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Processo nº 605/2015
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 28/Abril/2016



Assuntos:
- Autorização de residência
- Antecedentes criminais
- Poderes discricionários
- Protecção da união familiar
- Princípios da razoabilidade, proporcionalidade justiça


SUMÁRIO :
    1. A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 contempla que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
2. Os tribunais superiores de Macau têm-se pronunciado em casos em que se poderia pôr em causa a decisão administrativa de não concessão de autorização de residência por contender com institutos que, à primeira vista, teriam um alcance mais profundo do que o da suspensão da execução da pena, tal como tem acontecido com os casos em que sobreveio mesmo a reabilitação e, mesmo assim, tem-se entendido que as razões ínsitas às decisões administrativas pautam-se por outros critérios e a Administração pode até relevar autónoma e negativamente uma conduta criminal nesses casos.
3. Não há desrazoabilidade se se descortina a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.
  4. Também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
     5. A Lei Básica, nomeadamente nos artigos 38.º e 43.º, protege a família, protecção esta concretizada nos princípios fundamentais da lei de Bases da Política Familiar (arts. 1.º a 3.º da lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto) da RAEM, podendo até considerar-se que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração. Daí não decorre necessariamente que se tenha de autorizar qualquer membro do agregado familiar a beneficiar de um estatuto de residência atribuído a qualquer um dos membros, sob pena de se alargar o âmbito da previsão legal que define os critérios atributivos dessa qualidade.

O Relator,
            João A. G. Gil de Oliveira











Processo n.º 605/2015
(Recurso Contencioso)

Data : 28 de Abril de 2016

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificado nos autos,,
    vem interpor RECURSO CONTENCIOSO
    do despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, de 23 de Março de 2015, constante da notificação n.º 100372/CESMNOT/2015P do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, datada de 01 de Abril de 2015 e notificado ao requerente em 28/05/2015,
    o que faz nos termos conclusivos seguintes:
    A) Ao fundamentar-se o Despacho recorrido num único alegado delito cometido pelo Recorrente há 10 anos, caso assim se entenda, pois o que aí se refere é a mera existência de "Registo Criminal", como integrador do conceito de "ameaça e perigo para segurança interna da RAEM", a Autoridade recorrida viola o disposto no art. 8°, do Código Civil e no art. 5º, n.º 2 do CPA e, em consequência, viola claramente o Princípio da Legalidade porque sempre se devia nortear, incorrendo deste modo no vício de violação de lei, o que o torna nulo nos termos do art. 122°, n.º 2 alínea d), do CPA.
    B) O Despacho recorrido incorre no vício de violação de lei pois fere, no seu núcleo essencial, Direitos Liberdades e Garantias do Recorrente e do seu agregado familiar, consagrados na Lei Básica da KA.E.M., bem como o art. 17° do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, designadamente o Princípio da Legalidade, com o que, desde já, em função deste vício, se considera o Acto ferido de nulidade - cfr. art. 122°, n.º 2, alínea d) e 123°, do C.P.A..
    C) Ao não respeitar as regras de interpretação das Leis, previstas no art. 8°, do Código Civil, e interpretando e aplicando erroneamente o disposto nos arts. 8° e 9° da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março - sem atender quer ao conteúdo da Lei Básica, quer ao conteúdo da Lei de Bases da Política Familiar n.º 6/94/M, de 1 de Agosto - a Autoridade recorrida incorreu, uma vez mais, no vício de violação de lei, pois violou todas as disposições legais citadas, designadamente, o art. 8° do Código Civil, os arts. 4° e 38° da Lei Básica, os arts. 2°, n.ºs 1 e 7, n.º l e n.º 4, da Lei de Bases da Política Familiar constante da Lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto, e os arts. 3°, 4°, 5° e 7°, do CPA, o que torna nulo e de nenhum efeito o despacho recorrido, nos termos do art. 122°, n.º 2, alínea d) e 123°, ambos do CPA.
    D) O Despacho recorrido, negando ao Recorrente autorização de residência na RAEM, sendo que nunca foi criminalmente punido na RAEM, viola os arts. 8° e 9°, da Lei n.º 4/2003, pois o Recorrente reúne todos os requisitos ali previstos para que lhe seja concedida essa autorização de residência e, portanto, interpretou e aplicou erroneamente estes normativos, violando deste modo Princípios de carácter constitucional no seu núcleo essencial, designadamente, os Princípios, da Legalidade, da Prossecução do Interesse Público e da Protecção dos Direitos e Interesses dos Residentes, o Princípio da Proporcionalidade e o Princípio da Justiça, com o que, em função destes vícios, padece de nulidade - cfr. art. 122°, n.º 2 alínea d) e 123° do C.P.A..
    TERMOS EM QUE
    nos melhores de Direito permitido, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente, declarando-se nulo, pelas apontadas ilegalidades, o acto recorrido, com todas as consequências legais, designadamente, concedendo-se a autorização de residência do recorrente na RAEM, pois aí vivem sua cônjuge e sua filha menor, ambas residentes Permanentes. Para tanto,
    Requer-se que se cite a entidade recorrida para responder, querendo, com a advertência de fazer juntar aos autos o competente processo instrutor, nos termos do art. 55°, n.º 1, do CPAC.
    
