, atenta a data da liquidação em causa, a falta de razão daquela neste específico.
Quanto ao restante, a A. Fiscal procedeu à liquidação oficiosa relativa ao período em questão por, no seu critério, ter existido falta de declaração de diferentes serviços prestados pela recorrente, face à diferença apurada entre a declaração desta relativamente ao I.C.R. e ao I.T., pelo que, na sequência de resposta daquela aos pedidos de informação na matéria, se apuraram os elementos relevantes, discriminando-se os serviços, os períodos a que os mesmos respeitam, os montantes e a taxa aplicável, efectuando-se também referência às normas legais em que assentou a liquidação, tudo expressamente vertido na “Proposta” em que se fundou o acto sob escrutínio.
Poder-se-á, obviamente, não concordar com a interpretação e integração operadas: o certo é que, porém, do conteúdo de tal “Proposta” se colhem, com clareza, suficiência e congruência, as razões factuais e jurídicas que presidiram à necessidade da liquidação oficiosa em questão e respectivos contornos, razões cujo alcance a recorrente não deixou de aperceber, a avaliar, até, pelo conteúdo do argumentado em sede de reclamação e recurso hierárquico.
Depois, estando cometida a competência para a liquidação do I.T., em primeira linha, aos sujeitos passivos (nºs 1, al a) e 2 do artº 7º, R.I.T.), concedendo, pois, o legislador ao contribuinte a oportunidade, quer da introdução dos dados, do seu contributo para o cumprimento da obrigação fiscal, quer ainda da rectificação dos erros porventura cometidos (nº 3 do mesmo normativo), para além da intervenção da recorrente durante o procedimento, quando para tal interpelada, relativamente a dúvidas, correcções e imprecisões das declarações apresentadas, bem se pode afirmar ter-se a interessada já pronunciado no procedimento sobre as questões que importaram à decisão, mal se compreendendo, pois, a necessidade de audiência prévia em casos de liquidação oficiosa a que se reporta o artº 8º do diploma em questão.
Finalmente, no que respeita à suposta violação de lei, por atropelo, quer dos princípios da legalidade e tipicidade ínsitos na LBRAEM, quer dos normativos apontados do R.I.T., reconduz-se a argumentação à mesma ideia fundamental: a de que a entidade recorrida aribui aos “serviços complementares” uma abrangência não permitida pela norma de incidência, considerando a recorrente que, no caso específico, as verbas “room service/in suite dining”, “mini-bar”, “centro de escritórios/business”, “in-suite movies” e “descontos oferecidos aos hóspedes, não se poderão enquadrar no conceito de “actividades específicas” a que alude a al a) do nº 1 do artº 1 º do R.I.T.
Pois bem:
Dispõe tal normativo, que, “O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de
a) Estabelecimentos hoteleiros e similares, como tal definidos no Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto-Lei nº16/96/M de 1 de Abril”, acrescentando a al a) do artº 2 do mesmo diploma que “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que:
a) Prestem os serviços previstos no nº 1 do artigo anterior”.
Serve o sublinhado, a que nós próprios procedemos, para realçar que, não obstante o artº 3º do Dec Lei 16/96/M considerar como estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares, tal “complementaridade”, não poderá deixar de se ater e respeitar, para efeitos de incidência do I.T., às actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros, já que é sobre elas que recai, inquestionavelmente a incidência real do imposto.
Compreende-se a argumentação da recorrida, ao tentar integrar no conceito de “serviços complementares” de hotelaria todos os serviços que as actuais exigências de conforto não dispensam, exigências essas que, como é óbvio, se vêm acentuando com o decorrer dos tempos, até como forma de atrair a atenção e conquistar clientela.
Cremos, porém, que uma coisa é a integração de tais serviços como “complementares”, outra, bem diversa, será considerá-los como fazendo parte das “actividades específicas” de hotelaria, alvo da incidência real do I.T.
“Específico”, deterá, aqui, cremos, o significado de “próprio de “, “característico “, conceito que, aliás, se mostra reforçado pelas exclusões formuladas pela al a) do nº 2 do artº 1º do diploma em questão, já que as mesmas se reportam a serviços (lavandarias, telecomunicações) que vemos como integradoras de actividades que é comum, é próprio, as unidades hoteleiras prestarem.
Nesse sentido, não vemos, desde logo, como “actividades específicas” da hotelaria a prestação de serviços directamente por terceiros, em que o estabelecimento hoteleiro se limita a pagá-los àqueles, debitando posteriormente aos clientes as quantias respectivas.
Compreendendo, repete-se, a evolução das exigências da clientela relativamente ao conforto adveniente do fornecimento, pelo hotel onde se encontre instalada, dos mais variados serviços do dia a dia e entretenimento, tomando-se, pois, cada vez mais amplo o conceito de “serviços complementares “, cremos, porém, que a incidência real do imposto não será passível de comportar fluidez que permita integrar na mesma todos aqueles serviços, havendo a determinação de “actividades especificas” que conter-se nos termos precisos comportados pela norma, sob pena, mesmo, de eventual duplicação de colecta, pelo menos relativamente a alguns desses serviços.
Sucede, porém, que, no caso, não descortinamos que qualquer dos serviços adiantados pela recorrente não possa, dentro daqueles critérios, merecer enquadramento na noção de “actividades específicas” de hotelaria, já que se trata de serviços a prestar pelo próprio hotel, nas suas próprias instalações, por sua conta e respeitantes a funções que não repugna considerar como próprias de um hotel como aquele a que se reporta a liquidação em questão.
Donde (não deixando de realçar que, sobre caso Similar, se pronunciou já este tribunal, em 5/11/15, no âmbito do proc. 341/2015, tendo-se decidido que, constituindo o I.T. um imposto indirecto que não incide sobre o rendimento, não se tributando o lucro, mas sobre o serviço e respectivo valor, todos os serviços complementares, à excepção dos excluídos expressamente no artº 1º, nº 2, al a) do R.I.T. são tributados em imposto de turismo), entendermos que, no caso específico, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, não merecerá provimento o presente recurso».
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II – Pressupostos Processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Julga-se assente a seguinte factualidade:
1 - Durante o ano de 2009 a recorrente procedeu à entrega nos cofres da Região do IT cobrado pelos serviços prestados na sua unidade hoteleira nos meses de Janeiro a Dezembro do referido ano.
2 - Em 3 de Maio de 2014 a recorrente recebeu uma notificação do acto de liquidação de IT, proferido ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do RIT, mediante o qual foi apurada uma colecta de MOP 37,990.00 Patacas (trinta e sete M/1, novecentas e noventa Patacas), relativo ao estabelecimento B com o cadastro n.º 1XXXX4.
3 - A liquidação supra identificada reporta-se a um período de tributação que engloba os meses de Janeiro a Dezembro desse ano, e respeita a diversos serviços alegadamente prestados pela recorrente no âmbito da actividade hoteleira que desenvolve.
4 - Em 27 de Maio de 2014, atendendo a que o prazo de cobrança voluntária do imposto liquidado terminava 30 dias após a recepção da referida notificação (cfr. doc. 2) a recorrente procedeu, sob reserva, ao pagamento da respectiva colecta.
5 - Apresentada reclamação dirigida à Senhora Directora dos Serviços de Finanças, que veio a ser indeferida, foi interposto em 8 de Agosto de 2014 recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Chefe do Executivo.
6 - Antecedeu a decisão do recurso hierárquico a seguinte Proposta nº 044/NAJ/MG/2015:
«A contribuinte “A”, apresentou perante S. Ex.ª o Secretário para a Economia e Finanças Recurso Hierárquico Necessário, em 08.08.14, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, conjugado com a alínea a) do artigo 6º do Decreto-Lei na 15/96/M, de 12 de Agosto e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 16/84/M, do despacho da Exma. Sra. Directora dos Serviços de Finanças, de 17.06.14, exarado na Proposta n.º 291/NVT/DOI/RFM/2014, de 16.06.14, que indeferiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa de Imposto de Turismo referente ao período de Janeiro a Dezembro de 2009, proferido pelo Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, de 24/04/14, que fixou a colecta em Mop.$37,990.00 relativo ao estabelecimento “B”.
“A recorrente, inconformada com a decisão, alega que o acto administrativo padece do vicio de falta de fundamentação, por ofensa dos artigos 113º, 114.º, 115.º do CPA, do vício de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 1.º, 2.º, 5.º e 9.º do RIT, ao artigo 86.º do CPA, ao artigo 15.º da Lei n.º 15/2008 (Lei do Orçamento para o ano de 2009) e aos Princípios da boa fé, da legalidade e da tipicidade, solicitando, nos termos dos artigos 124.º e 125.º do CPA seja revogado o acto da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, de 17.06.14, que indeferiu o pedido de anulação do acto de liquidação de Imposto de Turismo relativo ao ano de 2009, formulado pela ora recorrente em sede de reclamação, por verificação dos vícios alegados e que se dê cumprimento ao n.º 2 do artigo 86.º do CPA, na medida em que não carecem de melhor prova os factos alegados por serem do conhecimento da entidade recorrida.
I. Caducidade do direito à liquidação R artigo 9.º do RIT
Não tem razão a recorrente ao considerar verificar-se a caducidade da liquidação de imposto de turismo relativa aos serviços prestados em Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e nos cinco primeiros dias do mês de Maio de 2009.
Isto porque considerando o disposto no artigo 9.º do RIT que determina que o imposto de turismo só pode ser liquidado nos cinco anos seguintes àquele em que ocorra a prestação do serviço tributável, o prazo é de cinco anos a contar do inicio do ano seguinte ao do ano em que ocorreu a prestação do serviço tributável (veja-se a este propósito Rato Rainha, in Impostos de Macau, pág. 191).
II. Vício de violação de lei - falta de fundamentação
Vem a ora recorrente reafirmar “a falta de fundamentação do acto de liquidação do IT. E isto porque não permite a mesma determinar a conformidade legal do acto notificado, através da análise dos elementos necessários para que a liquidação do IT se considere devidamente fundamentada e que dizem respeito às razões pelas quais, por referência às normas de incidência do RIT, as serviços referidos na Nota inserta no verso da notificação modelo M/6, e na opinião da administração fiscal, se encontram sujeitos a tributação.”
