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Processo nº 580/2014
Data do Acórdão: 28ABR2016


Assuntos:

Autorização de residência temporária por aquisição de imóveis
Legitimidade activa
Exercício de poderes discricionários
Antecedentes criminais da recorrente


SUMÁRIO

1. No âmbito da matéria da autorização de residência temporária por aquisição de imóveis, regulada pelo Regulamento Administrativo nº 3/2005, o requerente principal da autorização não tem a legitimidade activa para interpor recurso contencioso de anulação do acto administrativo que revogou a autorização de residência, já concedida ao seu cônjuge ao abrigo do disposto no artº 5º do mesmo regulamento.

2. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa-fé, etc..

3. Se a Administração considerar os comprovados antecedentes criminais da recorrente suficientes para revogar a autorização de residência temporária, não há razão para justificar a necessidade de obrigar a Administração a apreciar os aspectos referidos em todas as restantes alíneas do artº 9º/2 da Lei nº 4/2003.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 580/2014

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A e B, devidamente identificados nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que revogou a autorização de residência temporária já concedida a B, concluindo e pedindo:

1. 在本月上旬,兩名上訴人收到貿易投資促進局的公函(詳見文件一),當中作為公函附件的建議書指出,鑑於第二上訴人被證實曾於1994年7月21日因觸犯偽造文件罪被治安警察局移交司法機關處理,並發出拘留命令狀對其作出拘留,於1994年7月21日至1994年11月4日期間送往路環監獄收押;
2. 該建議書續稱,鑑於第二上訴人被證實存有不遵守澳門特別行政區法律之事 實,經書面聽證後,未有提交任何有利於維持其臨時居留許可的證明文件,故建議廢止經濟財政司司長於2013年9月16日批示中關於批准申請人配偶B(第二上訴人)有效期至2016年8月25日,且可續期的臨時居留許可的部份內容,而其餘部份予以保留;同時建議不批准第一上訴人於2013年6月13日提出惠及配偶B的臨時居留許可續期申請。
3. 除必要的尊重外,兩名上訴人認為被上訴之行為違反法律,屬可撤銷。
4. 首先,根據上述建議書確認之事實,第二上訴人因觸犯“偽造文件罪”而被法 院判處18個月之徒刑但緩刑兩年執行。
5. 第二上訴人觸犯“偽造文件罪”的原因,是因為當年因生活需要偷渡到澳門而 在別人幫助的情況下取得一張內地發出的旅遊證件,而該文件最終被揭發是偽造的,第二上訴人最終被判刑。
6. 需指出的是,當年第二上訴人所觸犯的罪行是為進入澳門而“偽造旅遊證件”,而今天第二上訴人已取得在澳門居留的合法證件,將來已沒有再次違反澳門法律的需要和動機。
7. 根據《行政程序法典》第5條第2款所確立的“適度原則”, “行政當局之決定與私人之權利或受法律保護之利益有衝突時,僅得在對所擬達致之目的屬適當及適度下,損害該等權利或利益”;
8. 明顯地,第4/2003號法律第9條第2款第1項確立上述要件作為行政當局需考慮的因素之一,目的是要求行政當局在作出決定前,考慮申請人將來會否在澳門地區觸犯法律及損害公共秩序,法律所追求者是“預防犯罪及保護澳門的公共秩序”。
9. 第二上訴人已沒有再次觸犯罪行的需要和動機,即使行政當局批准第二上訴人在澳門居留,亦不違反行政當局所追求的目的,損害第二上訴人在澳門居留的權利並非達致“預防犯罪及保護澳門的公共秩序”的此一目標的適當及適度手段。
10. 鑑於被上訴之行為並沒有遵守《行政程序法典》第5條第2款所確立的“適度原則”,繼而,根據《行政程序法典》第124條之規定,被上訴之行為已因違反法律而屬可撤銷。
11. 另外,被上訴之行為以第二上訴人被證實存有不遵守澳門特別行政區法律之事實為由而廢止第二上訴人之臨時居留許可。
12. 根據第4/2003號法律第9條第2款規定,“為批給上款所指的許可,尤其應考慮下列因素(…)”(粗體及底線為本文另行加上);
13. 誠然,行政當局及澳門法院均一致認為,臨時居留許可的批給與否屬法律賦予行政當局的自由裁量權;然而,自由裁量權的行使亦非完全自由及/或無限制的,行政當局仍受可適用的法律規定所約束。
