Processo nº 581/2015
(Recurso Contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 12/Maio/2016
Assuntos:
- Validade de um divórcio no Exterior, independentemente de revisão
- Autorização de residência
- Manutenção da situação jurídica relevante
SUMÁRIO :
1. Se uma interessada omite a sua situação de divorciada no Interior da China, dizendo-se casada junto das autoridades da RAEM, no âmbito de um procedimento de autorização de residência, por investimento, não pode pretender aquele estado quanto ao seu estado civil a pretexto de a sentença do divórcio não ter sido revista no nosso ordenamento interno.
2. Uma sentença não revista não deixa de poder servir de um documento válido para prova de um determinado facto, sujeito à apreciação de quem o deva ponderar, em particular do estado civil do interessado, devendo relevar-se a revisão de decisões do Exterior quando se pretenda executá-las em Macau, sendo essa revisão um requisito de eficácia, o que difere da sua validade substantiva comprovativa de um determinado estado pessoal.
3. O valor da sentença de revisão de divórcio destina-se apenas a dar-lhe eficácia, o que não contende com a sua validade e produção dos efeitos determinantes do estado das pessoas, que se rege pela lei pessoal dos cônjuges, como é óbvio, à data da sua celebração ou ocorrência, seja da celebração do casamento, seja do divórcio – artigos 49º, n.º 1, 50º, n.º 1 e 53º do CC.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 581/2015
(Recurso Contencioso)
Data : 12 de Maio de 2016
Recorrente: A (A)
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificada nos autos, vem interpor
RECURSO CONTENCIOSO
do Despacho do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças datado de 21.04.2015, comunicado através do ofício do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ("IPIM") n.º 04216/GJFR/2015, de 08.05.2015, que lhe negou o pedido de renovação de residência
o que faz, em síntese, nos seguintes termos e fundamentos:
1. Vem o presente recurso interposto do Despacho do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 21.04.2015, de que a ora Recorrente foi notificada por Ofício n.º 04216/GJFR/2015 expedido pelo IPIM e recebido em 14.05.2015.
2. Pelo referido despacho indeferiu-se o pedido de renovação da autorização de residência de A, ora Recorrente, e da sua filha.
3. A Recorrente tem legitimidade activa para impugnar esse acto, uma vez que é destinatária directa do mesmo e tem interesse pessoal e directo no provimento do recurso contencioso, porquanto o Acto Recorrido terá como consequência a perda do direito da Recorrente, e da sua filha, de residirem na RAEM.
4. O Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças é a entidade recorrida e o referido acto não está sujeito a impugnação administrativa necessária.
5. A fundamentação do Acto Recorrido assenta, nos termos do parecer do IPIM, na existência de comportamentos da Recorrente que demonstram um comprovado incumprimento das leis da RAEM - cfr. art. 9.°, n.º 2, al. 1), da Lei 4/2003.
6. O alegado incumprimento das leis da RAEM supra referido traduz-se no facto da Recorrente não ter declarado o divórcio entre esta e o seu marido B.
7. O divórcio decretado por uma entidade estrangeira (neste caso, pela Conservatória do Registo de Casamentos de Foshan Chancheng da RPC) só é susceptível de produzir efeitos na RAEM após ser sujeito ao processo de revisão e confirmação de decisão estrangeira (cfr. 1199.° CPC).
8. Com esse objectivo, a Requerente deu início ao referido processo de revisão e confirmação do divórcio, que presentemente está a correr termos neste Tribunal sob o processo n.º 770/2014.
9. Ainda que se admitisse, por mero dever de patrocínio, que a Recorrente tinha a obrigação de comunicar / declarar o divórcio, ao agir em sentido oposto certamente não o fez de má-fé (conforme alegado pela Administração), mas apenas porque estava convencida que o divórcio não produzia efeitos na RAEM e, consequentemente, não podia ser aqui invocado.
10. De facto, posteriormente ao divórcio na RPC, em tudo o que dizia respeito a RAEM, a Recorrente continuou consistentemente a declarar o seu estado civil como "casada".
11. A boa-fé da Recorrente nesse âmbito é tanto mais evidente que foram o próprio escritório de advogados, que consultou e que a patrocinou, que a aconselhou a declarar-se como "casada" nos diversos assuntos em que interveio na RAEM, enquanto o pedido de revisão e confirmação do seu divórcio na RPC não fosse julgado procedente.
12. Assim foi no caso da escritura que outorgou no Cartório do Notário Privado D em 04.06.2013, na procuração forense que outorgou no Cartório do Notário Privado E em 29.09.2014, e ainda no âmbito do processo de revisão e confirmação do divórcio decretado na RPC.
13. Não se pode afirmar a existência de um comprovado incumprimento das leis quando o comportamento da Recorrente demonstra que agiu sem consciência, na convicção de estar a proceder de acordo com a lei, ao considerar que o seu divórcio não produzia efeitos na RAEM.
