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Proc. nº 98/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 12 de Maio de 2016
Descritores:
-Contrato a favor de terceiro

SUMÁRIO

A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.







Proc. nº 98/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, do sexo masculino, portador do passaporte filipino n.º XXX, nascido aos 10 de Outubro de 1971, residente em XXX, representado pelo Ministério Público, instaurou acção de processo comum do trabalho contra B (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA - LIMITADA, com sede na XXX, Macau, tel. XXX, pedindo a condenação desta no pagamento de quantias devidas em razão da relação laboral que os unia.
*
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de MOP$ 132.542,91 e juros respectivos.
*
É contra essa sentença que ora vem interposto o presente recurso pela ré da acção, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3º e 9º;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como “contratos de prestação de serviços”;
j) Deles é possível extrair que a Sociedade “contratou” trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, nº 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, nº 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
cc) Por outro lado, não se provou nos autos qual o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. à R.;
dd) Ao decidir no sentido em que o fez, o Tribunal recorrido incorreu em errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228º, nº 1 do Código Civil.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA.».
*
O autor da acção respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
« A. O contrato de prestação de serviços chegado entre uma agência de empregado e a entidade patronal com o fim de recrutamento de trabalhadores não residentes, deve qualificar como o contrato a favor de terceiro, no qual um conjunto das condições de trabalho aí estipuladas constitui também uma das fontes reguladoras da relação laboral entre o empregador e os seus trabalhadores não residentes.
B. À luz das regras da experiência não se verifica qualquer erro - notório ou não - na apreciação da prova por parte do tribunal a quo. Consequentemente, não pode merecer crítica a convicção do tribunal a quo resultante da livre apreciação das provas constante dos autos, nomeadamente os nomeadamente aos documentos a fls. 133 a 198, que considerou como provados os factos “根據被告與職業介紹所「澳門勞動資源有限公司」所訂立的一份合同,前者委託後者物色外地僱員來為其工作,而獲招聘而來的外地僱員將得到日薪澳門幣90元以及每天澳門幣15元的膳食津貼作為工作報酬。”.
Neste termos e nos melhores de Direito que V. Exas. deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente.».
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
- O Autor foi contratado pela Ré aos 13 de Junho de 1996. (A)
- Desde o dia de contratação. O Autor começou a exercer funções de guarda para a Ré. (B)
- O Autor seguia as instruções do trabalho da Ré e era sob a direcção e chefia dele. Trabalhava segundo as instruções e a direcção da Ré. (C)
- O Autor prestava sempre serviço à Ré até a 1 de Junho de 2008, quando o Autor finalizou a sua relação laboral com a Ré. (D)
- Segundo um contrato celebrado entre a Ré e a agência de emprego “SOCIEDADE DE APOIO ÀS EMPRESAS DE MACAU, LIMITADA”, a Ré mandou a SOCIEDADE DE APOIO ÀS EMPRESAS DE MACAU, LIMITADA” para arranjar trabalhadores não residentes para trabalharem para ela, e os trabalhadores não residentes encontrados iam receber o salário diário de MOP$ 90 e o subsídio diário de alimentação de MOP$ 15, como remunerações de trabalho. (E)
- Desde 15 de Janeiro de 2001, o contrato acima referido foi substituído por um outro contrato estabelecido entre a Ré e a agência de emprego. Este contrato também foi apreciado e autorizado pelas autoridades administrativas. Nele se estipulava que as remunerações do trabalho do trabalhador não residente acima referido mudavam para MOP$ 2000 por cada 215 horas. (F)
