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Processo nº 469/2014
Data do Acórdão: 28ABR2016


Assuntos:

Autorização de permanência
Trabalhador não residente especializado
Princípio da igualdade


SUMÁRIO

Ao conceder a autorização de permanência a um dos filhos da recorrente por entender aquele filho ser nascido em Macau e não a conceder ao outro filho da mesma recorrente, nascido fora de Macau, mas apenas com fundamento na circunstância de a recorrente não ser considerada trabalhador não residente especializado, para efeitos do disposto no citado artº 8º/5 da Lei nº 4/2003, a Administração não está a violar o princípio de igualdade.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 469/2014

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

Sta. A, devidamente identificada nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que manteve, em sede de recurso hierárquico necessário, a decisão proferida pelo Senhor Comandante da PSP, que lhe indeferiu o pedido que formulara para que fosse concedida à sua filha menor a autorização de permanência em Macau, alegando, concluindo e pedindo:
1. O presente recurso tem por base o despacho de 30/05/2014 do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, que negou provimento ao recurso hirárquico apresentado em 20/03/2014, pela ora Recorrente e que manteve a decisão de indeferimento, do Exmo. Senhor Comandante do CPSP de 24/01/2014
2. Não se conformando, interpõe a ora Recorrente o presente recurso por entender que o acto administrativo de que se recorre viola a lei, na modalidade de erro sobre os pressupostos de facto, bem como o princípio da legalidade e da proporcionalidade, inexistindo qualquer razoabilidade na fundamentação que o sustenta.
3. A Recorrente é casada com B e já trabalham em Macau há cerca de 9 anos. O primeiro filho do casal nasceu em 4 de Novembro de 2005, em Macau.
4. Sendo que a Recorrente teve que viajar para as Filipinas, onde a sua a sua filha acabou por nascer. A Recorrente desconhecia estes preciosismos de padrões decisórios em vigor, que privilegia os filhos (dos trabalhadores) que hajam nascido em Macau.
5. Imediatamente após o nascimento da filha, a Recorrente regressa para a Macau para o emprego que tem até hoje, sendo que o seu marido continuava a trabalhar em Macau.
6. Entretanto, um douto despacho deferiu o pedido de autorização de permanência do agregado familiar para o filho que nasceu na RAEM, em virtude dos pais trabalharem em Macau e terem condições esconómicas para o sustentar.
7. Mas infelizmente, o mesmo despacho considerou que a Recorrente pelo menos para o caso da filha, note-se não é considerada como por Trabalhadora Não Residente especializada, e uma vez que a sua filha nasceu nas Filipinas, indeferindo-se o pedido da autorização de permanência da filha.
8. A única diferença nos pressupostos considerados é o facto da filha da Recorrente ter nascido fora de Macau. Acontece porém que o nascimento fora de Macau ocorreu apenas pelo facto de aos oito meses a Recorrente ter que se ausentar de Macau e o nascimento da sua filha ter ocorrido entretanto nesse período.
9. Salvo o devido respeito, como pode ser aceitável, do ponto de vista moral e legal, em todos os seus aspectos, um despacho que beneficia apenas um filho em detrimento de outro por estes motivos?
10. Será que o dito padrão decisório que, salvo o devido respeito, desconhece-se quando surgiu, e que privilegia os filhos (dos trabalhadores) que hajam nascido em Macau apresenta por si só razões suficientes para suportar a sua "elevada margem de discricionariedade", como o próprio refere, e comprovar, como pretende, que a união familiar, neste caso concreto, foi atendida, ou pelo menos analisada e efectivamente, infelizmente, não interessa.
11. Quantas vezes a história nos relata casos de Leis que foram soterradas por outras regras e regulamentos. A lei do sábado, por exemplo, simplesmente proibia o trabalho naquele dia, reservando-o para adoração, revigoramento espiritual e descanso. Mas os fariseus transformaram aquela lei num fardo. Assumiram a tarefa de determinar exatamente o que significava a expressão "trabalho". Consideravam 39 actividades como trabalho, entre elas colher e caçar. E por causa dessas classificações, surgiam perguntas intermináveis, como se um homem matasse um mosquito no sábado, isso seria considerado caçar? Se arrancasse um punhado de cereais para comer ao passar por uma plantação, estaria colhendo? Se curasse um doente, estaria trabalhando? Havia regras rígidas e detalhadas para tratar dessas questões.