    2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança, contesta, em síntese:
    A referência que se faz no despacho recorrido ao "registo criminal" (a fls. do Processo Instrutor) significa claramente que se pretende aludir à condenação penal anteriormente sofrida em Macau (condenação efectiva por "posse de drogas perigosas", e não apenas a prática de um "alegado" crime) pelo recorrente e ao perigo para a segurança e ordem públicas que por causa dela na sua pessoa se potencia;
    O despacho recorrido não interpreta "erroneamente" quaisquer das disposições citadas pelo recorrente, antes provendo pela defesa do interesse público securitário nos termos consentidos (e até exigidos) pelo ordenamento jurídico de Macau no seu conjunto;
    Sendo certo que com o acto em apreço, que é de conteúdo puramente negativo, e dado que é Hong Kong a proveniência do recorrente, não fica este privado nem limitado da convivência dos seus familiares em Macau, pois o facto de não deter o estatuto, formal, de residente da RAEM, não obsta que a família se mantenha em contacto constante ou quase constante ou mesmo reunida;
    É precisamente a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes (alegados pelo recorrente) que quando em confronto com os interesses privados de quem é susceptível de fazer perigar aqueles, deve primordialmente cumprir-se, prevalecendo, portanto, sobre aqueles últimos;
    O indeferimento da autorização de residência ao recorrente, cônjuge de uma residente de Macau, não fere minimamente a união e estabilidade familiar, nem quaisquer direitos das crianças;
    Pois com o acto administrativo em causa, a RAEM não interfere de forma activa e censurável sobre qualquer direito, familiar ou outro, constituído e sedimentado no seu espaço político-administrativo, que deva proteger e abster-se de violar, nos termos da lei, sendo certo que em presença de um não residente que invoca um status quo cuja precaridade de forma alguma poderá imputar-se à Administração de Macau;
    Não é posto em causa o dever de absoluto respeito pelo direito de reunir a família e com ela habitar por todo o tempo e num mesmo lugar, apenas não se permitindo (por razões da natureza securitária e de interesse público) que o sujeito de direitos imponha não o seu direito, mas as circunstâncias, nomeadamente de lugar, do seu exercício (com a obrigatoriedade de ser-lhe atribuído um estatuto que é de "quase cidadania");
    Tão somente não é autorizado o ingresso da pessoa no seio desta comunidade, por razões de natureza preventiva-securitária, e no uso de um poder-dever que é legítimo e orientado pela prossecução do interesse público da preservação da paz e tranquilidade sociais;
    Sendo que a tal não oferecem a menor oposição quer as leis fundamental e ordinária de Macau, quer os instrumentos de direito internacional a que a RAEM se encontra vinculada, de todo não ferindo o art. 17.º ou qualquer outro preceito do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e políticos;
    Importa, por último, referir que não se vislumbra qualquer ofensa dos princípios da igualdade, da proporcionalidade (este último, aliás, só sindicável no caso de erro grosseiro ou manifesta desrazoabilidade) e da boa-fé, pese não alegados pelo recorrente, mas em que se materializa o princípio da justiça (por ele invocado) pelo que não pode ser, este, considerado violado no acto administrativo recorrido.
    Termos em que
    E nos mais de direito que V. Ex.as mui doutamente suprirão, por inexistir qualquer vício que deva conduzir à anulação do acto recorrido, deve manter-se integralmente a decisão impugnada, negando-se provimento ao presente recurso.
    
