Processo n.º 17/2016. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Proibições de prova. Conversas informais. Órgãos de polícia criminal. Artigos 337.º, n.º 7 e 338.º, n. os 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Data do Acórdão: 8 de Junho de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - São de conhecimento oficioso as questões relativas a proibições de prova, que só precludem com o trânsito em julgado da decisão final.
II - Relativamente às conversas informais entre arguidos e agentes policiais, há que fazer um distinguo entre aquelas que devem seguir a regra da proibição de inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações prestadas perante eles pelo arguido e aquelas a que essa regra não pode aplicar-se. As declarações do arguido, à margem da tomada de declarações aos órgãos de polícia criminal, que acabam por não extractadas em auto, a seu pedido ou não, estão cobertas pelo princípio da proibição. As afirmações do arguido aos agentes policiais aquando da detenção ou da reconstituição dos factos, admitindo a prática do crime, ou revelando o modus operandi ou o local onde escondeu objectos do crime ou o corpo da vítima, podem ser objecto de depoimento daqueles agentes policiais em audiência e valorados pelo Tribunal.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 16 de Outubro de 2015, condenou o arguido A, pela prática em autoria material, na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 10 (dez) anos de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 28 de Janeiro de 2016, em reclamação de decisão sumária do relator, rejeitou o recurso interposto pelo arguido.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando apenas uma questão, aliás nova, isto é, nunca suscitada nas instâncias inferiores, que é a seguinte:
Entende o recorrente que a decisão condenatória violou proibição de prova ao ter valorado depoimento do Investigador da Polícia Judiciária B que referiu na audiência, que o arguido, aquando da sua detenção, admitiu ter transportado os estupefacientes, em violação do disposto nos artigos 337.º, n.º 7 e 338.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que proíbe a inquirição sobre o conteúdo de qualquer declaração do arguido num momento anterior ao julgamento.
A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se pela manifesta improcedência do recurso.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
Os factos provados, os factos não provados e a fundamentação para o julgamento da matéria de facto foram os seguintes:
Factos provados:
1. No dia 21 de Fevereiro de 2015, cerca das 12h05, o arguido A tomou o voo XXXXX de C Airways, partindo de Banguecoque na Tailândia para Macau e, junto à esteira transportadora de bagagem do átrio de entrada no Aeroporto Internacional de Macau, foi interceptado pelos investigadores criminais da Polícia Judiciária e levado para o gabinete da Polícia Judiciária junto do Aeroporto Internacional de Macau.
2. Durante investigações, os investigadores verificaram que existe um forro na mala do arguido onde foi escondido um objecto embrulhado pelo saco plástico de cor preta (cerca de 50 cm x 27 cm).
3. Após cortado o supracitado embrulho pelos investigadores, nele foram encontrados certos pós de cor leitosa.
4. Feito o exame laboratorial, confirmou-se que os supracitados pós, com peso de 2.011,6 gramas, continham substâncias de “Heroína” abrangida pela Tabela I-A anexa à Lei n.º 17/2009 (Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas). A “Heroína” é uma droga com efeitos narcótico-analgésicos. Após feita a análise quantitativa, a percentagem de “Heroína” era de 48,7%, com peso de 980 gramas, sendo cinco vezes superior à quantidade de referência de uso diário (0,25 grama). Actualmente, encontram-se apreendidos aos autos a referida droga, o saco de embalagem e a mala (vd. Auto de revista e apreensão, constante de fls. 23 do Inquérito).
5. A mala onde foi escondida a supracitada droga foi entregue ao arguido em Madagáscar por um indivíduo do sexo masculino não identificado de nome “D”, tendo este ainda dado instruções ao arguido para tomar avião e transportar a dita droga para Macau por via de Tailândia, com a finalidade de a entregar a amigo de “D” no Interior da China por via de Macau.
6. Através da apresentação feita por um indivíduo do sexo masculino de nome “E”, o arguido conheceu “D” em Madagáscar, mas, antes disso, o arguido e “E” estavam no Quénia, na África, tendo “E” ajudado o arguido para tratar da renovação do visto do Quénia e lhe fornecido 400 dólares americanos (USD400,00) para comprar roupas e telemóvel.