14. A definição de um comprovado incumprimento das leis não se pode igualmente alicerçar num juízo da Administração relativo à desconformidade da conduta da Recorrente com princípios gerais e abstractos (da boa-fé).
15. Em todos os casos em que os Tribunais superiores da RAEM se pronunciaram sobre o comprovado incumprimento das leis como motivação para o indeferimento do pedido de atribuição (ou renovação) da residência, os interessados ou praticaram anteriormente uma infracção administrativa ou admitiram terem feito uma determinada declaração que não correspondia à verdade.
16. Uma vez que a Administração fundamentou o indeferimento da pretensão da Recorrente no facto de não se estar verificado pressuposto (art. 9.°, n.º 2, al. 1), da Lei 4/2003), que afinal se demonstra verificado, o Acto Recorrido é anulável nos termos do art. 124.° do CPA.
17. De todo o modo, a situação matrimonial da Recorrente não foi um elemento relevante na atribuição do seu direito de residência nem para o da sua filha, não o sendo igualmente para a renovação da residência.
18. A Recorrente adquiriu o direito de residência na RAEM pelo investimento imobiliário por si realizado ao abrigo do art. 3.° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
19. O investimento em causa traduziu-se na aquisição da fracção "IID4" do prédio com a descrição n.º 23195 na Conservatória do Registo Predial, pelo montante de MOP2.290.473, sendo esta a situação juridicamente relevante para os efeitos do art. 18.°, n.º 3, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
20. Quanto à hipotética alteração da situação juridicamente relevante, tal nunca se chegou a verificar. Tratou-se somente de uma penhora sobre a Fracção IID4 decorrente de uma acção executiva instaurada apenas contra o marido da Recorrente, e relativamente a uma dívida pela qual este é o único responsável.
21. Além disso, a Recorrente, logo após ter sido citada para requerer a separação de bens - cfr. art. 709.° CPC -, procedeu exactamente nesse sentido.
22. Ora, decretada a separação de bens, a Recorrente ficaria, no mínimo, titular de uma quota correspondente a metade da Fracção IID4 (pois assiste-lhe ainda o direito de adquirir a quota do seu marido, pagando-lhe as devidas tornas para o efeito).
23. Dito isto, a Recorrente sempre ficaria numa situação de pleno cumprimento, uma vez que o valor da quota-parte da Fracção IID4 excede o montante referido no art. 3.°, n.º 1, al. 1), do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (i.e. 1.000.000,00).
24. De qualquer modo, a Administração não fundamentou o indeferimento do pedido da Recorrente na alteração do investimento imobiliário que foi determinante na atribuição da residência.
25. De facto, o indeferimento do pedido de renovação assentou, pelo contrário, no facto da Recorrente ter alegadamente incumprido a lei ao não comunicar a alteração do seu estado civil, elemento este que não integra, nem integrou, a situação juridicamente relevante na atribuição da residência.
26. Assim, e salvo melhor entendimento, nunca se pode considerar que houve um incumprimento da lei por parte da Recorrente.
27. Como tal, considerando que a motivação do Acto Recorrido assenta numa violação de leis que afinal não se verificou - i.e. art. 9.°, n.º 2, al. 1), da Lei 4/2003 -, este padece de um vício de violação de lei, sendo, como tal, anulável (cfr. 124.° CPA).
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicável, requer a V. Exas. se dignem dar provimento ao presente recurso e em consequência anular o acto recorrido nos termos do art. 124.° do Código do Procedimento Administrativo e dos artigos 20.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo Contencioso, por se mostrar inquinado por todos ou algum dos supra referidos vícios de violação de lei.
Para tanto requer a V. Exas. se dignem ordenar a citação da Entidade Recorrida, o Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças, para querendo contestar nos termos do disposto no art. 53.°, n.º 3, do CPAC e com a indicação de que deverá remeter aos presentes autos o respectivo processo administrativo nos termos do disposto no art. 55.° do CPAC.
Por último, a ora Recorrente vem ainda requerer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 9.° da Lei Básica da RAEM e arts. 1.°, n.º 2, 8.°, n.º 1, e 9.° do Decreto-Lei n.º 101/99/M, de 13 de Dezembro, que todos os actos processuais sejam praticados em língua portuguesa.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, tendo sido citado contestar o recurso contencioso apresentado por A do seu despacho de 21.04.2015, que indeferiu requerimento de renovação de autorização temporária de residência, vem dizer, em sede conclusiva, o seguinte:
I. A situação do imóvel cuja aquisição fundamentou a autorização de residência concedida à recorrente não foi relevante para a decisão impugnada;
II. A eficácia referida no art. 1199° do CPC compreende apenas os efeitos jurídicos privados próprios da decisão em causa - neste caso, do divórcio;
III. O divórcio da interessada é um facto, que a mesma não nega, susceptível de fundamentar o acto administrativo;
IV. Por razões de boa-fé (art. 8° do CPA), a interessada deveria ter informado o IPIM do seu divórcio, pelo menos na altura em que foi solicitada a renovação da autorização de residência do seu ex-cônjuge.
