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Processo nº 41/2013
Data do Acórdão: 14ABR2016


Assuntos:

Imposto do selo
Elementos probatórios supervenientes


SUMÁRIO

Em sede de recurso contencioso, o tribunal administrativo pode atender elementos probatórios não valorados pela entidade administrativa no procedimento administrativo, adquiridos em sede do recurso contencioso a requerimento do recorrente ou ex oficio pelo Tribunal ao abrigo do princípio do inquisitório, consagrado no artº 67º do CPAC, desde que tais elementos probatórios sejam supervenientes e que o contraditório seja cumprido.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 41/2013

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificada nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que, em sede de recurso hierárquico, manteve a decisão da Directora dos Serviços de Finanças que lhe indeferiu a reclamação da liquidação oficiosa do imposto do selo, concluindo e pedindo que:
1. 被上訴批示否決司法上訴人針對財政局局長於2012年6月11日於第1697/NIS/DOI/RFM/2012號報告作出批示的行政上訴請求。
2. 被上訴批示:“同意意見,駁回有關訴願。”,乃建基於第463/NAJ/DM/2012號報告書所載的內容,包括陳述部份、法律部份及意見。
3. 然而,該等卷宗及報告書內容存有多項【事實認定的錯誤】的情況;
4. 因為,司法上訴人根本不存在買賣不動產的意圖;
5. 司法上訴人存在書證,包括多個合同、公文書、證人及事件的邏輯性,可合理認定被上訴批示所針對的行為的納稅義務是不應存在的。
6. 否同,就是重複了納稅的結果。
7. 從而使被上訴的批示存在合法性、公正生及公平性等方面產生了危機。
8. 繼而使被上訴批示確認一個存有多個【事實認定的錯誤】的行政決定,亦沾有該等瑕疵問題。
9. 所以,應裁定上訴成立,宣告被上訴批示無效。

  綜上所述,懇請中級法院依法作出審理,宣告被上訴的批示無效。

Citado, veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, contestando pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do acto recorrido.

Não havendo lugar à produção de provas, foram a recorrente e a entidade recorrida notificadas para apresentar alegações facultativas.

Apenas a recorrente apresentou alegações facultativas, reiterando grosso modo as razões já deduzidas na petição do recurso, tendo feito apoiar a sua tese na certidão de uma sentença proferida e transitada em julgado na pendência do presente recurso.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela procedência do presente recurso.

Apesar de ter sido indeferido o requerimento da inquirição das testemunhas formulado pela recorrente, fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* Em 04NOV2010, foi celebrado no estabelecimento B Property Development Co. Ltd. um contrato-promessa provisório de compra e venda, ora consta das fls. 29 e 30 dos presentes autos e cujo teor se deu aqui por integralmente reproduzido;

* Esse contrato tem por objecto uma fracção autónoma, sita em Macau, na ..., Xº andar-X, e um parque de estacionamento nº ... do mesmo edifício;

* Desse contrato constam como promitente vendedor C e promitente comprador a ora recorrente;

* Ambos assinaram o contrato nessa respectiva qualidade;

* Em 05MAR2012, foi emitida pela DSF e dirigida a recorrente a notificação da liquidação oficiosa do imposto do selo em relação ao contrato acima identificado que tinha por objecto a promessa da compra e venda da fracção e do parque de estacionamento;

* Inconformada com a liquidação oficiosa, a ora recorrente reclamou em 26MAR2012 para a Directora dos Serviços de Finanças;

* Reclamação essa que foi indeferida por despacho da Directora dos Serviços de Finanças de 11JUN2012;

* De novo inconformada, interpôs recurso hierárquico para o Secretário para a Economia e Finanças;

* Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, foi julgado improcedente o recurso hierárquico e mantida a decisão da Directora dos Serviços de Finanças que lhe indeferiu a reclamação da liquidação oficiosa;