    
    3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 23 de Março de 2015, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, através do qual foi denegado o pedido de autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau formulado por A, ora recorrente.
    Fundou-se tal acto no normativo do artigo 9.°, n.º 2, alínea 1), da Lei 4/2003, por via dos antecedentes criminais que o requerente possui em Hong Kong.
    O recorrente acha que o acto está eivado dos vários vícios de violação de lei que lhe imputa na sua petição de recurso, no que é contraditado pela autoridade recorrida, cuja contestação se pronuncia pela legalidade do acto e pela sequente improcedência do recurso.
    Vejamos:
    O recorrente começa por verberar a relevância que a Administração conferiu ao seu registo criminal, indo ao ponto de afirmar que inexistem no seu registo criminal, para os efeitos da Lei 4/2003, condutas criminosas, pelo que o acto recorrido teria violado, por erro de interpretação, o artigo 9.º, n.º 2, alínea 1), da Lei 4/2003.
    Cremos que não tem razão.
    Como bem resulta do processo instrutor, o recorrente possui antecedentes criminais em Hong Kong - cf. fls. 65. Foi julgado, ante um tribunal criminal, por posse de drogas perigosas, e condenado a uma pena de multa.
    O facto de estar em causa uma pena de multa não apaga o carácter criminal da conduta, não podendo ser menorizado, como pretende o recorrente. A circunstância de se tratar de condenação ocorrida há um lapso de tempo considerável e de não poder ser porventura atendida em Hong Kong, nomeadamente para efeitos penais, por força da Section 2(1) da Rehabilitation of Offenders Ordinance, não impede, a nosso ver, que possa e deva ser valorada em Macau, nos termos e para os efeitos previstos na Lei 4/2003. É que são diferentes os valores e os interesses prosseguidos do ponto de vista penal e na perspectiva administrativa aqui em causa, pontuando ali finalidades de ressocialização, justificativas da reabilitação, e sobrelevando aqui preocupações de segurança e ordem públicas que têm que ser ponderadas no procedimento de concessão de autorização de residência.
    Donde a conclusão de que a Administração não podia deixar de atender aos antecedentes criminais, dado tratar-se de factor importante na apreciação do pedido.
    Não se vislumbra, pois, qualquer violação de lei, por errada interpretação daquele inciso.
    Seguidamente, o recorrente faz uma incursão por diplomas legais que conferem e protegem direitos, liberdades e garantias, intentando demonstrar que o acto recorrido, ao denegar-lhe a possibilidade de fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau, incorreu em violação de alguns dos normativos desses diplomas e de princípios neles corporizados.
    É o caso do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a que alude para destacar a proibição de intervenções arbitrárias ou ilegais na família, prevista no seu artigo 17.°, n.° 1. É também o caso da Lei de Bases da Política Familiar, da qual invoca a unidade e estabilidade em que assenta a instituição familiar, prevista no artigo 2.°, n.° 1, bem como a salvaguarda dos valores inerentes à paternidade e maternidade e a proibição de separar os filhos dos pais, com previsão no artigo 7.°, n.ºs 1 e 4. É, finalmente, o caso da Lei Básica, cujos artigos 4.° e 38.° o recorrente chama à colação para enfatizar a protecção legal que é assegurada, na Região Administrativa Especial de Macau, aos direitos e liberdades dos residentes e não residentes, onde pontuam a liberdade de contrair casamento e o direito de constituir família.
    Também aqui não lhe assiste razão.
    A argumentação do recorrente, nesta parte, parece dirigida a um acto ablativo, que teria originado uma intervenção arbitrária na sua família, com funestas consequências a nível da unidade e estabilidade familiar, redundando nomeadamente na separação entre o recorrente e os restantes elementos da família, mulher e filha.
    Mas nada disto sucedeu, não estando em causa qualquer acto ablativo.
    Como a autoridade recorrida evidencia, estamos perante um acto administrativo de conteúdo puramente negativo. A denegação da autorização de residência deixa o recorrente na situação em que se encontrava, não interferindo de forma activa na família nem atingindo quaisquer dos direitos ou garantias que o recorrente considera ofendidos.
    De resto, e conforme também salienta a entidade recorrida, como residente de Hong Kong, não está o recorrente privado ou limitado de reunir e conviver com a família que reside em Macau.
    Não se divisa, assim, também nesta parte, que o acto afronte quaisquer das normas referidas ou viole os princípios a que tais normas dão corpo.
    O recorrente assaca ainda ao acto o vício de violação de lei, por ofensa dos princípios da justiça e da proporcionalidade na apreciação do caso, deixando entrever que não teria sido dado o relevo devido à sua situação familiar, em detrimento de uma exagerada valoração do interesse público na ponderação do seu registo criminal.
    Mas também neste ponto lhe falece a razão.
    O princípio da justiça postula que a Administração, na sua actuação, harmonize o interesse público que visa prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares afectados pelo acto. Por seu turno, o princípio da proporcionalidade, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com aqueles direitos e interesses dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir.
    Pois bem, estando em causa, como estava, a autorização de fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau, só duas hipóteses se colocavam: conceder a autorização ou denegá-la.
    O acto recorrido tomou em linha de conta a finalidade do pedido de residência (reunião familiar) e os antecedentes criminais do então requerente, conforme resulta dos pareceres e informações que antecederam o despacho recorrido e que por este foram apropriados, tendo, perante os valores em presença, atribuído supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável pelo potencial de ameaça latente que os antecedentes criminais do recorrente, fundados em detenção ilícita de drogas, podem representar para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau.
    E esta primazia conferida ao interesse público é tanto mais aceitável quanto é certo que o acto é proferido no exercício de um poder discricionário, posto que enformado pela ponderação de certos aspectos a que a lei manda atender.
    Neste contexto, aqueles princípios saem inteiramente incólumes, nenhuma afronta lhes tendo sido feita pelo acto recorrido, que, como já se deixou antever, não padece de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício daquele poder discricionário.
    Soçobra, assim, também o invocado vício de violação de lei por ofensa dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
    Termos em que, na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.
    4. Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
  