A estar correcta a interpretação do órgão recorrido, não houve erro nos pressupostos e terá de ser negado provimento ao presente recurso.
3. A, apresentou oportunamente as suas ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, o que fez, dizendo:
1. Vem o presente recurso interposto do Despacho do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 21.04.2015, de que a ora Recorrente foi notificada por Ofício n.º 04216/GJFR/2015 expedido pelo IPIM e recebido em 14.05.2015.
2. Pelo referido despacho indeferiu-se o pedido de renovação da autorização de residência de A, ora Recorrente, e da sua filha.
3. A Recorrente tem legitimidade activa para impugnar esse acto, uma vez que é destinatária directa do mesmo e tem interesse pessoal e directo no provimento do recurso contencioso, porquanto o Acto Recorrido terá como consequência a perda do direito da Recorrente, e da sua filha, de residirem na RAEM.
4. O Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças é a entidade recorrida e o referido acto não está sujeito a impugnação administrativa necessária.
5. A fundamentação do Acto Recorrido assenta, nos termos do parecer do IPIM, na existência de comportamentos da Recorrente que demonstram um comprovado incumprimento das leis da RAEM - cfr. art. 9.°, n.º 2, al. 1), da Lei n.º 4/2003.
6. O alegado incumprimento das leis da RAEM supra referido traduz-se no facto da Recorrente não ter declarado o divórcio entre esta e o seu marido B.
7. O divórcio decretado pela Conservatória do Registo de Casamentos de Foshan Chancheng da RPC só é susceptível de produzir efeitos na RAEM após ser sujeito ao processo de revisão e confirmação de decisão estrangeira (cfr. 1199.° CPC).
8. Com esse objectivo, a Requerente deu início ao referido processo de revisão e confirmação do divórcio, tendo o TSI proferido acórdão de confirmação no âmbito do Proc. n.º 770/2014, o qual transitou em julgado no dia 14 de Dezembro de 2015.
9. Ou seja, apenas nesta data.
10. Ainda que se admitisse, por mero dever de patrocínio, que a Recorrente tinha a obrigação de comunicar / declarar o divórcio, ao agir em sentido oposto certamente não o fez de má-fé (conforme alegado pela Administração), mas apenas porque estava convencida que o divórcio não produzia efeitos na RAEM e, consequentemente, não podia ser aqui invocado.
11. De facto, posteriormente ao divórcio na RPC, em tudo o que dizia respeito a RAEM, a Recorrente continuou consistentemente a declarar o seu estado civil como "casada".
12. A boa-fé da Recorrente nesse âmbito é tanto mais evidente que foram os próprios escritórios de advogados, que consultou, que a aconselharam a declarar-se como "casada" nos diversos assuntos em que interveio na RAEM, enquanto o pedido de revisão e confirmação do seu divórcio na RPC não fosse julgado procedente.
13. Assim foi no caso da escritura que outorgou no Cartório do Notário Privado D em 04.06.2013, na procuração forense que outorgou no Cartório do Notário Privado E em 29.09.2014, e ainda no âmbito do processo de revisão e confirmação do divórcio decretado na RPC.
14. Não se pode, pois, afirmar a existência de um incumprimento das leis quando o comportamento da Recorrente demonstra que agiu sem consciência, na convicção de estar a proceder de acordo com a lei, ao considerar que o seu divórcio não produzia efeitos na RAEM.
15. E muito menos um comprovado incumprimento.
16. A definição de comprovado incumprimento das leis não se pode igualmente alicerçar num juízo da Administração relativo à desconformidade da conduta da Recorrente com princípios gerais e abstractos (da boa-fé).
17. Em todos os casos em que os Tribunais superiores da RAEM se pronunciaram sobre o comprovado incumprimento das leis como motivação para o indeferimento do pedido de atribuição (ou renovação) da residência, os interessados ou praticaram anteriormente uma infracção administrativa ou admitiram terem feito uma determinada declaração que não correspondia à verdade.
18. Uma vez que a Administração fundamentou o indeferimento da pretensão da Recorrente no facto de não estar verificado o pressuposto (art. 9.°, n.º 2, al. 1), da Lei 4/2003), que afinal se demonstra verificado.
19. Sem prejuízo do supra exposto, importa salientar que a situação matrimonial da Recorrente não foi um elemento relevante na atribuição do seu direito de residência nem para o da sua filha, não o sendo igualmente para a renovação da residência.
20. A Recorrente adquiriu o direito de residência na RAEM pelo investimento imobiliário por si realizado ao abrigo do art. 3.° do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
21. O investimento em causa traduziu-se na aquisição da Fracção "IID4" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23195, pelo montante de MOP 2.290.473,00.
22. Sendo esta a única situação juridicamente relevante para os efeitos do art. 18.°, n.º 3, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
23. Quanto à hipotética alteração da situação juridicamente relevante por força de uma penhora, tal nunca se chegou a verificar.
