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Processo nº 289/2016 Data: 05.05.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 289/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 281 a 285 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 294 a 295).

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Em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte Parecer:

“No presente recurso está apenas em causa ajuizar se a libertação condicional do recorrente se mostra compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, tal como exigido pelo artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
Nenhuma controvérsia se coloca quanto aos demais requisitos necessários para a concessão da liberdade condicional, pois a decisão recorrida julgou-os verificados.
Na sua motivação de recurso, o recorrente sustenta que todos os requisitos exigidos para a concessão da almejada liberdade condicional estavam preenchidos – no que é acompanhado pelo Ministério Público na sua resposta –, pelo que, ao denegar a libertação condicional, a decisão proferida atentou contra o referido normativo.
Vejamos:
A liberdade condicional é um instituto que visa preparar, de forma controlada, o regresso do recluso ao seio da comunidade. Intentando acautelar e compatibilizar simultaneamente o interesse do recluso e da comunidade, o instituto é propício a situações de tensão dialética, cujo compromisso de equilíbrio residirá na perfeição dos pressupostos exigidos no artigo 56.° do Código Penal.
Conforme jurisprudência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, que se crê pacífica, a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, não pondo em causa a defesa da ordem jurídica e paz social, desiderato este que materializa o requisito exigido pela alínea b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal, enquanto prevenção geral sob a forma de exigência mínima irrenunciável da preservação e defesa da ordem jurídica – v. g., acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 09.09.2004 e de 03.07.2008, proferidos nos processos 214/2004 e 378/2008, respectivamente, e citados por Leal-Henriques em anotação “Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau”.
Como se disse, é este aspecto da prevenção geral que está na base do dissídio e que motiva o recurso.
Prevenção geral positiva ou de integração, como exigência de tutela do ordenamento jurídico, e que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Não cremos que a argumentação do recorrente acerca do eventual erro de condenação, traduzido numa supostamente indevida punição por uma pluralidade de infracções quando estava em causa uma conduta unitária, deva ser trazido para a discussão. Esta não é seguramente a sede para abordar tal questão, porquanto nenhuma relevância lhe confere a lei na ponderação sobre os pressupostos da libertação condicional.
Mas também não se afigura que a libertação do condenado, nesta fase do cumprimento da pena – a cerca de quatro meses da respectiva expiação, o que representa menos de 1/10 da pena –, possa colocar em xeque aquela exigência de tutela do ordenamento jurídico. Face ao tempo de reclusão decorrido e atendendo aos crimes pelos quais o recorrente foi punido, não se crê que a concessão de liberdade condicional, neste momento, possa trazer perturbação à paz social ou pôr em causa as expectativas comunitárias na validade das normas violadas.
Nenhum problema se coloca em sede de prevenção especial, revelando-se a conduta do recorrente altamente abonatória, como aliás foi bem frisado na decisão recorrida, sendo deveras favorável o juízo acerca da sua preparação para se reintegrar na sociedade.
 Não podemos adoptar o entendimento de que a expiação da totalidade da pena é condição imprescindível para a compensação dos danos causados pelo crime. Se assim fosse, o instituto da liberdade condicional revelar-se-ia espúrio. Sendo certo que a concessão da liberdade condicional não é automática – e só nessa medida é que se pode afirmar que o cumprimento da totalidade da pena é a regra no sistema jurídico de Macau – também é verdade que apenas no caso muito específico e apertado do artigo 16.° da Lei 6/97/M está excluída a possibilidade de concessão de liberdade condicional. Podendo, pois, afirmar-se que a regra é a de que não há crimes relativamente aos quais esteja proibida a concessão da liberdade condicional.
Diremos, finalmente, que a liberdade condicional não acarreta a extinção da pena e que a própria comunidade tem interesse em que o retorno do condenado à sua vida em sociedade se processe em condições que permitam um acompanhamento mínimo que sempre ajudará à reintegração, como é apanágio da liberdade condicional.
Ante o exposto, vai o nosso parecer no sentido do provimento do recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que conceda a liberdade condicional pelo período que falta para o cumprimento de pena, a ser objecto de acompanhamento pelos Serviços de Reinserção Social, e sugerindo-se que sejam fixadas ao recorrente as obrigações de comprovar a sua ocupação profissional, em prazo a fixar, e de não frequentar áreas de jogo”; (cfr., fls. 329 a 330).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 08.03.2013, foi, A, ora recorrente, condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de crimes de “exploração de prostituição” e “emprego ilegal”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.M. em 16.03.2012, e em 11.03.2015, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 11.09.2016;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua esposa e filha em Macau, tendo proposta de emprego como motorista.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 16.03.2012, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 25.02.2016, Proc. n.° 80/2016 e de 31.03.2016, Proc. n.° 191/2016).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

De facto, o ora recorrente, primário antes da condenação na pena que agora cumpre, tem demonstrado arrependimento pela sua conduta, tendo tido uma conduta prisional pelo Director do E.P.M. considerada “adequada”, participando em actividades laborais, tendo visitas da família que o irá apoiar se posto em liberdade.

Assim, e possuindo perspectivas (proposta) de emprego, viável se nos apresenta o juízo de prognose favorável em relação à sua futura conduta.

Por sua vez, tendo cumprido já mais de 4 anos da pena, (faltando expiar cerca de 4 meses), e sendo esta a última oportunidade para poder beneficiar de liberdade condicional, crê-se, (como – bem – se nota no atrás transcrito Parecer), que com a imposição de obrigações se conseguirá assegurar a sua compatibilidade com o exigido na alínea b) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M..

Assim, em face das expostas considerações, concede-se a pretendida liberdade condicional, ficando o recorrente com a obrigação de, no prazo de 1 mês, juntar aos autos comprovativo da sua ocupação profissional, ficando, (no período de liberdade condicional), proibido de frequentar casinos, devendo também observar o programa de reinserção social que lhe for traçado pelos competentes serviços e fazer apresentações mensais na P.S.P., com início no dia seguinte ao da sua libertação.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Sem custas.

Comunique em conformidade ao D.R.S. e ao C.P.S.P..

Registe e notifique.

Macau, aos 05 de Maio de 2016

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 289/2016 Pág. 14

Proc. 289/2016 Pág. 15