Processo nº 276/2016
(Autos de recurso civil)
Data: 5/Maio/2016
Assuntos:
- Providência cautelar comum
- Falta de alegação de factos referentes ao pressuposto legal da gravidade e da difícil reparabilidade da lesão
- Indeferimento liminar
SUMÁRIO
- Dispõe o artigo 332º, nº 1 do Código de Processo Civil que “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
- Sendo assim, para que uma providência cautelar (comum) possa ser decretada, é necessário que exista factos concretos que servem como causa de pedir e que possam integrar a prática pelos requeridos de algum comportamento susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável ao direito da requerente.
- Não basta a requerente da providência alegar que é proprietária dos terrenos em causa, que os requeridos fizeram obras nesses mesmos terrenos e dizer em termos conclusivos que essa conduta dos requeridos lhe causaria prejuízos graves e reparáveis.
- Por que da matéria de facto alegada pela requerente não resultam elementos concretos e suficientes que permitam extrair a conclusão da gravidade e da difícil reparabilidade da lesão no direito da requerente, a providência requerida tem que ser indeferida liminarmente, sob pena de estarem a praticar actos inúteis.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 276/2016
(Autos de recurso civil)
Data: 5/Maio/2016
Recorrente:
- Desenvolvimento e Fomento Predial A, Lda (requerente)
Recorridas:
- Companhia de Propriedade Investimento de B Lda
- Companhia de Hotel Investimento Administração C, Limitada
-Incertos (sendo todos requeridos)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Desenvolvimento e Fomento Predial A, Lda (doravante designada por requerente ou recorrente) deduziu procedimento cautelar comum junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM contra Companhia de Propriedade Investimento de B Lda, Companhia de Hotel Investimento Administração C, Limitada e incertos (doravante designados por requeridos ou recorridos), pedindo que os requeridos sejam ordenados a desocupar os prédios rústicos referenciados nos autos e restituídos à requerente de imediato, bem como sejam notificados e advertidos para absterem-se da prática de todos e quaisquer actos de disposição sobre os prédios em causa.
Por decisão proferida pelo Tribunal a quo, de 28.12.2015, foi indeferida liminarmente a providência por se entender que, mesmo que se encontrem indiciariamente provados todos os factos alegados pela requerente, a providência não deixará de improceder, uma vez que não foi alegado suficientemente pela requerente o fundado receio de que os requeridos lhe causem lesão grave ou dificilmente reparável.
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Inconformada, interpôs a requerente recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. O artigo 332º, n.º 1 do CPC submete o decretamento da providência cautelar requerida ao preenchimento de duas condições: a probabilidade séria da existência do direito, por um lado, e o receio suficientemente fundado da sua lesão grave e dificilmente reparável.
2. Como já foi sustentado e documentado na acção principal à qual se encontra apensa a providência cautelar, a ora Recorrente é dona e legítima proprietária de dois prédios rústicos sitos no Caminho da XX, S/N, freguesia de Nossa XX (Taipa), descritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX17 e XXX18 respectivamente, a fls. XX do Livro BXX e omissos na matriz predial da Direcção dos Serviços de Finanças (cfr. Certidões do Registo Predial já juntas como documento 2 e documento 3, respectivamente, à acção principal).
3. Sendo incontestável que a Recorrente é actualmente a única exclusiva e legal proprietária dos prédios rústicos identificados supra, também se concluirá pelo preenchimento do primeiro requisito do artigo 332º, n.º 1 do CPC, a saber, a probabilidade séria da existência do direito.
4. Quanto ao preenchimento do segundo requisito do mesmo artigo, salvo o devido respeito, que é muito, andou mal o douto Despacho do Tribunal a quo ao concluir que a ora Recorrente não apresentou factos concretos para sustentar a existência de lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito de propriedade sobre os terrenos em causa.
5. Argumentando ainda que a situação é, no geral, igual à verificada aquando da apresentação da acção principal, sublinhando que a Recorrente apenas apresentou a providência cautelar dois anos após o início da acção declarativa da qual depende.
6. Quanto a este último ponto, a prova documental junta à acção principal demonstra que os prédios rústicos estavam então cobertos de vegetação, contendo ainda várias sucatas de automóveis que não pertencem à aqui Recorrente, bem como um contentor de mercadorias onde habita um indivíduo não identificado.
7. Através da referida prova verifica-se ainda a existência de uma vedação à volta dos prédios rústicos acima identificados, erguida por terceiros sem a autorização da Recorrente, estando uma das portas de acesso fechada com uma corrente e um cadeado de tamanho relativamente diminuto.