24. Além disso, a Recorrente, logo após ter sido citada para requerer a separação de bens - cfr. art. 709.° CPC -, procedeu exactamente nesse sentido.
25. Ora, decretada a separação de bens, a Recorrente ficaria, no mínimo, titular de uma quota correspondente a metade da Fracção IID4 (pois assiste-lhe ainda o direito de adquirir a quota do seu marido, pagando-lhe as devidas tornas para o efeito).
26. Dito isto, a Recorrente sempre ficaria numa situação de pleno cumprimento, uma vez que o valor da quota-parte da Fracção IID4 excede o montante referido no art. 3.°, n.º 1, al. 1), do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (i.e. MOP 1.000.000,00).
27. De qualquer modo, a Administração não fundamentou o indeferimento do pedido da Recorrente na alteração do investimento imobiliário que foi determinante na atribuição da residência.
28. Aliás, em sede de Contestação, a Entidade Recorrida confirma precisamente que nesse âmbito os requisitos legais foram integralmente cumpridos.
29. De facto, o indeferimento do pedido de renovação assentou, pelo contrário, no facto de a Recorrente ter alegadamente incumprido a lei ao não comunicar a alteração do seu estado civil, elemento este que não integra, nem integrou, a situação juridicamente relevante na atribuição da residência.
30. Acontece que, a Recorrente não estava obrigada a comunicar ao IPIM a alteração do seu estado civil.
31. Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, mantendo-se inalterável a situação juridicamente relevante, a declaração de divórcio não pode ter relevância tal que implique o indeferimento do pedido da Requerente, ora Recorrente.
32. Assim, e salvo melhor entendimento, nunca se pode considerar que houve um incumprimento da lei por parte da Recorrente.
33. Como tal, considerando que a motivação do Acto Recorrido assenta numa violação de leis que afinal não se verificou - i.e. art. 9.°, n.º 2, al. 1), da Lei 4/2003 -, este padece de um vício de violação de lei, sendo, como tal, anulável (cfr. 124.° CPA).
4. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, órgão recorrido nos autos do recurso contencioso apresentar as suas alegações facultativas, sustentando:
I. A confirmação de sentenças (e decisões equiparadas) estrangeiras, nos termos previstos no art. 1199° do CPC, apenas é necessária para a execução das mesmas em Macau, mas não impede a sua valoração enquanto meio de prova de um facto;
II. O órgão recorrido limitou-se, no caso concreto, a aceitar a decisão do exterior como prova de um facto - não executou qualquer decisão estrangeira;
III. O estado civil do interessado integra a "situação juridicamente relevante" referida no art. 18°, n.º 1, do RA 3/2005;
IV. Qualquer alteração a essa "situação juridicamente relevante" deve ser comunicada ao IPIM, o que a recorrente não fez.
Continuamos pois, pelos motivos expostos, a entender que o recurso contencioso não merece provimento.
5. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 21 de Abril de 2015, da autoria do Exm. o Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu pedido de renovação de residência temporária formulado ao abrigo do quadro normativo aplicável à fixação de residência, em Macau, por parte de investidores.
A decisão estribou-se na circunstância de a requerente, ora recorrente, haver comprovadamente incumprido as leis da Região Administrativa Especial de Macau, em decorrência da alteração do seu estado civil.
Na sua petição de recurso, a recorrente imputa ao acto recorrido o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto em que se ancorou. Argumenta que o acto partiu do pressuposto de que ela era divorciada, quando, à face da lei de Macau, ela continuava no estado de casada.
Não se crê que a razão esteja do lado da recorrente.
Vejamos.
Em Setembro de 2008, a recorrente foi autorizada a residir em Macau até Setembro de 2014.
Quando, em 2014, desencadeou o procedimento de renovação de residência, apurou-se que entretanto se divorciara e nada comunicara à entidade administrativa competente, no caso, o IPIM (Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau). O divórcio tivera lugar em 8 de Maio de 2012, em Foshan, perante a Direcção dos Assuntos Cívicos da China continental. Mais se apurou que, já após o divórcio, concretamente em 24 de Junho de 2013, antes de ser conhecido da Administração o seu estado de divorciada, tinha requerido e obtivera autorização de residência para aquele que havia sido o seu cônjuge, B, fazendo-o mediante invocação da condição de casada e no pressuposto de que se mantinha em vigor o casamento entre ambos.
Esta factualidade integra, não apenas a violação de normas procedimentais, como a do princípio da boa fé e a da inerente obrigação de não articular factos inverídicos e não formular pretensões ilegais, mas configura igualmente a violação do dever de comunicação a que a recorrente estava adstrita por força do artigo 18.°, n.º 3, (cf. também n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo e artigo 9.°, n.º 1, alínea 7, do Regulamento Administrativo n.° 3/2005), bem como o ilícito de fazer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, com o intuito de proporcionar benefício ilegítimo a terceiro (cf. artigo 244.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal).