Considerando a recorrente que “fica assim a contribuinte no desconhecimento absoluto quanto à sustentação da subsunção legal efectuada pela administração fiscal, relativamente aos mencionados serviços e consequente sujeição a tributação em sede de IT, sendo a notificação do acto recorrido omissa quanto às normas que sustentam essa tributação o que conduz, manifestamente, à insuficiência de fundamentação que se mantém desde o acto reclamado até ao acto ora recorrido.”
Diz ainda que “resulta da notificação do acto recorrido que foram totalmente ignorados os fundamentos da reclamação apresentada em 16/05/2014, que não mereceram da entidade ora recorrida qualquer apreciação ou pronúncia, conduta que se afigura gravemente ofensiva dos princípios que regem a actividade administrativa, tudo em clara violação do dever imposto pelo artigo 114.º do CPA e o adequado conteúdo enunciado no artigo 113.º do mesmo Código, numa omissão de factos e de argumentos jurídicos impeditiva da cabal impugnação e percepção do mérito dessa decisão, na medida em que não constam da notificação nem os pressupostos nem os motivos que” a sustentam.”
Concluindo que “não poderá deixar de se concluir que o acto recorrido se encontra insuficientemente fundamentado, por força do n.º 2 do artigo 115.º do CPA, o que consubstancia vicio de forma que o invalida e que justifica se requeira a sua anulação, ao abrigo dos artigos 124.º e 125.º ambos do CPA.”
Da falta de fundamentação
Apreciando o invocado vício, comecemos por afirmar, que o acto de liquidação oficiosa se encontra devidamente fundamentado, conforme Proposta n.º 182/NVT/DOI/RFM/2014, constante no processo administrativo que mereceu a concordância por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para terem sido aquelas actividades tributadas, além do que melhor se poderá aferir, relativamente a toda a actividade da Administração Fiscal, que resultou na decisão ora recorrida.
Previamente foram cotejadas as declarações a que a contribuinte está obrigada, quer em sede de imposto de turismo, através do modelo M/7, quer através do modelo M/1 do Imposto complementar de rendimentos.
E foi na sequência desta actividade da Administração Fiscal, que foi necessário pedir mais elementos à contribuinte, ora recorrente.
Segundo a declaração M/1 do imposto complementar de rendimento e cópias dos anexos, a contribuinte declarou em conjunto os rendimentos dos exercícios do período de 2009 a 2011 (relativo a todos os estabelecimentos) dos estabelecimentos constantes do mapa 1 da Proposta n.º 182/NVT/DOI/RFM/2014.
Para verificar os dados o Núcleo Fiscal emitiu um ofício no dia 19 de Junho de 2013, como anexo 1 (fls 487) pedindo os nomes dos estabelecimentos e respectivos números de cadastro, que tinham os rendimentos constantes do Mapa 2 da Declaração M/1.
Em conformidade com a resposta da contribuinte/recorrente, em 23/07/2013 (fls 484), foram apurados os elementos relevantes e discriminados os rendimentos de acordo com os itens constantes do mapa 3 da Proposta n.º 01821/NVT/DOI/RFM/2014.
Resulta inequívoco, pelo que antecede, que o acto de liquidação oficiosa se encontra devidamente fundamentado na Proposta n.º 01821/NVT/DOI/RFM/2014, que mereceu a concordância da entidade recorrida, e onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para terem sido aquelas actividades tributadas, em obediência ao artigo 115.º do CPA que dispõe que a fundamentação “...deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão...”
E as razões de facto e de direito subjacentes ao acto de liquidação oficiosa constantes da Proposta n.º 01821/NVT/DOI/RFM/2014 foram sucintamente vertidas na Nota constante no verso do modelo M/6 notificada à ora recorrente.
Com efeito, foram indicados os serviços, o período a que estes respeitam, os montantes, a taxa aplicável e as normas legais em que assenta a liquidação.
O acto ora recorrido que decidiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa também se encontra devidamente fundamentado, conforme Proposta n.º 291/NVT/DOI/RFM/2014 que mereceu a concordância da Senhora Directora dos Serviços pelo despacho ora impugnado onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para o indeferimento da reclamação e para terem sido aquelas actividades tributadas.
Pelo ofício n.º 926/NVT/DOI/RFM/2014 foi a ora recorrente notificada da decisão sobre a reclamação.
Após a notificação do acto de liquidação oficiosa a ora recorrente para além de não ter solicitado qualquer elemento que considerasse em falta, apresentou inclusivamente reclamação e até um recurso contencioso fiscal (Processo n.º 1109/14/CF concluso em 17/11/2014 por desistência da instância) daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação das actividades em sede de imposto de turismo.
Constituindo a falta ou insuficiência de fundamentação um vício de forma que determina, em princípio, a invalidade do acto administrativo, sempre se dirá que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance.
III. Vício de violação de lei - Princípio da boa fé (artigo 8.º do CPA)
Alega a recorrente que “ (...) o vício de falta de fundamentação arguido na reclamação prendia-se, também, com o facto de ser feita referência, no verso do modelo M/6, a uma Proposta n.º 0182/NVI/DOI/RFM/2014, sobre a qual terá sido exarado o despacho que liquidou o imposto de turismo, informação que poderia, eventualmente, conter dados relevantes à percepção do sentido e da decisão notificada, razão pela qual o seu conteúdo deveria ter sido dado a conhecer à recorrente.”
E que “No entanto, e quanto a esta informação, na resposta à reclamação (…), vem a DSF comunicar à recorrente que “ (...) nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo (...), tem essa Sociedade direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas para o efeito, a obter certidão, reprodução ou declaração autenticada da proposta n.º 0182/NVT/DOI/RFM/2014. (...) configurando vício de violação de lei conducente à sua invalidade, além de ser manifestamente abusivo, em claro confronto com o previsto no artigo 8.º do CPA, devendo por isso ser anulado, ao abrigo dos artigos 124.º e 125.º, ambos do C.P.A.”
Apreciando,
Não parece questionável a necessidade de comunicar o texto integral do acto administrativo. Contudo, foi transcrito na nota constante no verso do modelo W6 os elementos relevantes da proposta n.º 0182/NVT/DOI/RFM/2014 atinentes ao período e estabelecimento em causa. A não notificação daquele texto integral não colide com a validade do acto.
Sendo não essencial a comunicação da fundamentação integral do acto este é plenamente eficaz se tal notificação não for requerido pelo administrado, como não foi.
O mesmo se dizendo quanto à notificação do acto que decidiu a reclamação.
Pela correspondência trocada previamente, não pode a contribuinte seriamente afirmar, como afirma, desconhecer a fundamentação.
Quer no prazo para a reclamação, quer dentro do prazo para o recurso hierárquico necessário teve oportunidade para por via da consulta do processo ou por via da passagem de certidão, discutindo nessa sede a natureza gratuita da mesma, de se inteirar de toda a actividade de instrutória que conduziu quer à liquidação oficiosa, quer à decisão da reclamação.
Senão o não fez foi porque não entendeu verdadeiramente essencial para contraditar, pela via da reclamação, e do recurso, a liquidação oficiosa.
Não é sério esperar que a Administração Fiscal, em sede de notificação, envie cópia ou certidão de todo o processo!
Do mesmo modo que, em nosso entendimento, ofende a Boa Fé o contribuinte que não estando cabalmente satisfeito com o conteúdo da notificação nada faz, designadamente vindo consultar o processo ou requerendo certidão dos elementos que reputa de essenciais, para posteriormente, em sede de reclamação, recurso ou impugnação judicial vir arguir estes alegados vícios.
IV. Vício de violação de lei - artigos 1.º,2.º e 5.º do RIT, artigo 15.º da Lei n.01512008 e artigo 86.º do CPA
Quanto a este vício vem a recorrente afirmar que “...refere a DSF que se encontram sujeitos a IT “ (...) todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro (...)” englobando no conceito de serviços complementares “(...) todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tornaram necessário juntar às actividades principais (...)”.
E que “ (...) esta interpretação da administração fiscal, e a consequente liquidação a que procedeu, carece de fundamento legal, na medida em que os serviços que foram tributados, como veremos adiante, ou não foram prestados pela recorrente ou não se enquadram no conceito de incidência real e pessoal previstos, respectivamente, nos artigos 1.º e 2.º do RIT.!”
Invoca que a DSF a enquadrou “no conceito de serviços prestados no âmbito da actividade específica dos estabelecimentos hoteleiros todos e quaisquer valores que foram facturados pelo Hotel Saneis, sem distinção dos que não têm conexão com a sua actividade específica nem daqueles que são prestados por uma outra entidade, que não o hotel, o que conduz à violação da norma de incidência real (artigo 1.º do RIT) bem como da de incidência pessoal (artigo 2.º do RIT) ”.
Descontos oferecidos aos hóspedes
A recorrente considera ilegal o acréscimo à matéria colectável, resultante da liquidação em razão de descontos oferecidos aos hóspedes, por violação aos artigos 1.º e 5.º do RIT por considerar errada e sem fundamento legal na norma de incidência do RIT, além de violar o artigo 5.º do mesmo Regulamento a interpretação da DSF pela qual os preços dos serviços sujeitos a IT são os que constam da tabela de preços, independentemente do preço efectivamente praticado ser diferente do constante dessas tabelas, porque o artigo 5.º do RIT qualifica como valor tributável o preço dos serviços prestados sendo, por isso, a própria lei fiscal que estipula que o imposto recai sobre o preço que é efectivamente, cobrado ao cliente, ainda que com eventuais descontos relativamente às tarifas geralmente aplicadas não existindo no RIT uma regra similar à prevista no Regulamento do Imposto do Selo, no n.º 3 do artigo 35.º, que determina que o imposto é devido ainda que o preço deixe de ser cobrado, no todo ou em parte, prevalecendo sobre qualquer liberalidade que seja feita em favor do cliente, neste caso, o preço aprovado ou genericamente reconhecido para um determinado serviço. Concluindo que o artigo 5.º do RIT se reporta ao preço efectivamente cobrado por um serviço, ainda que inferior ao normal ou genericamente estabelecido nas referidas tabelas.