12. Será que se o filho de um trabalhador tiver que nascer de urgência em Hong Kong, porque a mãe foi tratar do seu passaporte no Consulado do seu País em Hong Kong aplica-se a mesma regra, será que se o filho de uma trabalhadora nascer enquanto a mãe estiver no seu período de férias em viagem na República Popular da China, aplica-se a mesma regra.
13. Será que o poder descricionário da administração e da moralidade da administração foi feita neste caso mediante um exame de mérito das circunstâncias. Como poderá ser feito esse controlo? Será que temos que ficar silenciados e cativos com o dogma da incensurabilidade do acto administrativo perante cenários tristes como este. Se sim, que homens miseráveis que somos que não temos outro remédio senão aceitar a Lei que temos e respeitá-la.
14. Não se aceita que a decisão que indeferiu o pedido da ora Recorrente tem por fundamento, o facto da sua filha não ter nascido em Macau, quando a Recorrente e o seu marido sempre trabalharam em Macau. Crê-se que não foi esse o sentido que o "legislador" pretendeu que se atribuísse, sem mais a todos os que nasçam em Macau,
15. Devemos interpretar os tais ditos padrões decisórios, sejam eles quais forem, no cotejo com outros e considerá-los como um argumento adjuvante para a decisão a conceder a autorização de permanência.
16. Os vários cenários com que nos deparamos no dia-a-dia nem sempre se encaixam no pensamento do legislador.
17. A perspectiva da lei, atento o circunstancialismo de facto deverá ser diferente da que sustentou o acto em crise, sob pena de estarmos a permitir que se actue tal qual como uma secção de desenformar bolos, salvo o devido respeito.
18. Como facilmente se descortina da matéria de facto assente, estamos perante um casal de trabalhadores não residentes cujo primeiro filho felizmente nasceu em Macau e a segunda filha, por força das circunstâncias, nasceu nas Filipinas, o que a parece diferenciar do irmão em termos de direitos.
19. O despacho não é claro, nem suficiente fundamentado para se perceber com a razoabilidade necessária o raciocínio condutor da resposta. Invoca apenas um padrão decisório que não é claro de todo.
20. Assim, embora se reconheça que o acto de que ora se recorre é um acto discricionário da Administração, esta encontra-se vinculada a diversos princípios legais - como legalidade, fundamentação e transparência das decisões, segundo o qual "devem poderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas" (Artigo 8º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo).
21. Deste modo, os valores fundamentais do direito presentes no caso concreto e, ainda, o dever, que impende sobre a Administração Pública, de actuar segundo a lei, bem como de fazer uma boa aplicação da lei, interpretando adequadamente todos os pressupostos de facto, não se consegue perspectivar a solução do douto despacho por não se mostrar justa e adequada.
22. Pelo que entende o Recorrente que o acto administrativo violou os artigos 8º, n.ºs 1 e 2 do CPA, e os artigos 3º e 5º do CPA, o princípio legalidade, proporcionalidade e dever de fundamentação das decisões, ao apontar como justificação da sua decisão a sua elevada margem de discricinariedade e o padrão decisório em vigor no território, relativamente à matéria em apreço, e que privilegia os filhos (dos trabalhadores) que hajam nascido em Macau, sem fazer qualquer juízo de raciocínio.
23. E nesse sentido se remete para a argumentação exposta nas suas alegações, entendendo o Recorrente, salvo o devido respeito que é devido, que não foi obervado o dever geral de fundamentação das decisões, bem como o princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação, e consequentemente, o princípio da legalidade bem como bem como os artigos 8º, n.ºs 1 e 2 do CPA, e os artigos 3º e 5º do CPA, por não se ter demonstrado que houve uma ponderação da decisão.
Termos em que devem considerar-se procedentes todas as Conclusões formuladas pelo ora Recorrente e em consequência anular-se o acto administrativo de que ora se recorre, fazendo-se JUSTIÇA!
Mais de requer, ao abrigo das disposições dos artigos 52º e 55º ambos do CPAC a citação da entidade recorrida e a remessa ao douto Tribunal de recurso do original do processo administrativo e todos os demais documentos relativos à matéria do Recurso para ficarem apensos aos autos como processo instrutor.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestando pugnando pela improcedência do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas, foram a recorrente e a entidade recorrida notificadas para apresentar alegações facultativas.

