Processo n.º 14/2016
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Chefe do Executivo
Data da conferência: 8 de Junho de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Concurso público para atribuição de moradias da RAEM
- Direito ao arrendamento de moradia
- Prazos procedimentais
SUMÁRIO
1. Só com a prolação do despacho de atribuição pelo Chefe do Executivo, previsto no n.º 2 do art.º 17.º do DL n.º 31/96/M, é que fica concluído o concurso público de atribuição de moradias, sendo este o acto administrativo que produz efeitos jurídicos na esfera jurídica dos candidatos admitidos e classificados no concurso, conferindo-lhes o direito ao arrendamento.
2. No caso de o candidato ao concurso público falecer antes de o Chefe do Executivo proferir o despacho de atribuição, é de afirmar que o direito ao arrendamento da moradia por si já escolhida não entra ainda na sua esfera jurídica enquanto vivo, pelo que não se pode transmitir nos termos do art.º 22.º n.º 1 do DL n.º 31/96/M.
3. Os prazos legais previstos no DL n.º 31/96/M (nomeadamente nos art.ºs 12.º n.º 1, 14.º e 16.º n.º 1) assumem, sem dúvida, apenas a natureza ordenadora e disciplinar, na falta de normas que imponham expressamente o contrário e a eventual inobservância de tais prazos não constitui motivo de invalidade do acto administrativo.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso da decisão do Exmo. Senhor Chefe do Executivo proferido em 10 de Setembro de 2013, que lhe negou o pedido de suceder no direito ao arrendamento da moradia escolhida pelo seu falecido marido B.
Por Acórdão proferido em 26 de Novembro de 2015, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso.
Inconformada com o Acórdão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Em primeiro lugar, a recorrente não se conforma com a posição do Tribunal de Segunda Instância que considerou que o direito de B respeitante ao arrendamento da moradia em causa destinada ao funcionário público só foi constituído e entrou em vigor, logo após a assinatura do despacho previsto no art.º 17.º n.º 2 do D.L n.º 31/96/M pelo Chefe do Executivo.
B) Na realidade, no respectivo processo do concurso, o Júri do Concurso em causa já publicou no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 10, II Série, datado de 6 de Março de 2013, a lista classificativa dos candidatos ao concurso, tendo B, na supracitada lista classificativa, sido classificado como candidato n.º 11 ao concurso público para atribuição de moradias, de tipologia T2 do grupo B.
C) De acordo com o art.º 17.º, n.º 1 do D.L n.º 31/96/M, logo após a publicação da lista definitiva, as moradias são distribuídas de acordo com as preferências manifestadas pelos candidatos e a precedência estabelecida na lista classificativa.
D) Quer dizer, a partir daquele momento, os candidatos da lista definitiva já possuem o direito ao arrendamento de moradia destinada aos funcionários públicos.
E) In casu, no dia 13 de Maio de 2013, B já escolheu [Endereço] para tomar de arrendamento e ao mesmo tempo assinou os respectivos documentos.
F) Pelo que, deve ser considerada constituída a relação de arrendamento entre as partes. E após o falecimento de B no dia 20 de Julho de 2013, nos termos do art.º 22.º, n.º 1, al. a) do D.L n.º 31/96/M, a recorrente totalmente tem direito a suceder no direito de arrendamento já obtido por B.
G) Com base nisso, quanto ao que o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente a decisão da entidade recorrida que tinha rejeitado o pedido formulado pela recorrente quanto à sucessão à posição de arrendamento por parte de B da [Endereço], por não existir a violação do disposto no art.º 22.º, n.º 1, al. a) do D.L n.º 31/96/M, a recorrente, por sua vez, considera que tal conclusão é errada.
H) Além disso, tal como os factos dados por provados pelo Tribunal de Segunda Instância, B faleceu no dia 20 de Julho de 2013, mas o Chefe do Executivo só assinou, no dia 21 de Agosto de 2013, o despacho confirmando a atribuição a B da [Endereço], e o respectivo despacho foi publicado no Boletim Oficial no dia 28 de Agosto de 2013.
I) Isto é, só um mês depois do falecimento de B, o Chefe do Executivo fez o acto como última fase do processo de concurso público para atribuição de moradias aos funcionários públicos.