Acrescenta ainda a recorrente que se encontra obrigada à emissão de facturas, nas quais deve mencionar o preço dos serviços prestados e que devem ser emitidas no momento em que o serviço ocorre, ou no termo do período nas prestações de serviço continuado (cfr. artigo 16.º do RIT). Nas quais deve o sujeito passivo fazer constar o preço (dos serviços) efectivamente cobrado, e não aquele que consta das referidas tabelas, porque constituindo as facturas um dos elementos de suporte da contabilidade da recorrente, não pretendeu o legislador que fosse mencionado um preço que não corresponda ao efectivamente cobrado, na medida em que tal actuação desvirtuaria a realidade subjacente à tributação dos serviços e retiraria utilidade à previsão do artigo 16.º do RIT.
Contudo, salvo melhor entendimento não procede,
Quanto à tributação que ocorre sobre a totalidade do preço, independentemente de, em resultado de desconto, o cliente beneficiar de um preço preferencial refira-se que nos termos do artigo 37.º do DL n.º 16/96/M, de 01.04.96, as tabelas de preços em vigor nos estabelecimentos hoteleiros e similares deve constar a menção aos impostos e taxas que incidam sobre os preços e sejam cobrados aos clientes, ou a suajá inclusão naqueles, sendo o valor tributável, de acordo com o artigo 5.º do RIT, o preço dos serviços prestados, este será o preço dos serviços prestados aos clientes indicados na tabela de preços e não o preço preferencial oferecido aos clientes ou preços cobrados após desconto, não havendo, também aqui, infracção ao artigo 5.º do RIT.
Room-service/in-suite dining
Quanto ao acréscimo à matéria colectável, resultante da liquidação em razão dos serviços prestados em room-service/in-suite dining considera a recorrente a mesma de igual modo ilegal, por violação do artigo 1.º do RIT e do artigo 15.º da Lei n.º 15/2008.
Vem a recorrente alegar que, relativamente a estas verbas, limita-se a DSF a afirmar que não interessa para o caso de onde veio a comida ou de quem a confeccionou, numa clara insuficiência de argumentação jurídica que permita à recorrente compreender a interpretação que a administração fiscal faz da norma de incidência e do facto destas verbas, por imposição da Lei do Orçamento, se encontrarem isentas de IT, no ano a que se reporta a liquidação impugnada.
Acrescenta que esse facto releva para efeitos de exclusão da incidência de IT, pela via da isenção prevista no artigo 15.º da Lei n.º 15/2008, pois que quanto ao room service/in-suite dining, a sua distribuição e realização pressupõe a utilização de cozinhas necessariamente afectas a estabelecimentos de restauração, dos muitos que estão disponíveis no estabelecimento da recorrente, tal implicando que o rendimento auferido, embora autonomizado por razões de transparência contabilística, resulta da operação desses estabelecimentos e estando estes estabelecimentos isentos do pagamento de IT, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 15/2008, por maioria de razão, o têm de as refeições que são servidas no quarto e que são confeccionadas nos estabelecimentos de restauração.
Concluindo que nestas situações in-suite dining/ room service o serviço pago pelo cliente não pode ser considerado como o pagamento de uma refeição fornecida pelo hotel e que a única diferença se reporta ao local do consumo da refeição: Se o cliente optar por consumir a refeição no restaurante, está isento de IT porque os serviços prestados por restaurantes de luxo integrados em unidades hoteleiras de idêntico nível, como é o caso da recorrente, beneficiam dessa isenção, por força do disposto no artigo 15.º Lei nº 15/2008, não se alterando a previsão da norma de isenção pelo facto de o serviço ser prestado ao cliente no quarto ou num outro local
Não tem razão a ora requerente porquanto estas refeições, apesar de poderem ser fornecidas pelos restaurantes do complexo hoteleiro são servidas no quarto do hotel correspondendo, por isso, a serviço para beneficio dos quais os clientes escolhem ficar alojados na unidade hoteleira que os presta, não interessando para o caso de onde veio a comida ou quem a confeccionou - o que necessariamente integra estes serviços no conceito legal de serviços complementares.
Ao contrário do que alega a recorrente os room-service/in suite dining não caem no âmbito de actividade dos restaurantes, nas actividades similares e logo no âmbito de isenção do artigo 15.º da Lei n.º 15/2008, pois não constituiem apenas, como pretende a recorrente, refeições servidas pelos restaurantes noutro local.
São serviços prestados pelo estabelecimento hoteleiro “B”, naquele mesmo estabelecimento, outra não pode ser a conclusão de que aqueles serviços não se encontram no âmbito da isenção do artigo 15.º da Lei n.º 1512008. Tanto mais que entram na facturação da entidade recorrente.
Mini Bar
Invoca a recorrente que também a liquidação de IT referente à verba pela utilização do Mini-bar se encontra em violação da norma de incidência do artigo 1.º do RIT.
Afirma a recorrente que o artigo 1.º do RIT refere que o IT incide, exclusivamente, sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de estabelecimentos hoteleiros. Não se traduzindo, na sua óptica, as actividades como a referida, pela qual um cliente goza de um mero acesso a bens de consumo, traduzidos em bebidas, snacks, na prestação de um qualquer serviço nem se integrando no leque das actividades específicas de um estabelecimento hoteleiro. Refere ainda que o acesso a estes bens de consumo se encontram disponíveis à população em geral e aos turistas que ficam hospedados na unidade hoteleira da recorrente, em diversos estabelecimentos comerciais da cidade de Macau sem que seja cobrada qualquer verba a título de IT.
Não tem razão a recorrente porquanto a existência de serviço fornecimento de bebidas é também um serviço complementar que visa favorecer e complementar a actividade específica.
Centro de escritórios/business centre, in-suite movies
Invoca a recorrente que também a liquidação de IT referente à verba pela utilização do Centro de escritórios se encontra em violação da norma de incidência do artigo 1.º do RIT, por não constituir também actividade complementar à actividade hoteleira porque pode ser prestada por qualquer agente económico mesmo em regime de arrendamento do espaço hoteleiro
Afirma a recorrente que o centro de escritórios mais não é do que uma estrutura que disponibiliza aos clientes salas de reuniões, serviços de secretariado, consultas a internet, uso de computadores e impressoras, entre outros e funciona exactamente nos mesmos moldes que os centros de escritórios existentes na cidade de Macau aos quais podem aceder todos os residentes e os turistas.
Não tem razão a recorrente: recorde-se que estes centros que não estão previstos na Portaria n.º 83/96/M estão previstos em diplomas mais actuais de outras jurisdições, independentemente de serem configurados como requisito necessário ou opcional de acesso a determinadas categorias.
In-suite movies
A recorrente vem invocar, também aqui, a ilegalidade da liquidação relativamente às verbas referentes a in-suite movies por violação aos artigos 1.º, 2.º e 5.º do RIT a par do deficit de instrução em violação do artigo 86.º do CPA porque estes serviços não são prestados pela recorrente, mas sim por uma entidade terceira que desenvolve esta actividade económica. Que de acordo com a informação que foi fornecida pela recorrente à administração fiscal, a pedido desta, o serviço é cobrado aos clientes pelo Hotel B que, posteriormente, paga o preço contratualizado com a empresa prestadora do serviço e que o rendimento decorrente desse serviço é da empresa prestadora, sujeito ao imposto que tributa os rendimentos de natureza comercial e que se encontram excluídos da determinação da matéria colectável, nos termos do artigo 5.º do RIT.
Que o valor apurado pela administração fiscal no âmbito destes serviços não pode ser imputado à recorrente como englobando a matéria colectável a liquidar, em sede de IT, por referência ao ano de 2010, na medida em que esta não é a prestadora dos mesmos, nem uma qualquer entidade prestadora de serviços, de acordo com a previsão do n.º 1 do artigo 1.º do RIT, ao abrigo da remissão efectuada pelo artigo 2.º do mesmo Regulamento.
Invoca que este tipo de actividade carece de configuração como serviço complementar à actividade específica de um estabelecimento hoteleiro, não pelo critério de ser uma estrutura de apoio exigida para a classificação do estabelecimento mas sim porque pode ser prestada por qualquer agente económico, classificável como actividade com o Código 94.12.10 na respectiva Tabela da Contribuição Industrial, não sendo, por isso, configurável como uma actividade específica dos estabelecimentos hoteleiros nem com eles tendo qualquer relação de complementaridade.
Considerando ainda que a DSF ignorou por completo a documentação que prova facto inverso àquele que está subjacente à norma de incidência pessoal do RIT, i.e., a alínea a) do artigo 2.º. E que não tendo a entidade recorrida ponderado os factos invocados na reclamação e os meios de prova apresentados e juntos ao processo administrativo relevante, verifica-se, no procedimento conducente ao acto impugnado, um deficit de instrução que redunda em erro invalidante da decisão, por violação ao dever previsto no artigo 86.º do CPA.
Ora, também aqui considerando o conceito de serviços complementares que pressupõe para além da actividade principal todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tornam necessário juntar na actualidade, nele se incluem a disponibilização mini-bar, Centro de escritórios/business centre e in-suite movies (não havendo igualmente violação do artigo 5.º do RIT).
Todos estes serviços complementares são, presentemente, imprescindíveis ás unidades Hoteleiras para atrair a atenção e conquistar clientes, que não se limitam ao jogador de casino, mas vão também ao turista que vem disfrutar das singularidades de Macau, como antigo cadinho de fusão entre o Oriente e o Ocidente, com um património cultural reconhecido pela UNESCO, uma gastronomia variada e de fusão, ou a nova vertente de Centro de Congressos, de espectáculos com estrelas do Showbiz internacional, da música, do cinema, do desporto de celebrações de casamento, nas salas multifunções e com a tecnologia disponibilizada para o efeito.
Direito
Com efeito o artigo 1.º alínea a) do RIT estabelece que “O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de (...) estabelecimentos hoteleiros e similares, como tal definidos no Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abrir”.
E no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril pode ler-se “Para efeitos do presente diploma consideram-se estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares.”
E são estabelecimentos similares os que se destinam a proporcionar ao público, mediante pagamento, alimentos ou bebidas para serem consumidos no próprio local. (cfr. artigo 4.º Decreto-Lei n.º 16/96/M)
Na alínea a) do artº. 2.º do RIT estabelece-se por sua vez que “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que (...) prestem os serviços previstos no n.º 1 do artigo anterior”.
Ou seja, enquanto proprietária de um estabelecimento hoteleiro assim definido nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, é a recorrente, como facilmente se conclui, sujeita à incidência do imposto de turismo, por aplicação conjugada dos artigos 1.º e 2.º do RIT.