14. 而根據該法律條文規定,行政當局在考慮是否批給臨時居留許可時,有義務考慮多方面的因素,尤其是載於第4/2003號法律第9條第2款各項規定之因素,而此一義務具羈束性質,行政當局不能在沒有考慮其他因素前便作出批給與否的決定。
15. 在決定廢止臨時居留許可時,被上訴之行為明顯只考慮了第二上訴人“有犯罪前科”此一因素,而沒有考慮向一法律第9條2款第2項至第6項規定的其他因素。
16. 鑑於被上訴之行為因沒有履行法律規定具約束性質的義務(考應多方面因素),繼而,被上訴之行為已因違反法律規定而屬可撤銷。
17. 最後,根據《行政訴訟法典》第86條第1款之規定,“如知悉某些事實有助於對程序作出公正及迅速之決定,則有權限之機關應設法調查所有此等事實;為調查該等事實,得使用法律容許之一切證據方法” (粗體及底線為本文另行加上)。
18. 有關上述條文,Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro 及 José Cândido de Pinho在著作“Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado” 第462頁有以下見解,“O órgão competente tem o dever de averiguar. Isto representa para si uma carga, um ónus, a que não pode eximir-se. È uma tarefa que se lhe impõe em ordem ao conhecimento real e profundo da matéria. Nesta mediada, pode dizer-se que o órgão está vinculado à acção investigatória.” (粗體及底線為本文另行加上)。
19. 即,根據調查原則,為作出行政行為,行政當局負有調查義務。
20. 在本具體個案中,經經濟財政司司長批准及許可的題述建議書指,“經書面聽證後,未有提交任何有利於維持其臨時居留許可的證明文件,故依據《行政程序法典》第124條、125條、127條和131條之規定,建議廢止經濟財政司司長於2013年9月16日批示中關於批准申請人配偶B有效期至2016年8月25日,且可續期的臨時居留許可的部份內容,而其餘部份予以保留”,
21. 換而言之,在書面聽證後,行政當局便以兩名上訴人未有提交任何有利於維持第二上訴人臨時居留許可的證明文件為由,在未有事先設法為此事作進一步調查的情況下,便決定廢止第二上訴人的臨時居留許可。
22. 此一不作為已違反了《行政程序法典》第86條第1款規定的“調查原則”,繼 而,被上訴之行為已因違反法律規定而屬可撤銷。
綜上所述,請求尊敬的中級法院法官 閣下接納本司法上訴之依據裁定:
(i) 以被上訴之行為違反適度原則為由,撤銷被上訴之行為;
(ii) 以被上訴之行為違反法律規定為由,撤銷被上訴之行為;及
(iii) 以被上訴之行為違反調查原則為由,撤銷被上訴之行為。


Citado, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.

Não havendo lugar à produção de provas, foram os recorrentes e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.

Vieram apenas os recorrentes apresentá-las reiterando grosso modo os mesmos fundamentos já deduzidos na petição do recurso, e tentendo extrair algumas ilações da não contestação da entidade recorrida face aos factos alegados na petição de recurso.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer, suscitou a ilegitimidade do recorrente A pedindo a rejeição da sua intervenção no recurso e opinou pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* O recorrente A, formulou, em 06FEV2003, junto do IPIM, o pedido para a concessão de residência temporária, com fundamento no investimento em imóveis em Macau;

* Por despacho do Senhor Chefe do Executivo de 23AGO2005, foi concedida a residência temporária ao recorrente A;

* O recorrente A, formulou, em 07FEV2006 e 28MAR2007, na qualidade do requerente principal da aquisição do direito de residência temporária com fundamento no investimento imobiliário, o pedido para estender o seu direito à residência temporária na RAEM aos seus familiares, nomeadamente o seu cônjuge B, ora recorrente;

