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Proc. nº 721/2015
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Janeiro de 2016
Descritores:
-Júris
-Classificação final
-Homologação

SUMARIO:

I. Atribuem-se à homologação, geralmente, três sentidos diferentes:

1º- A homologação em sentido próprio, que é o acto pelo qual um órgão decisor, porque tem competência para tal, acolhe e se apropria do conteúdo de uma informação, de uma proposta ou de um parecer, apresentados por entes consultivos e não decisores, convertendo-o em seu.
Em tais hipóteses, só o acto homologatório é decisor e definitivo e apenas ele é passível de recurso contencioso.

2º - A homologação-aprovação, que representa o acto pelo qual um órgão exprime um juízo de conformidade relativamente à resolução contida em acto anterior, já definitivo, conferindo-lhe eficácia.
A definição do direito dos particulares, agora, é feita desde logo no acto homologado e por isso só este é susceptível de impugnação contenciosa.
Recorrível contenciosamente é o acto aprovado.

3º - A homologação-confirmação, que exprime um juízo de conformidade a um acto executório anterior, mas não definitivo. A definitividade é-lhe apenas conferida pelo acto de homologação.

II. A homologação pela entidade competente da classificação feita pelo júri no âmbito das provas com vista à equivalência total de formação, nos termos do art. 63º, nº4 do DL nº 8/99/M tem o sentido de uma homologação-aprovação. Uma vez obtida a homologação, só o acto homologado é recorrível contenciosamente, e não o acto homologatório.







