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Processo nº 82/2016 Data: 03.03.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”, (art. 8° da Lei n.° 17/2009).
Crime de “tráfico de menor gravidade”, (art. 11° da Lei n.° 17/2009).
Quantidade de estupefaciente.
Convolação.
Pena.



SUMÁRIO

  Resultando não provado que o arguido destinava a “maior parte” do estupefaciente – avaliado quantitativamente em 3,297 gramas de Cocaína – para “tráfico”, e provando-se tão só que destinava “uma parte” para tal e a outra para o seu próprio consumo, adequada é a sua condenação como autor de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11° da Lei n.° 17/2009.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 82/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A, (1°) arguido com os sinais dos autos, como autor da prática em concurso real de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, e 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, e outro de “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p. e p. pelo art. 14° e 15° da mesma Lei, fixando-lhe o Colectivo a quo a pena única de 1 ano e 8 meses de prisão; (cfr., fls. 307 a 317-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o Ministério Público recorreu.

Em sede da sua motivação de recurso produziu as conclusões seguintes:

“1. De acordo com o douto acórdão a quo, pelo Tribunal Colectivo, o 1º arguido A foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, dum crime de produção e tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º1, al. 1) da Lei n.º17/2009, em vez de um crime (sic) de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º1 da Lei n.º17/2009); na pena de dois meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, dum crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 14.º da mesma lei; na pena de 2 meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, dum crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, p. e p. pelo art.º 15.º da Lei n.º17/2009; em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado numa pena única de 1 ano e 8 meses de prisão efectiva.
   2. Pelo Tribunal Colectivo foi absolvido o 2º arguido B da imputada prática, em autoria material e na forma consumada, dum crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º1 da Lei n.º n.º17/2009.
   3. O Ministério Público não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo contra o 1º arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, dum crime de produção e tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º1, al. 1) da Lei n.º17/2009, convolado dum crime (sic) de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º1 da Lei n.º17/2009, dela vem interpor o recurso.
   4. Entende o Ministério Público que o acórdão a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova padecendo do vício previsto no art.º 400.º, n.º2, al. c) do Código de Processo Penal:
   5. De acordo com os factos provados n.º5, agentes da Polícia Judiciária encontram no veículo do arguido A os estupefacientes seguintes: “contendo cocaína com o peso líquido de 4,995g (1,415+1,431+1,406+0,743), após feita a análise quantitativa, com peso líquido de 3,297g (0,948+0,957+0,948+0,444g).
   6. De acordo com os factos provados n.ºs 6 e 7: “Agentes da Polícia Judiciária deslocaram-se à residência do arguido para proceder a busca onde encontraram, em cima da mesa de computador, no quarto de dormir do arguido A, uma garrafa plástica com palhinha contendo líquido transparente; o supracitado líquido transparente dentro da garrafa plástica, com peso líquido de 435 ml, continha substâncias de Anfetamina, Metanfetamina e N.N-Dimetanfetamina, abrangidas na Tabela II-B anexa à mesma lei.”
   7. De acordo com os factos provados n.º8: “Os supracitados estupefacientes encontrados no carro e na residência do arguido A foram adquiridos por si através dos meios ilegais, com a finalidade de ser consumida por si próprio parte dos estupefacientes e vendida parte dos mesmos para obter lucros. Mas segundo os factos imputados n.º8 da Acusação: “Os supracitados estupefacientes encontrados no carro e na residência do arguido A foram adquiridos por si no dia 15 de Dezembro de 2014, pelo preço de HK$5.000, junto ao arguido B, com a finalidade de ser consumida por si próprio uma pequena parte dos estupefacientes e vendida a maior parte dos mesmos para obter lucros.”
   8. Segundo o teor de “motivo e determinação da pena” do acórdão a quo (vd. fls. 315v dos autos), o Tribunal a quo, baseando-se em que não se conseguia apurar qual a quantidade dos estupefacientes que o arguido A destinava para vender, passou a condená-lo pela prática do crime de tráfico de menor gravidade previsto pelo art.º 11.º da Lei n.º17/2009.
