Proc. nº 188/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Maio de 2016
Descritores:
-Suspensão da instância
-Causa prejudicial
SUMÁRIO:
I. Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 223.º do Código de Processo Civil, a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito.
II. Pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
III. A acção visando a declaração de usucapião do direito de propriedade sobre um prédio é prejudicial relativamente à acção de despejo do mesmo imóvel, proposta contra o autor daquela acção.
Proc. nº 188/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A Investimento Imobiliário Limitada, sociedade comercial com sede em Macau, na XXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXX, instaurou no TJB (Proc. nº CV1-15-0016-CPE) acção especial de despejo contra B, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong n.ºXXX, com última morada conhecida em Macau na XXX, residente em Hong-Kong em morada desconhecida.
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Tendo sido invocada na contestação a existência de uma questão prejudicial, traduzida na pendência de uma acção tendente à aquisição por usucapião do prédio alegadamente dado de arrendamento pelo anterior proprietário, foi na oportunidade proferido despacho a decretar a suspensão da instância até ao trânsito da decisão final a proferir no referido processo (fls. 340-342).
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É contra tal despacho que ora se insurge a autora, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. Entre a presente acção especial de despejo e a acção de declaração de usucapião do direito de propriedade do domínio útil do edifício sito no n.º 25 da Rua do Regedor, interposta em 13/09/2004 e que ainda corre no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, autuado como processo n.º CV2-04-0070-CAO, não se verifica a relação de prejudicialidade ou dependência relevante para efeitos do disposto no artigo 223.º do CPC.
2. O despacho do Tribunal a quo, de fls. 340 a 342 de que ora se recorre, que suspendeu a instância da acção especial de despejo por considerar que a decisão desta acção depende da que vier a ser proferida na acção de usucapião, viola claramente o artigo 223.º do CPC.
3. A acção de despejo não se configura como causa dependente da acção de usucapião do direito de propriedade do edifício em questão nos presentes autos porque, a proceder o pedido formulado na acção de despejo, ficará definitivamente definida a qualidade de arrendatário do Recorrido.
4. O Recorrido invocou a qualidade de proprietário do edifício na defesa por impugnação apresentada na presente acção, pelo que esta questão será necessariamente discutida na acção de despejo.
5. É susceptível de ser aferida na acção de despejo a qualidade em que o Recorrido utiliza o edifício em questão e que conduz à definição da propriedade do edifício.
6. Provado que o recorrido é arrendatário e declarada a resolução do contrato de arrendamento, ficará firmado que o uso que aquele faz do edifício com os n.ºs de polícia 25 e 26 da Rua do Regedor se sustenta no contrato de arrendamento.
7. Ficando definida a qualidade do Recorrido como mero detentor, possuindo edifício em nome alheio, como arrendatário, qualidade insusceptível de preencher o conceito de dominialidade para efeitos de usucapião, elemento definidor do conceito de posse que releva para o reconhecimento da usucapião do direito de propriedade, de acordo com o disposto no artigo 1215.º do Código Civil.
8. A existência do contrato de arrendamento e a consequente definição jurídica do Recorrido como arrendatário, matérias a apreciar na presente acção de despejo, impedirão que na acção declarativa comum (de usucapião) seja proferida decisão diversa quanto à qualificação do proprietário do edifício, porquanto “ (...) a procedência da acção de despejo, apoiada na existência de um contrato de arrendamento, conduzirá à improcedência da acção de usucapião. (...) ” (Ac. Do TSI de 11/12/2014, no processo n.º 240/2014.
9. A acção de despejo deve ser qualificada não como causa dependente mas sim como causa prejudicial da acção declarativa (de usucapião), ao invés do que foi decidido pelo despacho recorrido.
10. Mesmo que se entenda que a presente acção de despejo é causa dependente da acção de usucapião, o que não se concede, verifica-se uma circunstância que impede a existência de duas decisões contrárias sobre a questão da propriedade do edifício, porque a questão prejudicial dirimida na acção de usucapião foi invocada pelo Recorrido na presente acção permitindo a decisão sobre a mesma nestes Autos.
11. O que justifica que, ao abrigo do disposto no artigo 223.º, n.º 2 (parte final) do CPC, não deveria ter sido ordenada a suspensão da presente instância.