J) Nos termos do D.L n.º 31/96/M, deve o Júri do Concurso, em fases diferentes do concurso público, desenvolver os trabalhos dentro do prazo previsto na lei.
K) Não tendo, contudo, sido observados pela autoridade administrativa os prazos previstos no D.L n.º 31/96/M.
L) Feita uma análise segundo as regras de experiência geral, caso a autoridade administrativa tenha observado rigorosamente os supracitados prazos nos termos da lei, qualquer que seja um dos quais, podia B, de nenhuma maneira, concluir todas as fases do concurso público antes do seu falecimento.
M) O Código do Procedimento Administrativo dispõe no seu art.º 12.º que a Administração Pública deve ser estruturada e funcionar de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões.
N) Evidentemente, os supracitados princípios de desburocratização e de eficiência, bem como os prazos de acto administrativo previstos pelo D.L n.º 31/96/M, totalmente não foram observados pela autoridade administrativa.
O) Pelo que, deve a autoridade administrativa assumir a responsabilidade devida pela demora do seu acto administrativo, mas não meramente responsabilidade disciplinar contra o respectivo funcionário público.
P) Sendo assim, na decisão o Tribunal de Segunda Instância não tomou em consideração os princípios de desburocratização e de eficiência previstos no Código do Procedimento Administrativo.
Q) Por fim, o Chefe do Executivo assinou no dia 21 de Agosto de 2013, confirmando o arrendamento a B da [Endereço].
R) Antes da assinatura do despacho pelo Chefe do Executivo, tendo a recorrente, no dia 24 de Julho de 2013, já comunicado à autoridade administrativa o falecimento de B, e ao mesmo tempo, formulado o pedido de alienação do direito de arrendamento de moradia da RAEM por B para a recorrente e seu filho.
S) E nessa circunstância, o Chefe do Executivo ainda assinou o despacho confirmando o arrendamento a B da fracção autónoma, sita na [Endereço].
T) Já que o Chefe do Executivo ainda tomou a decisão de arrendamento a B da [Endereço], após ter conhecimento do mesmo, nos termos do princípio da boa fé previsto no art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo, não deve o Chefe do Executivo, em seguida, invocar o mesmo facto para revogar a decisão administrativa anteriormente tomada.
U) Com base nesse entendimento, igualmente a recorrente tem o direito a suceder no direito de arrendamento já obtido por B.
V) Pelo que, o Tribunal de Segunda Instância não observou o princípio da boa fé prevista no art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo na apreciação do presente caso e na aplicação do direito.
Contra-alegou a entidade recorrida, pugnando pela manutenção do Acórdão ora recorrido.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
2. Factos Provados
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos:
- A recorrente é cônjuge sobrevivo de B, funcionário dos Serviços de Alfandega;
- B candidatou-se ao concurso público para a atribuição de moradias da RAEM aos funcionários dos quadros locais de nomeação definitiva dos serviços e organismos públicos, publicado no BO da RAEM n.º 25, II Série, de 20/06/2012;
- B foi admitido e posteriormente qualificado para lista classificativa definitiva;
- Da lista definitiva dos candidatos, B foi classificado em 11º lugar para a atribuição de moradia da RAEM de tipologia do grupo B - T2;
- B esteve presente na reunião para escolha de moradia, que teve lugar nesta DSF, em 13/05/2013 e escolheu a moradia, sita no [Endereço];
- Após o que, foi laborada a lista de distribuição das moradias, de acordo com as preferências manifestadas pelos candidatos, onde a B foi atribuída a moradia por ele escolhida;
- Entretanto B faleceu em 20JUL2013;
- Mediante o requerimento entregue na DSF em 25JUL2013, a ora recorrente pediu à Directora da DSF que a fosse autorizada a suceder no direito ao arrendamento da moradia escolhida pelo seu cônjuge sobrevivo B;
- Por despacho datado de 21AGO2013 e publicado no BO da RAEM em 28AGO2013, o Chefe do Executivo concordou com o proposto na informação n.º XXXXX/DGP/DACE/2013 elaborada pela DSF em 23/07/2013, que lhe submeteu o Secretário para a Economia e Finanças em 31JUL2013 e onde foi proposta a atribuição das moradias de acordo com a anexada lista de distribuição das moradias;
- A propósito do pedido formulado pela ora recorrente em 25JUL2013, foi elaborada pela DSF em 01AGO2013 a informação nº XXXXX/DGP/DACE/13, onde foi proposto o indeferimento do pedido;
- Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, foi a informação, após o seu parecer concordante do nela proposto, submetida à apreciação pelo Chefe do Executivo;
- Por despacho datado de 10SET2013, o Chefe do Executivo concordou com o proposto indeferimento;
- Inconformada com essa decisão do Chefe do Executivo, a ora recorrente interpôs o recurso contencioso de anulação.