7. O arguido tinha perfeito conhecimento de que no forro da mala por si trazida foi escondida a supracitada droga, tendo ainda a levado para Macau e preparado para transportá-la para o Interior da China, a fim de obter 2.000 euros (EURO2.000,00) pagos previamente por “D” como despesas de deslocação e alojamento, bem como de partilhar posteriormente com “D” e “E”, pelo menos, a remuneração de 8.000 dólares americanos.
8. Os investigadores ainda encontraram e apreenderam, na posse do arguido, um telemóvel (com três cartões SIM e uma bateria), quatro documentos de reserva de bilhete de avião electrónico (todos assinados pelo arguido), dois cartões de embarque (com voos partindo de Antananarivo para Tailândia em 20 de Fevereiro e de Tailândia para Macau em 21 de Fevereiro, respectivamente, cujos titulares eram o ora arguido), um documento de reserva do hotel “F Inn Gongbei Immigration Port Walking Street Branch”, bem como 400 dólares americanos, 2.000 euros, 4.800 ariary e 750 da moeda do Quénia (vd. Auto de apreensão, constante de fls. 25 do Inquérito).
9. Os supracitados apreendidos eram despesas, instrumento de comunicação e documentos comprovativos do transporte utilizados pelo arguido no tráfico da droga.
10. O arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e característica da droga acima indicada.
11. O arguido, com dolo, agiu voluntária, livre e conscientemente ao receber e transportar “Heroína” para Macau.
12. O arguido sabia bem que a conduta acima indicada era proibida e punida por lei.
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Ficaram provados ainda os factos seguintes:
Nada consta do certificado de registo criminal do arguido.
Declarou ter como habilitações académicas o primeiro ano do ensino superior, actualmente aposentado, recebia mensalmente cerca de 200 dólares americanos sem encargo económico e familiar.
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Factos não provados:
Não há outros factos por provar que se mostrem relevantes para a decisão.
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Convicção do Tribunal:
Na audiência de julgamento, o arguido negou a prática dos factos que lhe foram imputados.
Declarou o arguido que a sua mala estava avariada e, em consequência, trocou a mala com D e não sabia que nela se encontrava a droga em causa.
Assinalou o arguido que tinha negócios com D e E, cujo arguido era responsável pela vistoria e encomendação de produtos electrónicos em Zhuhai, enquanto D se responsabilizava pelo financiamento, suportando as despesas de transporte, de alojamento e de refeições, bem como as taxas dos vistos feitas pelo arguido, e E se responsabilizava pelo requerimento dos vistos.
Disse o arguido que, em primeiro lugar, conheceu E e depois D mediante a apresentação de E. O arguido tinha perfeito conhecimento da identidade e das situações familiares de E. Contudo, não foi possível contactar E por meio do número de telefone fornecido pelo arguido. Quanto a esta questão, o arguido respondeu que D e E fizeram, em conjugação, uma armadilha para ele.
Alegou o arguido que a sua mala foi estragada no meio do caminho para Madagáscar. Em Madagáscar, o arguido trocou a mala com D, pelo que a mala envolvida neste caso pertence a D. A namorada do arguido prestou-lhe auxílio na troca da mala. Na dada altura, o arguido apenas achou que a mala de D estava espessa e nela deu algumas palmadas, mas não notou o problema com ela. O arguido não sabia quanto devia pesar aquele tipo de mala, não podendo ajuizar ou duvidar que havia 2 kg da droga no meio do forro da mala, por estar com 2 kg a mais. O arguido só tomou conhecimento da existência da droga no meio do forro da mala quando foi interceptado.
O agente da PJ, B, prestou declaração na audiência de julgamento, relatando, clara e objectivamente, o decurso da intercepção do arguido. A testemunha disse que, naquele dia, o arguido tinha deslocado, por via aérea, de Banguecoque na Tailândia para Macau e revelou o seu nervosismo, por conseguinte, tornou-se alvo de vigilância. Por não se verificar contacto entre o arguido e outras pessoas, procedeu-se à intercepção do arguido. Na altura, o arguido admitiu o transporte da droga. A Polícia abriu a mala do arguido e encontrou a droga em causa. A mala tinha forte cheiro de café que talvez servisse para prevenir a detecção da droga pelos cães policiais.
O agente da PJ, G (sic), prestou declaração na audiência de julgamento, relatando, clara e objectivamente, o decurso da investigação do caso. A testemunha disse que se verificava relevo ligeiro na placa da mala trazida pelo arguido, por isso, o arguido poderia descobrir a estranheza da mala caso tivesse observado pormenorizadamente a mesma.
