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Processo nº 305/2016 Data: 12.05.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “furto qualificado”.
Pena.
Atenuação especial.
Suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

2. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.

O relator,

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Processo nº 305/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, alegando – em síntese – que excessiva é a pena que lhe foi decretada e que lhe devia ser suspensa na sua execução; (cfr., fls. 152 a 158 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 160 a 163).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I., e, em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A, mais bem identificado nos autos, recorre do acórdão condenatório de 11 de Março de 2016, que lhe impôs uma pena de prisão de 1 ano e 6 meses, por furto qualificado da previsão do artigo 198.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
Na motivação e respectivas conclusões coloca à consideração do tribunal de recurso duas questões: a da não atenuação especial da pena e do seu excesso; e a da suspensão da execução da pena.
Vejamos cada uma das questões.
1. Atenuação especial/excesso da pena:
O recorrente sustenta que, em resultado da confissão integral do crime e do arrependimento demonstrado, deveria ter visto a pena especialmente atenuada, embora acabe por não extrair as esperadas ilações, em termos de medida da pena, dessa advogada atenuação.
Temos para nós que não procedem as razões aduzidas para justificar a aventada atenuação especial.
A confissão e a proclamação de arrependimento, mesmo quando feitos em audiência e ainda que sinceros, não são equivalentes à exigência da alínea c) do n.° 2 do artigo 66.° do Código Penal, na qual o recorrente pretende alicerçar a atenuação especial. Esta norma convoca actos demonstrativos de arrependimento sincero, não se bastando com intenções ou meras afirmações verbais, mesmo quando produzidas em audiência. Não estavam, pois, reunidas quaisquer circunstâncias que apontassem para uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, pelo que não podia o tribunal fazer uso do mecanismo de atenuação previsto no referido artigo 66.°.
 Por outro lado, embora não repugne que, em sede de medida concreta, o tribunal pudesse ter optado por uma pena que se situasse aquém dos 12 meses de prisão, dando mais ênfase à idade jovem e à condição de delinquente primário do arguido, bem como à recuperação do subtraído e inerente inexistência de prejuízo para a vítima, há que ponderar que os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não se crê ser o caso.
Improcede, assim, a argumentação relativa à atenuação especial da pena e seu excesso.
2. Suspensão da execução da pena:
Argumenta também o recorrente que a pena devia ter sido suspensa na sua execução, por um período de 3 anos.
O artigo 48.° do Código Penal postula que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tem-se entendido que se trata de um poder-dever, que alguns autores denominam de discricionariedade vinculada, o qual está sujeito à verificação dos requisitos, formal e material, previstos na norma.
No caso vertente, não há dúvidas sobre o preenchimento do pressuposto formal da suspensão (pena aplicada em medida não superior a 3 anos).
Já no que toca ao pressuposto material, o tribunal colectivo entendeu que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não bastavam para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E, para tanto, louvou-se especialmente na gravidade das circunstâncias do cometimento do crime e nas repercussões negativas causadas pelo acto criminoso à paz social. É um argumento ponderoso, tal como o Ministério Público também assinala na sua resposta, dada a frequência com que a população de Macau e o seu modo de vida são confrontados com a perpetração de ilícitos similares, levados a cabo por não residentes. O veredicto segue, nesta matéria, a orientação geralmente adoptada pelos tribunais de Macau, que se têm mostrado particularmente sensíveis, neste aspecto, à questão da prevenção geral positiva, por via do impacto social de crimes contra o património, sobretudo quando cometidos por turistas, optando, em regra, por não suspender a execução das respectivas penas de prisão.
No caso vertente, acresce a dificuldade no apuramento e caracterização de aspectos ligados à personalidade do arguido, dada a ausência de imediação, devido à sua não comparência em audiência.
Também nesta parte não merece censura o acórdão”; (cfr., fls. 214 a 215).

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Corridos os vistos legais, vieram os autos à conferência.

