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Processo nº 374/2014
Data do Acórdão: 12MAIO2016


Assuntos:

Dever de fundamentação


SUMÁRIOA

O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controlo da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 374/2014

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que lhe indeferiu o requerimento por ele formulado pedindo a conversão em aposentação compulsiva da pena de demissão que lhe foi aplicada em 21FEV2008, alegando, concluindo e pedindo:
1.ª Os pressupostos de Direito relevantes, nomeadamente em termos de prazos, encontram-se preenchidos ou seja,
Primeira: Já ter decorrido prazo de 5 anos sobre a aplicação da pena de demissão;
Segunda: O Recorrente à data dos factos já tinha mais de 27 anos de serviço.
2.ª Do acto recorrido não consta a fundamentação em termos formais. Apresenta-se, deste modo, insuficiente a fundamentação do acto que equivale à falta de fundamentação, segundo o disposto no art.º 115.º, n.º 2 do CPA, que determina a anulação do acto.
3.ª Sendo um "comportamento favorável" conceito indeterminado não se consegue perceber em que requisitos materiais se alicerça tal conceito de forma a ser aplicado em concreto e casuisticamente.
4.ª Perante a falta absoluta da menção dos fundamentos de direito, não se pode, posteriormente no controlo jurisdicional, integrar a lacuna através do enquadramento jurídico feito pelo tribunal, constatar ou declarar a existência de pressupostos legais justificativos da decisão tomada mas não invocados ou até nem ponderados pela Administração, sob pena de violação da reserva da Administração na determinação e definição primárias do acto administrativo.
  Nestes termos, e nos mais de Direito e sempre com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve, pelas apontadas razões, ser julgado procedente o presente Recurso Contencioso, com a consequente anulação do despacho recorrido e deferimento do pedido de aposentação compulsiva do Recorrente.
  Mais se requer, ao abrigo das disposições dos artigos 52.º e 55.º ambos do Código de Processo Contencioso Administrativo a citação da entidade recorrida e a remessa ao douto tribunal de Recurso do original do processo administrativo e todos os demais documentos conexos à matéria do Recurso para ficarem apensos aos autos como processo instrutor.

Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestando pugnando pela improcedência do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas.

Notificadas para apresentar alegações facultativas, quer o recorrente quer a entidade recorrida não apresentou.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* O recorrente A desempenhava as funções de guarda da PSP;

* Com fundamento nos factos que tiveram na origem da condenação criminal do ora recorrente, em última instância, na pena única de 9 anos e 6 meses, foi por despacho do Senhor Secretário para a Segurança, datado de 21FEV2008, aplicada ao ora recorrente a pena de demissão;

* Foi posto em liberdade em 28JUL2013 por cumprimento integral da pena de prisão;

* Em 04OUT2013, o recorrente pediu ao Senhor Secretário para a Segurança que lhe deferisse a conversão em aposentação compulsiva da pena de demissão que lhe foi aplicada em 21FEV2008;

* Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança proferido em 30ABR2014, o Senhor Comandante da PSP decidiu não converter a pena de demissão em aposentação compulsiva, nos termos seguintes:
批示
  事由:恢復權利申請
  申請人:A,前治安警察局警員,編號XXXXX
  A,前治安警察局警員,編號XXXXX,於1979年11月3日入職,並於2008年2月27日起被撤職;
  申請人被撤職的原因是觸犯第6/97/M號法律中的黑社會罪及一項《刑法典》中的「持有禁用武器罪」,合共判罰十年實際徒刑,並為此於紀律程序中被適用撤職處分;
  申請人於2013年7月28日出獄,並於2013年10月08日向本辦公室提交恢復權利的申請。
  現行《澳門保安部隊軍事化人員通則》內設有一恢復權利的機制,目的旨在讓曾為行政當局服務的公務人員,在科處及履行處分一段時間後,因行為良好而撤銷對其處分及有關效果;尤其根據該通則第三百條第七款的規定 - “在科處撤職處分五年後…命令將撤職轉為強迫退休。”
  根據治安警察局向本人提交之資料(報告書編號XXX/DRH/DGR/2013),雖說有關申請於撤職處分後五年提出,然而,申請人於2013年7月28日出獄,即是說,申請人自被撤職處分日起的五年生活於獄中渡過,並沒有足夠的客觀條件根據法律規定,讓行政當局審查“行為良好”作為審批申請的另一要件;
  本人認為“行為良好”的審查應考慮申請人對社會作出的負責任表現以及個人守法責任、良好行為及品格,故此,立法者在恢復權利制度中規範最少五年時間(自撤職後五年)讓行政當局衡量申請人是否具備條件獲得恢復權利;然而,在本個案中,申請人於刑期屆滿不足3個月內提出有關的申請(2013年7月28日至10月4日),並沒有足夠的社會及個人客觀條件,進行整體、全面及嚴謹分析申請人是否具備“行為良好”;本人亦不能引用申請人在服刑中的表現作為依據,用以衡量及審查是否具備“行為良好”的前提;
  有鑑於此,本人決定,根據《澳門公共行政工作人員通則》第三百四十九條第一款規定,並行使第122/2009號行政命令第一條賦予的權限,不批准A,前治安警察局警員,編號XXXXX,其關於恢復權利的申請。
  著令通知申請人本批示的內容,並將有關文件送予治安警察局跟進隨後的附註手續。
  二零一四年四月三十日。
  於澳門特別行政區保安司司長辦公室。
   保安司司長
   XXX