8. Ora tal como foi sustentado na providência cautelar e devidamente corroborado através de prova documental aí apresentada, em data que a aqui Recorrente não sabe precisar, a vegetação e a sucata que se encontravam nos terrenos foram removidas pelos aqui Recorridos.
9. Tendo estes procedido à terraplanagem dos prédios rústicos e à colocação de cimento ou de outro material de fixação permanente na respectiva superfície, em quantidade e profundidade que a Recorrente não sabe precisar.
10. Os Recorridos abriram ainda uma via de entrada directa nos terrenos, tendo a mesma sido vedada com recurso a um portão de ferro, e construído nos terrenos objecto dos presentes autos duas edificações que antes lá não se encontravam.
11. Todos estes factos são agravados pela presença de uma escavadora nos terrenos, o que demonstra a vontade de os Recorridos procederem a alterações mais profundas nos mesmos.
12. Tendo estas modificações sido devidamente indicadas na providência cautelar, resulta claro que a situação dos terrenos rústicos que se verificava inicialmente (aquando da apresentação da acção de reivindicação em 13/9/2013) sofreu modificações notórias e alarmantes para a ora Recorrente, razão pela qual a mesma se viu na obrigação de apresentar uma providência cautelar para impedir mais alterações susceptíveis de causar graves lesões ao seu direito de propriedade.
13. No que toca ao preenchimento do segundo requisito do artigo 332º, n.º 1 do CPC, as alterações levadas a cabo pelas aqui Recorridas nos terrenos em disputa (terraplanagem dos mesmos, colocação de cimento ou de outro material de fixação permanente na respectiva superfície, abertura de uma via de entrada directa para os terrenos, instalação de um portão de ferro e edificação de dois armazéns de placa), às quais se acrescenta a presença de uma escavadora, consubstanciam alterações permanentes aos mesmos.
14. Alterações cuja verdadeira extensão se desconhece e da qual podem resultar avultados prejuízos para a Recorrente.
15. Sem prejuízo das referidas alterações, é mister referir que a colocação de solo-cimento enquanto material de fixação permanente na superfície dos terrenos em causa e costumeiramente aplicado em fundações de casas é demonstrativo da vontade de edificar nos terrenos que são propriedade da Recorrente, o que, por sua vez configuraria uma situação de facto consumado.
16. É, pois, indesmentível que os Recorridos se encontram presentemente a modificar de forma permanente a eventual finalidade e utilidade dos terrenos, à revelia da Recorrente que é a legítima proprietária dos mesmos, e com graves prejuízos para a mesma.
17. Por outro lado, e ainda que se argumente que tal modificação permanente da propriedade da ora Recorrente pode ser demolida mais tarde a expensas dos Recorridos caso a acção principal da qual depende a providência cautelar tenha provimento, o certo é que essa operação implica um atraso acrescido para a Recorrente, que se verá desapossada de um bem que é dela mas que não poderá rentabilizar à sua vontade.
18. Em conclusão, as alterações introduzidas pelas Recorrentes nos terrenos sub judice – e que não se verificavam aquando da interposição da acção principal – são de molde a causar lesões graves e dificilmente reparáveis ao seu direito de propriedade sobre os mesmos.
19. Tendo sido apresentados factos susceptíveis de causar danos ou prejuízos à propriedade da ora Recorrente, e resultando evidente que a Recorrente é proprietária dos mesmos terrenos, não poderia o douto Tribunal a quo decidir senão no sentido do prosseguimento dos autos de providência cautelar.
20. Por fim, no que toca à verificação das lesões graves e dificilmente reparáveis ao direito de propriedade da ora Recorrente, chame-se à colação a jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/06/2010 (processo 2293/10.6TBSXL.L1-7), que sustenta que a providência cautelar, “(…) não visando resolver questões de fundo, mas antes acautelar os efeitos práticos da acção proposta ou a propor, basta um juízo de verosimilhança, afirmando-se a suficiência de uma prova sumária, assente num grau de probabilidade razoável, e não uma convicção que se poderá designar de plena, a concretizar em sede de acção, aquando do conhecimento do próprio litígio.”
21. Estando preenchidos os requisitos constantes do artigo 332º, n.º 1 do CPC, não poderia o douto Tribunal a quo deixar de decretar a providência cautelar requerida pela ora Recorrente, nos termos do mesmo artigo conjugado com o artigo 326º, n.º 1 do mesmo diploma – assim não tendo entendido, incorreu o Mmo. Tribunal a quo em erro sobre a matéria de direito, conforme os artigos indicados.