O relatório de exame laboratorial constante dos autos apurou a natureza e o peso da droga contida nas substâncias apreendidas.
O relatório social do arguido analisou descritivamente as condições de vida e a personalidade do arguido.
Não obstante o arguido ter negado a prática do crime, à luz das provas produzidas nos autos, mormente das declarações prestadas pelas testemunhas, das condições da mala trazida pelo arguido, do peso da droga transportada pelo arguido, entende o Tribunal Colectivo que foi apurada a veracidade dos factos imputados ao arguido.
Tendo analisado, de forma rigorosa, objectiva, sintética e crítica, as declarações prestadas pelo arguido e testemunhas na audiência de julgamento, conjugado com as provas documentais, os objectos apreendidos e as demais provas apreciados na audiência, este Tribunal Colectivo reconhece os factos acima expostos.
III - O Direito
1. A questão a resolver
Importa apreciar se a valoração, pelo tribunal colectivo, de declaração de Investigador da Polícia Judiciária, em audiência de julgamento, segunda a qual, o arguido, aquando da sua detenção, admitiu ter transportado os estupefacientes, viola alguma proibição de prova.
2. Proibição de prova. Conhecimento de questão nova
Tem-se entendido que são de conhecimento oficioso as questões relativas a proibições de prova, que só precludem com o trânsito em julgado da decisão final.
Aceitando este entendimento, é de conhecer desta questão, apesar de só ter sido suscitada no recurso para o TUI.
3. Conversas informais
Dispõem os artigos 337.º e 338.º do Código de Processo Penal:
“Artigo 337.º
(Leitura permitida de autos e declarações)
1. Só é permitida a leitura em audiência de autos:
a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 300.º e 301.º; ou
b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, da parte civil ou de testemunhas.
2. A leitura de declarações do assistente, da parte civil e de testemunhas só é permitida, tendo sido prestadas perante o juiz, nos casos seguintes:
a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 253.º e 276.º;
b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura; ou
c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias legalmente permitidas.
3. É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz ou o Ministério Público:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.
4. É ainda permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura.
5. Verificando-se o pressuposto da alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal.
6. É proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7. Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8. A permissão de uma leitura e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade”.
“Artigo 338.º
(Leitura permitida de declarações do arguido)
1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou
b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior”.
Entende o recorrente que a circunstância de a sentença mencionar, como elemento valorativo da convicção dos julgadores, que um Investigador da Polícia Judiciária referiu, em audiência, que o arguido, aquando da detenção, no aeroporto de Macau, admitiu ter transportado estupefacientes para Macau, viola o disposto nos artigos 337.º, n.º 7 e 338.º do Código de Processo Penal.
O excerto em causa da sentença é o seguinte:
“O agente da PJ, B, prestou declaração na audiência de julgamento, relatando, clara e objectivamente, o decurso da intercepção do arguido. A testemunha disse que, naquele dia, o arguido tinha deslocado, por via aérea, de Banguecoque na Tailândia para Macau e revelou o seu nervosismo, por conseguinte, tornou-se alvo de vigilância. Por não se verificar contacto entre o arguido e outras pessoas, procedeu-se à intercepção do arguido. Na altura, o arguido admitiu o transporte da droga. A Polícia abriu a mala do arguido e encontrou a droga em causa. A mala tinha forte cheiro de café que talvez servisse para prevenir a detecção da droga pelos cães policiais”.
Adiante-se que o mencionado Investigador nunca recebeu declarações do arguido, enquanto meio formal de produção de prova. Por isso, nunca o referido Investigador poderia ter sido inquirido em audiência, como não foi, sobre declarações produzidas pelo arguido nos autos.
Por outro lado, não foram lidas na audiência quaisquer declarações produzidas anteriormente pelo arguido nos autos.
Por isso, à primeira vista, estamos fora do âmbito de aplicação das normas invocadas pelo arguido, o n.º 7 do artigo 337.º e o artigo 338.º, n. os 1 e 2 do Código de Processo Penal, que proíbe que os órgãos de polícia criminal, que tiverem recebido declarações do arguido cuja leitura não for permitida, por não o terem sido a sua solicitação, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, de serem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
Não obstante, na doutrina e jurisprudência portuguesas, emitidas a propósito de normas semelhantes do Código de Processo Penal português, têm sido discutido se tais normas devem ser interpretadas de modo a abrangerem a proibição de valoração pelo tribunal de julgamento de quaisquer conversas informais travadas entre os arguidos a quem se imputa a prática de crimes e os agentes policiais.