12. Para sustentar a suspensão da instância o Recorrido invocou o chamamento da aqui Recorrente na acção de usucapião, intervenção essa que, até à presente data, ainda não se verificou.
13. Sendo previsível que tardará não só a decisão final do juiz titular da acção de usucapião sobre o chamamento da Recorrente para aquela acção mas, sobretudo, a efectivação daquele chamamento, atento o elevado número de réus naquela acção que implicará a morosidade da sua notificação com vista à emissão de pronúncia sobre o chamamento (artigo 268.º, n.º 2 do CPC), ao que acresce as habilitações sucessivas a que os mesmos autos (de usucapião) têm sido sujeitos.
14. É muito pouco provável a existência de duas decisões simultâneas nas duas acções, porque a de usucapião se encontra, na sua tramitação, bastante atrasada relativamente à que se reporta o presente recurso, pese embora ter sido interposta em 13/09/2004.
15. Tendo sido objecto de inúmeras suspensões face à inércia do Recorrido em promover a habilitação dos sucessores dos réus primitivos entretanto falecidos naquela acção.
16. Apenas em 7/07/2014, quase 10 anos depois de ter intentada, o Recorrido promoveu o registo da acção de usucapião, o que foi feito 5 meses após a aquisição, pela Recorrente, do terreno onde se encontra construído o edifício objecto da presente acção de despejo e da acção de usucapião, como resulta das inscrições n.ºs XXX da certidão do registo predial junta aos autos.
17. Sabendo o Recorrido, desde Fevereiro de 2014, da aquisição desse terreno pela Recorrente, não promoveu de imediato a intervenção desta na acção de usucapião, tendo esperado 1 ano e 5 meses para efectuar esse chamamento.
18. A actuação do Recorrido, com o pedido de suspensão dos presentes autos, demonstra um intuito manifestamente dilatório, porque sabia que a acção de usucapião (alegada causa prejudicial) se encontra numa fase bem mais atrasada que a presente acção de despejo (alegada causa dependente), facto que se deve à circunstância de ter optado por não promover, durante mais de 10 anos, o devido impulso processual naquela primeira acção.
19. Idêntico o intuito dilatório do Recorrente revela o facto de, por sua única e exclusiva inércia, não ter procedido ao chamamento da Recorrente na acção de usucapião no início do ano de 2014.
20. Daqui decorre que embora o artigo 223.º, n.º1 do CPC disponha que pode ser ordenada a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, mesmo assim, poderá decidir-se por não a suspender quando a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens (cfr. n.º 2, parte final, do mesmo artigo e Código).
21. Situação que se verifica nos presentes autos, porque no momento da decisão de suspensão pelo Tribunal a quo, a presente acção de despejo ia entrar em fase de saneamento, sendo expectável que o julgamento ocorresse muito antes da contestação por todos os réus e respectivos sucessores na acção de usucapião, cujo número comporta significativa morosidade no andamento daqueles autos e, bem assim, da contestação da aqui Recorrente, se e quando for deferido o seu chamamento.
22. A previsível demora no desfecho da acção de usucapião acarreta graves restrições aos princípios da celeridade e de boa administração da justiça, constituindo a decisão do Tribunal a quo um sério obstáculo à sua concretização.
23. A decisão do Tribunal a quo prossegue um sentido inverso ao fim previsto na parte final do n.º2 do artigo 223.º do CPC, porque podendo a questão da propriedade do edifício em causa ficar decidida na presente acção de despejo, na medida em que a qualidade jurídica em que o Recorrido utiliza esse edifício nos conduzirá, necessariamente, à definição daquela questão, a suspensão da presente instância impõe um protelamento desnecessário (a longo prazo) da resolução sobre esta matéria.
24. Sendo por isso manifesto que os prejuízos da suspensão da presente acção de despejo superam largamente as suas vantagens, atendendo a que a diferente fase processual em que ambas as causas se encontram justificava o indeferimento do pedido de suspensão formulado pelo Recorrido, com fundamento no artigo 223.º, n.º2 (parte final) do CPC, ao invés do que decidiu o Tribunal a quo.
