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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I - Tendo sido suscitada a nulidade do Acórdão proferido nos autos, o Relator proferiu o seguinte parecer nos autos:
“1. O autor da acção A, recorrido no recurso principal interposto pela B (e ao mesmo tempo, recorrente subordinado), argui a nulidade do Acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso principal da ré, condenando-a a pagar ao autor a quantia de HK$ 11859.45 e improcedente o recurso subordinado do autor.
  Para tanto, suscita duas questões:
  - A falta de notificação ao requerente do despacho liminar do Relator do Tribunal de Última Instância (TUI), que considerou admissível o recurso da ré;
  - A inadmissibilidade de recurso do acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI).
  Na base da arguição da nulidade, está o entendimento do ora requerente que o recurso da ré para o TUI não era possível.

  2. Não se irá conhecer da arguição da nulidade do Acórdão do TUI, porque há muito precludiu o direito do recorrido no recurso principal interposto pela B de impugnar a admissibilidade de tal recurso para o TUI.
  Na verdade, proferido o Acórdão do TSI, a ré interpôs recurso desta decisão.
  Ainda no TSI, o Ex.mo Relator, por despacho, admitiu o recurso principal da ré, de que o autor foi notificado, e não reagiu contra. Antes pelo contrário, o autor A interpôs um recurso subordinado.
  Como se sabe, o recurso subordinado só é admissível se o recurso principal for admissível, como resulta do art. 587.º do Código de Processo Civil, em particular do seu n.º 5.
  Quer dizer, o autor não só não se opôs à admissão do recurso da ré – como podia e devia ter feito na sua alegação de recurso (que nem sequer apresentou), em resposta ao recurso principal da ré, nos termos do n.º 4 do art. 594.º do Código de Processo Civil, se entendesse que o recurso não deveria ter sido admitido - como considerou que o mesmo era admissível, ao interpor o recurso subordinado. Este recurso só pode ser interposto se tiver sido interposto um recurso principal e este for admissível.
  Ao não ter impugnado a admissão do recurso da ré, nos termos do n.º 4 do art. 594.º do Código de Processo Civil, precludiu o direito do recorrido no recurso principal de impugnar a decisão que admitiu o recurso.
  Logo, não poderia, mais tarde, impugnar o despacho do Relator do TUI, que considerou admissível o recurso principal.
  Nem necessitamos, assim, de tomar posição sobre a questão de saber se o despacho liminar do Relator, no tribunal de recurso, ao considerar o recurso próprio e recebido com o efeito devido, é impugnável.
  Ou seja, o despacho do relator do tribunal recorrido que admite um recurso pode ser revogado pelo tribunal que aprecia o recurso, mas as partes só o podem impugnar nas alegações.
  Não o tendo feito, não pode vir, agora, o recorrido suscitar a questão, pelo que não se conhece da arguição de nulidade do Acórdão, que se baseia exclusivamente na tese de que o recorrido ainda poderia contestar a admissibilidade do recurso.
  Esta a solução da pretensão do recorrido.
  Mas subsiste uma outra questão, que é a deontológica.
  A actuação do autor, ao pretender, agora, que o recurso da ré não é possível, traduz um venire contra factum proprium, já que interpôs recurso subordinado, mas agora vem defender que o mesmo não é admissível, que é o que resulta da não admissibilidade do recurso principal.
  Esta actuação do autor, por intermédio do seu mandatário constitui, a todos os títulos, um uso manifestamente reprovável dos meios processuais para conseguir um objectivo ilegal e entorpecer a acção da justiça, havendo, ainda sérios motivos para presumir que o autor, por intermédio do seu mandatário, sem fundamento sério, pretende protelar o trânsito em julgado da decisão.
  Esta conduta, integra, pois, litigância de má fé, punível com multa e participação daquela conduta à Associação dos Advogados para conhecer do ilícito disciplinar indiciariamente praticado pelo C, mandatário do autor que subscreve o requerimento em causa, por se tratar de matéria técnica da responsabilidade do advogado [arts. 385.º, n. os 1 e 2, alínea d) e 388.º do Código de Processo Civil].
  
  3. Convido o requerente a pronunciar-se sobre a questão da má fé em 5 dias, a fim de se proferir decisão”.

II - Ouvido sobre a questão, veio o requerente dizer o seguinte:
  - O Acórdão do TSI confirmou a decisão da 1.ª instância quanto à natureza jurídica das gorjetas, pelo que o acórdão do TUI violou o caso julgado, que é uma questão de conhecimento oficioso, pelo que sempre podia o TUI dele ter conhecido;
  - Não impugnou o despacho de admissão de recurso no Tribunal recorrido porque julgou que o recurso não seria conhecido pelo TUI, como aconteceu nos Acórdãos de 21 de Junho de 2006 (Processos n. os 13/2006, 15/2006 e 16/2006), de 12 de Julho de 2006 (processo n.º 20/2006) e de 19 de Julho de 2006 (Processo n.º 17/2006);
  - Nada fazia prever uma decisão contrária à do TSI;
  - Tendo sido confrontado com a decisão praticou um acto necessário ao cumprimento do dever de patrocínio.Qual o advogado que sabendo que a causa sucumbirá, se absterá de procurar prevenir a produção desse resultado?
  - A interposição de recurso subordinado não significa que se tenha concordado com a recorribilidade do acórdão impugnado.