Veio apenas a recorrente apresentá-las reiterando grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso, imputando ao acto recorrido o vício da violação da lei, dos princípios da legalidade e proporcionalidade e do dever de fundamentação das decisões no exercício dos poderes discricionários.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* Em 05SET2013, a recorrente formulou, ao abrigo do disposto no artº 8º da Lei nº 4/2003, o requerimento pedindo que fosse concedida a autorização de permanência aos seus filhos menores;

* No momento da formulação do requerimento, a recorrente era titular do Titulo de Identificação de Trabalhador Não-residente, com validade até 10MAR2015 e encontrava-se a trabalhar, em Macau a trabalhar como empregada de mesa num restaurante à italiana;

* Os filhos menores da recorrente são ambos titulares do passaporte filipino, tendo o filho nascido em Macau em 04NOV2005 e a filha nas Filipinas em 23MAR2007;

* Por despacho seu proferido em 24JAN2014, o Senhor Comandante da PSP decidiu não conceder a autorização de permanência à filha da recorrente e concedê-la ao seu filho;

* O indeferimento baseia-se nas razões de facto e de direito invocadas na informação nº MIG.944/2013/TNR, elaborada pelo Serviço de Migração da PSP, no parecer e no despacho do Senhor Comandante da PSP exarados sobre a mesma informação, ora se encontra a fls. 41 e 42 dos autos de procedimento administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

* Inconformada com o despacho na parte que decidiu não conceder a autorização à sua filha, a recorrente interpôs recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança;

* Em sede de recurso hierárquico necessário, o Senhor Secretário para a Segurança manteve a decisão graciosamente impugnada; e

* De novo inconformada, recorreu dessa decisão para este TSI.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição do recurso, constituem objecto do presente recurso as seguintes questões:

1. Da inobservação do dever de fundamentação;

2. Da violação do princípio da boa-fé; e

3. Da violação dos princípios da proporcionalidade e adequação e da igualdade.

Então vejamos.


1. Da inobservação do dever de fundamentação

Antes de mais, é de lembrar que a recorrente limitou o âmbito do presente recurso contencioso a uma parte da decisão tomada no procedimento de 1º grau pelo Senhor Comandante da PSP, que decidiu não conceder autorização de permanência à filha menor da recorrente, parte da decisão essa que foi confirmada e mantida no de 2º grau pelo Senhor Secretário para a Segurança, ora entidade recorrida, não sendo portanto objecto do recurso a parte daquela decisão que concedeu autorização ao filho menor da recorrente.

Imputou a recorrente à entidade recorrida a não observância do dever de fundamentação da decisão recorrida.

Para sustentar a sua tese, alega a recorrente que:

“Entretanto, um douto despacho que deferiu o pedido de autorização de permanência do agregado familiar para o filho que nasceu na RAEM, em virtude dos pais trabalharem em Macau e terem condições económicas para o sustentar. Mas infelizmente, o mesmo despacho considerou que a recorrente pelo menos para o caso da filha, note-se não é considerada como por trabalhadora não residente especializada, e uma vez que a sua filha nasceu nas Filipinas, indeferindo-se o pedido da autorização de permanência da filha.

……

A recorrente não se conforma que a decisão que indeferiu o pedido da ora recorrente tem por fundamento, o facto da sua filha não ter nascido em Macau, quando a recorrente e o seu marido sempre trabalharam em Macau. Crê-se que não foi esse o sentido que o “legislador” pretendeu que se atribuísse, sem mais a todos os que nasçam em Macau.

O despacho invoca apenas um padrão decisório que não é claro de todo, nem suficiente fundamentado para se perceber com a razoabilidade necessária o raciocínio condutor da resposta.” – vide os pontos 6º, 12º e 13º das conclusões das alegações facultativas apresentadas pela recorrente.