* Na pendência do presente recurso contencioso e antes das alegações facultativas, a recorrente apresentou aos autos uma certidão da sentença proferida pelo TJB na acção declarativa ordinária nº CV2-12-0050-CAO, instaurada pela ora recorrente contra a RAEM, como nota de trânsito em julgado em 12MAIO2014, onde foram julgados assentes os seguintes factos:
- Foram pagos o imposto de selo pela transmissão da fracção, sita na ..., Xº andar X, de Macau e de um parque de estacionamento n.º ..., do Edif. "..." e o imposto adicional da quota-parte, durante o período de 13/01/2011 a 02/03/2011.
- Em Março de 2012, a autora recebeu duas notificações sobre a liquidação da matriz predial n.ºs ... e ..., emitidas pela Direcção dos Serviços de Finanças de Macau.
- Onde indicava que a autora efectuou a alienação dos bens imóveis em causa, em 04/11/2010 e, por isso, devia efectuar o pagamento dos imposto de selo de transmissão de bens, e os juros compensatórios, no total de $257,093.00 patacas.
- A autora apresentou reclamação à Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, em 26/03/2012.
- O Chefe da Repartição de Finanças, em nome da Directora Substituta da D.S.F., emitiu comunicação à autora em 12/06/2012, informando-a que por despacho da Directora da D.S.F., exarado no Relatório n.º 1697/NIS/DOI/RFM/2012, de 11/06/2012, foi indeferida a reclamação, apresentada pela autora.
- Em 4 de Novembro de 2010, a Autora acompanhou a sua irmã mais velha, D, á B Property Development Co. Ltd., para celebrar com C, o Contrato de Promessa Provisório de Compra e Venda, da fracção, sita na ..., Xº andar X, de Macau e de um parque de estacionamento nº ..., do ....
- O objectivo deste contrato era uma aquisição, pela D a C, da referida fracção autónoma e do referido parque.
- Por a D se ter esquecido de trazer consigo o seu Bilhete de Identidade da República Popular da China foi-lhe dito pelos empregados da B Property Development Co. Ltd. que não podia celebrar o Contrato Promessa Provisório de Compra e Venda.
- Por isso a D pediu à Autora para celebrar o Contrato Promessa Provisório de Compra e Venda, em sua representação.
- Os empregados da B Property Development Co. Ltd. disseram à Autora que não havia problema, e que no futuro poderia efectuar alteração do nome na celebração do contrato promessa de compra e venda, no escritório de advogado.
- Quando o promitente-vendedor, C assinou o Contrato Promessa Provisório de Compra e Venda, não se opôs à futura alteração do nome.
- A Autora aceitou o pedido ainda que feito verbalmente porque foi formulado pela sua irmã mais velha e porque o contrato de compra e venda seria feito em breve.
- Pelo que a Autora assinou o Contrato de Promessa Provisório de Compra e Venda, em representação da sua irmã mais velha, D.
- Segundo o estipulado no Contrato de Promessa Provisório de Compra e Venda em causa, na altura de celebração do dito contrato, a D teria de pagar imediatamente ao promitente-vendedor, C, um cheque, no valor de 500.000,00 dólares de Hong-Kong.
- E o valor de transacção era de $9.500.000,00 dólares de Hong Kong.
- Foi estipulado no Contrato de Promessa Provisório de Compra e Venda, que em 24 de Novembro de 2010, o promitente-comprador deveria pagar o montante de $1.000.000,00.
- Em 24 de Novembro de 2010, a irmã mais velha da Autora, D, compareceu no Escritório de Advogados Justiça e Paz Permanente.
- Nesta vez, a D tinha consigo o respectivo Bilhete de Identidade da República Popular da China e celebrou com o promitente-vendedor, C, o contrato promessa de compra e venda.
- O contrato promessa de compra e venda, celebrado em 24 de Novembro de 2010, e o contrato assinado pela Autora, em 4 de Novembro de 2010, têm os seguintes aspectos coincidentes:
1. O valor total dos bens imóveis em ambos os contratos era de $9.500.000,00 dólares de Hong-Kong;
2. Ambos salientam que o primeiro sinal foi efectuado em 4 de Novembro de 2010 e o contratopromessa de compra e venda foi/seria celebrado em 24 de Novembro de 2010.
- O Contrato de Promessa Provisório de Compra e Venda, celebrado entre a Autora e C, na B Property Development Co. Ltd., em 4 de Novembro de 2010, era o contrato prévio do contrato promessa de compra e venda do mesmo bem imóvel, celebrado entre a D e C, em 24 de Novembro de 2010.

* A mesma sentença contem o seguinte dispositivo:
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga arcialmente procedente a acção e, em consequência, declara:
1. que, em 4 de Novembro de 2010 a Autora, A, em representação de D, assinou com C o contrato-promessa de compra e venda junto aos autos a fls. 9, relativo à fracção autónoma, sita na …, X° andar X, de Macau e ao parque de estacionamento n.º ... do ...;
2. que o contato-promessa de compra e venda acima referido é o acordo prévio do contrato-promessa de compra e venda, junto aos autos a fls 10 e 11, celebrado em 24 de Novembro de 2010 entre D e C.

* Notificada da apresentação da certidão, a entidade recorrida nada veio a dizer.


Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição do recurso, apura-se que a recorrente imputa ao acto recorrido erro na fixação da matéria de facto, pretende com a alteração da matéria de facto a declaração da nulidade do acto recorrido.

Para a recorrente, a entidade recorrida fixou incorrectamente a matéria de facto na parte que diz respeito à qualidade em que ela agiu na celebração do contrato-promessa provisório de compra e venda, ora constante das fls. 29 e 30 dos presentes autos e que tem por objecto uma fracção autónoma, sita em Macau, na…, Xº andar-X, e um parque de estacionamento nº ... do mesmo edifício.

Ora, ao longo de todo o procedimento administrativo, quer do 1º grau na preparação da decisão da DSF quer do 2º grau em sede do recurso hierárquico, até a este momento no âmbito do presente recurso contencioso, a recorrente tem vindo a alegar e tentar provar que ela própria se limitou a agir, no acto de celebração daquele contrato, em nome da sua irmã D.

