Processo n.º 287/2016/A
(Suspensão de Eficácia)
Data : 19 de Maio de 2016
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificado nos autos, vem requerer a SUSPENSÃO DE EFICÁCIA do acto do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Fevereiro de 2016, que ordenou a desocupação do terreno com a área de 1634 m2, sito na Taipa, na XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX, a folhas XXX do livro XXX, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
I. Dos fundamentos
1.°
Como se sabe, o mecanismo de suspensão da eficácia do acto administrativo tem a natureza e a estrutura do processo cautelar, tendo como requisitos a instrumentalidade (artigo 123° do CPAC), o fumus bonni juris, o periculum in mora, e, até certo ponto, a proporcionalidade.
2.°
Para que possa ser concedida a dita suspensão da eficácia terão de satisfazer-se, cumulativamente, o pressuposto do artigo 120° e os três requisitos gerais do n.º 1 do artigo 121° do CPAC.
3.°
Dispõe o artigo 120° (Suspensão de eficácia de actos administrativos) que:
"A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a. Tenham conteúdo positivo;
b. Tendo conteúdo negativo; apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente."
4.°
Dispõe, por sua vez, o artigo 121° (Legitimidade e requisitos) que:
"1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. (…)
3. (…)
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. (...)".
5.º
Ora, o pressuposto do artigo 120º verifica-se in casu porquanto o acto recorrido em causa reveste manifestamente um conteúdo positivo.
6.º
Quanto aos requisitos previstos no artigo 121º, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo), não há dúvidas que os mesmos também se verificam no caso presente.
7.º
Recorde-se que, por despacho do Senhor do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 3 de Fevereiro de 2016, foi ordenada a desocupação do terreno com a área de 1634 m2, sito na Taipa, na XXX, designado por lote XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o na XXX, a folhas XXX do livro XXX.
8.º
Sucede que esse acto, de que ora se recorre, encontra-se ferido de manifesta ilegalidade, intrínseca e autónoma, como foi alegado na petição inicial apresentada na presente data, em que se impugna o identificado acto,
9.°
Na verdade, o acto recorrido, ao impor ao ora Requerente a imediata desocupação do terreno em causa, sustentada no interesse público da escassez de terrenos na Região para construção de habitação, de acordo com o que tem sido veiculado nos meios de comunicação social pelo Governo da Região há mais de um ano, constituindo por isso um facto público e notório, sem que, antes da decisão do contencioso de anulação do acto de execução e do acto exequendo, que corre termos neste mesmo Tribunal sob o processo n.º 569/2015, tenha para o mesmo terreno um plano aprovado e uma finalidade atribuída, causa ao ora Requerente um prejuízo manifestamente superior às vantagens que com o mesmo acto o Governo da Região obtém,
10.°
O que consubstancia uma violação ao princípio da proporcionalidade, conducente a vício de violação de lei, por ofensa ao disposto no artigo 138°, n.º 2 e artigo 5°, n.º 2, ambos do CPA.
11.º
De modo que não se vislumbra que, no caso em apreço, resultem indícios, e muito menos fortes, de ilegalidade do recurso que foi interposto nesta data pelo ora Requerente, bem pelo contrário, resultando assim plenamente verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121° do CPAC.
12.°
Não se esqueça a este respeito que o fumus bani juris tem, aqui, uma formulação negativa no sentido de que basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento, o que sucede de forma óbvia no que toca ao recurso apresentado pelo Requerente,
13.°
Acresce que a execução do acto recorrido causará inquestionavelmente prejuízos de difícil reparação ao ora Requerente porquanto terá de suportar avultadas quantias, que quantifica em cerca de MOP 1,000,000.00, e que a reintegração da legalidade não será capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar em tempo.
14.°
Ao que acresce o facto de, obtendo provimento no recurso contencioso de anulação do acto suspendendo, voltará o Requerente a gastar avultadas quantias para a colocação dos equipamentos, materiais e construções no identificado terreno.