* Inconformada com o despacho, o recorrente interpôs recurso contencioso dessa decisão para este TSI;


Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição do recurso, a única questão colocada pelo recorrente consiste no vício que imputou ao acto recorrido da falta absoluta de fundamentação.

E acumulou na petição de recurso o pedido de deferimento de aposentação compulsiva, no caso da procedência do recurso.

Então vejamos.

É verdade que nos termos do disposto no artº 24º/1º-a) do CPAC, qualquer que seja o tribunal competente, pode cumular-se no recurso contencioso o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido quando, em vez do acto anulado ou declarado nulo ou juridicamente inexistente, devesse ter sido praticado um outro acto administrativo de conteúdo vinculado.

Todavia, o pedido de deferimento de aposentação compulsiva, é de logo liminarmente rejeitar, uma vez que face ao disposto no artº 300º/7 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, o acto administrativo que autoriza a conversão da pena de demissão na pena de aposentação compulsiva dificilmente pode ser considerado um acto de conteúdo vinculado, antes pelo contrário, um acto a praticar no exercício do poder discricionário.

Diz o artº 300º/7 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau que “decorridos 5 anos sobre a aplicação da pena de demissão, poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do nº 2 do artigo 239º.”

O emprego pelo legislador da expressão “poder-se-á decretar” é bem demonstrativo da intenção de atribuir à Administração o poder discricionário para deferir ou não a reabilitação, mesmo que tenham sido verificados os pressupostos formais que consistem no simples decurso de 5 anos e no mínimo de 15 anos de serviços para efeitos de aposentação do interessado.

Avancemos.