22. Uma vez que o douto Tribunal ad quem dispõe de todos os elementos necessários para a boa decisão da causa nos termos do artigo 630º, n.º 2 do CPC, deverá o Despacho ora posto em crise ser anulado e revogado por V. Exas., substituindo-se por outro que decrete a providência cautelar requerida nos termos dos artigos 326º, n.º 1 e 332º, n.º 1 do CPC.
23. Assim não se entendendo, deverá o mesmo Despacho objecto do presente recurso ser anulado e revogado por V. Exas., ordenando-se o prosseguimento dos autos nos termos ora indicados, o que se requer.
Conclui, pedindo que se revogue a decisão recorrida.
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Notificados os requeridos para querendo responder, tendo apenas o 2º requerido Companhia de Hotel Investimento Administração C, Limitada apresentado resposta, alegando em sede de conclusões o seguinte:
1. 上訴人A地產發展有限公司自2013年9月13日提出主案CV1-13-0073-CAO後,經過兩年多時間,向法院提出了“兩次”的保全措施。
2. 本案法官分別作出“兩次初端批示”,包括法官閣下於2015年12月28日作出的批示,即“被上訴的批示” – 見卷宗第20頁至第21頁背頁、第43頁至第44頁。
3. 上訴人不服被上訴批示,遂提出本上訴,第二被上訴人所理解其上訴爭議主要有兩個部份:
“i. 已呈交涉案多張相片已能反映及證明存在侵害行為(包括土地業權權利),並引述主案所載的內容指出可證明對上訴人造成巨大的損失;
ii. 認為被上訴批示沾有錯誤理解由上訴人提供的具體相片所支持存在對其土地所有權的侵害及難以彌補的事實。”
4. 第二被上訴人認為上訴人在上訴狀提出的事實依據及法律依據是不成立的。
5. 因為,只要細心審閱上訴狀提出的依據,僅僅是再次引述上訴人呈交的聲請書的大部份內容而已,及在巨大損失方面,不論本案『主案CV1-13-0073-CAO』,又或是『聲請書』,甚至在上訴狀內,均沒有提出實質及具體數字化的損失金額。
6. 那麼,上訴人就不能以抽象的相片來舉證其提出的“巨大損失”,更難言可證實達到批給“保存措施”所要求的“難以彌補的損失”的程度。
7. 另一方面,對於指控被上訴批示沾有錯誤判斷事實的瑕疵一項中,僅僅是一種不認同被上訴批示中,對法官閣下採用的『法院自由評價原則』的質疑而已。
8. 上訴人沒有提出具體及客觀的證據來支持這一判斷。
9. 所以,上訴人在上訴狀提出的上訴依據,全部均不能成立,應予駁回其上訴請求。
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Pelo Tribunal a quo foi dada a seguinte a decisão recorrida:
初端批示
聲請人A地產發展有限公司按照《民事訴訟法典》第396條第1款之規定針對B地產投資有限公司、C酒店投資管理有限公司及不確定人提交了第二次普通保全程序的聲請,要求本院命令各被聲請人遷離物業標示編號XXX17及XXX18的兩幅土地及立即將之交還予聲請人,以及禁止各被聲請人對上述土地作出處分行為。
按照《民事訴訟法典》第326條第1款及第332條第1款的規定,命令採取保全措施必須同時符合以下兩項要件:
I. 聲請人所提出的權利很可能存在;
II. 有合理理由恐防他人對該權利造成嚴重且難以彌補的侵害。
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卷宗資料顯示聲請人第一次提交的普通保全程序聲請因沒有陳述充份及具體的事實以支持上述第二項要件,且聲請人在2013年9月13日提起主案訴訟時所面對的情況現時沒甚差異,反映出沒有「嚴重及難以彌補的侵害」,故被初端駁回。(第20及21頁)
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經分析聲請人第二次所提交的聲請,可見其內容與第一份聲請大致相同,僅在事實部份增加了第18點(大概內容為:有關土地上出現一部挖土機)、第20點(大概內容為:在土地上放置混凝土及其他物料顯示在土地上建築的意圖)及21點(大概內容為:混凝土是泥土、水泥及水的混合物,常用於建築的地基部份)。此外,聲請人亦在第二份聲請第32點新提及一個葡萄牙裁判,並在證據部份新增了四名證人及一份文件。
由此可見,聲請人只是再次空泛地指出被聲請人在沒有准許的情況下在相關土地上放置挖土機、混凝土及其他物料,以及開闢通道等行為對其造成很大侵害,從而產生緊急狀況及永久改變土地的用途。聲請人仍沒有陳述具體事實來支持其有合理理由恐防被聲請人的行為對其權利造成嚴重且難以彌補的侵害。正如第20及21頁的初端批示所認定,「即使在本保全程式序中初步證實了有關被聲請人正在不正當地佔用有關土地,妨礙了聲請人在現階段暫時對該等土地的享益,然而,這既不能初步證明被聲請人永久改變了有關土地目的及用途,也不能證明聲請人在現階段暫時及持續的未能享益會對其權利造成嚴重及難以彌補的侵害,即未能證實其權利受到迫切的威脅。」
此外,一如第20及21頁的批示所認定,聲請人現時面臨時狀況與其提起主案訴訟時大致相同,但其在兩年多後方提起本保全程序,可見並不存在迫切、嚴重及難以彌補的侵害。
因此,即使聲請人所主張的部份事實獲得扼要證實亦無法令其所主張的理由成立,且基於明顯不存有如未即時採取保全措施會使聲請人遭受嚴重及難以彌補的侵害的緊急性,故按照《民事訴訟法典》第394條第1款d項第二部份的規定,決定初端駁回聲請人第二次提出的保全程序聲請。
訴訟費用由聲請人承擔。
登錄及通知。
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No vertente caso, para fundamentar o seu pedido, a requerente alegou os seguintes factos essenciais:
- A requerente é dona e legítima proprietária de dois prédios rústicos sitos no Caminho da XX (Taipa), os quais foram adquiridos à Sociedade de Investimento e Fomento Predial D, Limitada através de escritura pública outorgada em 8.11.2012;
- A requerente intentou a competente acção de reivindicação que corre os seus termos junto do 1º Juízo Cívil do TJB;
