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Processo nº 530/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 7/Abril/2016

Assuntos: Interdição de entrada na RAEM
      Perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas
  Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO
     - A medida de interdição fundada na condenação do indivíduo em pena privativa de liberdade ou na existência de fortes indícios de o indivíduo ter praticado ou de se preparar para a prática de quaisquer crimes está condicionada pela existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
- Saber se há “perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas” tal como se refere no nº 3 do artigo 12º da Lei nº 6/2004, está em causa um conceito indeterminado.
- Não obstante, por este conter uma grande indeterminação, a intenção do legislador é conferir uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial, sendo só sindicável em caso de erro grosseiro e manifesto.
- Face ao que ficou provado, verifica-se que o recorrente foi condenado numa pena de 5 meses de prisão, mas suspensa na sua execução por 2 anos, pela prática de 3 crimes de emprego ilegal.
- Sendo assim, é razoável que a Administração tome medidas adequadas com vista a prevenir a criminalidade e salvaguardar os interesses da comunidade, como por exemplo proibir o recorrente de entrar em Macau durante determinado período de tempo, neste caso por um período de três anos, não se vendo que essa medida seja manifestamente desproporcional aos objectivos que pretende atingir com a prática do acto impugnado.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 530/2014
(Autos de recurso contencioso)

Data: 7/Abril/2016

Recorrente:
- A (A)

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, do sexo masculino, titular do Passaporte da República Popular da China, melhor identificado nos autos (doravante designado por recorrente), notificado do despacho do Exmº Secretário para a Segurança de 27 de Maio de 2014, que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho proferido pelo Senhor Comandante do Corpo da Polícia de Segurança Pública que, por sua vez, determinou a interdição de entrada na RAEM do recorrente pelo período de 3 anos, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, formulando as seguintes conclusões:
1. 本司法上訴之提起屬適時,貴院具有權限審理本司法上訴。
2. 根據本司法上訴針對之批示,指出繼續維持對司法上訴人實施禁止進入澳門特別行政區之行政措施,即著令禁止司法上訴人在3年內(由2014年1月30日起計)進入澳門特別行政區,除應有之尊重外,司法上訴人在此表示不同意。
