Processo nº 200/2015
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 12 de Maio de 2016
ASSUNTO:
- Lei Básica
- Atribuição do BIR permanente
- Filhos adoptivos
SUMÁRIO :
- Tanto pela letra da lei (quer na versão chinesa, quer na portuguesa) como pelo espírito legislativo, não se afigura que o legislador da Lei Básica da RAEM queira estabelecer um tratamento diferenciado para os filhos naturais e os filhos adoptivos.
- A razão de ser da al. 6) do artº 24º da Lei Básica consiste em satisfazer as necessidades da união familiar, permitindo desta forma que o filho menor pode viver juntamente com os seus pais na RAEM.
- Se esta necessidade de satisfazer os interesses da união familiar verifica-se na situação dos filhos naturais, também se verifica para os filhos jurídicos, nomeadamente os filhos adoptivos.
- Ao nível da lei ordinária interna, tanto da RAEM (artºs 1470º e 1838º, todos do CCM) como do interior da China (Lei da Adopção Chinesa, com revisão em 1998, artº 23º), os filhos adoptivos são equiparados como filhos naturais para todos os efeitos legais.
- Negar o título de residente permanente por ser filho adoptivo significaria que o ordenamento jurídico da RAEM reconhece o vínculo da filiação adoptiva para uns efeitos, mas não para outros. E isso equivalia a admitir que, para certos efeitos, há filhos de primeira categoria e filhos de segunda categoria, o que, além de atentar contra o princípio da igualdade contemplado no artº 25º da Lei Básica da RAEM, ofende o estatuto familiar previsto no artº 1838º do CCM, bem como contra o artº 1º, al. 10) da Lei nº 8/1999, a qual tem a sua fonte de origem na al. 6) do nº 2 do artº 24º da Lei Básica da RAEM.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 200/2015
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 12 de Maio de 2016
Recorrente: B
Entidade Recorrida: Secretária para a Administração e Justiça
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
B, devidamente identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho da Secretária para a Administração e Justiça de 14/01/2015, que indeferiu o pedido da atribuição do BIR permanente da RAEM para o seu filho adoptivo, concluíndo que:
I. A Recorrente e o seu marido, C, ambos residentes da RAEM, são pais do menor D que nasceu em Macau;
II. Neste seguimento, a Recorrente requereu a autorização de residência permanente junto da Direcção dos Serviços de identificação de Macau, que indeferiu o pedido com fundamento na filiação biológica do menor;
III. A certidão narrativa de registo de nascimento não faz menção nem identifica a relação parental biológica;
IV. Pelo que, a Direcção dos Serviços de Identificação diligenciou (de modo ilegal!) saber a identidade dos pais biológicos do filho da Recorrente, fazendo expressa menção desse facto íntimo e secreto nos seus pareceres;
V. A adopção do filho da Recorrente foi decretada por sentença, transitada em julgado, do Tribunal Judicial de Base;
VI. O artigo 24.º alínea 6) da Lei Básica, relativamente aos menores que têm direito à residência permanente em Macau, não distingue entre filiação natural e adoptiva;
VII. A Lei Básica distingue sim entre os filhos nascidos em e fora de Macau;
VIII. O Código Civil consagra o Princípio da Igualdade relativamente à filiação e estabelece que o adoptado adquire a situação de filho do adoptante, extinguindo-se as relações familiares biológicas;
IX. "... filho para efeitos do art.º 24.º da LB só pode ser aquele que mantenha com qualquer residente permanente da RAEM uma relação de filiação assente na verdade biológica ou uma relação adoptiva assente na verdade afectiva ou sociológica." (op. cit.);
X. A RAEM é signatária da Convenção dos Direitos da Criança que consagra o princípio da igualdade de tratamento (que impõe aos Estados membros a protecção da criança contra todas as formas de discriminação);
XI. O despacho recorrido padece do vício de violação de lei ao indeferir a pretensão da Recorrente, negando o direito à residência permanente do seu filho menor;
XII. A violação de lei determina a anulabilidade do acto recorrido, devendo a Direcção dos Serviços de Identificação, em respeito pelo princípio do efeito reconstitutivo do caso julgado, praticar novo acto administrativo agora de sentido favorável à pretensão da Recorrente;
XIII. Acresce que a emissão de BIRPM, nos termos dos artigos 20.º e 21.º do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, constitui, in casu, um acto vinculado, atento o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alínea 7), bem como do artigo 6.º da Lei n.º 8/1999 e bem assim do artigo 4.º da Lei n.º 8/2002.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 35 a 44 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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As partes apresentaram alegações facultativas, mantendo, na essência, as posições inicialmente assumidas, respectivamente.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso, a saber:
“Nas conclusões formuladas na petição inicial e alegações de fls.51 a 59 dos autos, a recorrente assacou, ao douto despacho em escrutínio, a violação de lei e a «dupla censurabilidade» das informações requisitadas pelos SIM à Conservatória do Registo Civil (art.13º das alegações).