* Em 12JUN2008, foi concedida a autorização de residência temporária à ora recorrente B;

* Autorização essa que foi posteriormente renovada e com a validade até 25AGO2016;

* A recorrente B foi condenada em 21JUN1994 em Macau, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por dois anos, tendo sido presa por decisão judicial no Estabelecimento Prisional de Coloane no período compreendido entre 21JUN1994 e 04NOV1994 (sic);

* Com base na informação fornecida em 28JAN2014 pela PSP, o IPIM ficou a saber a condenação criminal da recorrente B;

* E na sequência disso, o IPIM desencadeou o procedimento com vista à reapreciação da autorização de residência temporária já concedida à recorrente B, que culminou com a prolação em 21JUL2014 do despacho, ora recorrido, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que a revogou;

* Inconformados com o despacho, A e B recorreram dele para este TSI.


Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

O Ministério Público suscitou em sede do parecer final a excepção da ilegitimidade do recorrente A, uma vez que entende que, não obstante ser cônjuge da recorrente, se não descortina que interesse directo e pessoal no provimento do recurso contencioso, face ao disposto no artº 33º/1 do CPAC.

A propósito da mesmíssima questão, este Tribunal já chegou a pronunciar-se expressamente, no Acórdão datado de 29NOV2012, no proc. nº 848/2012/A, no sentido de não reconhecer a legitimidade activa ao cônjuge para requerer a suspensão de eficácia do acto administrativo que cancelou a autorização já concedida ao seu marido.

Diz ai que:

  IV - FUNDAMENTOS
  1. O caso
  C, bem como o seu agregado familiar, composto por si, pelo marido e três filhos, residindo na RAEM há sete anos consecutivos, começando a trabalhar e a residir em Macau desde 2005, com base em autorização de residência que lhe foi concedida com fundamento em significativos investimentos feitos na RAEM.
  Até que em 25 de Maio de 201, por o marido da recorrente, D, ter sido condenado por um crime de falsas declarações e uso de documento falso de especial valor, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 2 anos, por despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 21 de Junho de 2012, baseado no Registo criminal foi cancelada a autorização de residência do mesmo em Macau.
  
  2. Da legitimidade da requerente
  2.1. Colocou-se a questão, oficiosamente, da legitimidade da requerente, por se poder entender que a pessoa directamente afectada no seu direito e interesse em permanecer em Macau era o marido da requerente.
  
  2.2. Temos presentes as diferentes abordagens possíveis, nomeadamente o que decidido foi pelo V.º TUI, no acórdão n.ºs 8/2004, de 28/4/2004.
  Atente-se de que nesse acórdão tratava-se de matéria diferente.
  No processo n. 8/2004 estava em causa a não renovação de permanência de uma empregada doméstica por cometimento de um crime, sendo que ela fora autorizada, a residir na sequência de autorização de contratação concedida ao recorrente, o empregador, a quem foi reconhecida legitimidade para recorrer.
  
  2.3. Recolhemos até do citado acórdão, o enquadramento doutrinário que se segue sobre a legitimidade activa no recurso contencioso de anulação.
  
  «A legitimidade processual é um conceito de relação com determinado processo ou litígio.
  A legitimidade é uma posição do autor ou do réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objecto do processo.
  CASTRO MENDES1 ensinava que a legitimidade processual pode ser encarada segundo duas técnicas diferentes:
  a) Uma que considera o objecto do processo um litígio, um conflito de interesses;
  b) Outra, que considera o objecto do processo uma relação jurídica, a relação jurídica subjacente, material ou controvertida (que não se confunde com a relação jurídica processual).
  