   O recorrente foi notificado do indeferimento de autorização de residência nos seguintes termos:
  
  “CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
  SERVIÇO DE MIGRAÇÃO
  
  Notificação
  n.º 100372/CESMNOT/2015P
  Venho por este meio informar o Sr. A (portadora do BIR Hong Kong permanente n.º ZXXXXXX(X)), que quanto ao seu pedido de concessão de autorização de fixação de residência no Território, constante do seu requerimento apresentado aos 11 de Setembro de 2014, o Secretário para a Segurança proferiu despacho aos 23 de Março de 2015, conforme o parecer no relatório n.º 300030/CESMFR/2015P do Serviço de Migração do CPSP – de indeferimento do seu pedido de fixação de residência.
  Reproduz-se aqui o parecer do relatório acima identificado:
  1. o requerente, do sexo masculino, casado, 27 anos, nascido em Hong Kong, da nacionalidade chinesa, portador do BIR Hong Kong permanente, requer agora concessão de autorização de fixação de residência em Macau, a fim de poder se reunir com o cônjuge portador do BIRM permanente.
  
  2. Segundo o ofício n.º CNCC15859/14 assinado e emitido pelos Serviços dos Assuntos Policiais de Hong Kong, está confirmado que o requerente tem o seguinte registo crimial em Hong Kong (nota e tradução não oficiais)
  
Data
Crime
Consequência
* 12/12/2006
Guarda de drogas perigosas
Multa no valor de $1000.00
  * Nos termos do artigo 2(1) do Regulamento de Reabilitação dos Infractores ("Rehabilitation of Offenders Ordinance"), a condenação deste crime já se deve dar como caduca em Hong Kong.
  
  3. De acordo com o supra número 2, tendo em conta a existência do “antecedente criminal” do requerente, é de indeferir o seu requerimento de autorização de fixação de residência.
  
  4. Após o processo de audiência escrita, o cônjuge do requerente apresentou a este serviço alegações escritas e documentos respeitantes.
  
  5. Tendo em conta a insuficiência dos motivos alegados pelo requerente durante a fase de audiência, sugere-se indeferir o presente requerimento de autorização de fixação de residência, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1) (antecedentes criminais) da Lei n.º 4/2003.
  
  Pode-se recorrer contenciosamente do acto administrativo acima referido ao TSI, nos termos do art.º 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
  
  O subcomissário,
  XXX (ass.: vd. o original)
  pel’
  O Chefe do Comissariado de Estrangeiro,
  XXX
  Comissário
  Ao 1 de Abril de 2015”
  
IV - FUNDAMENTOS
    1. Não se conforma o ora recorrente com o teor do supra identificado despacho que lhe indeferiu o pedido de autorização de residência no Território com o fim de união familiar.
    Decorre do despacho recorrido que deve ser recusada ao recorrente a autorização de residência na RAEM uma vez que não estão preenchidos os requisitos para tanto necessários e que estão elencados no art. 9.º, n.º 2, 1), da Lei n.º 4/2003, designadamente em vista dos antecedentes criminais do interessado.