   9. Contudo, a quantidade de uso de cocaína por 5 dias é de 0,15g (0,03X5), mas as cocaínas encontradas nos autos têm um peso líquido de 3,297g, igual à quantidade de uso de 109,9 dias (3,297/0,03), pelo que o arguido foi acusado de deter estupefacientes com finalidade de ser vendida a “maior parte” dos mesmos para obter lucros, conforme consta nos factos imputados n.8 da Acusação.
   10. Basta provar que nos autos a quantidade de estupefaciente não destinada ao consumo ultrapassa 5 dias, deve o Tribunal a quo aplicar a pena nos termos do art.º 8.º da mesma lei; e/ou, se o Tribunal a quo conseguir provar a quantidade destinada ao consumo próprio do arguido ultrapassa 104,9 dias (109,9–5 dias), pode o Tribunal a quo passar a condenar o mesmo arguido pela prática do crime previsto no art.º 11.º da mesma lei.
   11. Contudo, segundo a convicção do Tribunal a quo, tendo indicado que “não se consegue confirmar qual a quantidade dos estupefacientes que o arguido A destinava para vender”. isto quer dizer que o Tribunal a quo não consegue apurar se a quantidade dos estupefacientes destinada à venda ultrapassa a quantidade de 5 dias ou, provavelmente o Tribunal a quo considerou que a quantidade destinada ao consumo ultrapassa 104,9 dias, razão pela qual determinou aplicar a pena nos termos do art.º 11.º.
   12. Mas o Ministério Publico entende que nos autos há indícios suficientes de que a quantidade de estupefacientes detida pelo arguido A é superior à de uso de 5 dias.
   13. Antes de ser preso, o arguido, através do software de comunicação de telemóvel, promoveu a venda de estupefaciente a várias pessoas. (vd. auto de exame de telemóvel, fls. 16 a 17) Por exemplo, no dia 11 de Dezembro de 2014, promoveu respectivamente a cinco pessoas a venda de estupefacientes: “Sou X, o meu telemóvel de Macau não tem serviço itinerante não se conseguindo ligar, se quiser gasosa, tens que contactar-me depois das três horas, obrigado.” (vd. figuras n.ºs 5 a 9 do auto de exame de telemóvel, fls. 17, 22 e 24).
   14. E no dia 13 de Dezembro de 2014 pediu ao “C” que lhe fornecesse estupefacientes permanentemente: “C, como está? Quando posso falar consigo em Guangbei? Qual o preço de “Coelho Grande Branco”?” e “C, quando acordar, liga para mim, tenho intenção de manter uma colaboração prolongada consigo. Obrigado.” (vd. figura n.º10 do auto de exame de telemóvel, fls. 17 e 25)
   15. No período entre 12 e 14 de Dezembro de 2014, o arguido pediu a “D” que fornecesse Coelho Grande Branco e Perfume, uma vez que ele já tinha prometido a pessoas: “Faz-me um favor, quero mais uma caixa de “Coelho Grande Branco” e duas caixas de “Perfume”, vou pagar-te despesa de transporte, ontem à noite tu prometeste a E que iria mandá-las para cá, como eu também prometei a gente, caso não se consiga fazê-lo, não sei o que fazer, por isso resolvi-me a pedir mais um pouco, podes mandar já para cá?” (vd. figura n.º4 do auto de exame de telemóvel, fls. 16 e 22).
   16. Todos os teores das mensagens curtas acima indicadas são factos provados n.ºs 12 a 20 do presente caso.
   17. Por isso, podemos verificar que o arguido é um traficante activo, também é um distribuidor que vai procurar produtos junto de outros distribuidores de estupefaciente e vender a várias pessoas, razão pela que existem “tantos clientes” nas mensagens do seu telemóvel.
   18. Então qual a razão que este tipo de traficante vai vender a outra pessoa cocaína de quantidade de 5 dias e destinar a quantidade remanescente de 105 dias para o seu consumo próprio? Se o arguido vai reservar verdadeiramente para seu próprio consumo tanta quantidade de estupefacientes, por que razão, antes de ser preso, ele tinha que “procurar clientes”, como ele já tinha estupefaciente suficiente para o seu consumo próprio. Mas ao contrário, antes de ser preso, ele ainda promoveu a venda de estupefacientes a cinco pessoas, pelo que, podemos verificar que a quantidade que este pretendia vender não só de 5 dias, mas sim muito mais superior a 5 dias!
   19. Na audiência de julgamento, embora não se conseguisse apurar qual a quantidade concreta de estupefacientes destinada à venda ou ao consumo próprio por parte do arguido, segundo as regras gerais da experiência, pelo menos, podemos provar que a quantidade é superior a 5 dias, assim não se esquece de que a quantidade de uso de 5 dias só é 4,5% da quantidade total por si detida (0,15/3,297), então como era possível que o arguido só destinasse 4,5% da quantidade para vender e 95,5% do remanescente para consumir propriamente? Pelo que a conclusão do Tribunal a quo é totalmente contra o senso comum.
   20. Isto quer dizer que a quantidade de cocaína detida pelo arguido atinge 3.297g, ou seja superior à de uso de 109 dias, pelo que a conclusão feita pelo Tribunal a quo é contra as regras gerais da experiência por ter dado por provada a quantidade destinada ao seu próprio consumo superior a 105 dias, ou seja só quantidade de uso de 5 dias destinada à venda.