Correspondendo, em suma, aos serviços para benefício dos quais os clientes escolhem ficar alojados na unidade hoteleira que os presta.
Conclui-se, pois, estarem compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3.º do Decreto Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, sejam alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no n.º 2 do artigo 1.º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias.
Com efeito, são excluídos da incidência do imposto o preço dos serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias e as taxas de serviço até ao limite de 10%, em conformidade com as alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 1.º RIT.
Sendo assim, os serviços complementares prestados pelos estabelecimentos hoteleiros são tributáveis, s6 estando excluídos da norma de incidência os já mencionados serviços complementares referentes a telecomunicações e lavandarias.
E como se tem vindo a entender, não tendo havido qualquer alteração de entendimento por parte da Administração fiscal, o conceito de serviços complementares pressupõe como se disse o mesmo fim da actividade principal, de alojamento e restauração e ainda todos os serviços que as exigências de conforto e instalação numa unidade hoteleira tornaram necessário juntar às actividades principais.
Neste caso concreto a norma de incidência do RIT remeteu para o Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/96/M a definição de estabelecimentos hoteleiros e similares e é nesse âmbito e no da Portaria n.º 83/96/M que se afere, como se disse, o que constitui actividade específica dos estabelecimentos hoteleiros.
Por outro lado, ao contrário do que entende a requerente os serviços previstos para a concessão a um hotel de esta ou aquela categoria não deixam de deter a natureza de serviço complementar por corresponderem apenas, na sua óptica, a prestações de serviços incluídos nas exigências de conforto de determinada categoria de unidade hoteleira e poderem ser desenvolvidas por um outro agente económico que não estabelecimento hoteleiro ou similar - São exactamente por corresponderem a prestações de serviços incluídos nas exigências de conforto de determinada unidade hoteleira que são considerados serviços complementares incluídos nas actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros independentemente de poderem ser desenvolvidas por um outro agente económico. Veja-se o serviço de lavandarias - lavandarias e tinturarias - que é qualificado no âmbito da Contribuição Industrial com o código próprio da Tabela de Actividades 95.20.00 e não se põe em causa ser um serviço complementar.
Os referidos serviços encontram-se, pois, sujeitos à incidência dos artigos 1.º e 2.º do RIT.
V. Vicio de violação de lei - Princípios da legalidade e da tipicidade
Invoca ainda a recorrente que a administração fiscal actua, “(…) no âmbito da liquidação a que se reporta o presente recurso, numa manifesta e grave violação de lei, tributando diversos serviços que não encontram previsão nas normas de incidência do RIT, o que afronta manifestamente os Princípios da Legalidade e da Tipicidade que regem o Direito Fiscal e, consequentemente, ferem de ilegalidade o acto recorrido.” Considera que o facto do RIT, “não prever a tributação dos serviços que foram objecto da liquidação impugnada não permite, atento os referidos princípios, que a administração fiscal atribua ao termo “serviços complementares “uma abrangência tal que permita a sua aplicação indiscriminada a actividades realizadas num estabelecimento hoteleiro, quando as mesmas não passam de estruturas de apoio ao cliente no sentido de lhe proporcionar conforto, de acordo com as regras da classificação hoteleira, mas que, ainda assim, podem ser desenvolvidas por um qualquer agente económico (que não é estabelecimento hoteleiro ou Similar), caso em que a prestação desses serviços não está sujeita a IT.”
Apreciando, cumpre reafirmar que:
O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros e similares e estabelecimentos tipo “health club”, saunas, massagens e “karaokes”.
A definição dos estabelecimentos de hotelaria e similares consta do Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar (RAHS), aprovado pelo DL n.º 16/96/M, de 1 de Abril e pela Portaria n.º 83/96/M, de 1 de Abril.
São excluídos da incidência do imposto o preço dos serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias e as taxas de serviço até ao limite de 10% (cf. RIT, art.º 1.º, n.º 2).
Concluindo-se, pois, estarem compreendidos na incidência do imposto de turismo todos os serviços prestados no âmbito das actividades específicas do estabelecimento hoteleiro que, nos termos definidos no artigo 3º do Decreto Lei nº 16/96/M, de 1 de Abril, são alojamento, refeições e outros serviços complementares, com excepção dos mencionados no nº 2 do artigo 1º do RIT: os serviços referentes a telecomunicações e lavandarias.
Esta norma (nº 2 do artigo 1 º RIT) constitui uma norma de delimitação negativa da situação jurídica de incidência, precisando, em sentido restritivo, o âmbito da norma de incidência (o nº 1 do artigo 1º do RIT) de forma a evitar o enquadramento no âmbito do respectivo tipo de certas realidades que nele estariam incluídas se tal norma não existisse. Neste caso, os serviços complementares prestados referentes a telecomunicações e lavandarias.
Os serviços de room-service/in-suite dining, mini-bar, centro de escritórios, in-suite movies e os serviços prestados com descontos oferecidos aos hóspedes - sendo tributável o valor constante da tabela de preços -, foram efectivamente prestados pelo “B” no hotel caindo no âmbito de incidência do imposto de turismo por se enquadrarem nos respectivos serviços complementares (artigos 1.º e 2.º do RIT) e não beneficiarem de qualquer isenção pelo que inexiste violação dos princípios da Legalidade e da Tipicidade do regime tributário do artigo 71.º alínea 3) da Lei Básica.
Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.
Termos em que se apresentam as seguintes
一、結論
I. CONCLUSÕES
一、根據適用法律框架——詳《旅遊稅規章》第一條、第二條、第八條、第九條和第十條,第16/84/M號法令第二條和第三條,以及4月1日第83/96/M號訓令第一條、第三十七條、第三十八條和第三十九條——從述及的事實中,已確定了稅務前提,而這些前提推動了行政當局依職權結算二零零九年一月至十二月的旅遊稅為$37,990.00澳門元。
I. À luz do quadro legal aplicável - cfr. artigos 1º, 2º, 8º, 9º, 10º do RIT, ex vi artigos 2º e 3º do DL nº 16/84/M, incluindo os artigos 1º, 37º, 38º e 39º da Portaria nº 83/96/M, de 1 de Abril - dos factos citados, estão definidos os pressupostos tributários que motivaram a Administração a proceder à Liquidação Oficiosa do Imposto de Turismo de Janeiro a Dezembro de 2009, na importância de MOP$37,990.00.
二、為了輔助性服務價格的課稅效力,在依職權結算的課稅行為中,分為正面限制和負面限制標準——詳《旅遊稅規章》第一條第一款和第二款、第二條、第八條、第九條和第十條。
II. Na liquidação oficiosa do acto tributário, estão identificados os critérios de delimitação positiva e negativa, para efeitos de tributação do preço dos serviços complementares - cfr. artigos: 1º, nº 1 e nº 2; 2º, 8º, 9º, 10º do RIT.
三、根據《旅遊稅規章》和第16/84/M號法令第二條規定,依職權結算在旅遊稅除斥期間內實施,即在二零零九年一月至十二月提供可課稅服務後“五年內”結算——詳《旅遊稅規章》第九條。
III. De acordo com o RIT, incluindo o artigo 2º, do DL nº 16/84/M, a liquidação oficiosa realizou-se dentro do prazo de caducidade do imposto de turismo “nos cinco anos seguintes àquele” em que ocorreu a prestação do serviço tributável, de Janeiro a Dezembro de 2009 - cfr. artigo 9º do RIT.
四、結算已循正途通知有關公司。
IV. A Sociedade foi notificada correctamente da liquidação.
五、由於行政行為沒有欠缺說明理由和善意原則,亦沒有欠缺合法性和稅務典型性的形式上的瑕疵,故沒有違反法律的瑕疵——詳《行政程序法典》第一百一十三條、第一百一十四條和第一百一十五條、《旅遊稅規章》第一條、第二條、第五條和第九條,以及第15/2008號法律第十五條。
V. Não ocorreu nenhum vício de violação de lei, designadamente eventual vício de forma por falta de fundamentação, Princípio da Boa Fé bem como da legalidade e tipicidade tributária - por violação dos artigos artigos 113º, 114.º, 115.º do CPA, por violação dos artigos artigos 1º, 2º, 5º e 9º do RIT e artigo 15.º da Lei n.º 15/2008.
六、課稅行為也沒有失效及不應被撤銷。
VI. Nem resulta a invalidade e anulabilidade do acto tributário.
七、本案中涉及使用“客房服務/客房餐飲服務”、“迷你酒吧”、“辦公室中心”、“客房電影”和“向住客提供有折扣的服務”之輔助性服務的價格均屬旅遊稅的課徵對象。
VII. Os preços relativos a serviços complementares, in casu, referentes ao uso de serviços de room-servíce/In-suite dining, mini-bar, centro de escritórios, in-suite movies e os serviços prestados com descontos oferecidos aos hóspedes, estão sujeitas à incidência do imposto de turismo.
八、立法機關規定旅遊稅的課徵對象,不僅是經營主要業務、住宿和餐飲所提供服務的價格,還有是輔助性服務的價格,僅排除通訊和洗衣服務的價格,而服務費最高為百分之十——詳《旅遊稅規章》第一條第二款a)項和b)項。
VIII. O legislador sujeita à incidência tributária do imposto de turismo, não só o preço relativo aos serviços prestados na prossecução da actividade principal, de alojamento e restauração, como também incide sobre o preço dos serviços complementares, apenas excluindo o preço dos serviços referentes a telecomunicações e lavandarias, e a taxas de serviço até ao limite de 10% - cfr. artigo 1º, nº 2, alínea a) e b), do RIT .
九、經分析法律精神及其文字,尤其是配合正確適用受合法性原則和典型性原則約束的現行課稅原則,立法機關具體規定不列入稅項課徵對象的輔助性服務,而酒店業務的其他輔助性服務均列入課徵對象。
IX. Analisado o espírito e a letra da lei, sobretudo, a que se adequa a uma correcta aplicação dos princípios tributários em presença, sujeitos ao princípio da legalidade e tipicidade, o legislador define concretamente os serviços complementares excluídos à incidência do imposto, associa à incidência tributária todos os outros serviços complementares à actividade hoteleira.