2. Nos termos do art.º 9.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 4/2003:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
   2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
   1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
   2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
   3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
   4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
   5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
   6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.”
    A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
    Argumenta o recorrente no sentido de que foi uma condenação há já onze anos, apenas punida com pena de multa e “reabilitada” face às leis de Hong Kong, no que considera ter sido uma “bagatela” penal.
    3. Os Tribunais superiores de Macau têm-se pronunciado em casos em que se poderia pôr em causa a decisão administrativa de não concessão de autorização de residência por contender com institutos que, à primeira vista, teriam um outro alcance mais profundo do que o de uma suspensão da execução da pena, tal como tem acontecido com os casos em que sobreveio mesmo a reabilitação, não se tendo deixado de entender que as razões ínsitas às decisões administrativas se pautam por outros critérios e a Administração pode até relevar autónoma e negativamente uma conduta criminal nesses casos.1
     Esta sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar.
    
     Esse o sentido da Jurisprudência que vem sendo firmada neste Tribunal 2 e que não deixou de ter eco, ao mais alto nível, na Jurisprudência do TUI, no processo n.º 36/2006, de 13/12/2007, aí se proclamando não ser possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação de direito ao regime de entrada, permanência e autorização de residência.
     Podem-se configurar diferentes níveis em termos dos efeitos penais de uma condenação e que podemos desenhar como diversos círculos que se vão alargando dentro de um dado ordenamento.
    Assim um círculo mais restrito respeitante às consequências penais no âmbito penal, um outro mais alargado respeitante às consequências penais no âmbito não penal, seja em termos de interdições, inabilitações, exercício profissional, quando o cadastro limpo seja um requisito de integração numa dada situação jurídica. E podemos ainda configurar, intra-ordenamento, um círculo de situações em que aquele factor, não sendo requisito legal de ponderação, jogue efectivamente ao nível da tomada de decisão, seja em função da vontade e liberdade que dominam as relações jurídicas privadas, seja em função de uma margem de liberdade e discricionariedade em certos níveis da actividade administrativa.
    Tudo isto em termos de conformação e readaptação social à vivência no seio de um dado ordenamento.
    Mas sempre se poderá sustentar que se reforce um nível de exigência e de adequação com o ordenamento para quem não seja residente e aqui se pretenda integrar, não sendo difícil aceitar que a Administração possa ponderar uma condenação, mesmo que extinta, para esses efeitos.
     É certo que estamos perante uma pena de multa, o que não deixa de relevar em termos de uma menor gravidade da conduta, mas não é menos certo que essa pena foi praticada por posse de drogas, compreendendo-se a atenção e sensibilidade das autoridades da RAEM a esse flagelo.
     De qualquer modo trata-se de uma matéria que compete à Administração avaliar, no uso de poderes discricionários, não devendo os tribunais imiscuir-se nessa apreciação, a não ser em casos de manifesta afronta a princípios gerais, como os de adequação, proporcionalidade e justiça.
     A razão do desatendimento do pedido baseou-se nesses antecedentes criminais, entrando-se aí num domínio caracterizado pela discricionariedade da Administração que não está impedida de valorar em nome dos superiores interesses da Segurança esse passado para o projectar em termos de uma prognose comportamental do indivíduo em causa, de forma a avaliar das vantagens e inconvenientes em autorizar a sua residência.
    
    A este propósito, fazendo relevar esses antecedentes, pode ler-se em acórdão do TUI:
    “Para a lei não é particularmente relevante o tempo decorrido desde a prática de crimes e as condenações. Na óptica do legislador, as condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada dos não residentes na RAEM (art.º 4.º, n.º 2, al. d) da Lei n.º 4/2003), constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região.
Em princípio, os interesses públicos de tranquilidade prevalecem sobre os interesses individuais de interessados de entrar e residir na Região.
Ou seja, os antecedentes criminais, seja qual for o período já decorrido depois da condenação, são sempre o factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência.” 3
    
    4. No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.4

Ainda que desnecessário, face ao que ficou dito acima, bem pode a recorrente fazer as interpretações que entender da citada norma que manda atender aos antecedentes criminais, no sentido de que não é uma mancha isolada que vai inquinar a personalidade nem fazer perigar a segurança, pode-se até concordar com o que afirma, em termos abstractos, só que não é a sua interpretação que vale, nem sequer os Tribunais têm o poder de impor a sua visão das coisas no âmbito do poder discricionário da Administração, sob pena de se substituírem àquela, o que, de todo, não se mostra legítimo em nome da separação dos poderes executivo e judicial.
    