III - Conhecendo da questão suscitada.
Concorda-se com o teor do parecer do Relator, que se subscreve e se dá por reproduzido, para efeitos de ficar a constituir fundamentação deste Acórdão.
Relativamente ao conteúdo da resposta do autor, em que procura obstar à sua condenação como litigante de má fé, aduz-se o seguinte.
  Não é verdade que os Acórdãos deste Tribunal, de 21 de Junho de 2006 (Processos n. os 13/2006, 15/2006 e 16/2006), de 12 de Julho de 2006 (processo n.º 20/2006) e de 19 de Julho de 2006 (Processo n.º 17/2006), em que se considerou inadmissíveis os recursos da B, sejam semelhantes ao destes autos (Processo n.º 28/2007).
   Naqueles Acórdãos (Processo n.º 13/2006, que se segue como modelo, mas sendo todos os outros semelhantes) não se admitiu o recurso porque não cabe recurso da parte da decisão recorrida que confirmou a sentença de primeira instância sem voto de vencido (n.º 2 do art. 638.º do Código de Processo Civil), que era toda a decisão, com excepção da parte atinente à quantia devida pelo trabalho prestado pelo autor nos dias de descanso anual. E acrescentou-se: “Só que quanto a tal segmento da decisão o recurso é impedido pelo disposto na segunda parte do n.º 1 do art. 583.º do Código de Processo Civil: a decisão impugnada não é desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal de Segunda Instância, que é de MOP$1,000,000.00 (art. 18.º, n.º 1 da Lei de Bases da Organização Judiciária).
   Na verdade, esta parte da decisão foi desfavorável à recorrente em MOP$77,836.00, claramente inferior a MOP$500,000.00, pelo que também desta parte não parece haver recurso”.
No caso dos autos não é assim:
Nos autos, o TSI alterou as três decisões parciais da sentença de 1.ª instância, atinentes ao trabalho prestado pelo autor e não pago no descanso semanal (que passou de MOP$407846.00 para MOP$634530.00) a título de pagamento de férias anuais (que passou de MOP$96244.00 para MOP$118606.00) e por falta de pagamento do trabalho prestado nos feriados obrigatórios (que passou de MOP$42661.00 para MOP$106470.00). E a sucumbência da ré, foi, como se vê, superior a MOP$500.000.00, mais concretamente de MOP$859606.00. O valor da causa é de MOP$ 1771772.00.
Em suma, nos autos o valor da causa era superior à alçada do TSI, a sucumbência era superior a metade desta alçada (art. 583.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) e o Acórdão do TSI não confirmou nenhuma das decisões da sentença de 1.ª instância, alterou todas (art. 638.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Logo era recorrível, o que não acontecia nos casos dos Acórdãos deste Tribunal, de 21 de Junho de 2006 (Processos n. os 13/2006, 15/2006 e 16/2006), de 12 de Julho de 2006 (processo n.º 20/2006) e de 19 de Julho de 2006 (Processo n.º 17/2006).
Efectivamente, a questão das gorjetas não constitui nenhuma decisão, mas apenas uma questão decidida, embora condicionante das decisões. Ora, o caso julgado forma-se na decisão e não nos fundamentos da decisão, como é geralmente aceite. As decisões foram as condenações da ré a pagar salários atinentes ao trabalho prestado pelo autor e não pago no descanso semanal, a título de pagamento de férias anuais e por falta de pagamento do trabalho prestado nos feriados obrigatórios.
  Não se percebe a afirmação do autor de que nada fazia prever uma decisão contrária à do TSI.
  Este TUI nunca se pronunciara sobre a questão das gorjetas. Que conste não existe na lei nenhuma obrigação de o TUI ter de seguir as decisões das instâncias inferiores.
  
  IV - Indefere-se o requerido.
  - Condenam o autor, como litigante de má fé, na multa de 5 UC;
  - Participam à Associação dos Advogados para efeitos de conhecer do ilícito disciplinar indiciariamente praticado pelo C, mandatário do autor que subscreve o requerimento, por se tratar de matéria técnica da responsabilidade do advogado [arts. 385.º, n. os 1 e 2, alínea d) e 388.º do Código de Processo Civil]. Remeta cópias do Acórdão do TSI, alegações de fls. 600, despacho de fls. 683, requerimento e alegações de fls. 686 e segs., despacho de fls. 705, despacho de fls. 713, Acórdão de fls. 755 e seg., requerimento de fls. 808, parecer de fls. 842, resposta de fls. 845 e do presente Acórdão.
   
   Macau, 15 de Novembro de 2007.
   
  Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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Processo n.º 28/2007