Vejamos.
Como se sabe, face ao actual Código de Processo Penal, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). A excepção a este princípio é constituída pelas provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida (artigo 336.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
Dos artigos 337.º e 338.º constam quais os actos processuais cuja leitura é permitida em audiência.
A leitura de declarações de testemunhas ou arguidos em audiência é permitida apenas em especiais circunstâncias, sendo que declarações dos arguidos produzidas perante órgão de polícia criminal só são permitidas a sua própria solicitação [artigo 338.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal].
Como vimos, o n.º 7 do artigo 337.º proíbe a inquirição, como testemunhas em audiência, dos órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, mas apenas sobre o conteúdo daquelas declarações cuja leitura não for permitida (como é o caso das declarações do arguido prestadas anteriormente cuja leitura ele próprio não requerer em audiência).
É manifesto que a ratio do preceito é a de impedir a fraude à norma que impede a leitura de declarações prestadas anteriormente cuja leitura não seja permitida em audiência. Com a inquirição, como testemunhas, de agentes policiais que tivessem recolhido tais declarações, sobre o conteúdo dessas mesmas declarações, estar-se-ia a transformar em letra morta a norma que impede a leitura de declarações prestadas anteriormente cuja leitura não seja permitida em audiência.
Pois bem, relativamente às conversas informais entre arguidos e agentes policiais, há que fazer um distinguo entre aquelas que devem seguir o regime atinente à proibição de inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações prestadas perante eles pelo arguido, e aquelas a que esse regime não pode aplicar-se.
Se, no decurso de tomada de declarações a um arguido, perante agente policial, o primeiro acaba por confessar ao segundo a prática de crime, mas pede que tal declaração seja feita em off, isto é que não conste do auto de inquirição, a inquirição do agente em audiência sobre este ponto deve estar coberta pela mencionada proibição, dado que intencionalmente o arguido não pretendeu que a declaração ficasse a constar dos autos. Ou declarações do arguido, produzidas à margem da tomada de declarações, que acabam por não extractadas em auto.
Outra coisa, completamente diferente é a declaração de arguido aquando da detenção em flagrante delito com uma mala com estupefacientes, dizendo que a mala é dele e que conhece o seu conteúdo, como aconteceu nos autos. Ou afirmações do arguido aos agentes policiais sobre homicídio que praticou, porque o fez, onde escondeu o corpo, etc., aquando da reconstituição dos factos. Nestes casos, não há qualquer razão para estender a proibição da inquirição do agente policial sobre o conteúdo da declaração do arguido, dado que este a fez livre de qualquer coacção e livre de qualquer engano por parte do agente policial e sem relação alguma com autos de inquirição.
É este o entendimento de um recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, de 12 de Dezembro de 2013, no Processo n.º 292/11, em www.dgsi.pt, em que se sumariou:
VI - O agente de órgão de polícia criminal não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efectivamente não estão.
VII - Para além destas situações existe uma ampla probabilidade de realidades extra processuais em que a colaboração do arguido, por actos e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes, integrado num acto processual válido e relevante.
VIII - Não há qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incida sobre aspectos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram, quer quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova.
IX - Constitui um meio de prova válido, por se mostrar alheio ao âmbito de tutela dos arts. 129.° e 357.° do CPP, o depoimento prestado pela testemunha pertencente a órgão de polícia criminal relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que se procedeu.
E concluiu o mesmo acórdão:
“Conclui-se, assim, que o relato de agentes dos órgãos de polícia criminal sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido - tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc.- de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligencias de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligencias, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc.) que tenham autonomia técnico-jurídica constituem depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artigos 129 e 357 do Código ”.
Adere-se a este entendimento.
No caso dos autos, o Investigador limitou-se a dizer que o arguido, aquando da detenção no aeroporto de Macau, admitiu o transporte da droga.
Não há qualquer razão para equiparar tal admissão às declarações formais em auto.
Logo, não está abrangida pela proibição de prova.
Improcede, portanto, o recurso.
IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC. Fixa-se a quantia de MOP$2.000,00 de honorários ao ilustre defensor oficioso.
Macau, 8 de Junho de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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Processo n.º 17/2016
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Processo n.º 17/2016