Processo nº 241/2014
Data do Acórdão: 03MAR2016
Assuntos:
Excesso da execução
Princípio da precedência do acto administrativo
SUMÁRIO
1. São actos de mera execução, e portanto insusceptíveis de impugnação contenciosa, por falta da ilegalidade própria, os que no âmbito do mesmo procedimento, têm como pressuposto necessário uma definição de situação jurídica contida em anterior acto definitivo
2. Não é de mera execução o acto que se não limita a concretizar o acto anterior exequendo e reveste um alcance inovador e lesivo dos interesses do particular.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 241/2014
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 13FEV2014, que lhe determinou o pagamento das despesas resultantes da desocupação do terreno com a área de 9209 m², situado ao noroeste da Rotunda do Istmo e a Oeste da Estrada Governador Nobre de Carvalho, concluindo e pedindo:
1. Constitui objecto do presente recurso contencioso o acto do Senhor Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes de 13/02/2014, exarado na informação n.º 18XX/DURDEP /2013, notificado a coberto do ofício n.º 27XX/DURDEP /2014, de 12/03.
2. Através desse acto, a entidade recorrida quantificou as despesas decorrentes da desocupação coerciva do terreno sito na ilha da Taipa, a noroeste da Rotunda do Istmo e a oeste da Estrada Governador de Carvalho, em execução do Despacho do Senhor Chefe do Executivo, datada de 10/12/2010.
3. Nessa quantificação, a entidade recorrida imputa ao Recorrente, em excesso da sua execução, o valor das despesas decorrentes da limpeza do terreno e remoção das estacas, entulho e lixo para a zona de vazadouro, bem como a colocação de um tapume no tanque de água e seu nivelamento no montante de MOP 133,600.00.
4. O acto praticado pela entidade recorrida consubstancia um acto de execução, representando efectivação de um imperativo contido num acto definitivo anterior, i.e., um simples acto que se limita a desenvolver e aplicar a anterior definição jurídica
5. O acto de execução é recorrível contenciosamente, nos termos do artigo 138.º do CPA, quando excede os limites do acto exequendo ou quando a sua ilegalidade seja intrínseca e autónoma e não mera consequência da ilegalidade do acto que executa.
6. O acto recorrido excede claramente os limites do acto definitivo (ou exequendo) que se limitou a determinar a desocupação do terreno e a remoção dos objectos nele depositados.
7. O acto recorrido está ferido de ilegalidade que lhe é intrínseca e autónoma.
8. O excesso de execução promovido pelo acto recorrido respeita à imputação ao Recorrente dos encargos com as obras referentes à colocação de um tapume no tanque de água e seu nivelamento e o desmantelamento e recolocação da grade/protecção de betão na rua/berma da estrada, incluindo o carregamento de areia, demais trabalhos necessários e a sua pintura, no valor global de MOP 60,000.00.
9. A determinação de desocupação e remoção de materiais de um terreno ilegalmente ocupado não pressupõe a prática de qualquer outro acto destinado à delimitação da berma da estrada circundante ao terreno, materializado na destruição e , recolocação da protecção de betão, a sua pintura e o arranjo do tanque de água existente no terreno.
10. A colocação ou construção de um qualquer obstáculo que delimite a berma da estrada e a colocação de um tapume no tanque de água e o seu nivelamento não são um efeito necessário do acto que determinou a devolução da posse do terreno e a remoção dos objectos nele depositados.
11. Não pressupondo o acto exequendo a realização destes trabalhos, estas obras e o seu custo não é imputável ao recorrente.
12. O acto exequendo, do Senhor Chefe do Executivo de 10/12/2010, exarado na Informação n.º 79XX /DURDEP /2010, não previu nem determinou a realização dessas obras nem a imputação dos seus custos ao recorrente.
13. A actuação da entidade recorrida conduz a um excesso de execução, ultrapassado que se verifica o limite do acto exequendo, legitimando a sua impugnação contenciosa, ao abrigo do n.º 3 do artigo 138.º do CPA.