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, não acompanhamos a posição defendida pela recorrente.
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Antes, sufragamos a conclusão a que chegou a Administração por via da interpretação histórica das disposições nos art.24º da Lei Básica e art.1º da Lei n.º8/1999, conclusão no sentido de estes 2 normativos legais contemplarem apenas a filiação biológica, não a adoptiva.
O que permite extrair que nos casos em que o adoptando não seja residente da RAEM, a adoptação não é modo da aquisição ipso jure ou por directo efeito da lei do estatuto de residente permanente, ainda que o possua o adoptante. Isto é, a adopção por residente permanente de pessoa não residente não confere ipso jure este estatuto ao adoptado, a aquisição do mesmo estatuto pelo adoptado carece de autorização legalmente exigida da autoridade competente.
E, para qualquer pessoa nascida em Macau, as alís. 1), 4), 7) e 10) do n.º1 do art.1º da Lei n.º8/1999 acolhem simultaneamente, de grosso modo, o princípio de jus soli e o de jus sanguinis. O que significa que a aquisição do estatuto de residente permanente da RAEM depende, pelo menos, do preenchimento cumulativo de 2 pressupostos: dum lado, o nascimento em Macau do próprio interessado e, de outro, um ou ambos os progenitores residia legalmente aqui ou tinha já adquirido o direito de residência. (Com efeito, as alíneas 4) e 7) exigem ainda o domicílio permanente aqui)
No vertente caso, está líquido que na data de nascimento do menor D em 25/1/2011, nenhum dos seus pais biológicos satisfazia o pressuposto consignado na alínea 10) do n.º1 do art.1º da Lei n.º8/1999, pelo que ele não era residente da RAEM antes da adoptação.
Nesta linha de vista, e com muito elevado respeito pelo carinho e amor da recorrente com o seu filho adoptivo, não podemos deixar de entender que o douto despacho recorrido está em plena conformidade com os arts.24º da Lei Básica e 1º da Lei n.º8/1999, não sendo a interpretação da recorrente correspondente à mens legis destes dois comandos legais.
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Em esteira da doutrina mais autorizativa e ainda da jurisprudência consolidada, e sem necessidade de citação, colhemos que o princípio da igualdade só se aplica aos actos discricionário que comportam o exercício do poder discricionário, não aos actos vinculados.
Na nossa óptica, o despacho impugnado assume a natureza de acto vinculado, em virtude de ser predominantemente vinculado o poder conferido à Administração para interpretar e aplicar os arts.24º da Lei Básica e 1º da Lei n.º8/1999, e de não haver nestes 2 normativos legais nenhum conceito indeterminado de prognose. Daqui flui a impossibilidade legal de o acto recorrido infringir o princípio de igualdade.
Do seu lado, os arts.1º e 5º da Lei n.º37/87 (Lei da Nacionalidade Portuguesa) e 3º e 16º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa anexo ao D.L. n.º237-A/2006 revelam que o princípio de igualdade não impede o legislador ordinário de distinguir a adopção do nascimento (filiação biológica) para efeitos de aquisição da nacionalidade.