Termos em que, contando com o douto suprimento de V. Ex.ªs, Venerandos juízes, se requer, muito respeitosamente, seja julgado procedente o presente Recurso jurisdicional e, consequentemente, seja revogado o douto despacho a fls. 340 a 342 dos autos, por violação do artigo 223.º do CPC, devendo ser proferida decisão no sentido do indeferimento da suspensão dos presentes autos, devendo os mesmos prosseguir os seus ulteriores termos até final para apreciação do mérito da causa, fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA!».
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O réu respondeu ao recurso, pugnando pelo seu improvimento.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 - Foi intentada pelo réu da presente acção uma acção ordinária (Proc. nº CV2-04-0070-CAO) contra os réus C e outros, na qual foi deduzida a intervenção principal provocada da aqui autora.
2 – Nos presentes autos foi proferido o seguinte despacho:
«Da questão prévia: suspensão da instância por estar pendente causa prejudicial:
A Investimento Imobiliário, Limitada propôs a presente acção especial de despejo contra B pedindo que, pela sua procedência, se declare resolvido o contrato de arrendamento que tem por objecto uma habitação, à qual foram atribuídos os números de polícia 25 e 26, com entrada pela Rua do Regedor, construída no prédio rústico sito em Macau, no Largo das Virtudes, este descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito a seu favor desde 11 de Fevereiro de 2014.
Para tanto, a Autora alega, muito resumidamente, que essa habitação foi dada de arrendamento, em 1928, aos pais do Réu, pelo anterior proprietário, e que por morte daqueles, em 1976, o ora Réu sucedeu-lhes nesse arrendamento, pagando uma renda anual que foi sendo sucessivamente actualizada.
Acrescenta, ainda, a Autora que o Réu deixou de pagar a respectiva renda no ano de 2003, subarrendou o locado sem a autorização do senhorio e deu-lhe um fim diverso àquele a que o mesmo se destina, razões que fundamentam o respectivo pedido de resolução do contrato de arrendamento.
O Réu contestou a acção e suscitou, desde logo, a existência de uma questão prejudicial que, a seu ver, impede o conhecimento do mérito da acção de despejo: estar pendente uma acção de usucapião em que o Réu, ali na qualidade de Autor, se arroga proprietário originário do supra mencionado edifício.
Ouvida a parte contrária sobre esta questão prévia, veio sustentar que o pedido do Réu tem um intuito manifestamente dilatório, sendo abusivo o seu comportamento processual, conforme melhor se colhe do teor da respectiva réplica que aqui se reproduz, nesta parte, por brevidade de exposição.
Cumpre decidir, sendo certo que se coloca, com toda a acuidade, a questão suscitada pelo Réu de esta causa estar dependente da decisão que venha a ser tomada na acção ordinária n.” CV2-04-0070-CAO, do 2.º Juízo Cível, deste tribunal.
Dispõe o artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “O tribunal poderá ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Em que situações deverá o juiz lançar mão da suspensão?
Como refere o Prof. Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Ed. 1946, pág. 232) quando a suspensão se produz jussu judicis é ao magistrado que compete emitir juízo sobre o facto ou evento material e decidir, se em vista dele, deve ou não mandar suspender a instância.
E deverá fazê-lo quando esteja perante uma situação em que a decisão da causa que está a apreciar dependa, no todo ou em parte, da existência ou inexistência de uma relação jurídica que constitua também o objecto de outra causa pendente. Perante esta situação toma-se conveniente aguardar que essa causa seja decidida, uma vez que a decisão da primeira acção poderá destruir os fundamentos ou a razão de ser da segunda e, neste caso, impedir mesmo que se profira uma decisão de mérito.
Regressando ao caso dos autos, cremos ser manifesto que esta causa tem um objecto que depende, em absoluto, do desfecho que venha a ter a causa que corre termos no 2.º Juízo Cível e supra identificada. Se nela o ora Réu for declarado proprietário originário do edifício com os n.ºs de polícia 25 e 26, construído no terreno rústico que se encontra inscrito a favor da Autora, esta acção de despejo perde a sua razão de ser, deixa de ter causa de pedir.
Não é, pois, possível avançar com o saneamento, condensação de factos e respectivo julgamento, nesta acção especial de despejo, sem definir em que qualidade jurídica está o Réu a habitar o edifício em questão.