3. 澳門初級法院刑事法庭於2012年9月17日作出之判決書,由於司法上訴人觸犯了第6/2004號法律第16條第1款三項非法僱用罪,共判處5個月之徒刑並暫緩執行2年。
4. 首先必須強調,司法上訴人當時確實無意觸犯被判處的三項非法僱用罪,事以致此,司法上訴人亦對發生上述事情感到十分後悔及歉疚。
5. 司法上訴人在中國內地亦一直從事電腦及網絡設備業務,同時成立了多間網吧。
6. 就在2012年,司法上訴人經朋友及同業介紹下,認識了與司法上訴人有共同興趣及網吧業務發展志向的澳門朋友B B先生及C C先生。
7. B B先生及C C先生便建議與司法上人訴人合資合作。
8. 司法上訴人便同意與兩人在澳門開展合作經營網吧,司法上訴人佔50%權益,餘下50%則由B B先生及C C先生共同持有(見文件8),開設及經營網吧之投資金額為澳門幣叁佰萬元(MOP$3,000,000.00)。
9. 經協商,由B B先生負責辦理有關牌照申請、B B先生及C C先生負責親身經營及管理網吧運作,而司法上訴人則負責提供電腦技術及網絡設備,並以司法上訴人的營商經驗作共同投資。
10. 其後B B先生便以其名義於澳門XX街xx號XX花園地下X座開設了一間名為“D”的網吧(見文件9),並取得澳門民政總署發出之網吧行政准照(文件10)。
11. 其後,上述“D”網吧之牌照及稅務登記轉到另一合伙人C C先生名下,亦即是上述“D”網吧之現時持牌人(見文件11及文件12)。
12. 其後司法上訴人因急於籌備上述“D”網吧電腦設備的裝置及裝修完成,而且又缺乏法律知識,即使司法上訴人已委託國內公司派員來上述“D”服務,但由於該等人仕並沒有持合法工作許可,因此導致司法上訴人無意間觸犯了第6/2004號法律第16條第1款的三項非法僱用罪。
13. 最終司法上訴人被判控罪成立,對此,司法上訴人一直深感後悔及歉疚。
14. 司法上訴人願意承擔由此而產生的全部刑事法律後果,於2012年12月17日已繳清上述案件的全部訴費用(見文件13),以示承擔。
15. 上述判決對司法上訴人已經造成深刻的教訓,司法上訴人知悉亦明白無論基任何理由均不得觸犯澳門的法律法規,自此必定克守澳門法律法規,亦不會再因無知及不懂法律妄自作出任何違規行為。
16. 當收到有關之禁止入境通知,指出司法上訴人會對澳門地區公共安全或公共秩序構成危險,除應有尊重外,司法上訴人表示反對及不同意。
17. 雖然,司法上訴人雖觸犯澳門法律而被判刑,但有關行為絕對非因司法上訴人故意作出而發生,而且司法上訴人亦已承擔了有關法律後果及刑罰,並已繳付全部訴訟費用(見文件13)。
18. 而且司法上訴人認為其所觸犯的行為罪過程度較低,惡性亦輕微,而且司法上訴人亦不是故意或有計劃作出,而有關判罪已使司法上訴人領受教訓,事後已感到十分後悔。
19. 因此,司法上訴人根本不會對澳門地區公共安全或公共秩序構成任何危險。
20. 根據第4/2003號法律第4條第2款第2項指出,非本地居民因下列理由可被禁止進入澳門特別行政區:“曾在澳門特別行政區或在外地判處剝奪自由的刑罰”。
21. 根據尊敬的初級法院刑事法庭法官閣下作出之判決指出,考慮到司法上訴人的社會狀況,作出有關前後之行為表現及有關行為之具體情況,法院認為對司法上訴人作出譴責,以及監禁作威嚇足以及適當地達到懲罰的目的,因此,法院決定將司法上訴人刑罰暫緩執行,給予本人緩刑的機會。
22. 根據上條所述,司法上訴人由於觸犯了第6/2004號法律第16條第1款的三項非法僱用罪所判處的刑罰只是緩刑,最後並沒有執行被剝奪自由的刑罰。
23. 因此可見,司法上訴人已不符合必要有曾在澳門特別行政區判處剝奪自由的刑罰的情況,不應被拒絕進入澳門特別行政區。
24. 再者,有關案件發生於2010年,距今已有四年之時間,由作出有關行為至今司法上訴人一直進出澳門特別行政區,期間均沒有作出任何對澳門地區公共安全或公共秩序構成任何危險之行為。
25. 而且司法上訴人認為其所觸犯的行為罪過程度較低,惡性亦輕微,而且司法上訴人亦不是故意或有計劃作出,而有關判罪已使司法上訴人領受教訓,事後已感到十分後悔。
26. 另外,根據第6/2004號法律第12條第3款指出,以第4/2003號法律第四條第二款(二)及(三)項秉載理由,作出禁止入境的決定,必須以對澳門特別行政區的公共安全或公共秩序確實構成危機為依據。
27. 然而,正如司法上訴人所述,雖然司法上訴人曾被定罪,然而有關犯罪行為(非法僱用罪)罪過程度較低,而且已被執行刑罰,真誠悔悟,亦沒有再實施任何違反法規之行為、動機或目的。
28. 事發至今,司法上訴人根本對澳門的公共安全和秩序並不會構成任何危險,亦不具有任何對澳門的公共安全和秩序有侵害性的威脅。
29. 因此,司法上訴人已不符合必要有澳門特別行政區的公共安全或公共秩序確實構成危險為依據,而應被拒絕進入澳門。
30. 其次,司法上訴人一直以來均是良好公民,並沒有任何違法紀錄及刑事紀錄,且司法上訴人到澳門的目的只了洽商及視察業務,除不會對澳門特別行政區的公共安全或公共秩序確實構成任何危險外,亦對澳門經濟產生積極的作用。
31. 基於上述原因,司法上訴人根本不符合第4/2003號及第6/2004號法律所規定應被拒絕入境之條件。
32. 再者根據《行政程序法典》第5條第2款之規定,“行政當局之決定與私人之權利或受法律保護之利益有衝突時,僅得在對所擬達致之目的屬適當及適到下,損害該等權利或利益”。
33. 有關的決定並沒有充分考慮對司法上訴人是否適度及適當,並損害司法上訴人之基本權利,違反上述規定。
34. 在不妨礙上述理由下,根據第6/2004號法律第十二條四款之規定,“禁止入境的期間須與引致禁止入境行為的嚴重性、危險性或可譴責性成比例”。
35. 就算可拒絕司法上訴人進入澳門,但著令禁止限制為期三年亦與本人之具體情況不成比例,三年期間實屬過重及過長,違反上述規定。