   20. No processo relativo a drogas, é normal que o tribunal não consiga dar por provada a quantidade concreta de estupefacientes destinada à venda ou ao consumo próprio, mas a total negação da prática de tráfico com os estupefacientes também é uma estratégia que costumam utilizar os arguidos ou seus defensores na defesa, contudo, deve o tribunal, segundo as regras gerais da experiência, fazer análise sobre a finalidades e quantidade de estupefacientes, caso contrário, nos autos se a quantidade de estupefacientes for superior à de uso de 200 ou 300 dias e se o tribunal não conseguir dar por provada a quantidade concreta destinada à venda ou ao consumo próprio, determina assim a pratica pelo criminoso de crime de tráfico de estupefacientes com quantidade diminuta ou de consumo, mas quem vai acreditar que o criminoso só destina a quantidade de 5 dias para vender e a de 195 ou 295 dias para consumir propriamente?  
   22. In casu, o Tribunal não teve um entendimento suficiente sobre o disposto nos art.ºs 8.º, 11.º e 14.º da Lei n.º17/2009, razão pela qual incorreu em erro notório na apreciação da prova, uma vez que, segundo a lei, no crime de tráfico de estupefacientes, quando a quantidade seja superior à de uso de 5 dias, deve ser aplicada a sanção prevista no art.º 8.º, assim ao dar por provada a quantidade destinada à venda ou ao consumo, deve o Tribunal ainda atender se a quantidade destinada à venda ultrapassa ou não a de uso de 5 dias. Contudo, in casu, o Tribunal a quo só tomou em consideração a impossibilidade de distinção da quantidade concreta de estupefacientes destinada à venda e ao consumo, mas não procedeu à análise da quantidade destinada à venda se é superior a 5 dias ou não, francamente, quando a gente detenha a quantidade de uso de 109 dias, por que só destina a quantidade inferior à de 5 dias para vender? Por outro lado, segundo as mensagens curtas existentes no telemóvel do arguido podemos provar que o arguido é um distribuidor activo, bem como os estupefacientes encontrados pelos agentes da Polícia Judiciária já tinham sido divididos em quatro pacotes e na sua residência existem grande quantidade de sacos plásticos para embalagem, se o arguido destina a quantidade de uso de 105 dias para consumir, então qual a razão que o arguido tinha que fazer embalagem de antemão?
   23. Pelo que, se se dar por provado o facto de o 1º arguido A ter destinado para vender, entre a quantidade de cocaína de 3,297g, a de uso superior a 5 dias, deve o arguido ser condenado pela prática de crime de tráfico ilícito de estupefacientes com grande quantidade previsto no art.º 8 .º, n.º1 da Lei n.º17/2009.
   24. Caso o Tribunal de hierarquia superior não aceite o supracitado entendimento, a pena fixada pelo Tribunal a quo também é demasiado leve, face à prática pelo 1º arguido A do “crime de tráfico de estupefacientes com diminuta quantidade”
   25. Na parte de determinação da pena, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes com diminuta quantidade, cujo moldura abstracta penal é de 1 a anos de prisão, mas segundo o acórdão recorrido, o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pena concreta essa só cerca de 1/8 da sua moldura abstracta penal, aproximada ao seu limite inferior.
   26. Contudo, o presente caso é diferente de outros casos relativos a drogas em que são arguidos os adolescentes quem praticam crime de tráfico e consumo de estupefacientes, na ocorrência dos factos, o arguido A já realizou transacção de drogas como “traficante profissional”, tendo o mesmo usado código em vez do nome de estupefaciente, o modo de transacção é escondido, bem como, em relação aos “factos imputados” e aos “factos provados”, na fase de inquérito, o arguido indicou que o outro arguido B lhe tinha fornecido estupefacientes por duas vezes, tendo, contudo, refutado tais declarações na audiência de julgamento. Na audiência de julgamento, o arguido declarou que o tinha culpado do facto para se defender, bem como declarou que destinava todos os estupefacientes para o seu consumo próprio, mesmo que a parte de acusação lhe colocasse questões sobre os teores das mensagens curtas existentes do seu telemóvel, o arguido ainda negou a prática de tráfico, assim pode-se verificar que o mesmo não mostrava arrependimento e mentia, tanto na fase de inquérito como na de audiência de julgamento, pelo que a aplicação da pena ligeiramente superior ao limite de moldura penal não atinge de nenhuma maneira a finalidade de punição.
   27. Ao contrário, tendo em consideração a sua atitude de nunca ter confessado os factos, a quantidade dos estupefacientes nos autos, a promoção por várias vezes da venda de estupefacientes a indivíduos não identificados, o mal causado à sociedade de Macau, face ao “crime de tráfico de estupefacientes”, deve o arguido ser condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, sendo isso mais adequado.”; (cfr., fls. 335 a 342).