Como se sabe, o acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controlo da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Sob outro prisma, considera-se cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos autorizados pelo artº 115º/1 do CPA, quando o acto encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.

Na esteira desse entendimento, não nos parece que a recorrente não ficou a conhecer as razões de facto e de direito em que se apoiou a decisão recorrida, pois até disse que a diferenciação feita na decisão recorrida no tratamento do seu filho e no da sua filha consoante o lugar de nascimento não é o sentido querido pelo nosso legislador.

Bem ou mal as conclusões nela vertida, a entidade recorrida fundamentou efectivamente a decisão recorrida de modo a que o seu destinatário pudesse compreender o seu sentido.

E para nós, o que no fundo pretendia dizer a recorrente é apenas questionar a legalidade e a razoabilidade da decisão recorrida, e não a falta do cumprimento do dever da fundamentação.

O que, como se sabe, constituindo questões de mérito, não deve ser invocada sob a veste de um vício formal da falta de fundamentação.

Improcede assim essa parte do recurso.

2. Da violação do princípio da boa-fé

A recorrente invocou a violação do princípio a boa-fé, não tendo todavia concretizado em que termos foi violado esse princípio.

Na verdade, a Administração deferiu o pedido da concessão da autorização de permanência ao filho da recorrente que nasceu em Macau e concedeu a autorização de permanência à filha do recorrente que nasceu nas Filipinas.

É também verdade que, conforme se vê no despacho do Senhor Comandante da PSP, cujos fundamentos foram absorvidos pela entidade recorrida, a razão que levou a Administração a deferir o pedido de permanência referente ao filho foi porque este nasceu em Macau.

Só que, ao contrário do que pensa e alega a recorrente, a razão preponderante, senão a única, que levou a Administração a conceder autorização de permanência à sua filha foi porque não sendo considerada trabalhadora especializada, a recorrente não reuniu os pressupostos exigidos pelo artº 8º/5 da Lei nº 4/2003 para fazer beneficiar o seu filho do direito de permanecer com ela em Macau enquanto durar o seu contrato de trabalho em Macau.

Ou seja, o fundamento de facto para a não concessão da autorização de permanência à filha da recorrente não é a circunstância de esta ter nascido nas Filipinas.

Então pergunta-se se está a Administração a violar o princípio da boa-fé?

Ora, a propósito do que se deve entender por princípio da boa-fé, este TSI já chegou a pronunciar-se no seu Acórdão tirado em 05JUN2014 no processo nº 625/2013 nos termos seguintes:

“O princípio da boa fé plasmado no art. 8º do CPA significa que devem ser considerados os valores fundamentais do direito relevantes em cada caso concreto, em face da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (nº2, al. a)), ou em face do objectivo a alcançar com a actuação empreendida (al. b)).

A invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada.

Até mesmo nos casos em que Administração levar o particular a confiar na prática (ou não prática) ou no conteúdo de um acto, que depois não praticou (ou praticou), não se está perante uma invalidade fundada no invocado princípio da boa fé, a não ser nos casos em que lei, ou a natureza do acto, impuserem a vinculatividade jurídico-administrativa da expectativa criada.”

Ora, se a recorrente está a pensar que residindo a única diferença existente entre a situação do seu filho, autorizado a residir em Macau, e a da sua filha, a quem não foi concedida a autorização de residência, simplesmente na circunstância de esta não ter nascido em Macau ou aquele ter nascido em Macau, e que a decisão favorável em relação ao seu filho já criou a confiança ou expectativa de obter igualmente uma decisão favorável em relação à sua filha, a tese da violação do princípio da boa-fé foi mal invocada.

Ora, não estamos a analisar apreciar a bondade ou não da decisão favorável em relação ao filho da recorrente, pois isto não é objecto do presente recurso.

Também não precisamos de apurar primeiro se é são o acto na parte favorável ao filho da recorrente.

O que precisamos de fazer é apenas averiguar ser a decisão negatória em relação à filha da recorrente está ou não conforme com a lei.

