Processo nº 88/2016
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-15-0022-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:
I. Relatório:
A, de nacionalidade filipina, com residência em XXX, instaurou contra B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP 269.276,00, (cf. redução do pedido formulada em sede de audiência), acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
- MOP 38.550,00 a título de diferença no vencimento base;
- MOP 11.637,60 a título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado;
- MOP 36.125,00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP 20.808,00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP 108.103,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP 54.054,00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 16.12.1996 e 31.01.2005 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário, a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, deveria ter recebido subsídio de alimentação e subsídio de efectividade que nunca lhe foram pagos, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, durante todo o período da relação laboral, quantia de que pretende ser indemnizado nos termos supra expostos.
A Ré contestou defendendo, no essencial, que os contratos de prestação de serviço que servem de causa de pedir à pretensão do Autor não são aptos a criarem quaisquer direitos na sua esfera jurídica.
Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
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Questões a decidir:
- Se os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
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II. Fundamentação de facto:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
2) Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3) Entre 16/12/1996 e 31/01/2005, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança” (Cfr. doc. nº 1). (C)
4) O Autor foi recrutado pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 45/94:(D)
- aprovado pelo Despacho 0066/IMO/SACE/97, válido até 15/01/2001 (cfr. doc. 2);
- foi substituído pelo Contrato nº01/01, aprovado pelo Despacho n.º 02420/IMO/SEF/2000, de 30/11/2000, com efeitos a partir de 15/01/2001 até 18/01/2002 (Cfr. Doc. 3);
- foi substituído pelo Despacho n.º 03010/IMO/SEF/2001, de 16/10/2001, com efeitos a partir de 18/01/2002 até 18/01/2003 (Cfr. Doc. 4);
- foi substituído pelo Despacho n.º 03487/IMO/SEF/2002, de 11/11/2002, válido até 15/01/2004 (Cfr. Doc. 5);
- foi substituído pelo Despacho n.º 00113/IMO/SEF/2004, de 14/01/2004, válido de 11/02/2004 até 31/01/2005 (Cfr. Doc. 6).
5) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 7, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional): (E)
Ano
Salário anual
Salário normal diário (A)
1996
1997
45773
127
1998
49790
138
1999
51209
142
2000
48951
136
2001
47113
131
2002
38649
107
2003
48405
134
2004
53856
150
2005
10762
30
6) Entre 01 de Julho de 1999 e 31 de Janeiro de 2005, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal, com excepção de 14 dias em 2002. (F)
7) O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo dos contratos aludidos em 4). (1º)
8) Resulta do Contrato de Prestação de Serviço n.º 45/94 (aplicável ao Autor de 16/12/1996 a 15/01/2001) que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré – e, em concreto o Autor, – teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15.00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (2º)
9) Ao longo de toda a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3º)
10) Entre 16/01/2001 e 31/01/2005 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (5º)
11) Resulta do Contrato de Prestação de Serviço n.º 45/94 (aplicável ao Autor de 16/12/1996 a 15/01/2001), que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré – e, em concreto o Autor, – teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (6º)
12) Resulta igualmente do Contrato de Prestação de Serviço nº1/1, aprovado pelo Despacho 0240/IMO/SEF/2000 (aplicável ao Autor até 18/01/2002) que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré – e, em concreto o Autor, – teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (7º)
13) Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho. (8º)
14) A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias». (9º)
15) De acordo com o montante salarial constante do Contrato de prestação de serviços aprovado para a sua admissão, resulta que o Autor deveria ter recebido, no mínimo, MOP$90,00 diárias. (10º)
16) Entre Dezembro de 1996 e Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (11º)
17) Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (12°)
18) Entre Abril de 1998 e 15 de Janeiro de 2001, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00 mensais. (13º)
19) Entre 16 de Dezembro de 1996 e 30 de Junho de 1999, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (16º)
20) Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (17º)
21) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (19º)
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III. Fundamentação jurídica:
Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação (tal como ficou assente no facto 4), pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica, que nenhuma das partes põe em causa e, aliás, resulta da matéria de facto provada.
Relativamente à questão jurídica relativa ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o ora Autor, citando-se como exemplo, o mais recente Acórdão datado de 25.07.20131, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária de um dos contratos de prestação de serviços dados como assentes o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor, sendo de salientar que temos de fazer a destrinça dos sucessivos contratos de prestação de serviços que enquadraram a sua relação laboral.
Do contrato de prestação de serviços referido em 4) dos factos provados.
Ao abrigo deste contrato o Autor desenvolveu a sua actividade entre 16 de Dezembro de 1996 e 15 de Janeiro de 2001 (cf. factos provados 4) e 15) e de acordo com o mesmo o Autor tinha direito a receber um mínimo de MOP 90 diárias, portanto, MOP 2700 mensais.