十、立法機關規定該稅項的非課徵對象,對所有非屬通訊和洗衣的輔助性服務價格均須課徵旅遊稅。
X. O legislador consagra a delimitação negativa de incidência deste imposto, estando sujeitos à tributação o preço dos serviços complementares, que não sejam os referentes às telecomunicações e lavandaria.
十一、另外,酒店場所的要件,尤其是五星級酒店的分類——詳4月1日第83/96/M號訓令第一條、第三十七條、第三十八條和第三十九條——是法律視為賦予這一級別的要求標準; 服務和設施的質素、整套設備、營運主業務的輔助性服務、住宿和餐飯等,不僅可獲得五星級別,還可提供更舒適的服務,目的是讓在酒店需求這類服務的顧客得到援助及滿意。
XI. Ademais, os requisitos dos estabelecimento hoteleiros e nomeadamente no que concerne à classificação de Hotéis na categoria de cinco estrelas - cfr. artigos 1º, 37º, 38º e 39º da Portaria nº 83/96/M, de 1 de Abril - a lei considera como critérios exigíveis à atribuição desta categoria, a qualidade do serviço e das instalações, uma série de equipamentos e prestação de serviços complementares à prossecução da actividade principal, de alojamento e restauração, que permitem alcançar não só a obtenção da categoria de cinco estrelas, bem como proporcionar maior conforto, tendo em vista apoiar e satisfazer clientes, que procuram este tipo de serviços numa unidade hoteleira.
十二、以收費方式提供住宿和餐飲服務的五星級酒店的性質,包含了多元化的輔助性服務,從享用客房服務/客房餐飲服務、迷你酒吧、辦公室中心、客房電影到向住客提供有折扣的服務,都提供大量高格調的各類設施和服務,隨時靈活快速回應顧客的要求,旨在推廣酒店設備。
XII. A natureza de uma unidade hoteleira de 5 estrelas, destinada a prestar serviços de alojamento e restauração, mediante remuneração, compreende, uma diversidade de serviços complementares, desde a utilização dos serviços de room-service/in-suite dining, mini-bar, centro de escritórios, in-suite movies e os serviços prestados com descontos oferecidos aos hóspedes uma vasta e qualificada oferta de instalações e serviços diferenciados, agilizados às exigências actuais dos clientes, tendo como objectivo a promoção da respectiva unidade hoteleira.
十三、還有,旅遊稅是關於財產和提供服務的間接稅,是有關消費的稅項,變動的費用通常列入產品或提供服務的價格裡,主要由取得的清費者負擔,並取決於稅項的影響。
XIII. Por seu turno, o imposto de turismo constitui um imposto indirecto sobre bens e determinadas prestações de serviços, sendo um imposto sobre o consumo, na variável despesa, integrando-se normalmente no preço dos produtos ou prestação de serviços, em princípio suportado pelo consumidor-adquirente em função da repercussão do imposto.
十四、立法機關規定旅遊稅課徵對象,不僅包括營運主業務、住宿和餐飲而提供的服務價格,還包括輔助性服務的價格,僅以明確方式排除通訊和洗衣服務,服務費最高為百分之十——詳《旅遊稅規章》第一條第二款a)項和b)項。
XIV. O legislador sujeita à incidência tributária do imposto de turismo, não só os preços relativos aos serviços prestados na prossecução da actividade principal, de alojamento e restauração, como também incide sobre os preços dos serviços complementares, excluindo, apenas e de forma expressa, o preço dos serviços referentes a telecomunicações e lavandarias, e taxas de serviço até ao limite de 10% - cfr. artigo 1º, nº 2, alínea a) e b), do RIT .
十五、依職權結算課稅金額$37,990.00澳門元的稅務行為不包括《旅遊稅規章》第一條第二款a)項和b)項所排除的輔助性服務的價格。
XV. O acto de liquidação oficiosa do imposto, na importância tributável de MOP$37,990.00, não integra o preço de serviços complementares excluídos no artigo 1º, nº 2, alínea a) e b) do RIT.
十六、相反,客房服務/客房餐飲服務、迷你酒吧、辦公室中心、客房電影和向住客提供有折扣的服務,均屬輔助性服務的價格,是旅遊稅的課徵對象。為此上訴人沒有理由。
XVI. Ao contrário, considera o preço de serviços complementares os serviços de room-service/in-suite dining, mini-bar, centro de escritórios, in-suite movies e os serviços prestados com descontos oferecidos aos hóspedes sujeitos à incidência tributária do imposto de turismo. Pelo que não assiste razão à recorrente.
十七、為此,課稅行為沒有任何違反法律的瑕疵,並且已適當說明理由。
XVII. Não há, portanto, qualquer vício de violação de lei no acto tributário, encontrando-se o mesmo devidamente fundamentado.
綜上所述,對於依職權結算的行政行為的有效性是不容置疑的,因為集齊《旅遊稅規章》第一條、第二條、第五條、第八條、第九條和第十條規定的事實和法律前提條件,這些前提支持了課稅行為的依職權審核,確定可課稅基礎的正確性,並已按第16/84/M號法令第二條規定向有關公司作出正確通知。
De tudo o quanto se explanou, não restam dúvidas em relação à validade do acto administrativo de liquidação oficiosa, uma vez que, estão reunidos os pressupostos de facto e de direito estabelecidos nos artigos 1º, 2º, 5º, 8º, 9º, 10º do RIT, que motivam a revisão oficiosa do acto tributário e determinam a correcção da matéria colectável, tendo a Sociedade sido notificada correctamente e nos termos do artigo 2º, do DL n.º 16/84/M.
基此,本人認為提出本必要訴願的理由不成立,謹建議閣下否決這份必要訴願。
Pelo exposto deverá o presente recurso hierárquico necessário ser considerado improcedente, propondo-se, deste modo, a V. Ex.ª que seja negado o provimento ao mesmo.”
Mais se comunica a V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e no artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 2 meses a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau. ».
7 - No dia 19/01/2015, sobre a referida proposta, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
«Concordo com o indeferimento do recurso».
***
IV- O Direito
1 – Vício de forma por falta de fundamentação
Entende a recorrente que o acto impugnado não fornece a interpretação do art. 1º do RIT (Regulamento do Imposto de Turismo), não discrimina os serviços concretamente prestados que originaram o facto tributário, nem o período em que o facto tributário ocorreu ou o respectivo preço individualizado.
Apreciando.
Uma das finalidades da necessidade de apensação do processo administrativo ao processo de recurso contencioso é, precisamente, permitir ao recorrente – e ao tribunal, evidentemente - inteirar-se de todos os actos de trâmite ocorridos no seio do procedimento, de forma a permitir colher dele eventuais vicissitudes que possam revelar alguma invalidade.
Ora, da sua análise podemos avistar a proposta nº 182/NTV/DOI/RFM/2014, onde estão vertidas todas as razões de facto e de direito necessárias à compreensão da génese do acto sindicado, e que, na oportunidade mereceu a concordância do Subdirector do Serviço de Finanças. Nesse acto de trâmite, está lá tudo: o período, os rendimentos a que se reporta o acto impugnado, os montantes e taxa aplicável e normas jurídicas aplicáveis.
Por outro lado, a proposta 004/NAJ/CF/2015, de 21/01/2015 sobre a qual foi exarado o acto ora impugnado é abundantemente esclarecedor em qualquer dos pontos de vista que se mostrem indispensáveis à compreensão da decisão administrativa, tanto no plano fáctico, como no jurídico.
Aliás, a recorrente mostrou saber muito bem o que estava em causa, pois se defendeu sem hiatos, falhas ou imprecisões, tanto na impugnação administrativa que utilizou, como na contenciosa em que ora nos encontramos.
Improcede, pois, o vício invocado.
*
2 - Antes de se conhecer do vício de forma por falta de audiência prévia de interessados, avancemos para a apreciação do vício concernente à violação do art. 1º, 2º, 5º e 9º do RIT.
Comecemos pelos três primeiros preceitos citados.
2.1 - Está em causa apurar se a recorrente podia ser tributada pela actividade prestada de room service/in suite dining, mini bar, centro de escritórios/Business centre, in suite movies.
Teve este TSI oportunidade de dizer já o seguinte em outro aresto sobre o art. 1º do RIT:
«Vejamos o que reza o art. 1º do RIT:
Artigo 1.º
(Incidência real)
1. O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas de:
a) Estabelecimentos hoteleiros e similares, como tal definidos no Regulamento da Actividade Hoteleira e Similar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril;
b) Estabelecimentos do tipo “health club”, saunas, massagens e «karaokes».
2. São excluídos da incidência do imposto:
a) O preço dos serviços complementares prestados nos estabelecimentos referidos no artigo anterior, referentes a telecomunicações e lavandarias;
b) As taxas de serviço até ao limite de 10%.
Ora, se o imposto incide sobre os serviços prestados no âmbito das actividades específicas dos estabelecimentos hoteleiros definidos, como tal, no DL nº 16/96/M, importa espreitar o que dispõe o art. 3º desse diploma.
Tal preceito proclama:
«Para efeitos do presente diploma consideram-se estabelecimentos hoteleiros os que se destinam a proporcionar ao público alojamento, mediante pagamento, com ou sem fornecimento de refeições e outros serviços complementares».
Daqui resulta que o principal serviço que o estabelecimento hoteleiro presta é o alojamento, podendo ainda fornecer “refeições”.
A dúvida que logo nos assalta é sobre a função que na frase ocupa a expressão “e outros serviços complementares”. À primeira vista poderíamos dizer que “e” seria uma conjunção com uma natureza copulativa (com o sentido de adição ou cumulação) e, então, as “refeições” seriam também serviços complementares. Mas só à primeira vista é assim.
Na verdade, os hotéis de 2 a 5 estrelas integram o grupo 1 dos estabelecimentos hoteleiros (art. 5, nº1, do DL nº 16/96/M) e “reúnem, como serviços principais, o alojamento e a alimentação a par de serviços complementares”, tal como o afirma o art. 5º, nº3, do diploma.
Ou seja, os “serviços principais” são, portanto, o alojamento e a alimentação. Fora disso, estaremos perante “serviços complementares”.
Ora bem.
É evidente que os hotéis de 5 estrelas devem possuir:
- “Telefone ligado à rede geral para uso dos clientes” (art. 4º e 38º, al. l), da Portaria nº 83/96/M, de 1/04). É um serviço que, quando utilizado para efectuar chamadas pelos clientes, é pago a um preço que não corresponde ao cobrado habitualmente pelo serviço de telefone doméstico.