Ora, a lei reguladora desta matéria é a Lei nº 4/2003, que estabelece no seu artº 8º/5 que “a autorização de permanência do agregado familiar de trabalhador não-residente especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização da contratação de mão-de-obra não-residente.”.

A recorrente foi contratada para trabalhar em Macau como empregada de mesa num restaurante à italiana.

Na falta de outros elementos fácticos, podemos dizer seguramente que ela não pode ser considerada “trabalhador não-residente especializado”.

Tal como vimos na decisão recorrida, foi porque a recorrente não era considerada “trabalhador não-residente especializado” que não podia fazer beneficiar o seu filho do direito de permanecer em Macau com ela, enquanto durar a sua contratação em Macau.

Portanto, não percebemos em que termos a actuação por parte da Administração podia suscitar à recorrente a confiança no deferimento da autorização de permanência ao seu filho, dado que o particular só pode exigir à Administração a pautar a sua actuação de acordo com a lei e eventualmente com a prática anterior, mas nunca pode exigir à Administração a actuar só com base nas suas decisões ou formas de actuação anteriores, independentemente da bondade dessas decisões e formas de actuação anteriores.

Por outro lado, nem se diga que foi a autorização concedida à sua filha que lhe criou tal confiança ou expectativa, uma vez que a recorrente tomou conhecimento simultâneo destas decisões, uma favorável e outra desfavorável, através de um mesmo acto de notificação, o que afasta logo a possibilidade de existir uma confiança que a recorrente depositou na Administração “ao longo do tempo”.

E além disso, como vimos supra, repetimos, foi porque a recorrente não era considerada como trabalhador não residente especializado que lhe foi indeferido o pedido para estender o direito de permanência em Macau, o que nada tem a ver com o princípio da boa-fé.

Portanto, improcede também esta parte do recurso.

3. Da violação dos princípios da proporcionalidade e adequação e da igualdade

Finalmente, imputou a recorrente ao acto recorrido a violação dos princípios da proporcionalidade e adequação e da igualdade.

Ora, face a um pedido de autorização de permanência, a Administração está confrontada com apenas duas alternativas, deferir ou indeferir, uma vez que a ela só cabe decidir se o deferimento ou o indeferimento é adequado à prossecução dos interesses públicos que o artº 8º/5 da Lei nº 4/2003 visa prosseguir, não lhe restando outras alternativas.

Portanto, não se pode colocar a questão da dosimetria da medida a adoptar, logo a alegada violação da proporcionalidade e adequação se torna uma falsa questão.

Quanto à violação da igualdade, não tem razão a recorrente.

Tal como vimos supra, estamos in casu a apreciar a bondade ou não do despacho do Senhor Comandante da PSP, cujos fundamentos foram integralmente absorvidos pelo despacho recorrido, na parte que diz respeito à não concessão da autorização de permanência ao filho da recorrente, e não também a parte que diz respeito à decisão favorável ao filho da mesma.

Portanto, não temos obrigação de nos debruçar sobre a bondade ou não dessa última decisão, referente ao seu filho.

Assim, se essa última decisão, referente ao seu filho, nunca puder ser invocada como padrão único para nós ajuizarmos a bondade da decisão recorrida em relação à filha da recorrente, o simples facto de à filha da recorrente ter sido negada a requerida autorização de permanência em nada colide com o princípio da igualdade.

Na verdade, se a ideia da recorrente é no sentido de que a única diferença, entre o seu filho e a sua filha, consubstanciada na circunstância de que aquele nasceu em Macau e essa não nasceu em Macau, não justifica a diferenciação na decisão de ambos os pedidos, e consequentemente, ao autorizar um e não outro, está a violar o princípio de igualdade, podemos dizer que a recorrente está laborar em erro, porque ignorou de todo em todo o único fundamento da negação ao pedido de autorização de permanência ao seu filho, que é o facto de a recorrente não ser considerada como “trabalhador não residente especializado” para efeitos do disposto no citado artº 8º/5 da Lei nº 4/2003.

Improcede também esta parte do recurso.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 28ABR2016

Lai Kin Hong

João A.G. Gil de Oliveira

Ho Wai Neng

Fui Presente
x
Mai Man Ieng

469/2014-17