  Na alínea a) do art. 33.° do Código de Processo Administrativo Contencioso confere-se legitimidade para interpor recurso contencioso às "pessoas singulares ou colectivas que se considerem titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivessem sido lesados pelo acto recorrido ou que aleguem interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso".
  Na letra da lei, o conceito de legitimidade sofreu um alargamento relativamente à lei anterior vigente em Macau, que referia como tendo legitimidade activa para interpor os recursos contenciosos " ... os que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto administrativo ... ".2
  O art. 26.°, n.º 1 do Código de Processo Civil de 1961 dispunha que "O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar ... ", acrescentando o n.º 2 que "O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção ... ". E concluía o n.º 3 do mesmo art. 26.° que "Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida".
  O art. 58.° do actual Código de Processo Civil, mais sinteticamente, limita-se a precisar o conceito de legitimidade, dizendo que "Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor".
  A propósito do requisito do interesse directo do conceito de legitimidade, ensinava ALBERTO DOS REIS:3 "Não basta, pois, um interesse indirecto ou reflexo; não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular. Noutros termos: não basta que as partes sejam sujeitos duma relação jurídica conexa com a relação litigiosa; é necessário que sejam os sujeitos da própria relação litigiosa".
  Mesmo na vigência da lei processual administrativa anterior, e particularmente nos últimos anos, não se vinha pondo em causa que o conceito legal de legitimidade processual activa no recurso contencioso não era menos estreito que o constante da lei processual civil.
  Assim, explicam F. B.FERREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA4 "… que este conceito administrativista5 em nada difere daquele que o legislador estabeleceu no art. 26.º do CPC, quando especifica que o interesse directo em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, no nosso caso do recurso contencioso, uma vez que isto só pode suceder quando a procedência do recurso faz desaparecer um qualquer óbice à satisfação dos interesses do recorrente que sejam dignos de tutela jurídica.
  Tendo vingado hoje a dialéctica processual na relação jurídica que é posta perante o juiz administrativo, fruto duma cada vez mais acentuada feição subjectivista do contencioso administrativo, está a ganhar adeptos no seio dos tribunais administrativos, nomeadamente no STA, a adopção, nos domínios do recurso contencioso, do conceito de legitimidade em processo civil...
  Assim, do lado activo é parte legítima quem tiver interesse na interposição do recurso, um interesse aceitável, entenda-se mas que dê uma plena satisfação e protecção ao administrado".
  Mas, como dizia CASTRO MENDES6 entre as duas soluções legais de legitimidade, do contencioso administrativo e do art. 26.° do Código de Processo Civil (de 1961) "não há diferença material ou real".
  Deste modo, há-de entender-se que a legitimidade processual activa no recurso contencioso pode, também, ser aferida pela titularidade da relação jurídica controvertida, tal como configurada pelo recorrente.
  Aliás, o alargamento do conceito de legitimidade activa no art. 33.°, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso à titularidade "... de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos ... " já aponta para a titularidade da relação jurídica controvertida.»
  
  2.4. Podemos, assim, concluir que, genericamente, a legitimidade traduz-se num conceito de relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico, havendo que a aferir pela titularidade dos interesses em jogo, dizendo-nos a lei que o interesse em demandar ou contradizer tem de ser directo, isto é, exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção - artigos 26º, n.º1 e n.º2 do C. Proc. Civil.
  Essa titularidade de interesses confere aos sujeitos da relação jurídica aptidão para justificadamente se ocuparem em juízo da defesa do seu interesse e é assim que o artigo 147º do C.P.A. estabelece que“(1) têm legitimidade para reclamar ou recorrer os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pelo acto administrativo, (2) É aplicável à reclamação e aos recursos administrativos o disposto no n.º 2 do artigo 55”.
  O artigo 55º, n.º 1, por seu turno, prevê :
  “1. Têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos lesados pela actuação administrativa, bem como as associações que tenham por fim a defesa desses interesses.
  (…)”
  Como já se tem afirmado em acórdãos deste Tribunal7, o recorrente é o titular de um interesse directo, pessoal e legítimo : interessado é aquele que pode e espera obter um benefício com a destruição dos efeitos do acto recorrido; esse interesse é directo quando se repercute imediatamente; pessoal, quando tal repercussão ocorre na esfera jurídica do próprio recorrente; legítimo, quando é valorado positivamente pela ordem jurídica enquanto interesse do recorrente.8 Esta concepção é a decorrente da visão tradicional em direito administrativo.
  O artigo 26º, nº1 do CPC pré-vigente exigia apenas um requisito: que o interesse fosse directo, entendendo-se, no entanto, não haver diferença entre os dois regimes, solução a que se chegava a partir da adequada elaboração doutrinária.9 10
   Contrariamente ao que ocorre no processo civil, em que a legitimidade não se confunde com o chamado interesse em agir, entendido este como o interesse no próprio processo e não apenas no seu objecto, - grande parte da construção que se fez sobre esta matéria assentou em postulados extraídos da legitimidade para o contencioso administrativo11 - já no recurso contencioso releva para apreciação da legitimidade do recorrente o interesse deste no processo, uma vez que a situação de interessado do recorrente, se reconduz à circunstância de este poder e esperar obter um benefício com a destruição dos efeitos do acto recorrido.12
  