3. Direito
Imputa a recorrente ao Acórdão recorrido os seguintes vícios:
- A violação do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 22.º do DL n.º 31/96/M;
- A não ponderação do princípio da desburocratização e da eficácia consagrado no art.º 12.º do CPA; e
- A violação do princípio da boa fé consagrado no art.º 8.º do CPA.
3.1. Da violação da al. a) do n.º 1 do art.º 22.º do DL n.º 31/96/M
A título de “transmissão por morte”, o n.º 1 do art.º 22.º do DL n.º 31/96/M, diploma que regula a atribuição aos trabalhadores da Administração Pública de alojamento em moradia que sejam propriedade da RAEM, estipula que, em caso de falecimento do arrendatário, o arrendamento de moradia que seja propriedade da RAEM pode transmitir-se, pela ordem legalmente indicada, aos familiares, entre os quais fica em primeiro lugar o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto.
O arrendamento é transmissível mortis causa aos familiares do falecido.
No caso vertente, constata-se na factualidade assente o seguinte:
- B candidatou-se ao concurso público aberto para a atribuição de moradias da RAEM, tendo sido admitido e qualificado para lista classificativa definitiva, em que foi classificado em 11º lugar para a atribuição de moradia de tipologia do grupo B - T2;
- B esteve presente na reunião para escolha de moradia, que teve lugar em 13MAI2013 e escolheu a moradia;
- Após o que foi laborada a lista de distribuição das moradias, de acordo com as preferências manifestadas pelos candidatos, onde a B foi atribuída a moradia escolhida;
- Entretanto B faleceu em 20JUL2013;
- Por despacho datado de 21AGO2013 e publicado no Boletim Oficial da RAEM em 28AGO2013, o Chefe do Executivo concordou com a proposta de atribuição das moradias de acordo com a anexada lista de distribuição das moradias, elaborada pela DSF em 23JUL2013.
Daí decorre que o marido da recorrente faleceu depois da elaboração e publicitação da lista classificativa dos candidatos e antes da prolação do despacho de atribuição de moradias pelo Chefe do Executivo.
No Acórdão recorrido, o Tribunal de segunda Instância considera que o falecido marido da recorrente não adquiriu o direito ao arrendamento da moradia da RAEM antes da prolação do despacho de atribuição pelo Chefe do Executivo referido no n.º 2 do art.º 17.º do DL n.º 31/96/M, pelo que tal direito nunca entrou na sua esfera jurídica, não podendo ser posteriormente transmitido para a esfera jurídica do seu cônjuge sobrevivo nos termos prescritos no n.º 1 do art.º 22.º do mesmo diploma.
Defende a recorrente que o direito ao arrendamento de moradias destinadas aos funcionários públicos foi já adquirido antes, nomeadamente com a publicação da lista classificativa dos candidatos ao respectivo concurso público aberto para efeito de atribuição de moradias, em que o seu marido foi classificado como candidato n.º 11.
Discute-se o momento a partir do qual adquire o candidato o direito ao arrendamento da moradia.
Visto todo o procedimento administrativo regulado na lei para atribuição de moradias da RAEM e o circunstancialismo apurado no caso vertente, não se nos afigura merecer censura a posição assumida pelo Tribunal recorrido.