36. 司法上訴人自此亦已恪守澳門法律法規,絕對不會再因無知及不懂澳門法律妄自作出任何違規行為。
37. 再者,必須特別強調,司法上訴人之職業為正當商人,於中國內地一直都是一位奉公守法的良好公民,在國內並無任何違法犯罪紀錄(見文件14及文件15)。
38. 而且,最重要是司法上訴人的合伙人B B先生及C C先生確實十分需要司法上訴人在經營上述“D”網吧的電腦技術及營商經驗的支援,而且司法上訴人已為經營上述“D”網吧已投入了不少於澳門幣壹佰陸拾伍萬元(MOP$1,650,000.00)之資金。(見文件8)
39. 現時,上述“D”網吧已獲澳門人力資源辦公室發出之聘用外地僱員許可(見文件16),並聘有十數名本地僱員(見文件17),絕對不會再有非法僱員之情況發生。
40. 為管理上述“D”網吧的良好運作並確保本人投資的生意能正常營運,司法上訴人的確需要定時來澳門巡視,倘司法上訴人長達三年時間不能來澳門,極有可能導致上述“D”網吧因經營不善而倒閉,令司法上訴人的投資付諸流水,損失慘重。
41. 因此,司法上訴人根本無任何不良或不法動機進入澳門或逗留澳門,司法上訴人來澳的目的一直以來都只是為了經商和巡視業務。
42. 而最重要的是,經過先前的深刻教訓,司法上訴人自此亦不會魯莽行事,作出任何事情前必定先會了解澳門法律及法規,確保不會觸犯澳門法律及違規之情況下才作出。
43. 同時,司法上訴人於中國內地經營網吧及各類業務,收入十分穩定,每月收入約人民幣叁拾萬元(RMB$300,000.00),並不存在任何經濟上之困難。
44. 司法上訴人在中國內地有美滿家庭,除了妻子外還育有兩名未成年兒女(見文件20、文件21及文件22),亦有自置物業(見文件23及文件24)及充足的存款積蓄(見文件25及文件26)。
45. 故此,司法上訴人根本沒有任何動機或目的來澳作出任何危害澳門公共安全或公共秩序構成危險的行為,亦不會再實施任何犯罪及違規行為。
46. 基於上述原因,根據《行政程序法典》第124條及《行政訴訟法典》第21條1款d)項之規定,由於該批示之行政行為違反了《行政程序法典》第5條及第8條之規定,以及有關的行政行為在不符合第4/2003號及第6/2004號法律所規定之情況下,著令禁止司法上訴人在三年內進入澳門特別行政區為不適度,當中存在違反法律之瑕疵,屬可撤銷之情況。因此,本司法上訴所針對之實體考慮司法上訴人依法享有之權利及有關法律之規定,並撤銷上述行政行為。
Conclui, pedindo a procedência do recurso contencioso, e a consequente anulação do despacho recorrido.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 61 a 63 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pela improcedência do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, o recorrente solicitou a anulação ou nulidade do despacho em causa, invocando que não se verificam nele as condições da interdição de entrada contempladas nas Leis n.º 4/2003 e n.º 6/2004, e que tal despacho ofenda os princípios da proporcionalidade e de boa fé, consagrados respectivamente no n.º 2 do art. 5º e no art. 8º do CPA.
Em sede da fundamentação, o recorrente reiterou a suspensão de pena de 5 meses de prisão, a boa conduta durante largo tempo decorrido depois da condenação, a diminuta intensidade da culpa, a pouca gravidade da ilicitude, o arrependimento sincero e, ainda a inexistência da intenção e propósito de voltar a cometer qualquer facto ilícito.
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Repare-se que na sentença emanada no Processo n.º CR4-12-0244-PCS e transitada em 27/09/2012 (docs. de fls. 158 a 160v. do P.A. e de fls. 28 dos autos), o recorrente foi condenado na pena de 5 meses de prisão com suspensão da execução no período de 2 anos, por ele ter praticado, em autoria material e na forma consumada, três (3) crimes de emprego ilegal p.p. pelo n.º 1 do art. 16º da Lei n.º 6/2004.