Não parece, pois, que os pressupostos que alicerçaram a decisão recorrida, subjacentes ao juízo de incumprimento das leis de Macau a que alude o artigo 9.°, n.º 2, alínea 1), da Lei n.º 4/2003, enfermem de qualquer erro.
É certo que a recorrente argumenta com a falta de revisão, em Macau, da decisão de divórcio. Tal revisão apenas foi requerida em 19 de Novembro de 2014 e concedida em 19 de Novembro de 2015.
Intenta a recorrente convencer que, até à revisão e confirmação da decisão do divórcio, continuava casada em Macau.
Fá-lo, porém, sem sucesso, segundo cremos.
O efeito constitutivo do divórcio e do inerente estado de divorciado(a) resulta da sentença de divórcio ou da decisão administrativa, nos casos em que o divórcio é decretado por esta via.
A decisão de revisão e confirmação limita-se a reconhecer esse efeito.
Portanto, a partir do momento em que foi adoptada a decisão administrativa de divórcio, a recorrente passou ao estado de divorciada, onde quer que se encontre. Não pode pretender que é divorciada na China continental e ao mesmo tempo casada em Macau, Hong Kong ou Tailândia. Neste sentido parece apontar a norma do artigo 1199.º, n.° 2, do Código do Processo Civil, que consagra a doutrina emanada do assento do STJ, tirado em 16 de Dezembro de 1988, citado pelo recorrido nas suas alegações, bem como a regra de validade probatória de documentos estrangeiros prevista no artigo 358.° do Código Civil.
Aliás, contrariamente ao que diz na sua petição de recurso, a recorrente identificou-se como divorciada, e bem, perante o tribunal da revisão (cf. documento reproduzido a fls. 16 e seguintes).
Termos em que, na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.
5. Foram colhidos os vistos legais
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
1. A recorrente foi notificada do acto ora recorrido nos seguintes termos:
“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Vossa referência n.º:
Data de emissão:
Nossa referência n.º: 04216/GJFR/2015
Data: 08/05/2015
Ao advogado, F (F)
Dynasty Plaza, 15º-andar- D a H
Alameda Dr. Carlos d'Assumpção, n.ºs 411 a 417, NAPE
Macau
A ser entregue à senhora A (A)
Assunto: renovação da autorização de residência temporária - notificação de indeferimento (P2345/2007/03R)
Exmº. Sr.º:
Nos termos do art.º 68.º al. a) do Código do Procedimento Administrativo, vem por este meio notificar a V. Ex.ª de que, ao abrigo do despacho de 21 de Abril de 2015, proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças conforme a delegação do Chefe do Executivo, declarou indeferida a renovação da autorização de residência temporária em Macau dos seguintes indivíduos. O despacho foi proferido com base no teor do parecer no total de 4 folhas dos autos, cuja cópia ora se anexa para efeito da justificação do indeferimento.
N.º
Nome
Documento de identificação e número
Prazo de validade de título de residência temporária
1
A (A)
Passaporte da RPC n.ºG5XXXXXXX
12/09/2014
2
C (C)
Passaporte da RPC n.º E2XXXXXXX
12/09/2014
Nos termos do Código do Procedimento Administrativo, caso discorde da decisão acima referida, pode apresentar reclamação por meio de correspondência ao Secretário para a Economia e Finanças no prazo de 15 dias (a partir da data da notificação / mesmo abaixo), ou interpor recurso contencioso junto do Tribunal da Segunda Instância no prazo de 30 dias nos termos legais.
Com os melhores cumprimentos.
O Presente do
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
XXX (XXX)
Ass.: vide o original”
2. O parecer em que se louvou aquela decisão foi o seguinte:
“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Proposta n.º 2345/residência/2007/03R Investimento de imóvel-renovação
Requerente – A (A) Aplica-se o Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Despacho do Secretário para a Economia e Finanças
Autorizo a proposta.
Ass.: vide o original
21/04/2015
Parecer da Comissão Executiva do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Exm.º Sr.º Secretário para a Economia e Finanças:
Em conformidade com a investigação e análise da presente proposta, a requerente não declarou o facto de divórcio com B (B) nos termos legais, fazendo com que a autoridade administrativa autorizasse a residência temporária de B (B) que não devia autorizar, assim, a requerente não cumpriu as leis de Macau. Realizada a audiência, emito o parecer desfavorável à concessão da autorização de residência temporária dos seguintes interessados devido à falta de fundamentos da contestação escrita da requerente e sugiro que seja indeferido o respectivo requerimento.
n.º
Nome
Relação
1
A (A)
Requerente
2
C (C)
Descendente
À consideração superior.
Ass.: vide o original
XXX (XXX)/Presidente
30/03/2015
Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
Concordo com a proposta.