Só que esta versão de facto nunca foi acolhida pela Administração no procedimento administrativo que culminou com a tomada da decisão ora recorrida.

Em sede do presente recurso contencioso, para além do requerimento da produção da prova testemunhal, que acabou por ser indeferido por despacho do Relator, a recorrente juntou com a petição de recurso um documento comprovativo da existência de uma acção civil declarativa, registada no TJB sob nº CV2-12-0050-CAO, entretanto pendente, instaurada pela recorrente contra a RAEM, pedindo, entre outros, a declaração de que ela própria assinou o contrato-promessa em causa na qualidade de representante da sua irmã D.

Posteriormente e ainda na pendência do presente recurso contencioso, a recorrente juntou aos autos a certidão da sentença proferida pelo TJB na acção declarativa ordinária nº CV2-12-0050-CAO, instaurada pela ora recorrente contra a RAEM, com nota de trânsito em julgado em 12MAIO2014, que julgou procedente a acção declarando que a ora recorrente A agiu como representante da sua irmã D na celebração do dito contrato-promessa provisório celebrado em 04NOV2010, qualificado pelo TJB como acordo prévio de um posterior contrato-promessa de compra e venda, só celebrado em 24NOV2010, entre a sua irmã D e C.

Ora, se é verdade que, em regra, no recurso jurisdicional o Tribunal ad quem deve produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este e os juízes do tribunal de 2ª instância, ao proferir a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª instância no momento de editar a sua sentença – cf. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 150.

Não é menos verdade que, no caso de impugnação da matéria de facto por via de recurso jurisdicional, a lei permite excepcionalmente o Tribunal ad quem atender documento novo superveniente que por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão recorrida – artº 629º/1-c) do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC.

Assim, em sede de recurso contencioso que, como se sabe, em rigor não é um recurso propriamente dito, o tribunal administrativo deve poder, por identidade ou maioria de razão, atender elementos probatórios não valorados pela entidade administrativa no procedimento administrativo, desde que sejam supervenientes.

Ou seja, o tribunal administrativo pode apreciar a bondade da decisão administrativa com base nos elementos probatórios não tidos em conta pela Administração no procedimento administrativo, só adquiridos em sede do recurso contencioso a requerimento do recorrente ou ex oficio pelo Tribunal ao abrigo do princípio do inquisitório, consagrado no artº 67º do CPAC, desde que tais elementos probatórios sejam supervenientes e que o contraditório seja cumprido.

É o que sucede in casu.

Pois como vimos supra, a recorrente juntou aos autos a certidão de uma sentença civil já transitada em julgado declarando que a ora recorrente só interveio na qualidade de representante da sua irmã no negócio titulado pelo documento sobre o qual a Administração fez incidir o imposto do selo.

Para nós, este elemento de prova novo é prova bastante para por si só alterar a matéria de facto tida em conta pela Administração Fiscal no procedimento administrativo que conduziu à prática do acto ora recorrido.

Nos termos do disposto no artº 48º-A/1-a) e 48º-C/1 do «Regulamento do Imposto do Selo», doravante designado simplesmente por RIS, é devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte da transmissão entre vivos, temporária ou definitiva, a título oneroso ou gratuito, de imóveis, incluindo as transmissões intercalares e é sujeito passivo do imposto do selo o adquirente do bem ou direito.

Portanto, para além das transmissões de direitos sobre imóveis, a lei faz incidir o imposto do selo sobre as transmissões intercalares de bens imóveis que resultem de contrato-promessa de compra e venda.

Nos termos previstos no artº 48º-G/1 do RIS, “consideram-se para efeitos fiscais transmissões intercalares de bens imóveis as que resultem de contrato-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo”.

Conjugando essas normas, é de concluir que, face ao RIS, é sujeito passivo nas transmissões intercalares de bens imóveis o adquirente do direito de aquisição sobre bens imóveis.

Ora, in casu, ao agir como agiu, a ora recorrente, enquanto representante da sua irmã, ela própria nunca adquiriu quaisquer direitos de aquisição sobre imóvel nem assumiu quaisquer obrigações, uma vez que, todos os direitos e obrigações decorrentes da celebração do tal contrato-promessa provisório, assinado pela ora recorrente, são adquiridos pela sua irmã e entram na esfera jurídica desta.

Assim, não subsiste logo, pelo menos, um dos pressupostos de facto, cuja verificação depende a tributação da ora recorrente, que é justamente a falta da qualidade de sujeito passivo.

Procede assim a tese da recorrente que consiste na invocação do vício do erro sobre os pressupostos de facto.

Todavia já não procede o pedido da declaração da nulidade, uma vez o tal erro nos pressupostos de facto, não integra em nenhuma das situações previstas no artº 122º do CPA, que tipifica as situações geradoras da nulidade, mas sim torna o acto recorrido viciado de anulabilidade – artº 124º do CPA.

É de anular portanto o acto recorrido.

Resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar procedente o recurso, anulando o acto recorrido.

Sem custas.

Registe e notifique.

RAEM, 14ABR2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng Fui Presente
Mai Man Ieng
41/2013-12