14. O acto recorrido padece de vício de violação de lei, designadamente por uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
15. O acto recorrido encerra uma violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, previstos nos artigos 5.º e 7.º do CPA, impondo ao recorrente um encargo que não lhe é imputável e que resulta de uma decisão absolutamente discricionária da Administração sem qualquer suporte legal, principalmente quando por este foi ocupado menos de 1/3 do terreno em causa.
16. A entidade recorrida imputa e reclama o pagamento dos encargos com a desocupação e limpeza do terreno em causa a três ocupantes.
17. Da ocupação do terreno por várias pessoas não decorre para o recorrente a obrigação de responder integralmente pela totalidade da alegada dívida.
18. O regime da solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes, facto que não resulta provado no procedimento subjacente ao acto recorrido ( artigo 506.º do Código Civil).
19. A entidade recorrida não tem fundamento legal para exigir ao Recorrente a totalidade daquele valor.
20. A Administração já havia, anteriormente, reconhecido que ao recorrente só era exigível 1/3 do valor com os encargos decorrentes da desocupação e limpeza do terreno em causa.
21. O acto recorrido assenta num errado pressuposto, excedendo os limites do acto exequendo.
22. Deve assim o acto recorrido ser anulado por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça e ainda por vício de violação de lei, por total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários por parte da entidade recorrida e erro nos pressupostos de facto.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as entendam por bem suprir, se requer a revogação do acto do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 13/02/2014, pedido que se fundamenta, de acordo com o artigo 21.º do CPAC, em vício de violação de lei, por total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e na vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça.
Citado, veio o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas suscitar a excepção da irrecorribilidade do acto recorrido e contestar pugnando pela improcedência do recurso.
Não havendo lugar à produção de prova, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.
Tanto o recorrente como a entidade recorrida apresentaram alegações facultativas, reiterando o recorrente grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso e insistindo a entidade recorrida na improcedência do recurso.
Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela improcedência do presente recurso.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexistem nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
À excepção da questão prévia da irrecorribilidade do acto recorrido, suscitada pela entidade recorrida, que será objecto da nossa apreciação logo a seguir, inexistem outras excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Então comecemos pela questão prévia da irrecorribilidade do acto recorrido.
Na contestação, a entidade recorrida deduziu a excepção da irrecorribilidade do acto recorrido nos termos seguintes:
1.º
O acto recorrido, despacho do SOPT de 13/02/2014, exarado sobre a informação n.º 18XX/DURDEP/2013, que ordena o pagamento das despesas suportadas pela DSSOPT com a demolição e desocupação do terreno em causa, foi praticado na sequência da defmição da situação jurídica manifestada pelo anterior acto do Chefe do Executivo, 10 de Dezembro do 2010, que ordenou a desocupação do terreno, a remoção dos materiais e equipamentos nele depositados e a demolição das construções ilegais que, por não ter sido, voluntariamente, acatada pelo recorrente, foi realizada pela DSSOPT, a expensas deste.
2.º
O acto recorrido é um mero acto de execução, por apenas se limitar a traduzir o resultado (custo) da execução ou concretização da ordem contida no referido despacho do Chefe do Executivo e determinar o pagamento da referida importância, e assim, pôr em prática uma estatuição já contida naquele acto anterior, nada inovando na esfera jurídica do recorrente.
3.º
Na verdade, o acto recorrido não produziu qualquer efeito na situação dos recorrentes já definida no acto anterior, pois estes já sabiam que se não cumprissem, voluntariamente, a ordem contida naquele acto, teriam que suportar os custos com a execução da mesma por parte da DSSOPT, uma vez que foram advertidos para essa situação (cfr. ponto 7 do edital n.º 290/E/2010, publicado em 16 de Dezembro de 2010, a fls 228 a 231 do processo instrutor).
4.º
A decisão consubstanciada no aludido despacho do Chefe do Executivo é sim o acto susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente, logo, contenciosamente recorrível (cfr. n.º 1 do artigo 28.º do CPAC), contra o qual deveria ter reagido contenciosamente, caso não se conformasse com o facto de, em caso de incumprimento voluntário, as despesas de demolição e desocupação lhe viessem a ser imputadas.