O director-adjunto, substituto
XXX (XXX)
Ass.: vide o original
27/03/2015
“
3. Com relevo, consta do PA o seguinte expediente:
“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Proposta n.º 2345/residência/2007/03R Investimento de imóvel-renovação
requerente – A (A) Aplica-se o Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Assunto: Revisão do requerimento da residência temporária
Comissão Executiva:
1. A identificação dos interessados e a validade de residência temporária autorizada dos interessados:
N.º
Nome
Relação
Documentos/n.º
Prazo de validade de documento
Prazo de validade de título de residência temporária
1
A (A)
Requerente
Passaporte da RPC n.º G5XXXXXXX
22/09/2023
12/09/2014
2
C (C)
Descendente
Passaporte da RPC n.º E2XXXXXXX
08/08/2023
12/09/2014
Foi autorizada, pela primeira vez, a residência temporária da requerente em 12 de Setembro de 2008.
2. Para o efeito de renovação, a requerente apresentou o seguinte documento de imóvel, verificando que continua a possuir o imóvel correspondente à lei:
(1) N.º de descrição: 23195
Macau, zona da Areia Preta S/N, …….
Valor: MOP$2.290,473,00
Data de registo: 05/06/2013 (60)
Segundo a certidão de registo predial supracitada, o registo da aquisição é provisório, mas nos termos do Código do Registo Predial, o registo provisório pode ser convertido em definitivo e a data de registo é a de registo provisório, pelo que, pode autorizar primeiramente este requerimento e aguardar a entrega do documento comprovativo de registo predial definitivo mais tarde.
3. A requerente apresentou o documento comprovativo de depósito a prazo emitido pela instituição de crédito de Macau, provando que mantém a possuir o depósito a prazo no valor não inferior a MOP$500.000,00:
Instituição de crédito: Banco da China
Conta bancária n.º 14-88-30-105381
Capital: HKD$541.021,70, sendo, aproximadamente, equivalente a MOP$557.252,35
Data: 15/08/2007 a 19/08/2014
Forma de tratamento no dia de vencimento: renovação de depósito de capital e de juros (renew)
Natureza: sem encargo
Data de emissão: 26/05/2014
4. Conforme a declaração, o documento comprovativo predial, a declaração de manutenção da relação de casamento, o documento notarial do acordo de divórcio e o documento comprovativo de divórcio entregues pela requerente para efeito de renovação da autorização de residência temporária, verifica-se os seguintes assuntos:
(1) A propriedade da requerente já foi penhorada e o registo de penhora foi efectuado em 30 de Maio de 2014, a acção ainda está pendente no tribunal (vide fls. 64);
(2) A requerente A (A) divorciou-se de B (B) em 8 de Maio de 2012 (vide fls. 14 a 22).
5. Quanto ao assunto da penhora da propriedade da requerente, o presente Instituto emitiu a notificação da audiência escrita à requerente em 18 de Setembro de 2014 (vide fls. 123) de que deve apresentar a contestação escrita no prazo de 10 dias. A requerente assinou pessoalmente a cópia da notificação no mesmo dia. Em seguida, apresentou a contestação escrita através do procurador em 21 de Outubro de 2014, indicando que a respectiva propriedade ainda se encontra em julgamento no tribunal e o valor do direito da propriedade possuído pela requerente já excede o montante de MOP$1.000.000,00, pelo que, pediu a autorizar o presente requerimento da renovação da requerente (vide fls. 108 a 117).
6. Quanto ao facto de divórcio da requerente, tendo consultado os dados do arquivo da requerente, verifica-se que a requerente A (A) já se divorciou de B (B) em 8 de Maio de 2012, mas ainda pediu pela segunda vez a renovação da autorização de residência temporária de B (B) na qualidade de cônjuge da requerente em 24 de Junho de 2013 e o requerimento foi autorizado. Ou seja, a requerente, desde o divórcio até à renovação da autorização de residência temporária, não declarou o facto de divórcio ao presente Instituto. Daí, pode-se ver que o acto da requerente já violou o princípio da boa fé previsto no art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo e os deveres gerais dos interessados previstos no art.º 62.º do mesmo Código, bem como no processo de requerimento de residência, não esclareceu a verdade nem prestou auxílio para a descoberta da verdade, fazendo com que a autoridade administrativa autorizasse a residência temporária de B (B) que não devia autorizar, logo, a requerente não cumpriu as leis de Macau.
7. Com base no ponto 6 supracitado, este Instituto emitiu a notificação de audiência escrita à requerente em 28 de Janeiro de 2015 (vide fls. 72) de que deve apresentar a contestação escrita no prazo de 10 dias. Em seguida, a requerente apresentou a carta de esclarecimento e os respectivos documentos comprovativos em 16 de Fevereiro de 2015 e 10 de Março de 2015 respectivamente, alegando que se divorciou no Interior da China e o divórcio não foi registado em Macau, então não produz efeitos jurídicos em Macau, pelo que, entende que não violou as leis (vide fls. 73 a 107).
8. Quanto aos factos supracitados e à contestação da requerente, analisa-se o seguinte:
(1) A requerente A (A) e B (B), durante o período de renovação de autorização de residência temporária entre 8 de Maio de 2012 e 18 de Setembro de 2014, não declararam o facto de divórcio conforme a verdade, fazendo com que a autoridade administrativa autorizasse a renovação de residência temporária de B (B) que não devia autorizar e consequentemente, prejudicando a justiça do processo de renovação da autorização de residência temporária e os interesses públicos, assim, a requerente não cumpriu as leis de Macau.