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Admitido que foi o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

*

Aquando da vista dos autos juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“No presente recurso, em que o Ministério Público traz a escrutínio o acórdão condenatório de 27 de Novembro de 2015, do 1.° Juízo Criminal, vêm suscitadas duas questões: em primeira linha, a da integração típica da conduta do arguido, na parte em que detinha substâncias estupefacientes não destinadas a seu consumo pessoal; em via subsidiária, a da medida da pena.
Para o que ora interessa, o acórdão recorrido condenou o arguido A por um crime de tráfico de menor gravidade, da previsão do artigo 11.°, n.° 1, alínea l), da Lei 17/2009, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. A Exm.a recorrente entende que os factos apurados em julgamento preenchem o tipo de tráfico ilícito previsto no artigo 8.° da referida Lei 17/2009, devendo o arguido ser condenado em conformidade, pois considera que só uma incorrecta apreciação da prova, com erro notório que atenta contra as regras normais da experiência, pode ter estado na base da condenação por tráfico de menor gravidade. E, para a hipótese de se confirmar a condenação pelo crime de tráfico de menor gravidade, alvitra que a pena respectiva deve ser alterada para 2 anos e 6 meses de prisão, porquanto a aplicada mostra-se demasiado suave.
Vejamos.
Não deixa de impressionar, exactamente por reporte ao senso comum, a argumentação da motivação de recurso, ao questionar a opção pela condenação por tráfico de menor gravidade, tendo em conta que o arguido era portador de cocaína com um peso de 3,297 gramas, produto que, de acordo com o mapa das quantidades de referência para uso diário, anexo à Lei 17/2009, daria para consumo individual durante cerca de 110 dias.
Então, se o tribunal teve por assente que apenas a quantidade de 0,15 gramas (5x0,03) estava destinada a venda pelo arguido-traficante, como explicar, adentro de padrões de razoabilidade, que o arguido-consumidor se fizesse acompanhar, para seu exclusivo consumo, de droga bastante para satisfazer a sua necessidade aditiva por mais de 100 dias?
A incongruência da solução encontrada pelo acórdão parece evidente.
Todavia, a recorrente tem contra si parte da matéria de facto dada como provada, que foi seguramente essencial para levar o tribunal a integrar a conduta do arguido no ilícito típico do tráfico de menor gravidade. Cingindo-nos, como não pode deixar de ser, à matéria efectivamente apurada e tida como provada, tem que se reconhecer que aquela suposta incongruência se revela apenas aparente.
No que ora interessa, atento o objecto do recurso, não ficou provado, contrariamente ao que vinha sustentado na acusação, que o arguido destinava para venda a maior parte do produto estupefaciente que lhe foi apreendido e que apenas uma pequena parte estava reservada a seu consumo individual. Também não ficou provado que o dinheiro apreendido ao arguido tivesse sido obtido com a venda de estupefacientes. Igualmente não ficou provado que o veículo da matrícula ML-XX-XX utilizado pelo arguido servisse como meio de transporte no tráfico de estupefacientes. Não resultou esclarecida a ocasião concreta em que o arguido adquirira o produto de que se fazia acompanhar, podendo dar-se o caso de ter acabado de o adquirir e não se ter ainda deslocado à sua residência, onde é normal que guarde a parte destinada ao seu próprio consumo. Por fim, e apesar dos utensílios que comprovadamente o arguido possuía em casa e usava para embalar e distribuir os estupefacientes, nomeadamente balança electrónica e sacos plásticos transparentes, o produto apreendido não se encontrava doseado para distribuição.
Este quadro de défice probatório em aspectos importantes – cujo julgamento não vem questionado – legitima e explica a dúvida e o non liquet que o acórdão deixa transparecer sobre o apuramento da quantidade estupefaciente destinada a venda, e permite, do mesmo passo, afastar o invocado erro notório na apreciação da prova por atropelo das regras da experiência comum. Perante tal non liquet, que, corno vincado, encontra justificação no assinalado contexto probatório, a solução a que o acórdão chegou encontra respaldo no princípio in dubio pro reo, e não repugna que seja mantida por esta instância de recurso, não obstante a surpresa que, primo conspectu, suscita e que se encontra espelhada nas doutas alegações de recurso.
Quanto à questão da medida da pena, é sabido que, nos termos do artigo 65.° do Código Penal, a sua determinação é comandada por finalidades de prevenção (de integração e de socialização), balizadas pela culpa, e levando em consideração todas as circunstâncias estranhas ao tipo, que deponham a favor ou contra o agente.
O tribunal explicou, à luz daqueles critérios, a medida da pena a que chegou. E não se crê que lhe possa ser apontado erro ou desproporção ostensivos, apesar de ter situado a pena concreta próximo do limite mínimo da moldura abstracta.
É certo que a Exm.a magistrada recorrente aponta circunstâncias que, em seu critério, reclamariam uma pena mais severa, já que apontariam para uma acrescida necessidade em matéria de prevenção e a isso não obstava a limitação imposta pela culpa.
Cabe, porém, assinalar que essas circunstâncias, mais ou menos evidentes no plano dos indícios fornecidos pelo Inquérito, não obtiveram confirmação em julgamento. Estamos a pensar, v.g., em supostas transacções de droga anteriores, alegadamente efectuadas pelo arguido como traficante profissional; na associação de certas palavras usadas em código com supostos actos de tráfico anteriores; na valoração de uma versão dada pelo arguido em Inquérito, que não obteve confirmação em julgamento, etc.
Temos por certo que, se estes indícios recolhidos em Inquérito tivessem obtido confirmação em julgamento, as exigências de prevenção, nomeadamente de prevenção geral positiva, associadas à culpa acrescida, demandariam uma pena concreta consideravelmente superior, seguramente ao nível da medida sugerida pela Exm.a colega. Só que essas circunstâncias não foram confirmadas em julgamento, o que nos leva à incontornável situação de estarmos a lidar com um delinquente primário.
Assim, também nesta parte, não repugna que a pena aplicada em primeira instância seja mantida por esta instância de recurso.
Ante o exposto, não vislumbramos vício ou motivo que caucionem as pretendidas revogação e alterações, pelo que propendemos para a improcedência do recurso”; (cfr., fls. 455 a 456-v).