5.º
No entanto, o recorrente não impugnou aquele despacho, nem já o poderá fazer por ter caducado o direito de recurso [cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CPAC].
6.º
O acto objecto do presente recurso contencioso, por ser um mero acto de execução, é insusceptível de impugnação contenciosa, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 30.º do CPAC, a não ser nos casos em que excedesse os limites do acto exequendo [n.º 3 do artigo 138.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)] ou padecesse de ilegalidade própria ou autónoma e não mera consequência da ilegalidade do acto que executa (n.º 4 do artigo 138.º do CPA), situações que não se verificam no caso concreto dos autos, uma vez que os vícios que o recorrente aponta não são vícios autónomos do acto recorrido.
7.º
Assim, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 46 do CPAC o presente recurso contencioso deve ser liminarmente rejeitado pelo Tribunal.
Para a entidade recorrida, o acto ora recorrido foi praticado na sequência da definição da situação jurídica manifestada pelo anterior acto do Chefe do Executivo que ordenou a desocupação do terreno, a remoção dos materiais e equipamentos nele depositados e a demolição das construções ilegais, é um acto de mera execução, sem vícios próprios nem excesso dos limites do acto anterior que visa executar, portanto insusceptível de ser objecto do recurso contencioso, face ao disposto no artº 30º/1 do CPAC.
São actos de mera execução os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de actos administrativos anteriores e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas neles – cf. Acórdão do STA de Portugal, de 10ABR2008, no proc. nº 544/06, aqui citado como doutrina no direito comparado.
Para o conhecimento desta questão prévia, não nos cabe averiguar se o acto do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas que ordenou o pagamento reveste vícios próprios ou excede efectivamente o alcance do acto do Senhor Chefe do Executivo que visa executar, mas apenas nos interessa saber se o recorrente configura os fundamentos do seu recurso como vícios ou ilegalidades próprias ou autónomas do acto ora recorrido.
De acordo com as conclusões do recurso, o recorrente invocou que o acto recorrido de execução excedeu claramente os limites do acto exequendo, uma vez que, para além das despesas resultantes da desocupação do terreno e a remoção dos objectos nele depositados, lhe ordenou também a pagar custos dos trabalhos cuja realização o acto exequendo não determinou.
Portanto, tendo em conta a forma como o recorrente configurou os vícios invocados, é contenciosamente impugnável o acto recorrido ao abrigo do disposto no artº 138º/3 e 4 do CPA, à luz dos quais podem ser contenciosamente impugnados os actos ou operações de execução que excedam os limites do acto exequendo e os actos ou operações de execução arguidos de ilegalidade, desde que esta não seja consequência da ilegalidade do acto exequendo.
Improcede assim a excepção de irrecorribilidade do acto recorrido, suscitada pela entidade recorrida.
Arrumada a questão prévia, passemos então à apreciação do mérito do recurso.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso e reiteradas nas alegações facultativas, são as questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Do excesso da execução; e
2. Da solidariedade da obrigação.
Apreciemos.
De acordo com os elementos existentes nos autos, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, datado de 10DEZ2010, foi ordenada a desocupação do terreno com a área de 9209 m², situado ao noroeste da Rotunda do Istmo e a Oeste da Estrada Governador Nobre de Carvalho, assim como a remoção de materiais e equipamentos nele depositados e a demolição das construções ilegais;
* O terreno foi entretanto ocupado por três indivíduos, A, B e C;
* Notificados da ordem do supracitado despacho do Senhor Chefe do Executivo, nenhum deles reagiu contra o mesmo despacho;
* Não tendo sido voluntariamente cumprida a ordem da desocupação do terreno e da remoção dos objectos nele existentes, nos termos definidos no despacho do Senhor Chefe do Executivo, a DSSOPT decidiu executar os trabalhos discriminados na proposta de preços, apresentada pela Companhia de Construção Civil XXX, Lda., ora constante das fls. 473 do processo instrutor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
* Para a execução desses trabalhos discriminados na proposta de preços, a DSSOPT contratou a mesma Companhia XXX, Lda., mediante o pagamento do preço total no valor de MOP$550.540,00, conforme se vê na proposta do preço apresentada por essa Companhia;
* Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 13FEV2014, foi ordenado o pagamento pelos ocupantes do terreno, A, B e C, das despesas resultantes da realização da parte dos trabalhos realizados, no valor de MOP$133.600,00;
* Às tais despesas correspondem os trabalhos de desocupação do terreno, remoção das estacas, entulhos e lixos existentes no terreno para a zona dos aterros para o depósito dos resíduos sólidos, e preenchimento de um tanque de água de grande dimensão existente no terreno e o seu nivelamento;
* Nesse valor de MOP$133.600,00 estão incluídas as despesas resultantes da execução dos trabalhos consistentes no preenchimento com terra do tanque de água e no seu nivelamento e as resultantes da remoção da grade até então existente junto da berma da estrada, da reconstrução da grade de betão e da sua pintura são de MOP$56.000,00 e de MOP$4.000, respectivamente; e
* Inconformado com o despacho que lhe ordenou o pagamento das despesas, recorreu dele para este TSI.