- Desde 15 de Março de 2006, o contrato acima referido do ano 2001 foi substituído por um outro contrato estabelecido entre a Ré e a agência de emprego. Este contrato também foi apreciado e autorizado pelas autoridades administrativas. Nele se estipulava que as remunerações do trabalho do trabalhador não residente acima referido mudavam para MOP$ 4000 mensalmente, e que precisava de trabalhar por 312 horas. (G)
- Desde 31 de Março de 2007, o contrato acima referido do ano 2006 foi substituído por um outro contrato estabelecido entre a Ré e a agência de emprego. Este contrato também foi apreciado e autorizado pelas autoridades administrativas. Nele se estipulava que as remunerações do trabalho do trabalhador não residente acima referido mudavam para MOP$ 5070 mensalmente, incluindo os trabalhos extraordinários e os subsídios. (H)
- No entanto, por outro lado, no exercício das funções pelo Autor, a Ré sozinha, por várias vezes, fixou acordos com ele. (I)
- Segundo os acordos acima referidos:
- Desde o dia de início das funções, a Ré comprometeu-me ao Autor que se ele completasse mensalmente 215 horas de trabalho, podia obter o salário de base de MOP$ 1500;
- Desde Julho de 1999, a Ré mudou o compromisso dele ao Autor para: num mês de 30 dias, se ele completasse mensalmente 215 horas de trabalho, podia obter o salário de base de MOP$ 2000;
- Desde Fevereiro de 2005, a Ré mudou o compromisso dele ao Autor para: num mês de 30 dias, se ele completasse mensalmente 215 horas de trabalho, podia obter o salário de base de MOP$ 2100;
- Desde Março de 2006, a Ré mudou o compromisso dele ao Autor para: num mês de 30 dias, se ele completasse mensalmente 208 horas de trabalho, podia obter o salário de base de MOP$ 2288;
- Desde Janeiro a Dezembro de 2007, a Ré mudou o compromisso dele ao Autor para: num mês de 30 dias, se ele completasse mensalmente 208 horas de trabalho, podia obter o salário de base de MOP$ 2704. (J)
- Durante o exercício das funções pelo Autor, a Ré pagava as remunerações de trabalho ao Autor sempre de acordo com os acordos fixados com ele. (K)
- No caso de trabalhos a horas extras, a Ré pagava ao Autor as respectivas renumerações sempre segundo os seguintes padrões:
- Antes de Julho de 1999: MOP$ 8 por hora;
- De Julho de 1999 a Junho de 2002: MOP$ 9,3 por hora;
- De Julho a Dezembro de 2002: MOP$ 10 por hora;
- De Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2005: MOP$ 11 por hora;
- De Março de 2005 a Fevereiro de 2006: MOP$ 11,3 por hora;
- De Março a Dezembro de 2006: MOP$ 11,5 por hora;
- De Janeiro a Dezembro de 2007: MOP$ 14 por hora. (L)
- Desde o dia do início do exercício das funções, ou seja, 13 de Junho de 1996, até 31 de Dezembro de 2007, o Autor prestava serviços à Ré durantes os descansos semanais, 12 horas por dia. (M)
- Em 22 de Agosto de 2002, o Autor assinou uma declaração, afirmando exigir voluntariamente trabalhar durante os descansos semanais. (N)
- Depois de prestar serviços nos descansos semanais, a Ré só pagava ao Autor o único salário do próprio dia, e não deixava o Autor desfrutar de um dia de descanso compensatório no prazo de 30 dias, também não fez compensação extra ao Autor. (O)
- Em Fevereiro de 2005, o salário de base recebido pelo Autor foi apenas MOP$ 2000. (P)
- A contratação do Autor pela Ré teve origem na autorização de contratação de trabalhador não residente, concedida pelas autoridades administrativas. Segundo a autorização, a Ré obriga-se a ter como condição de contratação o contrato celebrado entre ela e a agência de emprego “SOCIEDADE DE APOIO ÀS EMPRESAS DE MACAU, LIMITADA” acima mencionado. (1.º)
- De 1 de Julho de 1999 a 31 de Dezembro de 2007, o Autor prestava serviços sempre à Ré, trabalhava por horas diferentes por dia. Os números concretos das horas são os seguintes:
Data
Número de horas de trabalho
Data
Número de horas de trabalho
Data
Número de horas de trabalho
Data
Número de horas de trabalho
1/7/1999
15.50
17/8/1999
15.50
3/10/1999
12.00
16/11/2007
12.00
2/7/1999
15.50
18/8/1999
15.50
1/10/2007