A propósito desse único fundamento do recurso, o Dignº Magistrado do Ministério teceu o douto parecer nos termos seguintes:
  Nas conclusões da sua petição inicial, o recorrente assacou ao acto em causa, em primeiro lugar, o vício de forma por falta de fundamentação traduzido alegadamente na falta absoluta dos fundamentos de direito do indeferimento do seu pedido de reabilitação.
  No ordenamento jurídico de Macau, o art.115º do CPA implica os seguintes cumulativos requisitos da fundamentação: 1º- a explicitude que se traduz na declaração expressa; 2º- a contextualidade no sentido de, em regra, constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; 3º- a clareza; 4º- a congruência e, 5º- a suficiência. (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.637 a 642).
  É pacificamente aceite a jurisprudência do STA de Portugal no sen-tido de que a suficiência «é uma noção relativa que depende do tipo legal do acto e da posição do destinatário, tomando-se como padrão um destina-tário normal, sem se abstrair da situação concreta do interessado e da sua possibilidade real de compreender os motivos de decisão, de modo a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legal-mente protegidos.» (autores e ob. citados, p.641)
  A jurisprudência mais recente entende (Acórdão do STA de 10/03/1999, no processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, de-vendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circuns-tâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o iti-nerário cognoscitivo da autoridade decidente.
  No caso sub iudice, importa nomeadamente relembrar (Acórdão do TSI no Processo n.º509/2009): Na fundamentação de direito dos actos administrativos não se torna necessária a referência expressa aos preceitos legais, bastando a indica-ção da doutrina legal ou dos princípios em que o acto se baseia e desde que ao destinatário do acto seja fácil intuir qual o regime concreto aplicável.
  Em esteira, e à luz das jurisprudências constantemente sedimentadas pelos Venerandos TUI e TSI e consolidadas no ordenamento jurídico de Macau, estamos convictos com toda a tranquilidade de não se verificar in casu a arrogada falta de fundamentação.
  Pois bem, no despacho recorrido encontra-se a menção expressa do n.º7 do art.300º do EMFSM aprovado pelo D.L. n.º66/94/M e, nomea-damente, de «有鑑於此,本人決定,根據《澳門公共行政工作人員通則》第三百四十九條第一款規定,並行使第122/2009號行政命令第一條賦予的權限,不批准……其關於恢復權利的申請。»
*
  Ao abrigo das disposições legais nos n.ºs 2 a 4 do art.300º do citado EMFSM e no n.º2 do art.349º do ETAPM, perfilhamos a sensata posição do STA que proclama «não basta, para a sua concessão, a prova do normal cumprimento, por parte do funcionário ou agente, das suas obrigações fun-cionais, é necessário, além disso, provar-se a sua boa conduta, no sentido de ter havido, sem margem para dúvidas, uma inflexão segura no seu com-portamento e conduta anteriores anti-funcionais que permitam ilacionar, em função de critérios de avaliação do homem médio, que o sancionado reto-mou uma situação de cumprimento normal dos seus deveres funcionais sem perigo de recidiva.» (Acórdão do STA de 11/11/1993 no processo n.º028012)
  Em relação ao acto administrativo de indeferimento do pedido de reabilitação, o Venerando TSI aponta, e bem, que «O que está em causa é a não obtenção de um prémio, não é castigar de novo ou retirar-lhe algo por causa de uma condenação sofrida. O que está em causa é a avaliação de um comportamento, de uma personalidade e indagar se é merecedora ou não da reabilitação.» (vide. Acórdão extraído no Processo n.º741/2007)
  Neste caso, temos por cristal e impecável a conclusão de que «本人認為“行為良好”的審查應考慮申請人對社會作出的負責任表現以及個人守法責任、良好行為及品格,故此。立法者在恢復權利制度中規範最少五年時間(自撤職後五後)讓行政當局衡量申請人是否具備條件獲得恢復權利;然而,在本個案中,申請人於刑期屆滿不足3個月內提出有關的申請(2013年7月28日至10月4日),並沒有足夠的社會及個人客觀條件,進行整體、全面及嚴謹分析申請人是否具備“行為良好”;本人亦不能引用申請人在服刑中的表現作為依據,用以衡量及審查是否具備“行為良好”的前提;»
  Nesta linha de perspectiva, entendemos firmemente que no despa-cho em causa, a Administração cumpriu, de forma cabal e escrupulosa, o dever de fundamentação, e não se verifica este vício de forma.
***
  Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.

Subscrevemos integralmente o douto parecer do Ministério Público.

Na verdade, o acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controlo da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Sob outro prisma, considera-se cumprido o dever de fundamentação, quer na forma da exposição directa das razões de facto e de direito, quer através da declaração da concordância ou da remissão para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas nos termos autorizados pelo artº 115º/1 do CPA, quando o acto encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.

Na esteira desse entendimento, não nos parece que o recorrente não ficou a conhecer as razões de facto e de direito em que se apoiou a decisão recorrida, pois basta uma leitura simples do teor do despacho recorrido, salta à vista de que foi por ausência dos factos demonstrativos da boa conduta por parte do recorrente num curtíssimo período de tempo após a sua libertação e a data do requerimento pedindo a reabilitação, que indeferiu a requerida conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.

Bem ou mal formulados estes juízos, a entidade recorrida fundamentou efectivamente a decisão recorrida de modo a que o seu destinatário pudesse compreender o seu sentido.

E para nós, o que no fundo pretendia dizer o recorrente é apenas questionar a bondade e a razoabilidade da decisão recorrida, e não a falta do cumprimento do dever da fundamentação.

O que, como se sabe, constituindo questões de mérito, não deve ser invocada sob a veste de um vício formal da falta de fundamentação.

Improcede assim o recurso.

Resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência:

* rejeitar o pedido de determinação do deferimento da conversão da pena de demissão na de aposentação compulsiva; e

* julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 12MAIO2016

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng

Fui presente
Mai Man Ieng