Na nossa óptica, a suspensão da execução não faz com que não seja privativa da liberdade qualquer pena de prisão. E perfilhamos inteiramente a douta inculca de que «A autoridade administrativa é livre de retirar as consequências de uma condenação, ainda que suspensa na sua execução e decorrido já o período de suspensão, bem como de uma investigação criminal, ainda que arquivada por prescrição, para avaliação de uma personalidade em vista dos fins perspectivados, sendo de relevar os interesses referentes à defesa da segurança e ordem públicas.» (Acórdão do TSI no Processo n.º 315/2004)
Afirma ainda a sensata jurisprudência que a decisão judicial de não transcrição da sentença condenatória no certificado do registo criminal bem como a não revogação da suspensão de execução da pena não obsta à valorização de antecedentes criminais pela Administração para os devidos efeitos, tais como a recusa de pedido de autorização de permanência ou residência em Macau, ou interdição de entrada na RAEM.
A nosso ver, é mutatis mutandis válida para aferir ser legal ou não o acto administrativo de interdição de entrada a sensata consideração de «第4/2003號法律第九條規定行政長官或經授權的司長得批給在澳門特別行政區居留的許可,且規定批給時應考慮各種因素,當中包括申請人的犯罪前科,即使上訴人的犯罪已逾若干年數,且判刑亦未見嚴厲,但該犯罪記錄仍不失為一犯罪前科,並可作為批准外地人居留澳門的考慮因素的事實性質。» (Acórdão do TSI no Processo n.º 244/2012)
Sem necessidade de citação dos arestos, o que é incontroverso é que a jurisprudência sedimentada pelos Venerandos TUI e TSI e consolidada no ordenamento jurídico de Macau ensina sempre que o n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003 bem como o n.º 2 do art. 12º da Lei n.º 6/2004 conferem real poder discricionário à Administração, cujo exercício é judicialmente insindicável, salvo se padeçam de erro manifesto ou total desrazoabilidade.
À luz do deliberado parâmetro preconizado pelo Venerandos TSI no acórdão tirado no Processo n.º 127/2012, inclinamos à opinião de não enfermar «de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco» a subsunção pela Administração daqueles 3 crimes de emprego ilegal cometidos pelo recorrente no conceito indeterminado de «perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas» contemplado no n.º 3 do art. 12º da Lei n.º 6/2004.
Tudo isto aconselha-nos a que o recorrente preencha a condição (da interdição de entrada) consignada na alínea 2) do n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003 e na alínea 1) do n.º 2 do art. 12º da Lei n.º 6/2004, não existindo o erro de facto e de direito.
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Sem desprezo do aduzido nas 39 e 40 conclusões da petição, e em observância da jurisprudência constante e pacífica dos Venerandos TUI e TSI, parece-nos que o período de três anos à interdição de entrada fixado no acto recorrido não padece de erro grosseiro ou total desrazoabilidade.
Na convicção de a segurança e ordem públicas da RAEM sobrepor absolutamente os interesses privados alegados nas 39 e 40 conclusões da petição, temos por irrefutável que não se verifica, no caso sub iudice, a assacada violação dos princípios da proporcionalidade e de boa fé, consagrados respectivamente no n.º 2 do art. 5º e no art. 8º do CPA.
Afinal, convém referir que o Alto TUI asseverou incansavelmente que «Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração; e o papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.» (Processos n.º 13/2012 e n.º 112/2014)
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Na sequência de uma operação de fiscalização levada a cabo em 13 de Dezembro de 2010, na loja X sita na Rua da XX, nº xxx, XX, X, foram encontrados três indivíduos a trabalhar naquela loja, tendo-se verificado que os mesmos não eram titulares de documentos de identificação habilitados para trabalharem em Macau.
Os três referidos indivíduos foram contratados pelo recorrente para ali trabalharem mediante uma remuneração diária de RMB$150,00.
Em consequência, o recorrente foi condenado em 17.9.2012, pelo Tribunal Judicial de Base, numa pena de 5 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por um período de dois anos, pela prática de três crimes de emprego ilegal previsto e punível pelo nº 1 do artigo 16º da Lei nº 6/2004.
Por despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 27.3.2014, foi determinada a interdição de entrada do recorrente na RAEM, pelo período de 3 (três) anos (cfr. fls. 71 do processo administrativo).
Inconformado, o recorrente apresentou recurso hierárquico necessário junto do Exmº. Secretário para a Segurança.