Julgamos, pois, que só com a definição da relação material subjacente à acção n.º CV2-04-0070-CAO, do 2.º Juízo Cível, será possível proferir uma decisão nesta acção de despejo, evitando, simultaneamente, que um dos factos basilares a ambas as causas (a propriedade do edifício) venha a ser objecto de decisões contrárias.
Questão diferente é saber em que momento se poderá suspender a instância.
O supra citado preceito legal não fixa o momento em que há-de ser ordenada a suspensão, sendo certo que o motivo que a determina pode ocorrer em qualquer altura da causa. Estando proposta a causa prejudicial, o juiz pode ordenar a suspensão, logo que a fisionomia da acção esteja traçada, ou seja, findos os articulados.
Por outro lado, de referir que, ao contrário do que sustenta a Autora, não se verifica o circunstancialismo previsto no artigo 223.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Dos elementos carreados para os autos resulta que a causa prejudicial foi intentada pelo ora Réu há mais de 10 anos, mais concretamente em 11.09.2004 (ou seja, muito antes da causa dependente), e se essa acção ainda se encontra na fase da citação dos RR, tal acontece em face das sucessivas suspensões da instância ali determinadas para que sejam habilitados os herdeiros dos Réus, que têm vindo a falecer.
Não se vislumbra, pois, qualquer comportamento abusivo do ora Réu no pedido de suspensão que formula, sendo certo que o incidente de habilitação de herdeiros pode ser promovido por qualquer das partes sobrevivas e pelos seus sucessores daí que, salvo o devido respeito pela posição da Autora, não cremos que haja fundamento para se imputar ao ora Réu a exclusividade da inércia no impulsionar daqueles outros autos.
O Tribunal de Última Instância chamado a decidir um caso semelhante ao que nos ocupa entendeu, que a acção visando 11 declaração de usucapião do direito de propriedade do domínio útil de imóvel é prejudicial relativamente à acção de despejo do mesmo imóvel, proposta contra o autor daquela acção, posição que, pelas razões supra expostas, não podemos deixar de adoptar.
Por tudo o que se deixa dito, estando a decisão desta acção dependente da que venha a ser proferida na acção n.º CV2-04-0070-CAO, do 2.º Juízo Cível, determino a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão final que seja proferida nesse processo.
Notifique».
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III – O Direito
Urge tratar do único problema suscitado no recurso: saber se a acção instaurada pelo aqui recorrido, tendente à aquisição da propriedade do prédio em causa, constitui causa prejudicial em relação à acção de despejo intentada pela ora recorrente.
O despacho impugnado considerou que sim; o recorrente acha que não.
Cremos que a razão está do lado da decisão recorrida acima transcrita e que, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 631º, nº5, do CPC, aqui fazemos nossa.
Efectivamente, não faz sentido continuar a acção de despejo contra o réu se este tem pendente uma acção em que alegadamente se reclama proprietário do prédio que o autor diz ser seu.
É preciso, uma vez que está controvertida, discutir a questão da propriedade sobre a coisa, pois só então se poderá tornar lógico e coerente o conteúdo da relação jurídica material trazida aos autos na petição inicial desta acção, segundo a qual a autora se toma por dona do prédio e o réu deste inquilino.
Como pode a recorrente achar que, neste caso, uma vez procedente a acção de despejo, fica automaticamente apurada a qualidade de arrendatário por parte do réu?!
Numa situação normal, sim, a autora teria razão. Mas, o caso em apreço é “sui generis”, na medida em que o réu renega a qualidade de arrendatário para se arrogar a de proprietário da mesma coisa. Há, portanto, aqui um nítido conflito que mina a invocada relação material controvertida submetida a julgamento dos presentes autos.
É por isso que o TUI num caso semelhante concluiu que:
“Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 223.º do Código de Processo Civil, a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito”;
E que:
“Pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal” e que “A acção visando a declaração de usucapião do direito de propriedade do domínio útil de imóvel é prejudicial relativamente à acção de despejo do mesmo imóvel, proposta contra o autor daquela acção” (Ac. de 17/06/2015, Proc. nº 33/2015).
É certo que o TSI já uma vez decidiu que a propositura de acção tendente à aquisição por usucapião não se afigura como prejudicial em relação à de despejo (Proc. nº 11/12/2014, Proc. nº 240/2014). Porém, foi precisamente em sede de recurso de tal decisão que o TUI acabou por seguir por outro caminho, nos termos acima assinalados no acórdão citado de 17/06/2015).