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“ 1.
Em meados de Novembro de 2014, a Polícia Judiciária recebeu informações de que o arguido A sempre levava o seu veículo com a matrícula ML-XX-XX de cor preta para praticar actividade de tráfico de droga em vários estabelecimentos de diversões de Macau, e para tal, usava wWechat e mensagens curtas de telemóvel para contactar com os compradores.
2.
Feita investigação, agentes da Polícia Judiciária verificou que o arguido A costumava estacionar o supracitado veículo no Largo da Companhia.
3.
No dia 15 de Dezembro de 2014, agentes da Polícia Judiciária deslocaram-se ao supracitado local para realizar diligências. Cerca das 14H00 do mesmo dia, ao verificarem que o arguido A estava a estacionar o seu veículo na Rua de Santo António, agentes interceptaram-no imediatamente para verificação.
4.
Com o consentimento do arguido A, agentes da Polícia Judiciária conduziram o veículo do arguido para a Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Policia Judiciária para proceder a busca, tendo encontrado, na caixa de luva do lugar de passageiro dianteiro do veículo, os objectos seguintes: Duas caixas de cigarro contendo uma delas, um pacote de grãos de cor leitosa, e outra, um pacote de grãos de cor leitosa embrulhado por saco de rebuçado de cor roxa; uma caixa metálica de cor vermelha contendo um pacote de grãos de cor leitosa; uma caixa metálica de cor verde contendo um pacote de grãos de cor leitosa. (vd. auto de apreensão, fls. 10 dos autos)
5.
Feito o exame laboratorial, confirmou-se que os grãos de cor leitosa encontrados numa das caixas de cigarros continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B anexa à Lei n.º17/2009, com peso líquido de 1,415 gramas e após feita a análise quantitativa, a percentagem de Cocaína era de 67%, com peso de 0,948 gramas; os grãos de cor leitosa encontrados na outra caixa de cigarros continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B anexa à mesma lei, com peso líquido de 1,431gramas e após feita a análise quantitativa, a percentagem de Cocaína era de 66,9%, com peso de 0,957 gramas; os grãos de cor leitosa encontrados na caixa metálica de cor vermelha continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B anexa à mesma lei, com peso líquido de 1,406 gramas e após feita a análise quantitativa, a percentagem de Cocaína era de 67,4%, com peso de 0,948 gramas; os grãos de cor leitosa encontrados na caixa metálica de cor verde continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B anexa à mesma lei, com peso líquido de 0,743 gramas e após feita a análise quantitativa, a percentagem de Cocaína era de 59,8%, com peso de 0,444 gramas. (vd. fls. 88 a 96, 104 a 109 dos autos, quanto ao seu pormenor)
6.
Com o consentimento do arguido A, agentes da Polícia Judiciária deslocaram-se à residência do arguido sita em Macau, na… para proceder a busca onde encontraram, em cima do armário de televisão, na sala de estar, uma caixa de papel de cor azul e branca que continha um grande saco plástico transparente contendo 133 sacos plásticos transparentes, uma balança electrónica, uma palhinha transparente, uma colher plástica, um papel de estanho de forma rectângula e um isqueiro; e mais encontraram, em cima da mesa de computador, no quarto de dormir do arguido A, uma garrafa plástica com palhinha contendo líquido transparente. (vd. auto de apreensão, fls. 12 dos autos)
7.
Feito o exame laboratorial, confirmou-se que os supracitados sacos plásticos e as palhinhas transparentes apresentavam vestígios que continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B anexa à Lei n.º17/2009 e substâncias de Metanfetamina, abrangidas pela Tabela II-B anexa à mesma lei; a balança electrónica, a colher plástica e o papel de estanho de forma rectângula acima indicados apresentavam vestígios que continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B anexa à mesma lei, substâncias de Metanfetamina, abrangidas pela Tabela II-B anexa à mesma lei e substâncias de Ketamina, abrangidas pela Tabela II-C anexa à mesma lei; o supracitado isqueiro apresentava vestígios que continham substâncias de Cocaína, abrangidas pela Tabela I-B anexa à Lei n.º17/2009; a garrafa plástica, a tampa e a palhinha acima indicadas apresentavam vestígios que continham substâncias de Anfetamina, Metanfetamina e N.N-Dimetanfetamina abrangidas pela Tabela II-B anexa à mesma lei; o supracitado líquido transparente dentro da garrafa plástica, com peso líquido de 435 ml, continha substâncias de Anfetamina, Metanfetamina e N.N-Dimetanfetamina, abrangidas na Tabela II-B anexa à mesma lei. (vd. fls. 88 a 96 e 104 a 109 dos autos, quanto ao seu pormenor)
8.
Os supracitados estupefacientes encontrados no carro e na residência do arguido A foram adquiridos por si através dos meios ilegais, com a finalidade de ser consumida por si próprio parte dos estupefacientes e vendida parte dos mesmos para obter lucros.
9.
A balança electrónica, as palhinhas transparentes, a colher plástica, o papel de estanho e cento e tal sacos plásticas transparentes encontrados na supracitada residência eram utensílios utilizados pelo arguido A para distribuir e embalar os estupefacientes; a garrafa plástica, a tampa e as palhinhas eram utilizadas pelo arguido para consumir estupefacientes.
10.
Com o consentimento do arguido A, agentes da Polícia Judiciária encontraram na posse do mesmo um telemóvel de cor branca (n.º...), um telemóvel de cor preta (n.º...), seis notas de 1.000 dólares de Hong Kong, uma nota de 500 dólares de Hong Kong, cinco notas de 1.000 patacas de Macau e quinze notas de 500 patacas de Macau. (vd. fls. 35 dos autos)
11.
Os supracitados dois telemóveis encontrados na posse do arguido servem como utensílio para contacto no tráfico de estupefacientes.