Em 16.5.2014, o Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública apresentou junto do Exmº. Secretário para a Segurança a seguinte:
“INFORMAÇÃO

Assunto: Recurso hierárquico. Medida de interdição de entrada
Recorrente: A
Termos Legislativos: art.º 159º do CPA

1. O recorrente, visitante da RPC, vem impugnar o despacho através do qual foi-lhe aplicada a medida de interdição de entrada pelo período de três anos, invocando, em síntese, o seguinte:
2. Que está arrependido e pede desculpas pelo acto; que estava com pressa de abrir o negócio e não dava tempo para esperar pela contratação dos trabalhadores com uma empresa local, e por isso trouxe trabalhadores da RPC, para fazer a decoração; que não sabia das proibições legais, pois não conhece as leis da RAEM; que tem sociedade com residentes de Macau, e já investiu muito dinheiro nos negócios e, assim, não vai poder acompanhar e administrar o estabelecimento (ciber café); que o processo de contratação de mão de obra não residente (para dez trabalhadores), encontra-se a decorrer nos serviços competentes; e que desde a condenação tem vindo a Macau, e por isso não é um indivíduo perigoso,
3. pedindo a revogação da medida ou, em alternativa, a sua redução para um período não superior a seis meses.
4. Na sequência de uma operação de fiscalização levada a cabo em Dezembro de 2010, numa loja que se encontrava em decorações (chong sao), verificou-se que os três indivíduos que ali trabalhavam, não possuíam os documentos legalmente exigidos para o efeito, tendo confirmado que a razão da sua permanência no local, se devia à relação laboral com a recorrente.
5. Do expediente resultou a condenação do recorrente, na pena de cinco meses de prisão (suspensa na sua execução por dois anos), pela prática de três crimes de emprego ilegal, nos termos do art.º 16º da Lei n.º 6/2004, conforme cópia da sentença junta aos autos.
6. Considerou-se, assim, necessária a aplicação de uma medida de interdição de entrada, para defesa da ordem e segurança públicas, por haver receio que estando autorizada a permanência do recorrente na ERAM, este volte a praticar actos idênticos.
7. Por outro lado, a medida é considerada proporcional quer quanto ao grau de culpa na prática dos factos, quer quanto aos fins que com ela se querem atingir.
8. Assim, pelo exposto, considerando também que o despacho através do qual foi aplicada a referida medida, não se encontra ferido de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não deve ser concedido provimento ao presente recurso.
9. À superior consideração de V. Exa.
CPSP, aos 16 de Maio de 2014.

O Comandante,
(assinatura)
XXX
Superintendente Geral”
Foi proferido pelo Exmº Secretário para a Segurança, em 27 de Maio de 2014, o seguinte:
“DESPACHO

Assunto: Recurso hierárquico necessário
Recorrente: A

Concordo com o despacho e a informação do Cmdt. do CPSP, de 27/03/2014 e de 16/05/2014 respectivamente, que aqui dou por reproduzidos;
Por considerar que a decisão recorrida é legal, adequada e se mostra fundamentada, de facto e de direito, nos referidos despacho e informação;
Ao abrigo do art.º 161º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, confirmo a decisão impugnada, negando provimento ao presente recurso.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 27 de Maio de 2014.

O Secretário para a Segurança
(assinatura)
Cheong Kuoc Vá”
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Analisemos agora os fundamentos do recurso.
Da violação do disposto nos artigos 4º, nº 2 da Lei nº 4/2003 e 12º da Lei nº 6/2004
Defende o recorrente que a conduta do recorrente nunca pode ser configurada como um perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM.
Consagram-se nas alíneas 2) e 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 que “pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior ou existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes” – sublinhado nosso.
Por sua vez, o nº 3 do artigo 12º da Lei nº 6/2004 dispõe que “a interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM” – sublinhado nosso.
Face a essas normas, dúvidas não restam de que a medida de interdição fundada na condenação do indivíduo em pena privativa de liberdade ou na existência de fortes indícios de o indivíduo ter praticado ou de se preparar para a prática de quaisquer crimes está condicionada pela existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
No caso vertente, mesmo que se entenda não ser a pena de prisão, cuja execução ficou suspensa, uma pena privativa de liberdade, entendemos que a medida de interdição de entrada seria ainda aplicável, desde que se verificasse a existência de fortes indícios de o visado ter praticado algum crime.
Em boa verdade, se a verificação de fortes indícios da prática de crime já constitui fundamento suficiente para a aplicação da medida de interdição de entrada, não se compreende por que razão tal medida deixaria de ser aplicável, se entretanto o individuo veio a ser condenado pela prática de algum crime.
No vertente caso, provado está que a entidade recorrida interditou a entrada do recorrente na RAEM por um período de 3 anos, por entender que o recorrente foi condenado em 17.9.2012 numa pena de 5 meses de prisão, mas suspensa na sua execução por 2 dois, pela prática de 3 crimes de emprego ilegal.