Conforme a disposição nos art.ºs 6.º a 17.º do DL n.º 31/96/M, o procedimento administrativo de atribuição de moradias inicia-se com a abertura do concurso público, por despacho do Chefe do Executivo, cujo aviso é publicado no Boletim Oficial da RAEM, passando pelas fases de apresentação de candidaturas, de elaboração e publicitação da lista provisória, de elaboração e publicitação da lista definitiva, de classificação e ordenação dos candidatos (lista classificativa), a sua homologação pelo Chefe do Executivo e a sua publicitação, até finaliza-se com a atribuição de moradias mediante despacho do Chefe do Executivo, a publicar no Boletim Oficial da RAEM.
Para a decisão da causa, interessa-nos transcrever a seguir as normas legais referentes à lista classificativa e à atribuição de moradias:
“Artigo 16.º
(Lista classificativa)
1. No prazo de 45 dias a contar da publicação da lista definitiva, a DSF procede à classificação e ordenação dos candidatos, submete a respectiva lista a homologação do Chefe do Executivo e promove a sua publicitação, nos termos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 12.º
2. Os candidatos podem interpor recurso da lista de classificação final, nos termos previstos no artigo 13.º
3. As listas são válidas por um período de 2 anos, contados a partir da data da sua publicação ou do respectivo aviso no Boletim Oficial.
Artigo 17.º
(Distribuição de moradias)
1. As moradias são distribuídas de acordo com as preferências manifestadas pelos candidatos, no prazo que para o efeito for fixado pela DSF, obedecendo à precedência estabelecida na lista classificativa.
2. A atribuição é feita mediante despacho do Chefe do Executivo, a publicar no Boletim Oficial.
3. O funcionário que, sem motivo atendível, desistir da atribuição após o respectivo despacho ou não proceder à ocupação da moradia no prazo de 30 dias contados da respectiva publicação, é excluído da lista de classificação e fica inibido de concorrer pelo prazo de 2 anos após o termo do prazo de validade do concurso.”
Ora, ao abrigo do disposto nos art.ºs 6.º n.º 1, 16.º n.º 1 e 17.º n.º 1 do DL n.º 31/96/M, a atribuição de moradias é da responsabilidade da Direcção dos Serviços das Finanças, cabendo à qual proceder, no prazo de 45 dias a contar da publicação da lista definitiva elaborada pelo júri, à classificação e ordenação dos candidatos, cuja lista deve ser submetida à homologação do Chefe do Executivo e publicitada.
À primeira vista, parece assistir alguma razão à recorrente, já que a entidade responsável pela atribuição de moradias (DSF) elaborou a lista classificativa definitiva em que está incluído o marido da recorrente bem como a lista de distribuição das moradias, de acordo com as preferências manifestadas pelos candidatos, onde ao mesmo foi atribuída a moradia que ele tinha escolhido antes.
E a lista de classificação final tem a validade por um período de 2 anos, a contar da data da sua publicação ou do respectivo aviso no Boletim Oficial da RAEM.
No entanto, não se pode ignorar a pertinência da intervenção do Chefe do Executivo no concurso público de atribuição de moradias, ao qual compete a prolação do despacho que autoriza a abertura de concurso, onde deve ser fixada a constituição do júri, a homologação da lista classificativa e finalmente a prolação do despacho de atribuição de moradias (art.ºs 6.º n.º 1, 11.º n.º 1, 16.º n.º 1 e 17.º n.º 2 do DL n.º 31/96/M).
Prescreve expressamente o n.º 2 do art.º 17.º do DL n.º 31/96/M que a atribuição de moradias é feita mediante despacho do Chefe do Executivo, a publicar no Boletim Oficial da RAEM.
Daí que se deve entender que só com a prolação do despacho de atribuição pelo Chefe do Executivo é que fica concluído o concurso público de atribuição de moradias, sendo este o acto administrativo que produz efeitos jurídicos na esfera jurídica dos candidatos admitidos e classificados no concurso, conferindo-lhes o direito ao arrendamento.
E só com a celebração do contrato de arrendamento entre a Administração e o funcionário público, certamente após a prolação do despacho de atribuição, fica estabelecida a relação de arrendamento, a partir da qual toma o funcionário a posição do arrendatário (art.ºs 18.º e 19.º do DL n.º 31/96/M).