- Em data que a requerente não sabe precisar, a vegetação e a sucata que se encontravam nos terrenos foram removidas pelos requeridos;
- Tendo os requeridos procedido ainda à terraplanagem dos prédios rústicos;
- Os requeridos procederam à colocação de cimento ou de outro material de fixação permanente na respectiva superfície;
- Em quantidade e profundidade que a requerente não sabe precisar;
- Os requeridos abriram igualmente uma via de entrada directa aos terrenos, tendo a mesma sido vedada com recurso a um portão de ferro;
- Por fim, foram construídos nos terrenos em causa dois barracões que antes lá não se encontravam;
- Estas intervenções, cuja realização não foi autorizada pela requerente, constituem alterações permanentes aos terrenos;
- Cuja extensão se desconhece e da qual podem resultar avultados prejuízos para a requerente;
- Todos estes factos se vêem agravados pela presença de uma escavadora nos terrenos;
- Tal facto indicia a vontade de os requeridos introduzirem alterações mais profundas nos terrenos;
- A colocação de solo-cimento ou de outro material de fixação permanente na superfície dos terrenos em causa indicia fortemente a vontade de edificar nos terrenos que são propriedade da requerente;
- Os requeridos encontram-se presentemente a modificar de forma permanente a eventual finalidade e utilidade dos terrenos.
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Dispõe o artigo 332º, nº 1 do Código de Processo Civil que “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Segundo António Geraldes, “para o decretamento das providências basta que sumariamente (summaria congnitio) se conclua pela séria probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni juris) e pelo justificado receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora)”.1
Para Cândida Pires e Viriato de Lima, “a lei contenta-se com uma apreciação sumária da existência, ou não, do direito acautelando, exigida pela dupla “urgência/celeridade” da providência/procedimento, ficando o conhecimento exaustivo dessa existência para a acção definitiva. E a doutrina costuma referir-se ao juízo de verosimilhança que o tribunal deve formular perante as provas apresentadas, sabendo-se que o que vier a ser decidido com base nele é sempre meramente provisório”.2
De facto, não se deva seguir a ideia de que uma medida cautelar só é decretada quando se adquira a convicção absoluta sobre a existência do direito invocado, antes bastando-se com um mero juízo de verosimilhança alcançado pelo Tribunal a quo.
Mas para o efeito, é necessário que existam factos concretos que servem como causa de pedir e que possam integrar a prática por alguém de algum comportamento susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável ao direito de outrem, ao abrigo do artigo 417º, nº 4 do Código de Processo Civil.
Consagra-se no nosso ordenamento jurídico a teoria da substanciação segundo a qual “a causa de pedir é o próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, sendo, assim, necessária a indicação específica do facto constitutivo desse direito”.3
Segundo esta teoria, é necessário apontar a causa específica do pedido.
No vertente caso, para que uma providência cautelar (comum) possa ser decretada, é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos:
- Probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris); e
- Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável no seu direito (periculum in mora).