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 143 a 144, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Sendo as conclusões de recurso que delimitam as questões a apreciar pelo Tribunal de recurso – no caso de não haver questões de conhecimento oficioso, como sucede – e ponderando nas questões colocadas, comecemos pela “medida da pena”.

–– Pois bem, ao crime pelo recorrente cometido cabe a pena de prisão até 5 anos ou pena de multa 600 dias; (cfr., art. 198°, n.° 1, al. b) do C.P.M.).

Diz o recorrente que excessiva é a pena de 1 ano e 6 meses de prisão fixada, pois que se devia dar mais relevo à sua “confissão integral e sem reservas”, até se lhe devendo atenuar especialmente a pena.

Porém, não tem razão.

Como temos vindo a considerar “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 1067/2015 e de 03.03.2016, Proc. n.° 78/2016).

No caso, é verdade que o recorrente “confessou os factos” em sede de Inquérito.

Mas, independentemente do demais, tal confissão tem pouco valor atenuativo visto que o ora recorrente foi detido em situação de “quase flagrante delito”, por agentes da P.S.P. que o detectaram e o seguiram, encontrando-se ainda com o produto do crime consigo, não se podendo considerar a situação dos autos como “extraordinária” ou “excepcional” para se accionar o comando legal do art. 66° do C.P.M. para efeitos de uma atenuação especial como pretendido é.

Por sua vez, cabe também dizer que nenhuma censura nos merece a opção pela pena de prisão, (ao abrigo do art. 64° do C.P.M.), o mesmo se nos apresentando quanto à medida concreta da pena, fixada em 1 ano e 6 meses de prisão, pois que, atento os critérios do art. 40° e 65° do mesmo Código Penal, não se mostra excessiva face as necessidades de prevenção criminal deste tipo de crime de furto (por “carteiristas”) em transportes colectivos.

Aqui, cabe consignar o que segue.

O crime de “furto” dos autos ocorre num autocarro de transporte público, onde o arguido se apropria da carteira que a ofendida trazia consigo na sua mala, sendo que o arguido vem a ser interceptado – como se disse – por agentes da P.S.P. que o detectaram e seguiram, já em plena via pública, (após descer do autocarro), sem que a própria ofendida desse conta do furto ocorrido e de que foi vítima.

Nesta conformidade, poder-se-ia, (quiçá), equacionar se a situação dos autos integra a prática do crime de “furto” na “forma tentada”; (sobre a questão, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 29.10.2015, Proc. n.° 884/2015).

Porém, não se nos mostra de assim entender.


Com efeito, no caso, atenta as circunstâncias retratadas, (e independentemente do demais), afigura-se-nos de considerar que o crime em questão se mostra “consumado”, pois que o arguido, quando interceptado, já se encontrava afastado do “local do crime”, exercendo uma “posse pacífica” sobre a carteira que tinha subtraído à ofendida dos autos.

–– Quanto à pretendida “suspensão da execução da pena”.

Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 25.02.2016, Proc. n.° 94/2016 e de 03.03.2016, Proc. n.° 78/2016).

Ponderando no assim entendido, que se nos mostra de manter, cremos que inviável é a dita suspensão da execução da pena, pois que, atento o tipo de crime, suas circunstâncias e modus operandi do arguido, ora recorrente, (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal.

Com efeito, o crime de “furto” em causa, cometido pelo recorrente enquanto “turista” em Macau, tem sido um “tipo de ilícito” que com (grande) frequência tem vindo a ocorrer na R.A.E.M., não deixando de afectar a sua imagem, e a segurança das pessoas necessária se apresentando a sua (activa) prevenção, o que torna incompatível uma (eventual) decisão de suspensão da execução da pena aplicada.

Nesta conformidade, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 12 de Maio de 2016
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (Subscrevo a decisão, mas por fundamentação diversa quanto ao momento de consumação do crime de furto qualificado, na esteira da minha tese jurídica já veiculada no Acórdão de 13/11/2014, do Processo nº 543/2014, do TSI).

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