É verdade que o ordenamento jurídico de Macau não prescreve o efeito consagrado no art.16º do referido Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, nem dota à adopção a dignidade paralela ao nascimento – não sendo a qual o modo da aquisição ipso jure do estatuto de residente permanente, mesmo que o possua o adoptante.
Traduzido em aplicar fielmente ao determinado no n.º1 do art.1º da Lei n.º8/1999, o despacho em crise não ofende o princípio da igualdade ou qualquer disposição na Convenção dos Direito da Criança, nem colide com o preceituado nos arts.1649º, 1838º e 1839º do CC, nem no n.º1 do art.159º do Código do Registo Civil.
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Para efeitos de requerer e obter o bilhete de identidade de residente da RAEM, prevê expressamente o art.4º da Lei n.º8/2002: São residentes da RAEM os menores, naturais de Macau, se ao tempo do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente em Macau.
Estamos tranquilamente convictos de que o despacho em causa não infringe este comando legal, visto que, à luz do princípio da coerência do sistema jurídico, o qual deve ser interpretado em harmonia com art.1º da Lei n.º8/1999, e fica indubitavelmente provado que os pais biológicos do filho adoptivo da recorrente não preenchiam, na data de nascimento dele, o pressuposto consagrado na alínea 9) do n.º1 do art.1º da Lei n.º8/1999.
Sem necessidade de transcrição dos arts.20º e 21º do Regulamento Administrativo n.º23/2002, estamos igualmente convictos de que o acto recorrido não contraria com estes dois artigos, e em bom rigor, não faz sentido a arguição na conclusão XIII) da petição inicial.
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Ora, recorrente impulsionou dois procedimentos, sendo o primeiro destinado ao reconhecimento do estatuto de residente permanente ao seu filho adoptivo, e o segundo à emissão do bilhete de identidade de residente não permanente ao mesmo menor a quem tinha já sido concedida autorização de residência pela autoridade competente.
Note-se que o despacho recorrido pôs termo ao primeiro, e emerge no segundo a diligência criticada no art.13º das alegações de fls.51 a 59 dos autos. O que torna óbvio e incontroverso que tal diligência, sendo mesmo impertinente ou ilegal, está estanque do despacho em causa e, por isso, não poderia acarretar-lhe a invalidade.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- A Recorrente e o seu marido, C, residentes permanentes da RAEM, são pais do menor D.
- A filiação foi estabelecida através da adopção decretada por sentença do Tribunal Judicial de Base, de 14/07/2014, proferida no Proc. nº FM1-14-0064-MPS, com trânsito em julgado no dia 28/07/2014.
- O identificado menor nasceu em Macau em 25/01/2011.
- Em 07/08/2014, a Recorrente requereu à DSI a emissão do BI de Residente Permanente a favor do seu filho adoptivo, o que foi indeferida.
- Inconformada com a decisão do indeferimento, recorreu hierarquicamente para a Senhora Secretária para a Administração e a Justiça.
- Por despacho da Senhora Secretária para a Administração e a Justiça, de 14/01/2015, foi indeferido o recurso hierárquico necessário.
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III – Fundamentação
O objecto presente recurso contencioso consiste em saber se o filho adoptivo menor tem ou não direito à residência na RAEM ao abrigo do artº 24º da Lei Básica.
Dispõe o artº 24º da Lei Básica que:
Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1. Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2. Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3. Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4. Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5. As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6. Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência.
A Recorrente fundamentou o seu pedido da emissão do BIR permanente ao abrigo da al. 6) do citado artº 24º da Lei Básica da RAEM, já que no seu entender, o legislador da Lei Básica não fez qualquer distinção entre filho natural e filho adoptivo.
Quid iuris?
Cremos que lhe assiste razão.
Na realidade, tanto pela letra da lei (quer na versão chinesa, quer na portuguesa) como pelo espírito legislativo, não conseguimos encontrar qualquer razão plausível para concluir que o legislador da Lei Básica queria estabelecer um tratamento diferenciado para os filhos naturais e os filhos adoptivos.
A razão de ser da al. 6) do artº 24º da Lei Básica consiste em satisfazer as necessidades da união familiar, permitindo desta forma que o filho menor pode viver juntamente com os seus pais na RAEM.