Isto posto, a requerente da providência terá que alegar e provar dois tipos ou conjuntos de factos, a saber, os respeitantes à titularidade do direito dos terrenos (demonstração, de acordo com um juízo de verosimilhança, da existência do direito subjectivo) e à verificação de circunstâncias que permitam afirmar a seriedade e a actualidade da ameaça e que justifique a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo (demonstração do perigo advindo da demora na obtenção de uma decisão definitiva sobre o litígio, fazendo com que o direito que se quer acautelar se torne inexequível ou dificilmente reparável).
Pela análise dos fundamentos de facto alegados pela requerente, dúvidas não temos sobre a verificação do pressuposto de existência do direito invocado, na medida em que a requerente alega ser proprietária dos terrenos em causa.
No entanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não foi alegado suficientemente pela requerente o fundado receio da lesão grave e dificilmente reparável nos seus direitos. Senão vejamos.
Invoca a requerente que na pendência da acção de reivindicação por si intentada contra os requeridos, estes praticaram certos actos, temendo que a continuação da conduta dos mesmos vá lesar o seu direito de gozar plenamente dos terrenos em causa.
Para sustentar a sua tese, vem dizer que a vegetação e a sucata que se encontravam nos terrenos foram removidas pelos requeridos; que os requeridos procederam à terraplanagem dos prédios rústicos, à colocação de cimento ou de outro material de fixação permanente na respectiva superfície em quantidade e profundidade que a requerente não sabe precisar; abriram uma via de entrada directa aos terrenos, vedando-o com recurso a um portão de ferro; construíram nos terrenos em causa dois barracões que antes não havia; bem como se verifica a presença de uma escavadora nos terrenos, alegando que todas essas intervenções cuja realização não foi autorizada pela requerente constituem alterações permanentes da finalidade e utilidade dos terrenos e que indicia fortemente a vontade de os requeridos edificarem nos terrenos que são propriedade da requerente.
Bem, segundo o alegado pela requerente, talvez seja verdade que os requeridos pretendiam iniciar obras nos terrenos em causa, mas não se descortina em que medida essas eventuais alterações levadas a cabo pelos requeridos pudessem constituir um fundado receio de ocorrência de lesões graves e irreparáveis no direito invocado pela requerente.
A nosso ver, se bem que se verifique actuações por parte dos requeridos, não se vislumbra em que termos essas obras poderão causar prejuízos graves e irreparáveis para a requerente.
De facto, poderá haver essa hipótese, mas a requerente não logrou cumprir o seu ónus de alegação.
Diz a requerente, simplesmente, que as tais alterações cuja extensão se desconhece podem causar avultados prejuízos para a requerente, lesando o seu direito de gozar plenamente os terrenos em causa, mas em que medida? Sinceramente, não sabemos.
Em boa verdade, no que respeita ao pressuposto legal da gravidade e da difícil reparabilidade da lesão, o requerimento inicial não contém matéria de facto suficiente para o efeito, nela contendo meras conclusões, as quais não permitem extrair quais sejam os prejuízos em virtude de fenómenos ou actos que tornem o direito que se quer acautelar inexequível ou de difícil reparação.
Não basta alegar a requerente que ela é proprietária dos terrenos em causa, que os requeridos fizeram obras nesses mesmos terrenos e dizer em termos conclusivos que essa conduta dos requeridos lhe causaria prejuízos graves e irreparáveis.
Em nossa opinião, é necessária uma matéria de facto mais concreta e precisa, caso contrário, como é que podemos dizer que há “avultados prejuízos para a requerente” ou “a conduta dos requeridos lesa o direito da requerente de gozar plenamente os terrenos”? Ou seja, a requerente terá que alegar em que termos se traduz essa lesão grave e irreparável, exigida como pressuposto do decretamento da providência cautelar.
Nesta conformidade, uma vez que cabe à requerente da providência cautelar comum alegar (e depois provar) os factos constitutivos do direito alegado, e na falta dessa alegação, ou mais precisamente, por que da matéria de facto não resultam elementos concretos e suficientes que permitam extrair a conclusão da gravidade e da difícil reparabilidade da lesão no direito da requerente, a providência requerida tem que ser indeferida liminarmente, sob pena de estarem a praticar actos inúteis.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente Desenvolvimento e Fomento Predial A, Lda, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
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RAEM, 5 de Maio de 2016
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
1 António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 2ª edição, página 218
2 Cândida A. Pires e Viriato P. de Lima, Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume II, pág. 345
3 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, pág. 149
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