12.00
17/11/2007
12.00
3/7/1999
17.00
19/8/1999
15.50
2/10/2007
12.00
18/11/2007
12.00
4/7/1999
14.00
20/8/1999
15.50
3/10/2007
12.00
19/11/2007
12.00
5/7/1999
15.50
21/8/1999
17.00
4/10/2007
12.00
20/11/2007
12.00
6/7/1999
15.50
22/8/1999
12.00
5/10/2007
12.00
21/11/2007
12.00
7/7/1999
15.50
23/8/1999
15.50
6/10/2007
12.00
22/11/2007
12.00
8/7/1999
15.50
24/8/1999
15.50
7/10/2007
12.00
23/11/2007
12.00
9/7/1999
15.50
25/8/1999
15.50
8/10/2007
12.00
24/11/2007
12.00
10/7/1999
17.00
26/8/1999
15.50
9/10/2007
12.00
25/11/2007
12.00
11/7/1999
12.00
27/8/1999
15.50
10/10/2007
12.00
26/11/2007
12.00
12/7/1999
15.50
28/8/1999
17.00
11/10/2007
12.00
27/11/2007
12.00
13/7/1999
15.50
29/8/1999
12.00
12/10/2007
12.00
28/11/2007
12.00
14/7/1999
15.50
30/8/1999
15.50
13/10/2007
12.00
29/11/2007
12.00
15/7/1999
15.50
31/8/1999
15.50
14/10/2007
12.00
30/11/2007
12.00
16/7/1999
15.50
1/9/1999
15.50
15/10/2007
12.00
1/12/2007
12.00
17/7/1999
12.00
2/9/1999
15.50
16/10/2007
12.00
2/12/2007
12.00
18/7/1999
12.00
3/9/1999
15.50
17/10/2007
12.00
3/12/2007
12.00
19/7/1999
15.50
4/9/1999
17.00
18/10/2007
12.00
5/12/2007
12.00
20/7/1999
16.00
5/9/1999
12.00
19/10/2007
12.00
6/12/2007
12.00
21/7/1999
15.50
6/9/1999
15.50
20/10/2007
12.00
7/12/2007
12.00
22/7/1999
15.50
7/9/1999
15.50
21/10/2007
12.00
8/12/2007
12.00
23/7/1999
15.50
8/9/1999
15.50
22/10/2007
12.00
9/12/2007
12.00
24/7/1999
12.00
9/9/1999
15.50
23/10/2007
12.00
10/12/2007
12.00
25/7/1999
12.00
10/9/1999
15.50
24/10/2007
12.00
12/12/2007
12.00
26/7/1999
15.50
11/9/1999
17.00
25/10/2007
12.00
13/12/2007
12.00
27/7/1999
15.50
12/9/1999
12.00
26/10/2007
12.00
14/12/2007
12.00
28/7/1999
15.50
13/9/1999
15.50
27/10/2007
12.00
15/12/2007
12.00
29/7/1999
15.50
14/9/1999
15.50
28/10/2007
12.00
16/12/2007
12.00
30/7/1999
15.50
15/9/1999
15.50
29/10/2007
12.00
17/12/2007
12.00
31/7/1999
12.00
16/9/1999
15.50
30/10/2007
12.00
19/12/2007
12.00
1/8/1999
14.50
17/9/1999
15.50
31/10/2007
12.00
20/12/2007
12.00
2/8/1999
15.50
18/9/1999
17.00
1/11/2007
12.00
21/12/2007
12.00
3/8/1999
15.50
19/9/1999
12.00
2/11/2007
12.00
22/12/2007
12.00
4/8/1999
15.50
20/9/1999
15.50
3/11/2007
12.00
23/12/2007
12.00
5/8/1999
15.50
21/9/1999
15.50
4/11/2007
12.00
24/12/2007
12.00
6/8/1999
15.50
22/9/1999
15.50
5/11/2007
12.00
26/12/2007
12.00
7/8/1999
17.00
23/9/1999
15.50
6/11/2007
12.00
27/12/2007
12.00
8/8/1999
12.00
24/9/1999
15.50
7/11/2007
12.00
28/12/2007
12.00
9/8/1999
15.50
25/9/1999
12.00
8/11/2007
12.00
29/12/2007
12.00
10/8/1999
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26/9/1999
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9/11/2007
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30/12/2007
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11/8/1999
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27/9/1999
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10/11/2007
12.00
31/12/2007
12.00
12/8/1999
15.50
28/9/1999
15.50
11/11/2007
12.00
13/8/1999
15.50
29/9/1999
15.50
12/11/2007
12.00
14/8/1999
17.00
30/9/1999
15.50
13/11/2007
12.00
15/8/1999
12.00
1/10/1999
12.00
14/11/2007
12.00
16/8/1999
15.50
2/10/1999
17.00
15/11/2007
12.00
(3.º)
- Todas as vezes depois de o Autor prestar serviços nos feriados obrigatórios, a Ré pagava ao Autor o salário do próprio dia e as compensações salariais em montantes diferentes. Entre estes, os montantes das compensações salariais entre Julho de 1999 a Dezembro de 2007 são os seguintes:
- 24 de Setembro de 1999 (Dia seguinte ao do Bolo Lunar / Chong Chao), o montante da compensação foi MOP$ 228,44;
- 1 de Outubro de 1999, o montante da compensação foi MOP$ 250,02;
- 1 de Outubro de 2007 e 19 de Outubro de 2007 (Culto dos Antepassados / Chong Yeong), o montante da compensação foi MOP$ 311,64;
- 20 de Dezembro de 2007, o montante da compensação foi MOP$ 78. (4.º)
***
III – Decidindo
1 – Da natureza do Despacho nº 12/GM/88 e da Qualificação dos contratos celebrados entre a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada “ e “B”.