  Tais princípios decorrem igualmente do que se dispunha para a legitimidade processual no artigo 46º do R.S.T.A. e 821º do C. Administrativo, tendo vindo a ser acolhidos no actual artigo 33º do C.P.A.C. (Código do Processo Administrativo Contencioso).
  
  3. Projectando este enquadramento no caso concreto.
  3.1. É verdade que foi a ora requerente que pediu a concessão da residência para si e para o seu agregado familiar;
  É certo que foi até ela que foi notificada do cancelamento da residência do seu marido por este ter sido condenado pela prática de uma crime;
  Aceita-se até que a requerente, enquanto esposa e mãe é afectada com esta medida e que a estabilidade e economia familiar que ela pode visar sairá um tanto abalada com tal cancelamento e consequência daí adveniente como seja a saída da RAEM.
  Será isto suficiente para integrar um interesse directo justificativo da legitimidade activa para o recurso e respectivos procedimentos?
  
  3.2. Estamos em crer que não.
  Desde logo, o que ressalta é que a haver um interesse directo, esse será o do marido, afectado com a medida e destinatário da mesma e só indirecta e mediatamente resulta a afectação do núcleo de interesses que a requerente visa salvaguardar. Por outras palavras: só porque o marido terá de abandonar Macau, sendo ele o primeiro a sofrer, só por causa disso, virá a requerente e a sua família a sofrer também. É aqui que residirá a natureza mediata e indirecta daquele núcleo de interesses, familiares, económicos, sentimentais, sob pena de todos os interesses indirectos serem directos em relação ao titular que os invoca e não mais fazer sentido a distinção.
  A aferição da titularidade dos interesse há-de fazer-se pela titularidade da situação jurídica ou relação jurídica, como se pretenda, havendo que a identificar. E sobre isto diremos que o estatuto de residente ou a qualidade de residente, ainda que provisório, resulta de uma situação que sob o ponto de vista jurídico-político-administrativo, conexiona o indivíduo, concretamente considerado, com o ordenamento dotado de personalidade jurídica, no caso, a RAEM, daí advindo direitos e obrigações para ambas as partes. Essa relação é bilateral e está individualizada, fazendo-se com a pessoa, sujeito de direitos, e não com a sua família. Ora, sendo o afectado maior, capaz e não se fazendo representar, não se vê por que razão não deva ele a tomar a rédea da defesa dos seus interesses.
  Aliás, quem nos diz ou nos pode assegurar que, por esta via, não se pode originar uma situação em que a requerente, esposa extremosa, na defesa dos interesses que pensa legitimamente prosseguir, não esteja a ir contra a vontade do marido? Donde daqui resulta como bastante evidente a possibilidade de um antagonismo entre diferentes interesses em presença, sendo que um será o directo, o que atinge a esfera jurídica do destinatário do acto e o outro, o indirecto.
  Imaginemos ainda a possibilidade de se configurar até um conjunto de outros interesses que mediatamente pudessem ser afectados, como uma mãe ou avó dependentes da pessoa a quem foi cancelada a residência, teriam elas legitimidade para vir recorrer ou requerer a suspensão do acto?
  Em que situação ficaríamos se, porventura, D, estivesse separado ou, independentemente disso, anuísse ao acto praticado, acto esse que se repercute directamente sobre a sua esfera jurídica?
  Não nos podemos esquecer que, se basta a vontade juridicamente relevante de um membro do casal para despoletar o procedimento aquisitivo da residência e por força dessa iniciativa tanto basta para que cada um dos elementos do agregado familiar adquira o direito a residir ou a permanecer em Macau, já o mesmo não acontece quanto à disposição do direito, o que decorre do respectivo regime procedimental de aquisição de residência decorrente do artigo 4º do DL 14/95/M, ao abrigo do qual foi formulado o pedido na situação subjudice e aplicável ao caso ex vi artigo 22º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005:
  1. O pedido a que se refere o artigo anterior pode ser estendido a pessoas do agregado familiar do interessado devendo ser mencionadas com indicação do nome, data e local de nascimento, filiação, estado civil, profissão, residência, nacionalidade e relação de parentesco ou afinidade com o requerente.
  2. Para os efeitos do disposto no número anterior integram o agregado familiar, o cônjuge e ainda os seguintes familiares:
  a) Os ascendentes em primeiro grau e os do cônjuge;
  b) Os descendentes menores e os do cônjuge.
  Esta individualidade não deixa de estar plasmada no regime legal aplicável , como decorre dos artigos seguintes.
  Sendo certo que o artigo 11.º daquele DL 14/95/M estabelece que “Aos indivíduos que solicitem fixação de residência ao abrigo deste diploma é subsidiariamente aplicável o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência em Macau.”
  Regime este previsto no Decreto-Lei n.º 3/84/M de 28 de Janeiro, aí se dispondo:
  Art. 4.º 1. Obtido o reconhecimento a que se reporta o artigo anterior, poderão os titulares de situação jurídica atendível requerer ao Governador, junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública, a autorização para residir em Macau.
  2. No caso de se pretender extensão da autorização de residência aos familiares referidos no n.º 2 do artigo 1.º, os pedidos poderão ser formulados num único requerimento, mas este deverá ser assinado por todos os interessados ou seus representantes legais.
  