-“Cofres individuais para guarda de valores” (art. 38º, al. b), Portaria cit.);
- “Instalações de cabeleireiro” (art. 38º, al. g), cit. dip.);
- “Televisão, rádio ou outros sistemas de som em todos os aposentos” (art. 38º, al. j), cit. dip.);
- “Parques de estacionamento” (art. 38º, al. m), cit. dip.);
- “Piscina, interior ou exterior” (art. 38º, nº3, cit. dip.);
- “Serviços de agência de viagens e de câmbio de moeda” (art. 38º, nº4, cit. dip.).
-“Serviço de lavandaria e engomadoria” (art. 82º, cit. dip.).
Como é bom de ver, há portanto serviços variados, pelos quais o hotel poderá cobrar um preço extraordinário (porque não faz parte do preço do alojamento).
Por isso é que “nos aposentos devem existir informações sobre os diferentes serviços à disposição dos clientes e respectivos custos, bem como sobre os preços dos produtos que estejam à disposição dos mesmos nos aposentos” (art. 81º, nº1, cit. Portaria) e que “as facturas a apresentar aos clientes para liquidação das despesas efectuadas devem discriminar, para além das dormidas, todos os restantes consumos e despesas, bem como as taxas e impostos que sobre eles incidam.” (art. 78º da Portaria cit.).
Por conseguinte, há serviços que são principais, outros que são complementares, uns e outros dentro da mesma actividade específica de hotelaria. Não é propriamente a actividade específica que gera necessariamente o imposto, mas sim os serviços que são prestados no seu âmbito.
Ou seja, quando o preceito alude às actividades específicas está a referir-se às actividades desenvolvidas no âmbito da hotelaria, sejam principais, sejam complementares. E como se sabe, entre os serviços complementares há hoje em dia um cada vez maior número de préstimos e benesses prestados pelos hotéis de maneira a facilitar a angariação de clientes, proporcionando-lhes melhor conforto e tranquilidade, facilitando-lhes a estadia, garantindo-lhes uma melhor qualidade de vida enquanto estiverem sob o seu “abrigo”.
Ora, o que o art. 1º do RIT afirma é que os serviços da actividade de específica de hotelaria estão sujeitos a incidência real de imposto. A lei não introduz qualquer distinção dentro dos serviços complementares. E não se diga que o legislador não pensou em serviços que são próprios de um outro ramo de actividade quando, por exemplo, admitiu que os hotéis pudessem ter um serviço de “agência de viagens” e de “câmbio de moedas”.
Repare-se, por exemplo, nesta curiosidade: o serviço de lavandaria dos hotéis é considerado complementar dentro da “actividade específica do estabelecimento hoteleiro”, apesar de constituir uma actividade com código próprio na tabela de actividades 95.20.00 (Lavandarias e tinturarias”) anexa à Lei nº 15/77/M, de 31/12 (Contribuição Industrial). Como se vê, o legislador do imposto de turismo sabe bem que entre os serviços complementares prestados nos hotéis alguns há que constituem objecto de incidência real de outro tipo de impostos. Mas que, por serem também prestados no âmbito da actividade específica do estabelecimento hoteleiro ficam sujeitos a incidência do imposto de turismo.
Pergunta-se: Todos os serviços complementares estão abrangidos por essa incidência real?
A resposta é: Quase todos, uma vez que a lei apenas exclui os serviços complementares de telecomunicações e lavandaria (nº2, cit. art. 1º).
É claro que se pode contra-argumentar com dois exemplos: por que motivo haverão os hotéis de pagar o imposto de turismo por cobrança do preço do aparcamento na garagem do hotel, se os proprietários dos parques de estacionamento da cidade não o pagam, uma vez que não fazem parte do âmbito de incidência do art. 1º e 2º do RIT? E porque haverão de pagá-lo, se os próprios operadores de viagens que vendem bilhetes de avião o não pagam também?
A resposta parece simples:
Não pagam o IT, porque todos esses agentes económicos, além da contribuição industrial a que houver lugar, já pagarão o imposto complementar de rendimentos sobre os lucros líquidos, incluindo, naturalmente, os que resultarem do exercício daquelas actividades. Não pagam o imposto de turismo, porque este é exclusivo da actividade relacionada com o turismo!
*
3 – Dito isto, importa descer ainda mais à minúcia da natureza do imposto.
Trata-se de um imposto indirecto que incide sobre a “prestação de um serviço” que foi criado pela Lei nº 15/89/M de 22 de Novembro.
De acordo com esse diploma o imposto incidia sobre “a importância das contas facturadas” (art. 2º), o que por isso mesmo impunha a emissão de “documento comprovativo das vendas efectuadas e dos serviços prestados” (art. 5º, nº1) e cujo valor “a entregar será calculado sobre o montante total das receitas facturadas ou das receitas escrituradas nos documentos de registo das vendas efectuadas e dos serviços prestados” (art. 6º, nº2). Repare-se, já nesse tempo, o imposto atendia simplesmente ao valor da facturação, mesmo que esta não correspondesse a uma receita líquida, a um lucro da actividade.
Esse diploma foi revogado pela Lei nº 19/96/M, de 19 de Agosto, mas quanto à incidência real continuou a afirmar que ele incide sobre os “serviços prestados” (art. 1º, nº1), impondo a emissão de facturas ou documentos equivalentes onde conste a “Quantidade e designação usual dos serviços prestados, o respectivo preço e montante do imposto liquidado” (art. 16º, nº1, al. b)), sendo certo ainda que “Os registos das operações realizadas diariamente podem ser efectuados pelo montante global recebido pelas prestações de serviços” (art. 17º, nº2).
Ou seja, a base da tributação perseguida pelo RIT não é o “rendimento” (para isso há o Imposto Complementar de Rendimentos), não é o lucro da actividade, é simplesmente o “serviço prestado” e o respectivo valor. É que, repetimos, este é um imposto indirecto que incide sobre a prestação de um serviço e a sua receita (José Hermínio Paulo Rato Rainha, Impostos de Macau, Universidade de Macau, 1997, pág. 188). Obviamente, não sendo fixo ou determinado legalmente o valor a cobrar, a sua liquidação depende de um “valor tributável”, que no caso é o “preço dos serviços prestados” (art. 5º). Tão simples quanto isto!
O legislador, portanto, não se preocupa em saber se aquele preço inclui alguma margem de lucro, se ele foi fixado pelo estabelecimento hoteleiro em causa ou se, por ser mero intermediário, apenas é o cobrador do preço que posteriormente entrega a terceiro. Portanto, o “preço” (art. 5º) não é necessariamente o “rendimento” e o autor do RIT sabia-o bem quando assim legislou.
E não se estranhe que o imposto recaia sobre o serviço e não sobre o rendimento ou sobre o lucro directo que daquele resulte. É que, não sendo esse o escopo do imposto de turismo, ao menos implicitamente ele tem em mira a vantagem que o operador turístico, o empreendedor ou o estabelecimento hoteleiro retiram do serviço prestado. Porquê? Porque, na medida em que o serviço traz também comodidade e conforto ao turista ou ao hóspede - permitindo-lhe usufruir de uma série de “facilities” garantidas pelo hotel, eventualmente incluídas num “pack” promocional aliciante -, isso fará com que o apelo à escolha de determinado estabelecimento se vá repercutir (indirectamente) numa opção mais fácil, rápida e reiterada por parte dos interessados, que assim em maior número afluirão ao hotel e, desse modo, maiores e melhores resultados económicos trarão para este. A vantagem indirecta dessa “oferta turística” é, pois, evidente.
Também não é de surpreender que a lei imponha aos hoteleiros o ónus deste imposto de turismo - apesar de tudo, reduzido a 5% -, se a mesma lei por outro lado lhes concede o benefício da isenção desse imposto relativamente à taxa de serviço (até ao limite de 10%) que eles podem cobrar directamente ao cliente sobre o valor do serviço prestado.
Concluindo, porque os serviços aqui em causa (rendimentos de garagem, estacionamento, serviços de transporte, aluguer de equipamentos, fotocópias, serviços de correio, edredão, venda de amenidades e jornais) não fazem parte do âmbito da exclusão da incidência real, cremos que andou bem a Administração Fiscal.1
Improcede, pois, o primeiro fundamento do recurso (violação do art. 1º do RIT).» (Ac. TSI, de 5/11/2015, Proc. nº 341/2015).
Reiteramos as proposições ali vazadas.
2.2 - Quanto à pretensa violação do art. 2º RIT, acrescentamos o seguinte:
É mais do que evidente que, onde exista razão para incidência real, haverá uma causa pessoal de incidência. Uma não existe sem a outra, a não ser que se verifique alguma excepcionalidade normativa que, em determinados períodos ou com base em causas específicas, permita uma isenção.
Ora, se estamos a tratar da discussão de actividades prestadas pela recorrente, então cremos que a incidência pessoal só a pode atingir.
Significa que a recorrente é o sujeito passivo do imposto.
.
2.3 - Quanto ao art. 5º, também nos parece lógico dizer que, se o imposto de turismo incide sobre a referida actividade, a base para a liquidação do tributo há-de naturalmente recair sobre um valor. Trata-se daquilo a que se designa de valor tributável. Ora, esse valor é do preço dos serviços prestados (art. 5º, RIT).
Não se vê, portanto, como se possa dizer violado o aludido art. 5º citado, à excepção do que adiante se dirá sobre os “descontos aos hóspedes”.
*
2.4 – Quanto ao art. 9º do RIT, ele prescreve o seguinte:
«O Imposto de turismo só pode ser liquidado nos 5 anos seguintes àquele em que ocorra a prestação do serviço tributável».
Entende a recorrente que, neste caso, se verificou a caducidade do direito à liquidação do imposto relativamente ao período entre 1 de Janeiro e 3 de Maio de 2009.
Considera, porém, este tribunal, de acordo, aliás, com a posição que já tomou sobre o assunto, que o prazo de caducidade de 5 anos referido na norma transcrita inicia a sua contagem no primeiro dia do ano seguinte àquele (ano) a que respeita a liquidação. (Ac. TSI, de 12/03/2015, Proc. nº 586/2013). Trata-se, com efeito, da melhor interpretação sobre o comando do referido art. 9º.