Ora, se esta necessidade de satisfazer os interesses da união familiar verifica-se na situação dos filhos naturais, também se verifica para os filhos jurídicos, nomeadamente para os filhos adoptivos.
Por outro lado, ao nível da lei ordinária interna, tanto da RAEM (artºs 1470º e 1838º, todos do CCM) como do interior da China (Lei da Adopção Chinesa, com revisão em 1998, artº 23º), os filhos adoptivos são equiparados como filhos naturais para todos os efeitos legais.
Não ignoramos que o artº 6º da Lei nº 8/1998 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), de 20/12/1999, não reconhece a filiação adoptiva para efeitos da atribuição do BIR permanente.
Porém, não entendemos que tal exclusão é legal face ao disposto da al. 6) do artº 24º da Lei Básica e aos princípios fundamentais consagrados na Convenção dos Direitos da Criança.
Aliás, nos termos da al. a) do nº 1 do artº 26º da Convenção Relativa à Protecção e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, publicada no BO nº 11, de 15/03/2006 pelo Aviso do Chefe do Executivo nº 11/2006, na qual a República Popular da China também é parte, o reconhecimento de uma adopção internacional implica o reconhecimento do vínculo de filiação entre a criança e os seus pais adoptivos.
Por força da citada al. a) do nº 1 do artº 26º da Convenção Relativa à Protecção e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, o Governo da RAEM não pode, com fundamento no artº 6º da Lei nº 8/1998, deixar de reconhecer vínculo de filiação estabelecida pela adopção internacional reconhecida em Macau e consequentemente recusar a emissão do BIR permanente à criança adoptada se os seus pais adoptivos (ou um deles) são residentes permanentes, sob pena de violar a referida norma internacional, a qual é hierarquicamente superior à lei ordinária em termos de fontes de direito.
Ora, se uma adopção internacional reconhecida em Macau implicar o reconhecimento do vínculo de filiação entre a criança e os seus pais adoptivos para todos os efeitos legais, seria ilógico e contra senso, admitir, na atribuição do BIR permanente, o não reconhecimento do mesmo vínculo constituído por uma adopção local decretada pelo tribunal de Macau.
Negar o título de residente permanente em fundamento utilizado no acto em crise significaria que o ordenamento jurídico da RAEM reconhece o vínculo da filiação adoptiva para uns efeitos, mas não para outros. E isso equivalia a admitir que, para certos efeitos, há filhos de primeira categoria e filhos de segunda categoria, o que, além de atentar contra o princípio da igualdade contemplado no artº 25º da Lei Básica da RAEM, ofende o estatuto familiar previsto no artº 1838º do CCM, bem como contra o artº 1º, al. 10) da Lei nº 8/1999, a qual tem a sua fonte de origem na al. 6) do nº 2 do artº 24º da Lei Básica da RAEM.
Face ao expendido e sem necessidade de demais delongas, se conclui que o acto recorrido padece do vício substancial da violação da lei, o que gera a sua anulabilidade.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso interposto, anulando o acto recorrido.
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Sem custas por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
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Notifique e registe.
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RAEM, aos 12 de Maio de 2016.
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho (com declaração de voto anexo)
(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong (com declaração de voto vencido)
Fui presente
Mai Man Ieng
Recurso Contencioso nº 200/2015
Declaração de voto
Voto favoravelmente a decisão. Contudo, por uma questão de coerência e elucidação, vejo-me obrigado a precisar o sentido do acórdão de 22/10/2015 deste TSI de que fui relator (Proc. nº 197/2015), na medida em que da sua fundamentação, por uma ou duas vezes, pode resultar uma errada interpretação, aparentemente contraditória com a do presente aresto. Na verdade, quando nele defendi que se torna necessária a nacionalidade chinesa no momento do nascimento do menor adoptando, estava a referir-me apenas às situações das alíneas 1) e 2) do art. 24º, bem como 4) e 5) do nº1, do art. 1º, da Lei nº 8/1999, que se referem aos filhos de nacionalidade chinesa (cfr. alínea 6), do mesmo art. 1º citado).