  3. Aqueles que não sendo casados ou, sendo-o, se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens e vivam, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges, são havidos como cônjuges para efeitos do presente diploma.
  
  Art. 8.º Deferido o pedido, será passada a cada um dos requerentes maior de catorze anos uma autorização de residência.
  Art. 9.º - 1. Salvo o disposto no número seguinte, as autorizações de residência são válidas por um ano, a partir da data da emissão e renováveis por iguais períodos.
  Art. 11.º - 1. As autorizações de residência serão oficiosamente canceladas quando os seus titulares deixarem de satisfazer os requisitos exigíveis para a sua concessão.
  Face a tal regime, resulta muito clara uma situação personalizada de cada residente face ao respectivo estatuto que foi adquirido ou está em perspectivas de o vir a ser, não resultando dali nenhum mecanismo que opere uma representação legal de cada um dos interessados individualmente considerados.
  4. Nem se diga que à decisão que vai no sentido da ilegitimidade obsta o facto de a Administração ter notificado a requerente.
  Bem. Sobre isto apenas duas observações.
  Em primeiro lugar, o erro ou incorrecção da notificação não pode fazer subverter as regras da legitimidade que resultam da relação jurídica controvertida substantiva e que em dado momento foi processualmente adjectivada. O erro da notificação não pode conferir legitimidade a quem dela carece, pois que este pressuposto processual não está dependente sequer de uma errada interpretação sobre quem seja o titular daquela relação.
  A falta de notificação à pessoa devida e directamente interessada traduz-se tão-somente em ineficácia da decisão em relação àquela.
  
  5. Assim sendo, não se deixará de concluir no sentido da falta de legitimidade activa para interposição do presente procedimento cautelar de suspensão do aludido acto.
  
Na esteira desse entendimento doutrinário, que não vemos razão para não acompanhar, o recorrente A não pode ser considerado titular de um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento de recurso, portanto não é de lhe reconhecer a legitimidade activa para a interposição do presente recurso.