Resulta provado o seguinte:
- O Autor auferiu, entre 16 de Dezembro de 1996 e Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada a quantia de MOP 1700 mensais, portanto, menos MOP 900 mensais (cf. facto 16), o que dá a favor do Autor a quantia de MOP 6.500,00 (6.5 meses x 1000 patacas), a título de diferença salarial;
- entre Julho de 1997 e Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada a quantia de MOP 1800 mensais, portanto, menos MOP 900 mensais (cf. facto 17), o que dá a favor do Autor a quantia de MOP 8.100,00 (9 meses x 900 patacas), a título de diferença salarial;
- entre Abril de 1998 e 15 de Janeiro de 2001, como contrapartida da actividade prestada a quantia de MOP 2000 mensais, portanto, menos MOP 700 mensais (cf. factos 18), o que dá a favor do Autor a quantia de MOP 23.450,00 (33.5 meses x 700 patacas), a título de diferença salarial.
Assim, a título de diferenças salariais deverá a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP 38.050,00.
Quanto ao subsídio de alimentação resulta provado em 8) que a Ré se comprometeu a pagar 15 patacas diárias a tal título. Resulta ainda provado que entre 16 de Dezembro de 1996 e 15 de Janeiro de 2001 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto 9), sendo que não resultam provados os dias em que o Autor não compareceu ao trabalho, resultando ainda provado que o durante todo o período laboral o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho (cf. facto 13) pelo que tem o Autor a receber a tal título a quantia de MOP 22.380,00 (1492 dias x MOP 15);
- Resulta efectivamente provado que entre 16 de Janeiro de 2001 e 31 de Janeiro de 2005 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto 10); a Ré se comprometeu a pagar MOP 300 mensais a tal título (cf. anexos ao contrato de prestação de serviços de fls. 37, 43, 50 e 55, cujos carimbos apostos, com excepção do de fls. 37, fazem constar a sua integração nos respectivos contratos de prestação de serviços), assim, tem o Autor a receber a tal título a quantia de MOP 14.550,00 (48.5 meses x MOP 300);
Assim, a título de subsídio de alimentação deverá a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP 36.930,00.
Quanto ao subsídio de efectividade resulta igualmente não ter sido pago pela Ré ao Autor (cf. facto 14), sendo que o Autor não deu qualquer falta ao serviço, sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf. facto 13), pelo que lhe é devida a quantia de MOP90 x 4 dias x 49 meses + MOP66 x 4 dias x 12 meses, isto é, MOP 20.808,00, aliás, o que coincide com o montante peticionado pelo Autor.
Por fim, o Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, sendo desde logo de exceptuar o período decorrido entre 16 de Dezembro de 1996 e 31 de Janeiro de 2005 - factos demonstrados em 6 e 19.
Resulta provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor não foi remunerado com qualquer acréscimo salarial (cf. facto 20).
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2, com a correcção que resulta da acta da audiência de discussão e julgamento e que assim tem de ser devidamente compaginada com a matéria de facto provada.
Salario anual
/ Salário diário (cf. facto 5)
n.º de dias devidos
e não gozados
Quantia indemnizatória
16/12/1996 – 31/12/1996
0
0
1997
45.773 / 127
52
13.208
1998
49,790 / 138
52
14.352
1999
51.209 / 142
52
14.768
2000
48.951 / 136
52
14.144
2001
47.113 / 131
52
13.624
2002
38.649 / 107
38
8.132
2003
48.405 / 134
52
13.936
2004
53.856 / 150
52
15.600
01/01/2005 – 31/01/2005
10.762 / 30
4
240
TOTAL
406
108.004
Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores supra apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré2, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê3, o que perfaz a quantia global de MOP 54.002,00.
Na presente acção o Autor reclama ainda a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório o que, em face das disposições legais supra citadas, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP 54.002,00.
Relativamente ao trabalho extraordinário nenhuma matéria provada ficou assente, razão por que, nessa parte, não pode proceder a acção.
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Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença (4), atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
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IV. Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP 203.792,00 (sendo 38.050,00 a título de diferenças salariais, 36.930,00 a título de subsídio de alimentação, 20.808,00 a título de subsídio de efectividade, 54.002,00 a título de descansos semanais, 54.002,00 a título do não gozo dos dias de descanso compensatório), acrescida juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório, absolvendo no mais a Ré do pedido.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
Não se conformando com essa sentença, vieram o Autor e a Ré recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância.