(2) É de indicar que a certidão de divórcio passada pelo Ministério dos Assuntos Civis da China reconhecido pelo notário e o acordo de divórcio entregues pela requerente são documentos oficiais do Interior da China e verifica-se a requerente já se divorciou juridicamente, enquanto o assunto de confirmação por tribunais de Macau e de respectivo registo de divórcio incide na partilha de bens e nos alimentos aos filhos, sendo duas coisas distintas.
(3) O caso de penhora da propriedade da requerente ainda se encontra em julgamento no tribunal, pelo que, actualmente não vai analisar mais.
9. Face ao exposto, a requerente não declarou oportunamente o facto de divórcio com B (B) conforme a lei, fazendo com que a autoridade administrativa autorizasse a residência temporária de B (B) que não devia autorizar, assim, não cumpriu as leis de Macau. Após a audiência, sugere que não autorize o requerimento da renovação da autorização de residência temporária dos seguintes interessados devido à falta de fundamentos da contestação escrita da requerente nos termos do art.º 9.º n.º 2 al. 1) da Lei n.º 4/2003, aplicável subsidiariamente ao abrigo do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
n.º
Nome
Relação
1
A (A)
Requerente
2
C (C)
Descendente
Pede-se deferimento.
Técnico superior
XXX(XXX)
Aos 25 de Março de 2015 “
IV - FUNDAMENTOS
1. A decisão ora recorrida teve por fundamento o alegado incumprimento das leis da Região Administrativa Especial de Macau, em decorrência da alteração do estado civil da recorrente, pois que se declarou casada quando efectivamente já se divorciara no interior da China, junto do IPIM e no âmbito de um procedimento visando a obtenção da residência, por investimento, para si e para a sua filha, prestando até falsas informações no procedimento que conduziu à concessão da autorização de residência ao aseu ex-marido.
Tendo sido este o fundamento do indeferimento do pedido de renovação de residência, não tem qualquer interesse a análise da questão suscitada na petição de recurso referente á penhora da fracção, na exacta medida em que por causa dessa questão não foram tomadas quaisquer conclusões conducentes a uma decisão desfavorável à recorrente, aliás, como ela própria reconhece (artigo 42 da p.i.), a situação do imóvel não constituiu fundamento do acto de indeferimento recorrido,
Resta então a questão relativa ao pretenso erro nos pressupostos de facto, baseando-se a recorrente em dois argumentos: por um lado, a apontada falta de comunicação do seu estado de civil não se verificou, na medida em que o seu divórcio na RPC só podia produzir efeitos, uma vez confirmada a respectiva decisão na ordem interna da RAEM; por um lado, a situação atinente ao estado civil não altera a situação juridicamente relevante, qual seja a do investimento que se mostra inalterado.
2. Não podemos dar razão à recorrente, pela razão simples de que ela não lhe assiste.
Se não vejamos.
Qual é o estado civil da recorrente? Independentemente do local do Mundo onde se haja casado, divorciado, voltado a casar, a enviuvar? Ninguém tem dúvida em dizer que é divorciada, sendo o estado civil uma situação jurídica que dimana da verificação de um casamento ou extinção dessa relação jurídica.
Naturalmente não se pretenderá ser divorciado no interior da China e continuar casado em Macau. Com o devido respeito, mas defender o contrário não faz qualquer sentido.
Vamos imaginar que a recorrente voltara a casar no interior da China e que entretanto enviuvara. Continuaria a dizer-se casada e com o primeiro marido?
Esgrime a recorrente com o facto de a sentença do divórcio não estar revista em Macau, mas esquece que o valor da sentença de revisão se destina apenas a dar-lhe eficácia, o que não contende com a sua validade e produção dos efeitos determinantes do estado das pessoas que se rege pela lei pessoal dos cônjuges, como é óbvio, à data da sua celebração ou ocorrência, seja da celebração do casamento, seja do divórcio – artigos 49º, n.º 1, 50º, n.º 1 e 53º do CC.
O sentido contido no artigo 1199º do CPC ... só têm aqui eficácia ... é que a decisão de divórcio proferida por autoridade do exterior só produzirá efeitos em Macau naquilo que tiver conexão com Macau, naquilo que haja aqui de ser executado, como por exemplo, a administração ou partilha do património, o exercício do poder paternal, as prestações alimentares, etc., etc.