Continuemos.

Em face das conclusões na petição do recurso, agora interposto só pela recorrente, é apenas o alegado vício de violação da lei na modalidade de violação dos princípios da proporcionalidade e do inquisitório.

Então vejamos.

1. Violação do princípio da proporcionalidade

Com se vê na fundamentação do despacho recorrido, foi com base nos comprovados antecedentes criminais da recorrente B que o Senhor Secretário para a Economia e Finanças revogou a autorização da residência temporária que lhe foi concedida.

Para os efeitos de concessão da autorização de residência temporária, a lei exige que se deva atender, inter alia, antecedentes criminais – cf. artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003.

Ficou provado que a recorrente B foi condenada em 21JUN1994 em Macau, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por dois anos, tendo sido preso por decisão judicial no Estabelecimento Prisional de Coloane no período compreendido entre 21JUN1994 e 04NOV1994.

Trata-se inquestionavelmente de uma condenação penal anterior, por mais longínqua que seja.

Como a lei não impõe o indeferimento necessário da autorização de residência aos indivíduos que tenham antecedentes criminais, a decisão administrativa, indeferimento, ou revogação, como sucedeu in casu, não é tomada no exercício de um poder vinculado, mas sim de um poder discricionário, pois, cabe à Administração analisar em cada caso concreto as condições de requerente para saber se a autorização lhe afigura mais conveniente ao interesse público, tendo em conta nomeadamente a segurança pública e interna da RAEM.

Tradicionalmente falando, os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..” – Freitas do Amaral, in Curso do Direito Administrativo, II, Almedina, pág. 392.

Ora, em sede do presente recurso, a recorrente não impugnou a condenação criminal de que sofreu em Macau, nem a prática dos factos que tiveram na origem da tal condenação criminal.

Mas entende que a revogação da autorização de residência temporária já concedida se mostra desproporcional e inadequada à realização das finalidades de prevenção de crimes e protecção da ordem pública da RAEM, que a decisão recorrida visa prosseguir, uma vez que já cessaram as razões que motivaram a prática do crime em que foi condenada, pois sendo já titular da autorização de residência em Macau, a recorrente mais não precisa de praticar outro crime de falsificação de documento a fim de poder ficar em Macau, tal como sucedeu antes.

Isto é, na óptica da recorrente, a revogação da autorização não é meio idóneo para atingir as finalidades que a Administração pretende prosseguir.

Ainda, a este propósito, a recorrente veio nas alegações facultativas dizer que, face à não contestação por parte da entidade recorrida, o Tribunal deve considerar confessado o alegado na petição de recurso, nomeadamente a procedência dos fundamentos do recurso.

Bom, a recorrente estão a confundir as duas coisas distintas, uma coisa é confissão dos factos, outra coisa é “confissão” das conclusões.

É verdade que reza o artº 54º do CPAC que “a falta de contestação ou de impugnação implica a confissão dos factos alegados pelo recorrente, excepto quando estejam em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, não seja admissível confissão sobre eles ou resultem contraditados pelos documentos que constituem o processo administrativo instrutor.”.

Mas a lei se limita a prescrever que a falta de contestação ou de impugnação implica a confissão dos factos, só dos factos!

E não também a procedência dos fundamentos alegados!

Portanto, a falta de contestação ou de impugnação não conduz, de per si, à procedência do recurso, ou à condenação no pedido.

Assim, não podemos julgar procedente logo o recurso pura e simplesmente por falta da contestação por parte da entidade recorrida e temos de apreciar se tem razão a recorrente.

Ora, admitindo embora que, no caso em apreço, a revogação da autorização de residência temporária em Macau implica a perda do direito de residência temporária já concedida, com alguns incómodos da sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, temos de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM.

Nestas circunstâncias concretas, temos de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos dos recorrentes para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna.

Assim, ponderando os interesses em jogo, não consideramos que a revogação da residência temporária constitui erro grosseiro ou manifesto, nem consideramos a revogação poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade e o princípio da adequação.