O que é transmissível é o arrendamento, e não a posição na lista classificativa final nem ainda as expectativas do funcionário em adquirir o direito ao arrendamento, criadas pela sua inclusão naquela lista e pelo facto de ter escolhido uma determinada moradia.
No caso em apreciação, tendo o marido da recorrente falecido antes de o Chefe do Executivo proferir o despacho de atribuição, é de afirmar que o direito ao arrendamento da moradia por si já escolhida não entrou ainda na sua esfera jurídica enquanto vivo, pelo que não se pode transmitir nos termos do art.º 22.º n.º 1 do DL n.º 31/96/M, ainda que no despacho do Chefe do Executivo publicado no Boletim Oficial se constata, certamente por desconhecimento do falecimento do marido da recorrente, a atribuição da moradia ao mesmo.
Não é transmissível, por morte, um direito que não existe ainda na esfera jurídica do falecido, enquanto vivo.
Improcede o argumento deduzido pela recorrente.
3.2. Do princípio da desburocratização e da eficácia
Na óptica da recorrente, face à previsão legal dos prazos que devem ser observados pelo Júri em fases diferentes do concurso público, a não observância dos mesmos implica a violação do princípio da desburocratização e da eficácia consagrado no art.º 12.º do CPA, pelo que deve a autoridade administrativa assumir a responsabilidade devida pela demora do seu acto administrativo, e não meramente responsabilidade disciplinar contra os respectivos funcionários públicos.
E caso a autoridade administrativa observasse rigorosamente os prazos legais, bastando a observância de qualquer um deles, podia o seu marido concluir todas as fases do concurso público antes do seu falecimento.
Ora, decorre desta última alegação que a própria recorrente reconhece que só com a prolação do despacho de atribuição pelo Chefe do Executivo é que se conclui o procedimento administrativo com vista à atribuição de moradias da RAEM.
É certo que a lei fixa, para as diferentes fases do concurso público, os respectivos prazos: 30 dias, prorrogável, para elaboração da lista provisória, 15 dias para elaboração da lista definitiva e 45 dias para a classificação e ordenação dos candidatos (art.ºs 12.º n.º 1, 14.º e 16.º n.º 1 do DL n.º 31/96/M).
O que não é verdade é que a inobservância de tais prazos implica a consequência apontada pela recorrente, conferindo ao seu falecido marido o direito ao arrendamento.
Ora, afigura-se-nos que os referidos prazos legais assumem, sem dúvida, apenas a natureza ordenadora e disciplinar, tal como entende o Tribunal recorrido, na falta de normas que imponham expressamente o contrário, sendo que a sua inobservância não impede o desencadeamento do concurso público nem a elaboração das respectivas listas nem ainda a tomada das decisões administrativas.
A eventual inobservância de tais prazos não pode assumir a relevância atribuída pela recorrente nem constitui motivo de invalidade dos actos praticados no concurso público em causa ou do acto administrativo impugnado nos presentes autos.
3.3. Do princípio da boa fé
Imputa ainda a violação do princípio da boa fé consagrado no art.º 8.º do CPA.
No Acórdão recorrido e sobre a mesma questão, o Tribunal de Segunda Instância não tomou conhecimento, fazendo consignar o seguinte:
“Quanto à invocada violação do princípio da boa fé, entendemos que não pode ser objecto da nossa apreciação em sede do presente recurso.
É verdade que, face ao disposto no art.º 68.º/3 do CPAC, o recorrente pode alegar nas alegações facultativas novos fundamentos, cujo conhecimento tenha sido superveniente.
Todavia, in casu, a invocação do novo vício de violação do princípio da boa fé é feita com base nos factos já alegados na petição de recurso.
Inverificando-se assim esse pressuposto do conhecimento superveniente, logo não é de atender o novo vício de violação do princípio da boa fé, só invocado pela recorrente nas alegações facultativas.”
Repare-se que no seu recurso a recorrente não impugnou este segmento decisório, pelo que não se pode agora voltar a colocar a mesma questão, sobre a qual o Tribunal a quo tomou posição, sem que a recorrente questionasse esta decisão.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente.
Macau, 8 de Junho de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
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Processo n.º 14/2016