12.
Com o consentimento do arguido A, agentes da Polícia Judiciária procederam ao exame do telemóvel do mesmo (n.º...), tendo verificado que nele existem mensagens curtas mandadas no dia 10 de Dezembro de 2014 pelo arguido A para o telemóvel n.º..., cujo teor é: “Desculpe, só tem o KTV do preço de 1.000, o de 500 já está esgotado, se o quiser contacte-me outra vez”. (vd. fls. 16 e 21 dos autos)
13.
No dia 13 de Dezembro de 2014, o arguido A recebeu mensagens curtas mandadas pelo telemóvel n.º…, cujo teor é: “Desculpe Mano X, a gente não quer aquele do preço de 800 por pacote, por isso perdi um negócio, mas peço desculpa, amanhã vou dar-te o do preço de 500” e “em princípio também queria guardar um pacote para amigo para dar-te aquele do preço de 500”. (vd. fls. 16 e 19 a 20 dos autos)
14.
Com o consentimento do arguido A, agentes da Polícia Judiciária procederam ao exame do telemóvel do mesmo (n.º...), tendo verificado que, no período entre 12 e 14 de Dezembro de 2014, o arguido tinha mandado mensagens curtas para o telemóvel de “A D” (n.º…) cujo teor é: “A D, tu podes me ajudar para buscar mais uma caixa de “Coelho Grande Branco” e duas caixas de “Perfume” para cá para uso imediato?” e “Faz-me um favor, quero mais uma caixa de “Coelho Grande Branco” e duas caixas de “Perfume”, vou pagar-te despesa de transporte, ontem à noite tu prometeste a E que iria mandá-las para cá, como eu também prometei a gente, caso não se consiga fazê-lo, não sei o que fazer, por isso resolvi-me a pedir mais um pouco, podes mandar já para cá?” (vd. fls. 16 e 22 dos autos)
15,
No dia 11 de Dezembro de 2014, o arguido A mandou mensagens curtas para o telemóvel n.º…, cujo teor é: “Moça, sou X, o meu telemóvel de Macau não tem serviço itinerante não se conseguindo ligar, se quiser gasosa, tens que contactar-me depois das três horas, obrigado”. (vd. fls. 17 e 22 dos autos)
16.
No dia 11 de Dezembro de 2014, o arguido A mandou mensagens curtas para o telemóvel n.º…, cujo teor é: “Mano, sou X, o meu telemóvel de Macau não tem serviço itinerante não se conseguindo ligar, se quiser gasosa, tens que contactar-me depois das três horas, obrigado”. (vd. 17 e 23 dos autos)
17.
No dia 11 de Dezembro de 2014, o arguido A mandou mensagens curtas para o telemóvel n.º…, cujo teor é: “F, sou X, o meu telemóvel de Macau não tem serviço itinerante não se conseguindo ligar, se quiser gasosa, tens que contactar-me depois das três horas, obrigado”. (vd. fls. 17 e 23 dos autos)
18.
No dia 11 de Dezembro de 2014, o arguido A mandou mensagens curtas para o telemóvel n.º..., cujo teor é: “Patrão, daqui fala X do Jardim de Luís de Camões, estou em Hong Kong agora, o meu telemóvel de Macau não tem serviço itinerante, se quiser gasosa hoje, tens que contactar-me depois das três horas à noite, obrigado”. (vd. fls. 17 e 24 dos autos)
19.
No dia 13 de Dezembro de 2014, o arguido A mandou mensagens curtas para “G”, cujo teor é: “C, como está? Quando posso falar consigo em Guangbei? Qual o preço de “Coelho Grande Branco”?” e “C, quando acordar, liga para mim, tenho intenção de manter uma colaboração prolongada consigo. Obrigado”. (vd. fls. 17 e 25 dos autos)
20.
Após feito o exame ao software de comunicação do telemóvel do arguido A (n.º...), verificou-se que, o mesmo, no dia 14 de Dezembro de 2014, das 21H24 às 23H16, através do software de comunicação, tinha feito diálogos com “H” e este tinha mandado frases: “Agora só tenho este” e mandado em seguida ao arguido fotografia de um pacote de pó branco, tendo o arguido referido: “Porque está tão molho, achas que este chega ou não”. Em seguida, “H” mandou fotografia de uma pilha de pó branco ao arguido A. (vd. fls. 17 e 26 dos autos)
21.
Através das mensagens curtas e do software de comunicação, o arguido A usava palavras tais como “KTY” ou “Perfume”, “Coelho Grande Branco” e “Gasosa” em vez dos nomes dos estupefacientes Ketamina, Ice e Cocaína (vulgarmente conhecida por Coca Cola).
22.
Feito o exame ao registo de telefonemas do telemóvel do arguido A (n.º...), verificou-se que, o mesmo, às 11H38 e 11H40 daquele dia (15 de Dezembro de 2014) ligou respectivamente para os telefones do arguido B em Macau e Hong Kong. (vd. fls. 228 e 233 dos autos)
23.
O arguido B não tinha uma profissão legal e receita e foi condenado em Hong Kong a pena de prisão pelo tráfico de estupefacientes.
24.
O arguido A, com dolo, agindo de forma livre, voluntária e consciente, não só destinava parte dos estupefacientes em causa para consumir propriamente, mas também parte dos estupefacientes em causa para vender.
25.
O arguido A sabia perfeitamente a natureza e as características dos estupefacientes acima referidos, bem como a sua conduta era proibida e punida por lei
*
Além disso, da audiência de julgamento, também resultaram provados os factos seguintes:
De acordo com os certificados de registo criminal, o arguido A é primário e o arguido B, nada consta do seu registo.
Quanto às situações pessoais e familiares dos dois arguidos são as seguintes:
O arguido A, antes de ser preso, era operário de obra de decoração, auferindo mensalmente salário de cerca de MOP20.000 a 30.000.
Tem a seu cargo os pais, avó e um filho menor.
Possui como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
O arguido B, era desempregado antes de ser preso, vivendo à custa de subsídio social do governo de HK$5.300 e da família.
Não tem ninguém a seu cargo.
Possui como habilitações literárias o 3º ano de escolaridade”.