O Autor alegou concluindo e pedindo:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.° de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de de MOP$108,004.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$54,002.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer, devendo manter-se a douta decisão no que diz respeito à quantia devida a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
Por sua vez a Ré formulou as seguintes conclusões e pedidos:
a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
I) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, n° 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, n° 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
bb) Por outro lado, não foi feita prova quanto ao número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. entre 16.12.1996 e 30.06.1999;
cc) Pelo que falta o suporte de facto necessário para atribuir ao A. o direito a subsídio de alimentação naquele período;
dd) Por outro lado, o contrato de prestação de serviços n° 1/1, aplicável a partir de 15.01.2001, apresenta o campo destinado ao subsídio de alimentação como inutilizado, sem indicação de valor algum, ou estipula que a atribuição de subsídios, incluindo o de alimentação, deveria ser objecto de acordo individual entre a R. e os trabalhadores em causa;
ee) Sendo que o A. nada alegou ou provou a respeito de um tal acordo;
ff) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada
JUSTIÇA
Notificados o Autor e a Ré das alegações apresentadas pela contra-parte, só a Ré respondeu pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo Autor.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada;
2. Das diferenças salariais;
3. Do subsídio de alimentação;
4. Do subsídio de efectividade; e
5. Do multiplicador para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Passemos então a apreciá-las.
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada
Em primeiro lugar, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica, feita pelo Tribunal a quo, do acordo celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.
Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.
Não se vê portanto razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e a serem afectados ao serviço da Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
Segundando a nossa jurisprudência unânime, o Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.
Ora, reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórias a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
2. Das diferenças salariais e do subsídio de efectividade
Apoiando-se a recorrente na sua tese de que o contrato de prestação de serviço não é um contrato a favor de terceiro, defende que é forçoso concluir que nenhum direito assiste ab initio ao Autor para reclamar quaisquer condições mais favoráveis emergentes daquele contrato, referentes às diferenças salariais e ao subsídio de efectividade.
Todavia, tendo em conta o decidido supra na questão nº 1, isto é, o Autor, enquanto terceiro beneficiário, adquiriu o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”, por efeito imediato do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, cai por terra toda a tese defendida pela Ré para não reconhecer as peticionadas diferenças salariais entre aquilo que recebeu e aquilo que deveria ter recebido e o direito ao subsídio da efectividade.
3. Do subsídio de alimentação
A Ré recorrente questiona a decisão recorrida na parte que reconhece ao Autor o direito ao subsídio de alimentação com vários fundamentos, deduzidos numa relação de subsidiariedade.
O fundamento principal reside na sua tese de que o contrato de prestação de serviço não é um contrato a favor de terceiro. Defende portanto que é forçoso concluir que ao Autor não assiste o o direito de reclamar o subsídio de alimentação com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.
Mais uma vez, tal como vimos supra, cai por terra a tese da Ré e é de reconhecer ao Autor o direito ao subsídio de alimentação com base naquele contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada.
Como argumento subsidiário, a recorrente defende que, mesmo que se trate de um contrato a favor de terceiro o celebrado entre ela e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada, o subsídio de alimentação não é devido ao Autor uma vez que os vários contratos de prestação de serviço aprovados pela Administração e que vigoraram de 03JAN2001 a 31JAN2005, não contém qualquer estipulação que confira ao Autor o direito a receber tal subsídio, remetendo estes para o acordo individual entre as partes, sobre o qual nada foi alegado ou provado.
Não tem razão a recorrente.
Na verdade, no contrato aprovado pelo Despacho nº 02420/IMO/SEF/2000, a cláusula 3.1 não contem qualquer preenchimento sobre a quantia mensal a título de subsídio de alimentação e nos restantes contratos posteriores a cláusula 3.2 desses contratos limita-se a estipular que “para além da remuneração supra referida, os trabalhadores terão direito aos subsídios adicionais acordados individualmente entre os trabalhadores e a 1ª outorgante. Estes subsídios poderão ser atribuídos ou não ao trabalhador em função do posto ou local de trabalho, terão sempre um carácter temporário, e poderão variar de valor, de período para período de trabalho.”.
Todavia ficou provada a matéria do quesito 2º onde se pergunta que: Resulta do Contrato de Prestação de Serviço nº 1/1 – aprovado pelo Despacho nº 02420/IMO/SEF/2000, sucessivamente renovado pelos Despachos nº 03010/IMO/SEF/2001, nº 03487/IMO/DSAL/2002, e nº 00113/IMO/DSAL/2004, que o Autor ( e os demais trabalhadores não residentes) teria direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação?