Conforme acima referido, para aplicar uma medida de interdição de entrada, basta averiguar se existe indícios de que o indivíduo visado tenha cometido algum crime, e se este vier a ser condenado em processo-crime, os fundamentos de que depende a aplicação daquela medida tornam-se ainda mais consistentes.
*
Por outro lado, no tocante à questão de saber se existe o chamado “perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM”, o Venerando TUI já teve oportunidade de se pronunciar, no seu Acórdão de 3.5.2000, no Processo nº 9/2000, nos seguintes termos: “o que está em causa é um juízo de avaliação da sua actividade futura, é a emissão de juízos de valor que contêm elementos subjectivos, muitos deles integrados numa prognose. Esta…é um raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura.”
Estatuindo-se ainda naquele douto aresto que “a intenção da lei é a de conceder uma margem de livre apreciação à Administração, cujo mérito não deve ser sindicado pelo tribunais”.
De facto, não obstante estarmos em causa conceitos indeterminados, mas por conter uma grande indeterminação, a intenção do legislador é conferir uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial.
Mas isto não significa que as decisões da Administração tornam-se sempre imunes a qualquer controle judicial, mas a sindicância só aparece em caso de erro grosseiro e manifesto.
Decidiu o TUI, no seu Acórdão de 27.4.2000, no Processo nº 6/2000, que “quando o acto resultado do exercício do poder discricionário ou da margem de livre decisão está manifestamente contrário aos princípios jurídicos fundamentais a que as actividades administrativas devem respeito, o tribunal pode anular o acto por este fundamento no uso da competência da fiscalização da legalidade. Fica, assim, garantidos adequadamente os direitos e interesses legais prejudicados através do meio jurisdicional sem detrimento do pleno exercício dos poderes discricionários pela Administração”.
Segundo o estatuído no artigo 12º da Lei nº 6/2004, é conferido à Administração o poder de recusar a entrada de não-residente na RAEM na medida em que se verifica a existência de fortes indícios de aquele ter praticado algum facto ilícito, cuja sua permanência em Macau pode constituir um perigo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
De acordo com a matéria carreada aos autos, verifica-se que o recorrente foi condenado numa pena de 5 meses de prisão, mas suspensa na sua execução por 2 anos, pela prática de 3 crimes de emprego ilegal.
Sendo assim, entendemos que a interdição de entrada é uma medida adequada e necessária para assegurar a paz social e a ordem pública, proteger os interesses da comunidade e satisfazer as necessidades colectivas, no fundo, é para evitar qualquer tipo de desestabilização social.
Ponderando que a sua entrada ou estadia em Macau pode causar perigo efectivo para a segurança e ordem públicas da RAEM, e não se descortinando que a actuação da Administração está viciada de qualquer erro grosseiro e manifesto, improcede o vício invocado.
*
Da alegada violação do princípio da proporcionalidade
O recorrente considera que o acto recorrido afronta o princípio da proporcionalidade previsto no disposto no nº 4 do artigo 12º da Lei nº 6/2004, segundo o qual o período de interdição de entrada tenha que ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
Dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
Decidiu o Acórdão do Venerando TUI, de 31.7.2012, no Processo nº 38/2012 que, “de acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos”.
E a propósito da questão de intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração em virtude da violação do princípio da proporcionalidade, foi já tratada por várias decisões do Venerando TUI, designadamente nos Processos nº 9/2000, 13/2012, 38/2012, transcrevendo-se, a seguir, parte de um desses arestos:
“Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
David Duarte, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, “que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção”.
Nas mesmas águas navega Maria da Glória F. P. Dias Garcia, defendendo que “em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem.”
Pese embora a interdição de entrada do recorrente na RAEM possa causar-lhe algum incómodo, mas não é menos verdade que a entidade recorrida pretende, com a prática do acto recorrido, prosseguir interesses públicos, nomeadamente prevenir e reprimir a criminalidade na RAEM, assegurar a manutenção da segurança, boa ordem e estabilidade sociais na Região.
Aqui chegados, não se vislumbra que o sacrifício a ele imposto (interdito de entrar na RAEM por um período de 3 anos) seja manifestamente desproporcional ao fim visado.
Improcede, assim, o vício invocado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 7 de Abril de 2016
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui Presente João A.G. Gil de Oliveira
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Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 530/2014 Página 21