Para a economia da decisão, e porque tal não era necessário, não aludi às restantes alíneas. Consequentemente, também não me referi à situação dos filhos dos residentes permanentes a que respeita a alínea 5), do art. 24º da Lei Básica (cfr. tb. alínea 6)), nem obviamente aos casos previstos nas alíneas 9) e 10) do nº1, do art. 1º da Lei nº 8/1999, que abrangem qualquer outra nacionalidade.
Assim sendo, o relator daquele aresto (aqui adjunto e ora declarante) é de opinião que a situação dos presentes autos cabe perfeitamente no âmbito da alínea 6) do art. 24º citado e 1º da Lei nº 8/1999, cuja previsão não afasta a possibilidade de adopção pelas pessoas ali previstas, tal como é a tese vencedora do presente acórdão, uma vez que a respeito delas não ocorram as restrições estudadas no mencionado aresto lavrado no Proc. nº 197/2015.
_________________
José Cândido de Pinho
Declaração de voto vencido
Votei vencido por entender que, ao contrário do que foi defendido no acórdão, a Lei nº 8/1999, que regula a matéria relacionada com a atribuição do estatuto de residente permanente, não é ilegal.
De facto, foi aprovada pela Comissão Preparatória da RAEM da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, em 16 de Janeiro de 1999, uma opinião sobre a aplicação do disposto no nº 2 do artigo 24º da Lei Básica, nos termos da qual considerou, no seu ponto 5, que os filhos menores das demais pessoas (i.e, fora dos chineses e portugueses) só têm o estatuto de residente permanente se aqueles tenham nascido em Macau e, aquando do seu nascimento, os seus pais ou um dos seus pais já eram residentes permanentes.
Ao mesmo tempo, foi ainda ordenado à RAEM que estabelecesse em pormenor as condições de execução dos assuntos relacionados com a atribuição do estatuto de residente permanente.
Daí que, salvo o devido respeito, não se afigura que a Lei nº 8/1999, que vem regular a matéria relacionada com a atribuição do estatuto de residente permanente, seja ilegal, na medida em que foi a própria Comissão Preparatória da RAEM, órgão dependente da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, que veio esclarecer quando é que os filhos menores dos residentes permanentes (pessoas que não sejam nem chineses nem portugueses) poderão beneficiar do estatuto de residente permanente da RAEM.
Desta sorte, considerando que a Lei nº 8/1999 se limita a definir em termos concretos aquilo que foi regulado na Lei Básica, pelo que não poderá o tal diploma ser ilegal.
Dispõe a alínea 10) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 que são residentes permanentes da RAEM, entre outros, os filhos menores dos residentes permanentes (que não sejam nem chineses nem portugueses) que tenham nascido em Macau e que à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já era residente permanente e que tenha aqui o seu domicílio permanente. Simplesmente, não foi o caso que ora se discute, uma vez que não obstante o menor em causa ter nascido em Macau, aquando do seu nascimento os pais biológicos não eram residentes permanentes.
Por outro lado, é forçoso concluir que ao abrigo do artigo 6º dessa mesma Lei, só releva para efeitos de aquisição do estatuto de residente permanente, a relação de filiação biológica (i.e, entre mãe e filhos ou entre pai e filho), ficando excluída, para os mesmos efeitos, a filiação adoptiva.
Face à própria singularidade da RAEM, entendo que seria compreensível que o legislador da Lei Básica tenha conferido um tratamento diferente, respectivamente, aos filhos biológicos e aos filhos adoptivos, na matéria respeitante à atribuição do estatuto de residente permanente.
Por fim, considerando que a Lei Básica ocupa o mais alto grau na hierarquia normativa da RAEM, escusamo-nos de apreciar se haveria lugar a violação de normas internacionais, pois teremos que cumprir, salvo o devido respeito, a Lei Básica.
Face ao expendido, proponho julgar improcedente o recurso contencioso.
Tong Hio Fong
12-5-2016
1
18
200/2015