Este assunto, que a recorrente uma vez mais esgrime junto do TSI, está sobejamente tratado e não vemos motivo para alterar a posição que de nós tem merecido.
Por comodidade, transcreveremos o que foi dito no Ac. TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010:
“1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre B e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (B) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda).
Aquele despacho disse, ainda, que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a) - manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b) - garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al.c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante B) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (B e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e abusos eventuais. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E, por isso mesmo, é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
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2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre B e Sociedade de Apoio?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre B e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre B e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
A sentença em crise entende, porém, que não, por não sentir emergir daquele contrato de prestação de serviços nenhuma das figuras contratuais que costumam associar terceiros não intervenientes, como foi o caso.
Por outras palavras, a questão é a do apuramento da natureza jurídica desse contrato no que a estes terceiros concerne.
E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, ou um contrato de cedência de trabalhadores – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (Sociedade de Apoio) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
E para assim concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato” (ver fls. 20 vº a 22 da sentença). Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos-tipo desta espécie contratual.
A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre B e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que B se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que equivale a dizer que (…), o contrato a favor de terceiro9 será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”.
Pelas razões transcritas, e que com a devida vénia fazemos nossas, concluímos pelo improvimento do recurso quanto a esta parte.
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2 - Das diferenças salariais
Quanto a este segmento do recurso, ele funda-se tão-somente na divergência que a recorrente manifesta em relação ao decidido na 1ª instância acerca da natureza do despacho 12/GM/88 e da qualificação dos contratos celebrados com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau.
Ora, tendo nós atrás reconhecido que a recorrente não tem razão nesses pontos, não se vê que haja qualquer motivo para censurar a sentença no que a este capítulo concerne.
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3 – Do trabalho extraordinário
Vale aqui o que acabamos agora mesmo de afirmar em relação às diferenças salariais. Na verdade, tendo a fundamentação do recurso incidido, também quanto a esta parte, na natureza dos Despachos e Contratos aludidos, cai automaticamente por terra a insurgência da “B” contra a sentença no tocante a esta matéria.
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4 – Do subsídio de alimentação
Repete a recorrente, quanto a este aspecto, as considerações que teceu a propósito dado Despacho nº 12/GM/88 e da qualificação dos contratos celebrados com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau. Ora, sendo assim, e tendo em consideração o que sobre o assunto já expendemos, é patente que a recorrente não tem razão também quanto ao subsídio de alimentação, que assim consideramos devido, tal como o entendeu o tribunal “a quo”.
Por outro lado, a recorrente ainda sustenta que o autor não fez a prova dos dias de trabalho efectivo prestado, pelo que sempre teria a sentença que ser revogada e a ré ser condenada a pagar o que vier a ser liquidado em execução de sentença.
Pois bem. É um dado assente que este TSI tem enveredado para liquidar em execução de sentença a indemnização devida a este título, sempre que não estejam provados os dias de serviço efectivamente prestado.
Acontece que tais decisões têm assentado no pressuposto de que a prova sobre os dias de trabalho efectivo não fora cabal, por ter ficado demonstrado especialmente que o empregado faltou alguns dias ao serviço.
Ora, no caso em apreço, a resposta ao art. 3º da BI, para além de não ser exacta (fala-se num período entre 1/07/1999 e 31/12/2007, quando, na realidade, no respectivo mapa, logo a seguir a 3/10/99 se prossegue para 1/10/2007, ficando-se sem saber o que sucedeu no período intermédio), é mais adequado a demonstrar o número de horas prestadas dentro daqueles dois períodos e não o número de dias de trabalho efectivo.
Por outro lado, não existe nenhum outro artigo da base instrutória dedicado ao número de faltas, tal como nenhum dos factos assentes nos esclarece sobre se o autor deu ou não qualquer falta durante o período da relação laboral.
Assim, cremos que, quanto a esta matéria, se deverá relegar a respectiva liquidação para execução de sentença.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a) Conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte referente à indemnização relativa ao subsídio de alimentação, cujo apuramento se relega para liquidação em execução de sentença;
b) Julgar não provido o recurso na parte restante.
Custas pela recorrente, em função do decaimento.
TSI, 12 de Maio de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492.
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pág. 410.
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pág. 13.
4 Ob. cit, pág. 417.
5 Margarida Lima Rego, ob. cit., pág. 493. Também, E. Santos Júnior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pág. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit., pág. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pág. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pág. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pág. 336 e 338.
9 O TSI assim tem considerado de forma insistente (v.g., Ac. TSI, de 23/06/2011, Proc. nº 69/2011; 25/07/2013, 25/04/2013, Proc. nº 372/2012, 13/09/2012, Proc. nº 396/2012).
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