É que uma coisa é a “exigibilidade”, reportada ao momento da prestação do serviço (art. 3º), outra coisa é a sua “liquidação” e outra ainda a caducidade. Esta não ocorre após cinco anos após o momento da prestação do serviço, mas sim após o termo do ano económico dentro do qual cada serviço parcelar – cada facto tributário - tiver sido prestado (neste sentido, José Hermínio Paulo Rato Rainha, Impostos de Macau, F.D.U.M. e Fundação Macau, pág. 191).
Não se dá por violado, pois, o referido preceito legal.
*
3 – Repetimos: está em causa a actividade prestada pela recorrente no âmbito dos serviços seguintes: room service/in suite dining, mini bar, centro de escritórios/Business centre, in suite movies.
Quanto a estes serviços, defende a recorrente ter sido violado o disposto no art. 15º da Lei nº 15/2008.
Este preceito dispõe o seguinte:
Artigo 15.º
Isenção de imposto de turismo
1. No ano de 20092 estão isentos do imposto de turismo, previsto no respectivo Regulamento, aprovado pela Lei n.º 19/96/M, de 19 de Agosto, os serviços prestados pelas pessoas singulares ou colectivas em estabelecimentos similares classificados como pertencentes ao Grupo 1, tal como definidos no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril.
2. Estão igualmente isentos do imposto de turismo os estabelecimentos hoteleiros dos Grupos 1, 2 e 3, definidos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, com referência às actividades próprias dos estabelecimentos similares do Grupo 1, referidos no número anterior, quando seja aplicável o n.º 1 do artigo 7.º do mesmo diploma.
O nº1 está seguramente fora de qualquer questão, visto que quem foi aqui tributado não foi a pessoa colectiva titular de “estabelecimento similar”.
Aplicável, portanto, só poderia ser, quando muito, o nº2, quando estabelece a isenção dos estabelecimentos hoteleiros dos grupos 1, 2 e 3 do art. 5º do DL nº 16/96/M, na parte em que prestem actividade que é própria dos estabelecimentos similares referidos no nº1.
Simplesmente, até esta mesma disposição só daria amparo à recorrente, desde que se verificasse o pressuposto previsto na parte final do referido nº2, ou seja, quando lhe fosse “…aplicável o nº1 do artigo 7º do mesmo diploma”, o mesmo é dizer, quando tais “actividades próprias dos estabelecimentos similares …assumam perante o público autonomia funcional…” (art. 7º, nº1 do DL nº 16/96/M).
E existe autonomia funcional quando a respectiva exploração for anunciada ao público de forma individualizada (art. 7º, nº2, do DL nº 16/96/M).
*
3.1 - Ora, o “serviço de refeições no quarto” (room service e in-suite dining), bem como de “mini-bar” são serviços prestados pela recorrente sem autonomia funcional. Repare-se que o art. 85º, da Portaria nº 83/96/M, aplicável aos hotéis de 4 e 5 estrelas, até prevê especialmente que «Nos estabelecimentos hoteleiros referidos no artigo anterior deve existir uma unidade tipo «room service» permanente, apta a servir refeições».
Quer dizer, são actividades prestadas pela recorrente complementarmente à actividade hoteleira, mas integrados nesta e, portanto, sem qualquer independência prática e sem autonomia anunciativa. Continuam a ser actividades desenvolvidas no âmbito da actividade do estabelecimento hoteleiro e não actividades autónomas (à parte) prestadas pelo hotel.
Dito isto, não podia a recorrente beneficiar da isenção do imposto criada pela referida Lei do Orçamento.
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3.2 - Quanto ao centro de escritórios/business centre, a actividade em apreço não anda longe de um outro, porventura ainda mais paradigmático, que é o referente aos “centros de convenções”.
Estamos a falar, portanto, de actividades que, sim, podem ser desenvolvidas por operadores fora dos circuitos hoteleiros e com vista a um específico fim de apoio ao sector empresarial.
Contudo, no mundo moderno de hoje em dia, os operadores turísticos tendem cada vez mais a associar ao serviço de hotel propriamente dito, uma vasta panóplia de outros serviços de inegável importância para o turismo. Este é um bom exemplo disso. Enquanto os escritórios e a gama de serviços respectivos atraem ali clientes das empresas e unidades comerciais e industriais interessadas, ao mesmo tempo servem os propósitos do investidor hoteleiro, na medida em que aqueles acabarão por ser seus clientes também, não só nos espaços diversos dedicados à restauração, mas até mesmo no alojamento no hotel.
Quer dizer, portanto, que, embora se ache que esta actividade pode ser desenvolvida por operadores específicos fora do circuito hoteleiro, nada obsta a que os hotéis ou os complexos turísticos, vulgarmente designados “resorts”, criem e desenvolvam essa aptidão. Fazendo-o, esperam, obviamente, retirar dela (indirectamente) os benefícios que são próprios da captação de elevado número de clientes para as unidades hoteleiras na decorrência da actividade dos escritórios e do centro de negócios.
Nesse sentido, esta valência turística acaba por ser complementar à actividade principal do hotel, tal como outras diferentes que este ali desenvolva com o mesmo ou semelhante propósito.
Enfim, na nossa opinião, também esta actividade não pode deixar de estar sujeita a imposto de turismo.
*
3.3 – O serviço de in-suite movies também não parece estar excluído de tributação.
Não importa que seja uma entidade terceira a realizar o serviço; afinal, quem o coloca ao dispor dos hóspedes é a unidade hoteleira. Ao cliente é indiferente quem seja o operador do serviço. Para ilustrar com um exemplo, não interessa que o hotel tenha aderido à rede de canais da MEO, da ZON, etc. (especificamente, em Portugal) ou de filmes em regime de pay video (“Apple pay video”, “Samsung pay video”, etc.). Na verdade, se alguma coisa na visualização não correr bem, o hóspede do hotel será ao serviço de recepção/“concierge” do hotel que se dirigirá. Porque, não nos iludamos, é o hotel quem disponibiliza esse serviço directamente aos clientes que o desejem.
E não confundamos outra vez as coisas. Se essa entidade terceira houver de pagar imposto complementar de rendimentos, isso não é nem mais nem menos do que o cumprimento da sua obrigação tributária pelo lucro que obtém dessa actividade que desenvolve. Diferente é o imposto de turismo que o beneficiário retira do mero exercício da sua actividade repartida pelas suas diferentes variáveis, entre as quais, precisamente, o serviço complementar de mera difusão de filmes (pagos) aos clientes do hotel.
*
3.4 – Descontos oferecidos aos hóspedes.
O que está desta vez em discussão é o valor da matéria tributável. Qual a base de incidência do imposto: o valor do serviço conforme assinalado na tabela de preços (necessariamente exposta nos aposentos: art. 38º do DL nº 16/96/M) ou o valor efectivamente cobrado ao cliente (abatido o valor do desconto oferecido aos hóspedes)?
O primeiro diploma sobre o imposto de turismo, em substituição do imposto especial referido no Diploma Legislativo nº 859, de 7/10/1944, foi a Lei nº 15/80/M, que no seu art. 6º, nº2, estipulava que «O imposto a entregar será calculado sobre o montante total das receitas facturadas ou das receitas escrituradas nos documentos de registo das vendas efectuadas e dos serviços prestados….» (destaque nosso). Parecia, pois, que a matéria tributável correspondia ao valor do rendimento efectivamente percebido pela “receita” real. Dizia-se até que se atendia à “realidade da matéria colectável” (José Hermínio Paulo Rato Rainha, Impostos de Macau, pág. 188).
O diploma foi alterado, como se disse, pela Lei nº 19/96/M (RIT), que no art. 5º determina que o “valor tributável é o preço dos serviços prestados” (destaque nosso).
Será que existe alguma diferença ontológica e finalística, para além da terminológica entre os dois diplomas nos preceitos referidos?
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1ª proposta de solução
Segundo uma possível corrente de opinião, quando a lei falava em receita, parece querer referir-se ao rendimento real facturado; e quando agora se fala simplesmente em preço parece querer aludir ao preço da actividade concreta ou do serviço, desconsiderando os descontos, que assim ficariam como encargo livremente assumido pelo prestador do serviço.
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2ª proposta de solução
A favor de outra corrente, invoca-se a natureza do imposto em causa.
O imposto de turismo, como já dissemos, não é um imposto sobre o rendimento, mas sim sobre a actividade. Os operadores saberão qual a melhor estratégia para cativar os clientes, disponibilizando “serviços extra ou complementares” e oferecendo aos seus clientes descontos no custo do alojamento, presenteando-os com brindes e lembranças, até mesmo com ofertas de serviços em conjunto com outros (os designados “packs”). Fazendo-o, os operadores assumem a perda económica de receita, embora ganhem o inquantificável e imaterial valor de “aviamento” (que eleva o próprio valor do hotel) e da satisfação do cliente, com retorno esperado em ocasiões futuras.
E reforçamos esta ideia com o seguinte argumento. A unidade pode fixar livremente os preços, tal como é previsto no art. 35º, nº1, do DL nº 16/96/M. E deve comunicar à entidade licenciadora tanto a tabela de preços inicial que se propõe praticar (nº2, art. 35º cit.), bem como as alterações que lhe queira introduzir (nº3, art. 35º cit.). Uma vez fixada a tabela, deve ser afixada nos aposentos (art. 38º cit. dip.), sendo certo que “das tabelas de preços em vigor nos estabelecimentos hoteleiros e similares deve constar a menção aos impostos e taxas que incidam sobre os preços e sejam cobrados aos clientes, ou a sua já inclusão naqueles” (art. 37º cit. dip.).
Aliás, as “facturas a apresentar aos clientes para liquidação das despesas efectuadas devem discriminar, para além das dormidas, todos os restantes consumos e despesas, bem como as taxas e impostos que sobre eles incidam” (art. 78º da Portaria nº 83/96/M, de 1 de Abril). Não parece, pois, que o efeito do desconto (com reflexo no IT) seja algo que possa ser transferido, por essa via para a Administração Fiscal se ele até nem está previsto no modo de elaborar a factura.
Quer dizer, há aqui um dever acessório que o industrial da hotelaria deve observar, a fim de que não deturpe, ele mesmo, a verdade dos preços, e sonegue à entidade competente as variações introduzidas no custo real dos serviços prestados a ponto de alterar o montante do imposto a liquidar e cobrar.