Inteirados do que comprovadamente se passou, passemos à apreciação das questões acima elencadas.
1. Do excesso da execução
Conforme se vê na materialidade fáctica assente, por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, foi ordenado o pagamento pelos ocupantes do terreno, A, B e C, das despesas resultantes da realização da parte dos trabalhos realizados, no valor de MOP$133.600,00.
Para o recorrente, ao fazer incluir nas despesas no valor de MOP$133.600,00, a pagar pelo recorrente, os custos resultantes da colocação de um tapume no tanque de água e seu nivelamento, do desmantelamento e recolocação da grade/protecção de betão na rua/berma da estrada, incluindo o carregamento de areia, demais trabalhos necessários e a sua pintura, no valor global de MOP 60,000.00, a entidade recorrida está a actuar em excesso de execução, ultrapassado que se verifica o limite do acto exequendo, pois a colocação ou construção de um qualquer obstáculo que delimite a berma da estrada e a colocação de um tapume no tanque de água e o seu nivelamento não são um efeito necessário do acto que determinou a devolução da posse do terreno e a remoção dos objectos nele depositados.
Então importa desde já saber o que foi determinado no acto administrativo do Senhor Chefe do Executivo, que o acto recorrido visa executar, e só depois é que estamos em condições de confrontar aquilo que foi determinado no acto exequendo e os trabalhos realizados cujos custos foram imputados ao recorrente.
Ora, por despacho do Senhor Chefe do Executivo, datado de 10DEZ2010, foi ordenada a desocupação do terreno com a área de 9209 m², situado ao noroeste da Rotunda do Istmo e a oeste da Estrada Governador Nobre de Carvalho, assim como a demolição e remoção das construções ilegais e a remoção dos objectos, materiais e equipamentos nele depositados – cf. fls. 182 do processo instrutor.
De acordo com os doutos ensinamentos de Sérvulo Correia, são actos de mera execução, e portanto insusceptíveis de impugnação contenciosa, por falta da ilegalidade própria, os que no âmbito do mesmo procedimento, têm como pressuposto necessário uma definição de situação jurídica contida em anterior acto definitivo – in Noções de Direito Administrativo, pág. 282.
Ora, confrontando os trabalhos cujos custos foram imputados pela entidade recorrida ao recorrente e os termos das estatuições jurídicas contidas no acto anterior praticado pelo Senhor Chefe do Executivo que determinou a desocupação do terreno e a remoção dos objectivos nele depositados, verificamos que, nesse último despacho, nenhuma referência foi feita aos trabalhos consistentes no preenchimento com terra de um tanque de água existente no terreno e o seu nivelamento, nem à recolocação da grade/protecção de betão na rua/berma da estrada e a sua pintura.
E de acordo com a proposta de preços, onde foram discriminadas as despesas correspondentes a cada um dos trabalhos a realizar pelo empreiteiro contratado pela DSSOPT para a execução dos trabalhos cuja realização foi ordenada pelo Chefe do Executivo, temos por apurado que as despesas resultantes do preenchimento com terra do tanque de água e do seu nivelamento e as resultantes da remoção da grade até então existente junto da berma da estrada, da reconstrução da grade de betão e da sua pintura são de MOP$56.000,00 e de MOP$4.000, respectivamente.