Improcede esta parte do recurso.

2. Violação do princípio do inquisitório.

A recorrente configurou o alegado vício da violação do princípio do inquisitório nestes termos:

Para efeitos de concessão da autorização de residência, o artº 9º/2 da lei nº 4/2003 manda que o intérprete-aplicador do direito deve atender, nomeadamente, aos seguintes aspectos:

1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;

2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;

3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;

4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;

5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;

6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.

Como in casu só atendeu os elementos previstos apenas na alínea 1) e não também as alíneas 2) a 6) do artº 9º/2, a Administração não cumpriu bem o seu dever de investigação.

Ora, para nós, tal como bem defendeu o Ministério Público no seu douto parecer final, se a Administração considerar os comprovados antecedentes criminais da recorrente B suficientes para revogar a autorização de residência temporária, não vemos razão para justificar a necessidade de obrigar a Administração a apreciar os aspectos referidos em todas as restantes alíneas do artº 9º/2 da Lei nº 4/2003.

Aliás, verificamos que no procedimento administrativo, na audiência prévia, foi dada a oportunidade à recorrente para se pronunciar sobre a eventual revogação da autorização de residência temporária concedida à recorrente B, mas em vez de trazer à Administração novos elementos, nomeadamente os concernentes aos aspectos previstos nas alíneas 2) a 6) do artº 9º/2 da Lei nº 4/2003, se limitou a alegar causas e circunstâncias para tentar fazer excluir ou diminuir a culpa e a ilicitude dos factos que motivaram a sua condenação em 1994.

Portanto, a recorrente não pode vir agora imputar à Administração a omissão no cumprimento do seu dever de investigação de uma matéria que nunca invocou e nem a Administração considerou relevante para a boa decisão do caso no procedimento administrativo.

Também improcede esta parte do recurso.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência não admitir o recurso interposto por A por falta de legitimidade activa e julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente B.

Custas pelo recorrente pelo incidente da ilegitimidade com taxa de justiça fixada em 2 UC, pela recorrente de decaimento do recurso, com taxa de justiça fixada em 6UC.

Registe e notifique.

RAEM, 28ABR2016

Lai Kin Hong

João A.G. Gil de Oliveira

Ho Wai Neng

 Fui Presente
  x
 Mai Man Ieng


1 JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, 1987, edição da AAFDL, II volume, p. 130 e segs ..
2 Art. 46.°, 1.° do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo.

3 J. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3.ª ed., 1948, volume 1, p. 84.
4 F. B.FERREIRA PINTO e GUILHERME DA FONSECA, Direito Processual Administrativo Contencioso, Elcla Editora, Porto, 1991, 70 e 71
5 Referem-se ao conceito de legitimidade do art. 46.°, 1.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (interesse directo, pessoal e legítimo na anulação de acto administrativo).

6 JOAO DE CASTRO MENDES, obra e volume citados, p. 132.

7- Ac. do T.S.I, proc. nº. 70/2000 de 24 /10/02 e 72/2000, de 27/2/03
8 - Freitas do Amaral, ob. cit.,171.
9- Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 1987, 193.
10 - Actualmente, no artigo 58º do CPC depurou-se o conceito preciso de legitimidade, havendo que encontrar a delimitação do conceito na elaboração doutrinária, a partir do que seja o interesse processual e o interesse em agir expressamente previstos no CPC de 1961 - cfr. nota explicativa do CPCM (Código de Processo Civil de Macau) aprovado pelo DL nº55/99/M de 8 de Outubro.
11 - Miguel Teixeira de Sousa, BMJ 292,75.
12 - João Caupers, Introdução ao Dto Administrativo, 2001, 269; Rui Machete, Estudos de Direito Público e Ciência Política, 134 e A. STA de 12/4/94, relatado pelo Cons. Dimas Lacerda. Para outros autores, v.g., Vieira de Andrade o interesse em agir corresponderia à necessidade de tutela judicial e constituiria um pressuposto processual autónomo, in “Justiça Administrativa”, 1999, 218.
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580/2014-24