    Quanto à juventude e menor importância do crime afigura-se que, independentemente da razão que lhe possa assistir, não é essa avaliação que releva, mas sim o entendimento da Administração a esse respeito, no âmbito dos poderes discricionários que lhe são conferidos por lei. Assim sendo, tudo o que se possa dizer sobre uma eventual irrelevância dessa conduta, em termos negativos, de forma a fundar um juízo de entrave à concessão de autorização não passa de exercício espúrio e inútil.
    Nem ressalta da lei o facto de só uma punição em pena privativa de liberdade constituir condição bastante para a denegação das autorizações de residência.
    5. Também não tem qualquer apoio na lei a pretensa interpretação de que o acto de concessão de autorização de residência é um acto vinculado, isto é, que a Administração, não se observando qualquer dos requisitos negativos na lei, sempre teria de conceder a autorização a quem quer que a solicitasse, o que não deixaria de ser um non sense, intolerado pela própria ordem jurídica.
    Está a concessão da autorização de residência em Macau ligada à aquisição de um estatuto jurídico-político, com todo o inerente acervo de direitos e deveres dos seus titulares, preocupações e até encargos para a RAEM, o que reforça a atenção que deve ser posta nessa concessão.
    Admitamos, por mera hipótese de raciocínio, que um número incontável de candidatos à residência na RAEM, sem qualquer mácula, cívica, criminal, social ou outra, no seu curriculum, pretendia de um momento para o outro habilitar-se a esse estatuto. Estaria obrigada a Administração a deferir tais pedidos? É evidente que não. Bastaria à Administração invocar que não pretenderia acolher mais ninguém, desde logo, por um critério de comportabilidade.
    Ora, no caso vertente, a Administração foi mais longe e não se limitou a uma referência vaga de impossibilidade, de falta de vontade, por inconveniência, inoportunidade, incomportabilidade ou qualquer outra razão de carácter genérico. Avançou com um critério concreto. Qual fosse o dos antecedentes criminais. Pouco expressivos, de pequena gravidade no dizer do recorrente, mas não assim no entendimento de quem compete.
    A referência que se faz no despacho recorrido ao "registo criminal" (a fls. 10 do PA) significa claramente que se pretende aludir à condenação penal anteriormente sofrida em Hong Kong (condenação efectiva por "posse de drogas perigosas", e não apenas a prática de um "alegado" crime) pelo recorrente, não deixando de estar implícito um juízo de perigo para a segurança e ordem públicas que por causa dela na pessoa do recorrente se potencia.
    Observa-se que não se deixou de ter em atenção que essa condenação se mostra caduca em Hong Kong, mas tal não impede que se retire desse facto, para os presentes fins, uma consequência geradora de um juízo de prognose desfavorável a um sentimento de garantia de bom comportamento em termos securitários, evidenciando-se essa preocupação no despacho proferido.
    É genericamente reconhecido que a prática de crimes relacionados com a "droga" é particularmente perigosa e lesiva, em vários aspectos, para a vida normal, segura e sã de qualquer sociedade, em especial pelas potenciais e nefastas consequências junto das camadas mais jovens da população, pelo que se compreende, dentro de uma lógica de segurança interna, que tais factos possam constituir um óbice a uma pronúncia favorável ao deferimento da pretensão, ainda que se discorde da estigmatização que, por causa dessa factualidade, possa ser feita noutros domínios.
    O despacho recorrido não interpreta erradamente quaisquer das disposições citadas pelo recorrente, antes provendo pela defesa do interesse público securitário nos termos consentidos pelo ordenamento jurídico de Macau no seu conjunto.
     6. Nem se diga que as razões invocadas pelo recorrente e que terão presidido à feitura da legislação pertinente são, com o despacho proferido, desacatadas.
    Se é verdade que, conforme a Nota Justificativa que acompanha a proposta de lei que deu origem à Lei n.º 4/2003, o novo regime de entrada, permanência e fixação de residência na RAEM tem por objectivo (…) suprir as deficiências e omissões do anterior regime, introduzindo alterações que visam desburocratizar, aperfeiçoar e modernizar certos aspectos daquele.
    (…) A presente iniciativa legislativa procura (…) alargar o acervo de fundamentos de recusa de entrada de indesejáveis e facilitar a acção das autoridades policiais, nomeadamente, tendo em vista uma maior eficácia na prevenção quanto aos movimentos de pessoas que possam fazer perigar a segurança pública interna (…).
    (...) É necessário ter em consideração duas linhas de factores que, não sendo antagónicas, podem ser conflituantes: por um lado, interessa à RAEM manter uma abertura ao exterior que permita desenvolver uma política demográfica apta a captar mão-de-obra qualificada para o desenvolvimento de Macau e a consolidação do sector do turismo, nomeadamente através do aumento sustentado do número de visitantes; por outro lado, é imperioso reforçar a segurança interna, dado que esta se apresenta como uma condição fundamental para o desenvolvimento da economia da Região (…)
    (...) Em face do especial objecto do presente diploma e considerando também o carácter normativo das suas disposições na área dos direitos fundamentais das pessoas, se tenha adoptado a forma de Lei da Assembleia Legislativa, a qual se julga mais consentânea com o que prescreve a Lei Básica da RAEM (…).
    (…) A Comissão ponderou os diferentes interesses em presença e concluiu pela adequação das soluções propostas, nomeadamente quanto ao reforço do acervo de fundamentos de recusa de entrada de indesejáveis, constante do artigo 4.º da proposta de lei. Este artigo, aplicado em conjugação com a demais legislação que prevê casos de recusa de entrada na Região, nomeada mente a alínea 4) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 9/2002 (Lei de Bases da Segurança Interna) e o artigo 33.º da Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho (Lei da Criminalidade Organizada), pode ser um instrumento importante para o reforço da segurança interna da RAEM, ao abrigo do previsto no parágrafo 2.º do artigo 139.º da Lei Básica (…);
    Daí decorrendo as linhas mestras que o recorrente evidencia, visando-se:
    