Subsidiaria e finalmente, a recorrente defende que o montante de subsídio de alimentação arbitrado pelo Tribunal a quo se mostra incorrectamente calculado, uma vez que o Tribunal arbitrou a favor do Autor o subsídio de alimentação mesmo nos dias em que não trabalhou.
Trata-se da questão de saber se o subsídio de alimentação é devido nos dias em que o Autor efectivamente trabalhou ou é sempre devido em todos os dias enquanto durou a relação de trabalho.
Então vejamos.
Nota-se que, in casu, o “quando” deve ser pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.
Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.
In casu, foi apenas estipulada no contrato de prestação de serviço a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.
Para resolver esta questão, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.
Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é a retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.
Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.
Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.
Mas ficamos sem saber se era devido enquanto a relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.
Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 3º/3-d), por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, por conhecimento que temos por virtude do exercício de funções, por remissão expressa do contrato individual de trabalho celebrado entre a Ré e os seus trabalhadores, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.
Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.
Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
É o que se estabelece nos artºs 17º, 19º e 21º daquele decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.
Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.
E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.
Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque o legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.
Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.
Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de obrigar a entidade patronal a pagar o subsídio de alimentação quer nos dias em que trabalha quer nos dias em que não trabalha.
Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.
Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.
As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.
Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.
Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.
Assim sendo, é de concluir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que o trabalhador efectivamente trabalha.
Ora, ficou provado que “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho”.
Bom, este facto, de per si, não afirma nem infirma que, enquanto durou a relação laboral entre o Autor e a Ré, o Autor já chegou a faltar ao serviço, com motivos justificativos.
Assim, ante a matéria de facto assim provada, entendemos que o Autor não logrou demonstrar o número exacto dos dias em que efectivamente trabalhou.
Assim sendo, não nos resta outra alternativa que não seja a revogação da sentença recorrida nesta parte, reconhecer ao Autor o direito de receber o subsídio de alimentação em todos os dias em que trabalhou durante o período compreendido entre 16JAN2001 e 31JAN2005, e condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença – artº 564º/2 do CPC.
4. Do subsídio da efectividade
A recorrente faz apoiar a impugnação da decisão que determinou a atribuição ao Autor do subsídio de efectividade na sua tese de que o contrato de prestação não é um contrato a favor de terceiro e na procedência do pedido da impugnação da matéria de facto.
Todavia, conforme decidimos supra, já por nós demonstrada a insubsistência desses argumentos.
Além disso, para a recorrente, como ficou estipulado no contrato de prestação de serviço que “…… cada trabalhador terá direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.”, o Autor só tem direito se se demonstrar que nem faltou ao serviço mesmo com conhecimento e autorização prévia da Ré.
Para nós a boa interpretação deve ser no sentido de que a falta a que se refere a cláusula deve ser entendida como abrangendo só a falta injustificada, e não também a falta justificada e/ou a previamente autorizada pela Ré, pois se trata de um incentivo para que os trabalhadores não faltem ao serviço sem justificação ou sem que para tal estejam autorizados, por forma a assegurar na medida do possível a continuidade das actividades a que se dedica a Ré, nomeadamente a prestação dos serviços de segurança, vigilância.
In casu, ficou provado que “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho”.
Este facto, de per si, já afirma que o Autor não chegou a faltar ao serviço injustificadamente, enquanto durou a relação laboral entre o Autor e a Ré.
Para reclamar o alegado direito ao subsídio de efectividade, ao Autor cabe demonstrar os factos constitutivos do seu direito, isto é, o facto de não ter faltado ao serviço injustificadamente – artº 335º do CC.
Tendo sido demonstrada pelo Autor a verificação desse pressuposto de que depende a atribuição do subsídio de efectividade, é de manter a sentença na parte que atribuiu ao Autor o subsídio de efectividade.
5. Do multiplicador para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal
O Autor pede, inter alia, a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e a compensação dos dias compensatórios dos descansos semanais não gozados.
O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esses direitos.
Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, adoptado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2).
Tem razão o Autor.
Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$108.004,00, correspondente ao dobro de MOP$54.002,00, quantia fixada na sentença recorrida.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento parcial ao recurso interposto pela Ré B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada e conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor A, determinando:
* A revogação da sentença recorrida na parte que diz respeito ao subsídio de alimentação, passando a condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença nos termos acima consignados;
* A revogação da sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, passando a atribuir ao Autor, a título da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor total de MOP$108.004,00; e
* Manter na íntegra todas as restantes condenações feitas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes/recorridos, na proporção do decaimento.
Notifique.
RAEM, 19MAIO2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
(1) http://www.court.gov.mo/p/pdefault.htm .
2 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: «…tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
3 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.º, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
4 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02.03.2011.
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Ac. 88/2016-33