Ora, se as tabelas não podem ser alteradas sem prévia comunicação, parece-nos que o desconto na factura ao cliente, se fosse possível, redundaria numa alteração com outro nome. Não parece possível.
Neste sentido, o preço do serviço a considerar na facturação não pode ser o preço final ou efectivamente facturado ao cliente. Esse será um “preço preferencial” que não corresponde ao preço real do serviço. A diferença terá que ser suportada pelo prestador, de modo que o imposto incidirá sobre o preço real. É a tese da entidade recorrida.
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Solução a seguir
Não encontramos grande, nem forte, socorro jurisprudencial em favor de uma ou outra das soluções propostas.
Em termos de direito comparado, já se decidiu:
- Que o Código do IVA em Portugal, em cujo artigo 3º, nº3, al. f) se preceitua que só não constituem transmissões sujeitas a imposto as “ofertas de pequeno valor…”, sujeitando, contudo, a imposto as restantes (ver Ac. do STA, de 5/06/2007, Proc. nº 01167/06; tb. Ac. do TCA/Sul, de 25/05/2004, Proc. nº 01330/03).
- Quanto ao imposto sobre sucessões e doações, “Os descontos ou abatimentos no montante da dívida, entre sociedades na sequência das suas operações comerciais, não são passíveis de imposto sobre doações” (Ac. de 16/5/1984, Proc. nº 002704).
- Em matéria de imposto de capitais foi dito que “Os descontos efectuados no preço de venda de veículos automóveis, no âmbito do sistema denominado “Poupança-Renault”, mercê de montantes entregues em antecipação do pagamento daquele, são incidentes de imposto de capitais, nos termos da aludida disposição legal, uma vez que são de considerar, para tal efeito, como rendimentos provenientes da aplicação de capitais” (Ac. STA, de 15/12/1993, Proc. nº 016105; Ac. STA/Pleno, 26/01/1994, Proc. nº 014148);
- Em sede de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas) escreveu-se que “O perdão de um crédito no âmbito de um acordo particular não permite à sociedade que o concedeu relevar o montante que deixou de receber como custo para efeitos fiscais, a menos que respeite as regras fiscais, seja pela constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa (…), seja pelo regime dos créditos incobráveis (…)” (Ac. STA , de 4/11/2015, 2015, Proc. nº 0963/13);
- Ainda em se de IRC“ Tendo a empresa fornecido à AT uma tabela de preços, devem ser estes os considerados como correntes no mercado e como tal constitutivos para efeito dessa provisão, que não os montantes dos preços líquidos praticados pela mesma na venda de alguns desses produtos a seus clientes, com elevadas margens de desconto” (Ac. TCA/Sul, de 15/02/2011, Proc. nº 03998/10).
Pois bem. Para além da incipiente norma do art. 5º do RIT, segundo a qual “o valor tributável é o preço dos serviços prestados”, de aparente relevância apenas mais podemos encontrar as “Instruções de Preenchimento” que constam do Despacho nº 96/GM/96 (relativas ao Imposto de Turismo), e das quais resulta que “O volume das vendas ou serviços prestados é o total da facturação do mês indicado no Quadro 6” (destaque nosso).
Todavia, e como facilmente se vê, também esta instrução para o quadro 7 da Declaração modelo M/7, não é esclarecedora, porque nos deixa pendurados na dúvida sobre se o “total da facturação” ali mencionado concerne à receita ilíquida, se à efectiva, deduzidos os descontos.
Teremos, então, que lançar mão de outros elementos de ajuda.
E o primeiro que nos vem à mente é, desde logo, o princípio da realidade da matéria colectável, de que falava Rato Rainha (ob. e loc. cits.). Indo longe o princípio do “in dubio pro fisco”, as melhores regras de hermenêutica serão aquelas que procuram o equilíbrio ou balanço entre os direitos do contribuinte e os da Administração Tributária, tendo em conta os objectivos imanentes à tributação. E neste quadro, bem se pode dizer que um desconto na facturação, ao mesmo tempo que faz reduzir a receita fiscal em cada acto tributável, ao mesmo tempo acaba por atrair mais clientes ao estabelecimento hoteleiro e, com isso, a Administração Tributária mais receita arrecadará no final da linha. Neste jogo de equilíbrio de interesses, faz sentido uma interpretação que não perca de vista o resultado da tributação.
Mas há outro elemento consideravelmente atendível.
Falamos agora das “Normas de Contabilidade”, esse precioso instrumento que contém normas de contabilidade repartidas em variadíssimas vertentes e das quais pode emergir algum apoio ao trabalho interpretativo sobre as normas do imposto.
É que, se nada o RIT diz sobre a forma de apurar o “preço do serviço”, e se nem o Despacho nº 96/GN/96, a propósito do “volume de vendas”, esclarece sobre o que seja o “total da facturação”, então valerá a pena espreitar o referido instrumento normativo de âmbito contabilístico, aprovado pelo Regulamento Administrativo nº 25/2005, de 30/12 (que revogou o DL nº 34/83/M, que aprovou o “Plano Oficial de Contabilidade” ou, simplesmente, POC).
E quanto a nós, na Parte III, do seu Anexo II, no quadro das “Normas Internacionais de Relato Financeiro aplicáveis na RAEM”, talvez encontremos a resposta para a nossa dúvida.
Ora, a Norma Internacional de Contabilidade 18 Rédito (IAS18) deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transacções e acontecimentos seguintes:
(a) a venda de bens;
(b) a prestação de serviços; e
(c) o uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e
dividendos.
E dela resulta ainda que o rédito é o influxo bruto de benefícios económicos durante o período proveniente do curso das actividades ordinárias de uma entidade quando esses influxos resultarem em aumentos de situação líquida, que não sejam aumentos relacionados com contribuições de participantes no capital próprio. Ou seja, “é o rendimento que surge no decurso das actividades ordinárias de uma entidade e é referido por uma variedade de nomes diferentes, incluindo vendas, honorários, dividendos e royalties” (Ver Normas de Contabilidade, edição da DSF, 2006, pág. 408).
Ora, “o rédito deve ser mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber” (destaque), devendo levar “em consideração a quantia de quaisquer descontos comerciais e de quantidades concedidos pela entidade” (ob. cit., pág. 411).
Sublinhemos este aspecto: a facturação para a cobrança do rédito deve ser feita pela retribuição recebida (efectivamente, portanto), tendo em conta todos os descontos concedidos pelo sujeito passivo do imposto. Só assim o rédito é mensurado pelo critério do justo valor contabilístico.
Eis, pois, como, na falta do indispensável amparo normativo que o RIT devia conceder ao intérprete e aplicador do direito, nos deparamos com uma preciosa fonte de auxílio e que nos revela, indirectamente, como proceder.
Sendo assim, e nesta interpretação, andou mal a entidade recorrida em tribunal o valor dos descontos, acabando por violar o disposto no art. 5º do RIT.
Procede, então, o recurso judicial nesta parte.
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4 - Foi invocada também a violação dos princípios da legalidade e da tipicidade (art. 71º, al. 3), da Lei Básica) e das regras de interpretação do direito fiscal.
Sobre este tema, importa dizer:
Não se pode achar violado o disposto no art. 71º, al. 3), da Lei Básica, segundo o qual “Compete à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Espacial de Macau …definir e aprovar a proposta de orçamento apresentada pelo Governo, bem como apreciar o relatório sobre a execução do orçamento apresentado pelo Governo”.
Efectivamente, não vemos em que medida a actuação em causa tivesse violado aquela disposição da LB ou o princípio da tipicidade que a recorrente nela entrevê. Se com esta invocação a recorrente pretende arguir uma ilegalidade por falta de norma que preveja a incidência material e pessoal, ela existe, como já tivemos oportunidade de ver.
Por outro lado, não encontrámos na forma como a Administração Tributária procedeu à aplicação das normas referidas do RIT nenhum erro de interpretação (disso já, de resto, demos conta na nossa própria exegese efectuada anteriormente).
E sendo assim, somos a concluir não se poder dar por violado o princípio da legalidade, uma vez que, ao contrário do que pensa a recorrente, a Administração Tributária respeitou as disposições acima citadas e os princípios de direito administrativo e tributário envolvidos.
Improcede, pois, o vício.
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5 - Vício de falta de audiência de interessados
Importa, então agora, averiguar da verificação deste vício (e apenas neste momento, porque interessaria previamente analisar se esta era matéria vinculada ou discricionária, para aquilatar das consequências da sua falta).
Como se sabe, é princípio geral o de que a audiência prévia de interessados se aplica também aos processos especiais, incluindo os de natureza tributária (Ac. TSI, de 4/12/2003, Proc. nº 130/2003; no direito comparado, entre outros, ver os Acs. do STA de 25/01/2000, Proc. nº 021244; 30/10/2002, Proc. nº 0780/02).
E tem sido entendido, por outro lado, que tal formalidade se mostra imprescindível nos casos de actividade discricionária, pois aí o papel do interessado pode revelar-se muito útil, decisivo frequentemente, ao sentido do conteúdo final do acto.
Mas, noutros casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência pode degradar-se em formalidade não essencial se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei. (TSI, de 24/04/2014, Proc. nº 493/2012).
Ora, no nosso entendimento, não é discricionária a actividade tributária que comete à Administração Fiscal a liquidação oficiosa de qualquer imposto, designadamente este que aqui tratamos, Ou seja, uma vez verificado o pressuposto substantivo (âmbito real e pessoal de incidência) a Administração não pode deixar de proceder à respectiva operação de liquidação.
Sendo assim, no caso que nos ocupa, a referida formalidade degrada-se em formalidade não essencial, na medida em que, como vimos, a Administração não podia senão proceder como procedeu, liquidando o imposto devido. E, assim sendo, torna-se irrelevante a sua não observância concreta.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso na parte relativa ao “descontos oferecidos aos clientes”, revogando a decisão impugnada nessa parte, mantendo-o, porém, na parte restante.
Custas pela recorrente, com imposto de justiça em 7 UC.
TSI, 25 de Fevereiro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Mai Man Ieng
1 Também o Ac. do TSI, de 12/03/2015, Proc. nº 586/2013 entendeu, mesmo que por outras razões, que fora os dois casos de exclusão do art. 1º, nº2, al. a), o imposto seria devido.
2 Destaque nosso.
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311/2015 1