    a) Manter uma abertura ao exterior que permita o desenvolvimento económico consolidado de Macau;
    b) Maior eficácia na prevenção quanto aos movimentos de pessoas que possam fazer perigar a segurança pública interna como condição para esse desenvolvimento;
    c) O Reforço do respeito pelos inalienáveis Direitos, Liberdades e Garantias - de residentes e não-residentes - consagrados na Lei Básica;
    
    Seguramente, não se postergam aqueles objectivos com o indeferimento em presença, antes se salvaguardam, com uma preocupação de acolher quem dê garantias de não pôr em perigo aquela segurança, estabilidade, condições par um desenvolvimento económico e social harmonioso.
    Diferentes seriam as coisas se se divisasse no acto recorrido discricionário uma arbitrariedade injustificada, sem sentido, discriminatória, persecutória, ad hominem.
    Não é o caso.
    7. Quanto à pretensa violação das regras protectoras da família e da união familiar também não lhe assiste razão.
    Ainda que o art. 38° da Lei Básica preveja:
    “A liberdade de contrair casamento e o direito de constituir família e de livre procriação dos residentes de Macau são legalmente protegidos.
    Os legítimos direitos e interesses das mulheres são protegidos pela Região Administrativa Especial de Macau.
    Os menores, os idosos e os deficientes gozam do amparo e protecção da Região Administrativa Especial de Macau” ;
    Ainda que a Lei de Bases da Política Familiar - a Lei n.° 6/94/M, de 1 de Agosto, estipule:
    “Artigo 2º (Unidade e estabilidade familiar)
    1. A instituição familiar assenta na unidade, estabilidade, igual dignidade de todos os membros, no respeito mútuo, cooperação, responsabilidade e solidariedade para a prossecução plena dos seus fins.
    