*

Por sua vez, ficaram, “não provados: os restantes factos constantes da Acusação, nomeadamente:
   Os supracitados estupefacientes encontrados no carro e na residência do arguido A foram adquiridos por si no dia 15 de Dezembro de 2014, pelo preço de HK$5.000, junto ao arguido B .
   O veículo de matrícula ML-XX-XX utilizado pelo arguido servia como meios de transporte no tráfico de estupefacientes.
   Todos os numerários encontrados na posse do arguido eram interesses pecuniários obtidos pelo arguido depois da venda de estupefacientes.
   O arguido usava palavra “Perfume” em vez de “Happy Water”.
   O arguido B dedicava-se ao tráfico de estupefacientes em Hong Kong e Macau, tendo o mesmo costumado proceder à transacção de estupefacientes directamente ou na qualidade de intermediário incluindo as pessoas de Macau e Tailândia residentes em Hong Kong e Macau. Em Novembro de 2014, o arguido A, através de amigo, conheceu o arguido B, sabendo que o arguido B é residente de Hong Kong, que frequentemente se deslocava a Macau para vender estupefacientes, obtendo também o número de telemóvel do arguido B (n.ºs … de Hong Kong e … de Macau).
   Em certo dia de Novembro de 2014, o arguido A deslocou-se a Hong Kong para se encontrar com o arguido B e lhe exigir que fornecesse os estupefacientes, tendo o arguido B lhe apresentado um indivíduo de sexo masculino para proceder à transacção de estupefacientes. Finalmente o arguido A, adquiriu, junto do supracitado indivíduo, 55 gramas de cocaína pelo preço de HK$40.000 e depois as levou para vender em Macau.
   No dia 15 de Dezembro de 2014, às 11H38, o arguido A ligou para o telemóvel do arguido B (n.º…) para adquirir cocaína pelo preço de HK$5.000 (ou seja cocaína encontrada pelos agentes da Polícia Judiciário no carro do mesmo arguido), tendo combinado com o arguido B para proceder à entrega e recepção de estupefaciente dentro do carro do arguido A estacionado no piso superior do parque do Terminal Marítimo do Porto Exterior. Às 13H28 do mesmo dia, o arguido B chegou ao Terminal Marítimo do Porto Exterior e efectuou a transacção de cocaína com o arguido A, tendo regressado a Hong Kong às 17H42 do mesmo dia, através do Terminal Marítimo do Porto Exterior.
   Em Dezembro de 2014, o arguido B quase diariamente fazia deslocações de ida e volta entre Macau e Hong Kong, a fim de proceder à transacção de estupefacientes, entre as quais incluindo o transporte de cocaína de Hong Kong para Macau em 15 de Dezembro para vender ao arguido A pelo preço de HK$5.000 (ou seja a cocaína encontrada no carro do arguido A pelos agentes da Polícia Judiciária). (vd. fls. 116 e 117 dos autos)
   O arguido A, com dolo, agindo de forma livre, voluntária e consciente, adquiriu os estupefacientes em Hong Kong, em certo dia de Novembro de 2014, com finalidade de levar a Macau para serem vendidos.
   O arguido B, com dolo, agindo de forma livre, voluntária e consciente, em certo dia de Novembro de 2014, na qualidade de intermediário, ajudou o arguido A a adquirir os estupefacientes em Hong Kong para levar a Macau com finalidade de venda.
   O arguido A, com dolo, no dia 15 de Dezembro de 2014, adquiriu junto do arguido B os estupefacientes.
   O arguido B, com dolo, agindo de forma livre, voluntária e consciente, no dia 15 de Novembro de 2014, vendeu ao arguido A os estupefacientes a fim de obter lucros.
   O arguido B sabia perfeitamente a natureza e as características dos estupefacientes acima referidos, bem como a sua conduta era proibida e punida por lei”.

*

   Fundamentado esta sua decisão consignou o Colectivo a quo o que segue:
   
“Na audiência de julgamento, o arguido A, face aos factos que lhe eram imputados e à sua situação pessoal e familiar, declarou que os estupefacientes em causa só se destinavam ao seu consumo próprio, e que consume estupefacientes havia cerca de 2 a 3 anos, principalmente de “ice” e cocaína; mais declarou que após ter sido preso, a autoridade policial exigiu-lhe que indicasse o fornecedor de estupefacientes, como não conseguiu indicar o verdadeiro fornecedor, viu-se obrigado a dizer que B era fornecedor de estupefacientes, mas na realidade, B não vendeu a ele estupefacientes; mais declarou que não tinha dinheiro suficiente ou esperava que o preço seria mais barato caso comprasse mais estupefaciente, assim resolveu juntar dinheiro com outros para adquirir estupefacientes; as mensagens curtas existentes nos seus telemóveis foram mandadas por si a outros consumidores, a fim de saber se havia pessoas tinham intenção de juntar dinheiro com ele para adquirir estupefacientes; a balança em causa destina-se a pesar os estupefacientes adquiridos conjuntamente por ele e seu amigo: a garrafa plástica, a tampa e a palhinha em causa são utensílios por si utilizados no consumo de estupefacientes.
Na audiência de julgamento, face aos factos que lhe eram imputados e à sua situação pessoal e familiar, o arguido B declarou que não tinha hábito de consumo nem vende estupefaciente; declarou que conheceu A no jogo de máquina de diversão, e dado que considerava A como amigo dando-lhe o seu número de telemóvel; mais declarou que a sua vinda frequente a Macau era para jogar e visitar família.
Na audiência de julgamento, as testemunhas I e J prestaram declarações sobre o decurso de investigação do presente caso.
Relatório pericial: Consta de fls. 88 a 96 e 104 a 109 dos autos.
Feita uma análise objectiva e sintética sobre as declarações prestadas pelos dois arguidos e os depoimentos prestados pelas testemunhas, em conjugação das provas documentais e dos apreendidos examinados na audiência de julgamento, embora o arguido A tenha negado a prática de tráfico de estupefaciente, segundo os teores das mensagens curtas extraídos dos telemóveis do mesmo arguido, podemos determinar que tais mensagens têm a ver com a venda de estupefacientes; por outro lado, o mesmo arguido confirmou que os estupefacientes em causa se destinavam ao seu consumo próprio, e a garrafa, tampa e palhinha em causa eram utensílios por si utilizados no consumo de estupefaciente; contudo, o presente Tribunal não consegue confirmar qual a quantidade de estupefacientes que o arguido A destinava a vender a outras pessoas; com base nisso. o presente Tribunal considera que há provas suficientes da prática pelo arguido A da maior parte dos factos criminoso constantes da Acusação. Contudo, não há, nos autos, indícios suficientes de que B tenha praticado actividade de tráfico de estupefaciente.
   Pelo acima exposto e de acordo com as regras da experiência de pessoa normal, o presente Colectivo deu por provados os factos acima indicados”.