Proc. nº 721/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, solteira, maior, natural de Macau, titular de BIRM nº XXXXXXX /X), residente na ……, em Macau, -------
Recorre contenciosamente, ------
Do despacho do Ex.mo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, datado de 12/06/2015, ---
Que homologou a classificação que lhe foi atribuída pelo júri constituído no âmbito do procedimento de reconhecimento e equivalência da especialidade médica de Medicina Interna do curso de medicina obtido na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Ao acto imputou vícios vários, que levou às conclusões da petição inicial e cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Contestou a entidade recorrida, suscitando a irrecorribilidade do acto impugnado, em virtude de alegadamente apenas ser acto integrativo de eficácia, defendendo que o acto recorrível seria apenas o acto homologado do júri.
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Em resposta, a recorrente pronunciou-se contra a tese da entidade recorrida, no que foi acompanhada pelo digno Magistrado do MP.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
1 - O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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2 - Outras excepções
2.1 - Irrecorribilidade.
Será irrecorrível o acto impugnado, tal como o defende a entidade recorrida?
Parece-nos que sim.
Foi, efectivamente, autorizada a constituição de um júri para a realização de exame de equivalência total de formação de acordo com o disposto no art. 65º, nº3 do DL nº 8/99/M, que dispõe: «O reconhecimento da equivalência total de formação depende de aprovação no processo de avaliação final regulado na Secção V do Capítulo III, com as adaptações previstas no artigo seguinte».
E o artigo seguinte (art. 66º) preceitua que «1. Quando a Direcção dos Internatos Médicos se pronuncie a favor da equivalência total de formação, deve propor a constituição do júri de avaliação final, nos termos do artigo 55º, com as necessárias adaptações, e a data em que esta se deve iniciar. 2…»
Ora, face às normas citadas, se o candidato à “equivalência total de formação” se tem que submeter a uma prova que deve observar o disposto na secção V, do Capítulo III, aplicam-se-lhe, então, as regras de avaliação e classificação ali previstas, designadamente as estabelecidas no art. 63º do diploma.
Mas, por assim ser, então o carácter verdadeiramente decisor pertence à classificação final do júri.
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2.1.1 - É certo que dessa classificação cabe recurso para o Director dos Serviços de Macau (art. 63º, nº3, do diploma). O director, no âmbito desse recurso pode discordar da forma como alguma prova foi efectuada ou avaliada especificamente e revogar a decisão do júri.
Pergunta-se: esse recurso terá carácter necessário ou facultativo?
Se se entender que tem carácter necessário, a definitividade da “decisão do juri” apenas estaria obtida com a decisão do director.
Sendo de entender que tem carácter facultativo, a decisão do júri já é definitiva.
Ora bem. Em nossa opinião, trata-se de um instrumento impugnativo não necessário. Caberá ao interessado utilizá-lo ou não; será facultativo. E dizemo-lo facultativo por duas razões:
Em primeiro lugar, porque o art. 63º não apresenta nenhuma indicação de que seja necessário e, pelo contrário, denuncia que se trata de uma impugnação facultativa. Natureza que, com muito mais evidência, até se retira da correspondente disposição em língua chinesa, onde se comete ao interessado o poder ou a faculdade de recorrer.
Em segundo lugar, porque o júri constitui um órgão administrativo “ad hoc” e extraordinário, destinado a exercer uma função extraordinária e transitória, que não integra a orgânica comum dos serviços de saúde. Órgão que, por isso, não está integrado em cadeia hierárquica, nem em regra submetido nem ao poder de direcção, nem ao poder disciplinar de quem quer que seja e, ainda, face à sua natureza de órgão colegial e deliberativo (cfr. art. 56º, nº1, cit. dip.), por possuir independência para apreciar e resolver os assuntos incluídos na sua área de competência classificativa (neste sentido, Ac. STA, de 9/05/1989, Proc. nº 026448).
Logo, o recurso a interpor da deliberação do júri para o presidente seria então recurso hierárquico impróprio (cit. aresto; também Ac. STA, do STA/Pleno, de 15/11/2001, Proc. nº 041151). E se não existe hierarquia - se até mesmo já nos casos em que essa hierarquia existe, no nosso entendimento não haveria recurso hierárquico necessário se a lei não o previsse1 (cfr. art. 28º, nº1, CPAC; Ac. TSI, de 9/05/2013, Proc. nº 32/2012; no direito comparado, Ac. TCA/sul, de 22/11/2012, Proc. nº 04989/09) – por maioria de razão o recurso necessário só aqui existiria caso previsto especial e expressamente, o que, como se viu, não acontece.
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2.1.2 – O recurso para o director dos Serviços de Saúde de Macau previsto no art. 63º, nº3, do DL nº 8/99/M é, portanto, facultativo.
Essa circunstância sublinha a ideia de que o acto deliberativo do júri é definitivo.
Mas, será executório?
A pergunta faz todo o sentido, na medida em que a classificação final atribuída está sujeita a homologação pelo órgão competente (cfr. art. 63º, nº4 dip. cit.).
Que função terá aqui a homologação?
Como é sabido, atribuem-se à homologação, geralmente, três sentidos diferentes:
1º- A homologação em sentido próprio, que é o acto pelo qual um órgão decisor, porque tem competência para tal, acolhe e se apropria do conteúdo de uma informação, de uma proposta ou de um parecer, apresentados por entes consultivos e não decisores, convertendo-o em seu.
Em tais hipóteses, só o acto homologatório é decisor e definitivo e apenas ele é passível de recurso contencioso.
Sobre o assunto: Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, pág. 461- 462; Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, pág. 139.
2º A homologação-aprovação, que representa o acto pelo qual um órgão exprime um juízo de conformidade relativamente à resolução contida em acto anterior, já definitivo, conferindo-lhe eficácia.
A definição do direito dos particulares, agora, é feita desde logo no acto homologado e, por isso, só este é susceptível de impugnação contenciosa.
Frequentemente, este tipo de actos aparece, umas vezes simplesmente com a expressão simples de “homologo”, outras com a veste de um simples “aprovo”. Mas, a ideia subjacente é quase sempre a mesma. Por isso é que, para fugir a equívocos, vem ganhando cada vez mais consistência a utilização na doutrina da fórmula “homologação-aprovação” para expressar essa ideia.
Recorrível contenciosamente é o acto aprovado.
Sobre o assunto: Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, pág. 462; Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, pág. 141; Rogério Soares, Direito Administrativo, 1978, 119-121 e 171 e sgs.; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pág. 266; Lino Ribeiro e J. Cândido de Pinho, Código de Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 673.
3º A homologação-confirmação, que exprime um juízo de conformidade a um acto executório anterior, mas não definitivo.
Este acto é tratado frequentemente como sendo de ratificação-confirmação2. A ideia é esta: o órgão normalmente competente exprime a sua concordância com a decisão tomada por órgão diferente (geralmente, subalterno) por razões de oportunidade (urgência) ou de conveniência (para evitar o perigo).
Mas, quer se trate de homologação-confirmação ou de ratificação-confirmação, em ambos os casos o primeiro acto (confirmado) sendo executório, não era definitivo. Só o acto que o confirma o converte em definitivo.
A definitividade é-lhe apenas conferida pelo acto de homologação.
Sobre o assunto: Marcelo Caetano, ob. e loc. cits.; Freitas do Amaral, ob. cit., pág. 146-147; Sobre todos os sentidos assinalados, ver ainda Freitas do Amaral, O Direito, ano 102, pág. 143.
Observando cada uma destas concepções, concluiremos que o caso “sub Júdice” se encaixa na segunda. Estamos em presença de um acto que homologa um acto decisor definitivo mas a que faltava eficácia (e executoriedade). O acto de homologação-aprovação é, pois, um acto integrativo de eficácia. Obtida esta, o acto homologado passa a produzir plenamente os seus efeitos e, consequentemente, dele – apenas dele - cabe recurso contencioso.
Neste sentido, no direito comparado: Ac. STA de 27/03/1996, Proc. nº 018592; de 9/12/1998, Proc. nº 018060; Pleno, de 12/05/1999, Proc. nº 021013; 30/10/2003, Proc. nº 0841/04; 4/03/2004, Proc. nº 046275; 13/02/2008, Proc. nº 0984/07.
Tudo visto, significa que o acto de homologação do Ex.mo Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, objecto do presente recurso contencioso, não é recorrível.
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III – Decidindo
Face ao exposto, acordam em absolver a entidade recorrida da instância.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 4 UC.
TSI, 28 de Janeiro de 2016
Fui presente José Cândido de Pinho
Joaquim Teixeira de Sousa Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Entre outros, o. Contudo, havendo hierarquia, o TUI produziu um acórdão que, em tais casos, a mesnos que da lei resulte o contrário, do acto do subalterno cabe recurso hierárquico necessário: Ac. de 9/07/2014, Proc. nº 10/2014.
2 Não confundir com a ratificação-sanação, que é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprimindo a ilegalidade que o viciava.
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