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Processo nº 191/2016 Data: 31.03.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 191/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando essencialmente à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 101 a 109 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 111 a 111-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer considerando também que o recurso não merecia provimento.

Tem o Parecer o teor seguinte:
“Na Motivação do recurso (fls.101 a 109 dos autos), a recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vicio de violação do preceituado no art.56° do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Na concisa Resposta (cfl. fls.111 e verso), o ilustre Colega entendeu que o despacho recorrido está com adequado e suficiente fundamento, pelo que merece respeito.
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002). Daí que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectiva de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceito indeterminado de prognose, as a) e b) do n.°1 do citado art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução da personalidade da reclusa durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdão do TSI no Processo n.°9/2002)
No caso sub judice, o próprio despacho em escrutínio demonstra que a MMa Juiz a quo atendeu a positiva evolução da personalidade da reclusa durante a execução da prisão, e procedeu à prudente valorização da aludida positiva evolução da personalidade.
 Sucede que a MMa Juiz a quo ponderou ainda, e bem, a condenação da recorrente no Processo n.°PCC-024-01-2, o mau comportamento dela na execução da pena aí imposta a si, a falta do mínimo arrependimento dela na audiência de julgamento no Processo n.°CR1-13-0200-PCC, o pagamento das indemnizações e demais circunstâncias.
Dessa global e criteriosa ponderação, a MMa Juiz a quo concluiu, a nível da prevenção especial, que o tribunal não tinha firme convicção de a recorrente poder, uma vez em liberdade condicional, conduzir a sua vida de modo sociavelmente responsável, sem cometer crime, e em consequência disso, a mesma não satisfazer, na devida altura, o pressuposto consignado na alínea no n.°1 do art.56° do CPM.
No que respeite à prevenção especial, a MMa Juiz a quo manifestou a cristal e justificável preocupação de «徜現時提前釋放被判刑人,極有可能對潛在的不法分子釋出錯誤信息,使彼得錯誤以為犯罪的代價並不高,如此將不利於社會安寧,因此,本法庭認為必須繼續執行刑罰,方能達震懾犯罪及防衛社會之效。»
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis à recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação da MMa Juiz a quo, no sentido de a recorrente ainda não preencher, por ora, ambos os pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que é irrefutável e incensurável o douto despacho em questão”; (cfr., fls. 161 a 162-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 20.11.2013, foi, A, ora recorrente, condenada na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 215°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M.;
– a mesma recorrente – que já tinha sofrido anterior condenação em idêntico crime pelo qual cumpriu pena privativa de liberdade – deu entrada no E.P.M. em 25.01.2013, e em 25.01.2016, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 25.07.2017;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua filha em Macau.

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 25.01.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 07.01.2016, Proc. n.° 1086/2015 e de 25.02.2016, Proc. n.° 80/2016).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

De facto, em causa está uma reclusa que não é primária, que já tinha cumprido pena de prisão, e que, não obstante isso, voltou a cometer o mesmo crime de “burla (agravada)”, causando elevados prejuízos, mostrando-se assim que importa acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 31 de Março de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 191/2016 Pág. 14

Proc. 191/2016 Pág. 13