Foi afirmado no referido aresto do TUI:
«No nosso Acórdão de 25 de Julho de 2012, no Processo n.º 49/2012, reflectimos o seguinte a propósito do conceito de causa prejudicial:
«ALBERTO DOS REIS fazia uma interpretação declarativa restrita de norma do Código de 1939, semelhante à citada. Para o ilustre Professor “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda.
Exemplos característicos: acção de anulação de casamento e acção de divórcio, acção de anulação de arrendamento e acção de despejo. O divórcio pressupõe um casamento válido; por isso, estando pendentes duas acções, uma destinada a anular determinado matrimónio, outra destinada a dissolvê-lo pelo divórcio, aquela é prejudicial em relação esta, porque, uma vez anulado o casamento, o pedido de divórcio já não tem razão de ser, já não tem suporte legal.
Sucede o mesmo quando à anulação de arrendamento e ao despejo. O pedido de despejo pressupõe um arrendamento válido; portanto este pedido perde a sua razão de ser, desde que o arrendamento seja anulado. A procedência da acção de anulação do arrendamento prejudica o conhecimento da acção de despejo”.
Não se pondo em dívida que uma causa é prejudicial quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda, como são os casos dos exemplos apontados, parece que se deve estender a noção de dependência a casos em que a resolução da questão na causa prejudicial modifica ou afecta de alguma maneira a causa dependente, mesmo que esta segunda causa não se extinga por via da decisão da primeira.
É o que entende RODRIGUES BASTOS ao dizer “Quando deve entender-se que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra? Quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão de outro pleito”.
Também CÂNDIDA PIRES e VIRIATO LIMA opinam no mesmo sentido: “De um modo geral, pode dizer-se que existe entre duas causas uma relação ou nexo de dependência quando a decisão de uma delas depende do julgamento da outra, ou pode ser por ele decisivamente influenciada; ou por outras palavras, verifica-se uma relação de dependência quando a decisão de uma acção (a dependente) é atacada ou afectada pela decisão emitida noutra (a prejudicial); ou ainda, quando na causa prejudicial se discutir questão cuja decisão pode destruir o fundamento ou razão de ser da causa dependente/subordinada”».
Por outro lado, a propósito de entendimento de MANUEL ANDRADE, nas Lições de Processo Civil de 1944, escreveu ALBERTO DOS REIS:
“Segundo o Prof. Andrade, verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
Estamos de acordo.
Há efectivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada; há outros em que pode discutir-se nesta, mas somente a título incidental. Na primeira hipótese o nexo de prejudicialidade é mais forte, na segunda, mais frouxo; na primeira há uma dependência necessária, na segunda, uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência.
Exemplos da primeira modalidade: acção de anulação de casamento e acção de divórcio ou de separação, acção de anulação de testamento e acção de petição de herança proposta pelo herdeiro testamentário.
Exemplos da segunda modalidade: acção de anulação de contrato e acção a exigir o cumprimento dele; acção de dívida e acção pauliana proposta pelo autor daquela».
Em resumo, e na senda do referido aresto do TUI e da doutrina nele citada, somos a entender que a pendência daquela acção ordinária se apresenta como prejudicial, o que está de acordo com a conjugação dos arts. 223º, nºs 1 e 27º do CPC, preceitos que, assim, não consideramos violados pelo despacho sindicado.
Repare-se, aliás, na própria anterioridade da referida acção de usucapião (instaurada em 16/09/2004: fls. 184-268) em relação à acção de despejo (instaurada em 30/04/2015).
É certo que aquela acção está demorada! Não pode isso, porém, constituir obstáculo legal à caracterização da sua prejudicialidade sobre a acção de despejo. É que nem sequer é possível dizer que essa demora seja devida a intuitos dilatórios por parte do recorrido, se o tribunal fizer accionar os mecanismos ao seu dispor, de que é exemplo a interrupção (art. 227º, do CPC) e a deserção da instância (art. 233º, do CPC).
Pelo que se deixa dito, nada tem este TSI a censurar ao despacho em crise.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
TSI, 19 de Maio de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
188/2016 15