    Artigo 7º (Maternidade e paternidade)
    1. A maternidade e a paternidade constituem valores humanos e sociais eminentes e complementares que a Administração deve respeitar e salvaguardar, garantindo o exercício dos direitos consagrados na lei aos titulares do poder paternal e cooperando com estes no cumprimento dos seus poderes-deveres relativamente aos filhos.
    2. (…)
    3. (…)
    4. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.” ;
Não se vê de que forma o despacho proferido tenha violado crassamente essas disposições bem como o disposto art. 17° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Lei n.º 29/78, Aviso do Chefe do Executivo n.º 16/2001 – “1 - Ninguém será objecto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação. 2 - Toda e qualquer pessoa tem direito à protecção da lei contra tais intervenções ou tais atentados.” - , pois essa separação de facto é uma situação pré-existente ao pedido formulado, nada impedindo que a unificação se possa fazer fora de Macau, nada impedindo que a família e os respectivos laços continuem a existir e até se possam solidificar com uma separação geográfica, bastando pensar no fenómeno da emigração, já que os malefícios que aquelas disposições visam salvaguardar não constituem o objecto imediato, directo ou necessário das consequências advindas do acto praticado.
    Ninguém foi sujeito a intervenções arbitrárias no seio da sua família e vida familiar, por via do indeferimento contido no despacho recorrido.
    Sendo certo que com o acto em apreço, que é de conteúdo puramente negativo, e dado que o recorrente é proveniente de Hong Kong, não fica este privado nem limitado da convivência dos seus familiares em Macau, pois o facto de não deter o estatuto, formal, de residente da RAEM, tal não obsta que a família se mantenha em contacto constante ou quase constante ou mesmo reunida.
    De todo o modo, havendo eventual conflito de valores, também não será difícil compreender que deve prevalecer a prossecução de um interesse geral da população e de todas as famílias de Macau em detrimento de um família concreta.
    Para além de que o indeferimento da autorização de residência ao recorrente, cônjuge de uma residente de Macau, não fere minimamente a união e estabilidade familiar, nem quaisquer direitos das crianças.
É, pois, certo que a Lei Básica, nomeadamente nos artigos 38.º e 43.º, protege a família, protecção esta concretizada nos princípios fundamentais da lei de Bases da Política Familiar (arts. 1.º a 3.º da lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto) da RAEM, podendo até considerar-se que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração. Daí não decorre necessariamente que se tenha de autorizar qualquer membro do agregado familiar a beneficiar de um estatuto de residência atribuído a qualquer um dos membros, sob pena de se alargar o âmbito da previsão legal que define os critérios atributivos dessa qualidade.
Não obstante aquela consagração, importa atentar que o direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar.
Esta interpretação tem sido a acolhida neste Tribunal, já se tendo afirmado por várias vezes que a protecção da unidade familiar não passa necessariamente pela garantia de reunião de familiares que se encontrem no Exterior.5
Não há, pois, ainda por aqui, qualquer violação de lei, quanto se refere na exacta medida em que a recorrente invocou esse fundamento no pedido feito à Administração, muito embora tivesse vindo a atacar o acto por se ter feito referência a essa questão no indeferimento sobrevindo.
8. A recorrente fala ainda de proporcionalidade, justiça e imparcialidade no acto impugnado.
É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada em termos de subjectividade aferida de acordo com os interesses de quem a invoca.
Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.6
Na verdade, os interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da segurança e estabilidade social da Região.
Como está bem de ver também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.7
Quanto à violação do princípio de Justiça, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como materialmente justa.
Também não se aceita a alegação de que o indeferimento do pedido da recorrente pode violar o princípio da imparcialidade, uma vez que a necessidade da recorrente de ficar em Macau para tratar do filho não é o fundamento para a apreciação e concessão da autorização de residência.
    Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
                Macau, 28 de Abril de 2016
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Fui Presente
Mai Man Ieng
               
1 - Ac. do TUI 36/2005, do TSI 234/2011, 163/2012, 360/2012, 766/2011.
2 - Acs deste TTSI, processo 310/2011, de 31/5/2012; 394/11, de 3/5/12; 305/05, de 25/5/06; 71/2000, de 24/2/03, 360/2012
3 - Acs do TUI de 3 de Maio de 2000, 6 de Dezembro de 2002, 21 de Junho de 2006, processos n.ºs 9/2000, 14/2002, 1/2006.
4 - Acs do TUI de 3 de Maio de 2000, 6 de Dezembro de 2002, 21 de Junho de 2006, processos n.ºs 9/2000, 14/2002, 1/2006.

5 Vide Ae. do TSI de 16/12/2010, Proc. n.º 167/2009

6 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
7 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
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605/2015 1/31