Assim, parece-nos de afirmar que estes trabalhos não correspondem a um conteúdo já existente no despacho do Senhor Chefe do Executivo, que se limitou a ordenar a desocupação do terreno, a demolição e remoção das construções ilegais e a remoção dos objectos, materiais e equipamentos nele depositados, nem representam a mera concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas já contidas no mesmo despacho do Senhor Chefe do Executivo.
Reveste sim um alcance inovador e lesivo dos interesses do recorrente, pois implica o pagamento de determinadas quantias pecuniárias que sempre representa a lesão do património do recorrente.
Ora, reza o artº 138º/1 do CPA, “salvo em estado de necessidade, os órgãos da Administração Pública não podem praticar nenhum acto ou operação material de que resulte limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, sem terem praticado previamente o acto administrativo que legitime tal actuação”
Ora, pelo teor da informação nº 18XX/DURDEP/2013, onde foi exarado o despacho recorrido, sabemos apenas que foi justamente por falta do cumprimento voluntário da ordem contida no anterior despacho do Chefe do Executivo que a Administração decidiu executar e executou os trabalhos acima discriminados, neles incluindo os trabalhos cujos custos ora se imputaram ao recorrente e os demais ocupantes.
Ou seja, estes trabalhos a mais não se apoiam numa nova decisão, configurável como um verdadeiro acto administrativo do Senhor Secretário que, como vimos, se limitou a executar a ordem já contida no acto exequendo do Senhor Chefe do Executivo.
Por um lado estes trabalhos não se encontram legitimados pelo acto exequendo do Senhor Chefe do Executivo nem representam uma nova estatuição jurídica da autoria do Senhor Secretário, e por outro lado, não estamos perante um estado de necessidade que justifica estes trabalhos não cobertos nas estatuições jurídicas contidas no acto exequendo.
Assim, viola o princípio da precedência do acto administrativo consagrado no acima citado artº 183º/1 do CPA, o despacho do Senhor Secretário, na parte que ordenou o recorrente a pagar as quantias, no valor de MOP$60.000,00, correspondentes aos custos para a execução dos trabalhos do preenchimento com terra do tanque de água e do seu nivelamento e da remoção da grade até então existente junto da berma da estrada, da reconstrução da grade de betão e da sua pintura.
A propósito da sanção que se deve cominar à violação do princípio da precedência do acto administrativo, que in casu consiste na execução não precedida de acto administrativo exequendo, parece-nos de citar aqui a doutrina defendida no ponto II das anotações ao artº 151º do CPA Português, correspondente ao artº 138º do nosso CPA, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª edição, por Mário Esteve de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, onde se diz “o princípio de que as medidas executivas só podem ter lugar havendo acto administrativo exequendo que legitime tal execução, é um princípio fundamental do ordenamento jurídico-administrativo e protege valores e interesses de tal grandeza, que mal ficaria penalizar a sua violação com a sanção da mera anulabilidade, …… Quando se trata de um caso de falta de acto administrativo, a execução de acto administrativo é absolutamente proibida e inválida, nula……”.
A favor dessa tese doutrinária, podemos invocar o artº 122º/1 do CPA, à luz do qual são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais.
Ora, não sendo precedido de um procedimento administrativo, o acto recorrido em causa carece sempre de alguns dos elementos essenciais de um acto administrativo.
Assim, não pode deixar de ser nulo o despacho do Senhor Secretário, pelo menos na parte que ordenou o pagamento de MOP$60.000,00, referente aos custos dos trabalhos não cobertos pelo acto exequendo do Senhor Chefe do Executivo.
É de declarar portanto a nulidade do acto recorrido.
E procede assim o recurso nessa parte, o que prejudica o conhecimento da outra questão suscitada pelo recorrente.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso declarando nulo o despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 13FEV2014, exarado sobre a informação nº 18XX/DURDEP/2013 da DSSOPT.
Sem custas.
Registe e notifique.
RAEM, 03MAR2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui presente
Mai Man Ieng
241/2014-1