Naturalmente, não se pretenderá que a falta de revisão de uma sentença de divórcio permita que, não obstante o divórcio celebrado no Interior da China, permita à recorrente intentar aqui um outro divórcio, conduzindo, porventura a duas decisões contraditórias: divorciada no Interior da China, casada na RAEM. Isto não faria sentido. Na verdade, há que não confundir validade com eficácia. O estado das pessoas não se altera, independentemente da alteração da sua residência ou nacionalidade. Terá sido este entendimento que a Conservatória dos Registos Centrais adoptou, em cumprimento e no seguimento e um despacho do Ministro da Justiça de 1947, ao entender que a simples exibição de uma sentença estrangeira de divórcio não revista e confirmada seria título bastante para permitir a celebração de segundo casamento em Portugal. A este propósito, Ferrer Correia, ainda que não deixando de criticar a decisão, não deixa de evidenciar a diferença que há entre efeitos de um novo estado no estrangeiro, leia-se exterior, com a prova desse mesmo estado.1
Aliás, é a própria lei que salvaguarda a possibilidade de a decisão do Exterior poder servir como meio de prova, como decorre do artigo 1199º, n.º 2 do CPC e a Jurisprudência Comparada não deixa de ser unívoca no sentido da aceitação de uma sentença de divórcio não revista para prova do respectivo facto.2 Por maioria de razão, parece, para comprovação do respectivo estado pessoal, vista até a natureza constitutiva ditada por essa sentença.
Assim será nos casos em que as decisões do Exterior valham como simples factos jurídicos ou situações de facto, independentemente de exequator. 3
Imagine-se um caso de divórcio no Exterior sem intervenção de autoridade pública constitutiva do novo estado, não havendo qualquer sentença a confirmar. Defenderia a parte interessado, noutro ordenamento, o seu estado de casado?
Estamos em crer que não pode a recorrente omitir o seu actual estado de divorciada, ainda que a sentença ou decisão do Exterior aqui não tenha sido confirmada. Situação diferente será a de dar à execução ou pretender extrair efeitos jurídicos derivados directamente dessa sentença, em relação a pessoas ou objectos, aqui situados, isto é, estranhos ao sujeito da relação jurídica em apreço, em matérias que extravasem a definição do seu estado pessoal, a situação substantiva condicionada pela lei pessoal à data aplicável, como sejam, v.g., os caso de constituição de novas relações familiares, de execução de prestações alimentares, disposição, partilha ou administração de bens aqui situados.
3. Parte a recorrente ainda para um outro argumento, qual seja o de considerar que a situação substantiva relevante e condicionante da concessão da residência por investimento não se alterou.
Ainda aqui não lhe assiste razão.
Uma coisa é deter-se um património na situação de casado e património que integrará, eventualmente, a esfera patrimonial desse casal, mantendo-se o património integral nessa titularidade, outra, o destino ou a divisão que venha a ser efectuada em relação a esse património como consequência de um divórcio.
A investidora pode ver o seu património reduzido a metade indivisa e aí a situação não diferiria muito, em termos patrimoniais, dos valores correspondentes à manutenção de uma comunhão conjugal, mas pode ficar sem a fracção e ainda que receba tornas ou o valor correspondente, seguramente deixa de ser a titular do direito da coisa que esteve na base da concessão da residência, sendo a Administração livre na avaliação e ponderação da base do investimento e condições da sua manutenção relevante como fundamento da manutenção ou denegação da autorização de residência.
4. Por outro lado, entende ainda o órgão recorrido que a interessada estaria obrigada, em nome da boa fé (CPA, art. 8°), a comunicar tal facto ao IPIM quando, em 2013, foi pedida a renovação da autorização de residência concedida ao seu ex-marido ao abrigo do art. 5° do RA 3/2005, independentemente da decisão do divórcio ter sido já revista e confirmada.
Realça-se até que este factor – pelo que se colhe do despacho – terá sido decisivo. A requerente pede uma autorização para o marido, residente no interior da China, já ali divorciado.
Já não é só a questão de ela pretender teoricamente sustentar que o divórcio da China só seria invocável, perante ela. Ou por ela, na RAEM, se aqui revista a respectiva sentença, mas pretende esquecer o facto de que o pedido é feito para alguém que, no interior da China, está claramente divorciado. Ou pretenderá que as autoridades de Macau, a ele, residente no interior da China, também não reconheçam como eficaz a decisão de divórcio?
Também aqui não se deixa de conceder razão à Administração. Não se compreende razoavelmente que para umas coisas sirva na RAEM o estado de casado no interior da China e que para outras a dissolução desse mesmo casamento ali ocorrida já não possa valer ou não se deva levar em conta no mesmo ordenamento.
Em face do exposto, o recurso não deixará de improceder.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
Macau, 12 de Maio de 2016
Dr. João A. G. Gil de Oliveira
Dr. Ho Wai Neng
Dr. José Cândido de Pinho
Fui presente
Mai Man Ieng
1 - Lições de DIP, Almedina, 2004, 470
2 - Acs. do STJ, de 3710/1967, BMJ 170º, 232; Assento do STJ, de 16/12/1988, Processo 72 358, BMJ 382, 187
3 - Cfr. Ferrer Correia, ob. cit., 471 e Gonçalves de Proença, Tratado Elementar de DIP, II, Univ. Lusíada Ed., 2005, 203
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581/2015 3/32