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão prolatado pelo T.J.B., insurgindo-se contra a decisão de condenação do (1°) arguido A como autor da prática de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11° da Lei n.° 17/2009.

Em síntese, é de opinião que incorreu o Colectivo a quo em “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a condenação do arguido como autor de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da dita Lei, (como acusado estava), e, subsidiariamente, o agravamento da pena aplicada.

Vejamos.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015 e de 14.01.2016, Proc. n.° 1053/2015).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 07.01.2016, Proc. n.° 831/2015 e de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015).


No caso, é o Recorrente de opinião que incorreu o Colectivo a quo em erro ao dar como provado o que consta do “facto provado n.° 8” (atrás transcrito), e não, como constava da acusação, que a “maior parte” daquele estupefaciente, era destinada à venda para obtenção de lucros, (e que apenas uma pequena parte era para o consumo do próprio recorrente).

Que dizer?

Eis como se nos parece de solucionar a questão.

Pois bem, antes de mais, começa-se por dizer que, em nossa opinião, não exista “erro”.

Com efeito, não vislumbramos como, onde ou em que termos tenha o Colectivo a quo desrespeitado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada – que, no caso, nem o recorrente indica – o mesmo sucedendo com as regras de experiência e legis artis.

Como atrás se deixou consignado (em relação ao sentido e alcance do dito vício), não constitui erro uma “leitura possível, aceitável ou razoável da prova produzida”, não bastando uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.

Importa ter presente que o “facto” em relação ao qual se assaca o vício agora em questão diz (apenas) respeito ao “estupefaciente encontrado no carro e residência do arguido”, pelo que, ponderando também na sua quantidade, pouco mais que “3 gramas”, (em concreto, 3,297 g), outra solução não se mostra de adoptar.

Ademais, de olvidar não é que o Tribunal a quo, em sede da fundamentação, deu nota explícita que do julgamento não se conseguiu apurar (provar) qual a quantidade de estupefaciente que o arguido destinava à venda.

E, nesta conformidade, o decidido não merece censura.

Com efeito, em face da factualidade provada, e apurada não estando a quantidade de estupefaciente que, em concreto, era pelo arguido destinada ao “tráfico”, há pois que confirmar a decisão de condenação do arguido como autor de 1 crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11° da Lei n.° 17/2009.

De facto, (e como – bem – se nota no Parecer que se deixou transcrito), importa ter presente que o Colectivo a quo deu como “não provada” outra matéria de facto que “suportava” a acusação pelo crime do art. 8° da Lei n.° 17/2009, e que da restante matéria de facto dada como provada não resulta nenhuma “transacção”, nem tão pouco que o arguido detinha qualquer outra quantidade de estupefaciente para tráfico.

–– Quanto à “pena” pelo dito crime.

Pois bem, ao crime em questão cabe a pena de prisão de 1 a 5 anos.

Tendo o Tribunal a quo fixado a pena concreta de 1 ano e 6 meses, deverá a mesma ser objecto de alteração como pretende o Exmo. Recorrente?

Ponderando sobre a questão, atenta a referida moldura penal e os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., afigura-se mais adequada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, nesta parte, sendo assim de se julgar procedente o recurso interposto.

Aqui chegados, importa efectuar novo cúmulo jurídico, e, nesta conformidade, atenta a factualidade dada como provada e atento o estatuído no art. 71° do C.P.M., fixa-se ao arguido a pena única de 2 anos e 8 meses de prisão.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, concede-se parcial provimento ao recurso, ficando o arguido condenado na pena de 2 anos e 6 meses pelo crime de “produção e tráfico de menor gravidade”, p. e p. pelo art. 11° da Lei n.° 17/2009, e em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão.

Pelo seu decaimento pagará o arguido a taxa de justiça de 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 03 de Março de 2016


José Maria Dias Azedo [Apurada não tendo ficado a quantidade de estupefaciente pelo arguido destinada ao “tráfico”, mais adequado se me apresenta a confirmação da pena para tal crime aplicada pelo T.J.B., (próxima do mínimo legal), dando também aqui como reproduzida a minha declaração de voto que anexei ao Ac. de 31.03.2011, Proc. n.° 81/2011 em relação ao “concurso real” dos crimes de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” e “detenção indevida de utensílio ou equipamento”, p. e p. pelos art°s 14° e 15° da Lei n.° 17/2009].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 82/2016 Pág. 34

Proc. 82/2016 Pág. 33