15.°
Por outro lado, a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público já que não é pelo facto do Requerente não desocupar, de imediato, o terreno em causa que a RAEM e a sua Administração irão ser minimamente afectadas, tomando, aliás, como certo que o Governo da Região não irá, até ao trânsito em julgado da decisão que reacair sobre o contencioso de anulação do acto suspendendo e, do mesmo modo, do que foi interposto contra o acto de declaração da caducidade da concessão, iniciar quaisquer procedimentos tendentes ao aproveitamento dessa parcela.
16.°
E isto porque a legislação vigente em matéria de gestão de solos, a saber, a Lei n.º 10/2013, no artigo 24°, impõe que a utilização e o aproveitamento de terrenos urbanos obedeça aos critérios fixados nos respectivos planos urbanísticos, sendo que, até à presente data, não existe qualquer plano urbanístico para a zona onde se integra a referida parcela de terreno, na medida em que não foi o mesmo publicado no Boletim Oficial da Região, de acordo com o disposto nos artigos artigos 4°, alínea 10), e 22°, ambos da Lei n.º 12/2013.
17.º
O que demonstra a inexistência de qualquer prejuízo para o interesse público em causa, que no caso se prende com a escassez de terrenos na Região para construção de habitação, na medida em que até à data da decisão do recurso contencioso respeitante ao presente pedido de suspensão de eficácia, o terreno permanecerá desocupado e não será aproveitado pelo Governo da Região, de acordo com as regras de experiência comum na área de procedimentos legais de afectação de terrenos, pelo Governo da Região, a fins habitacionais.
18.º
De modo que se verificam os restantes dois requisitos, um de teor positivo - existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar - e, por outro lado, um outro de teor negativo - a inexistência de grave lesão do interesse público - encontrando-se assim plenamente preenchidos os requisitos previstos na alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
19.º
Tudo razões por que, atenta a verificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, deve ser pugnado o deferimento da suspensão de eficácia ora peticionado.
II. Do Pedido
Nestes termos, requer a V. Exa. que seja ordenada a suspensão de eficácia do acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 3 de Fevereiro de 2016, que ordenou a desocupação do terreno com a área de 1634 m2, sito na Taipa, na XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX, a folhas XXX do livro XXX, ora entidade recorrida, que foi notificado através do Edital afixado à entrada da parcela de terreno em causa e que data de 11 de Março de 2016.
2. Mais requer, ao abrigo do disposto nos artigos 267° e ss. do CPC, a intervenção de terceiros, solicitando a intervenção dos co-herdeiros do concessionário do referido terreno.
3. O Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), contesta, dizendo:
1º
A, requer que seja decretada a suspensão da eficácia do despacho de Sua Exa. o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Fevereiro de 2016, exarado sobre a proposta n.º 66/DSODEP/2016, de 29 de Janeiro de 2016, nos termos da qual é alegadamente ordenado aos herdeiros do concessionário e eventuais interessados a desocupação no prazo de 60 dias, a contar da publicação e afixação do edital n.º 01/DSODEP/2016, de 11 de Março de 2016, do terreno com a área de 1 634 m2, situado na ilha da Taipa, na Rua XXX, designado por lote "XXX", descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º XXX a fls. XXX do livro XXX, cujo contrato de concessão por arrendamento a favor de B, se encontra titulado pelo Despacho n.º 155/GM/89, publicado no 4.° Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, revisto pelo Despacho n.º 14/SATOP/96, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 4, II Série, de 24 de Janeiro de 1996.
2.°
O objecto da pretendida suspensão de eficácia é o acto consubstanciado no despacho "concordo" exarado pelo STOP, em 3 de Fevereiro de 2016, na Informação n.º 66/DSODEP/2016, de 29 de Janeiro de 2016 (doc.1), onde, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.° da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras) e com os artigos 55.° e 56.° do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto (Regulamento Geral da Construção Urbana RGCU), é proposto ordenar no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo dos herdeiros do concessionário e eventuais interessados.
3.°
Se bem se reparar, o acto que o Requerente pretende ver suspensa a eficácia foi praticado na sequência da definição da situação jurídica manifestada pelo anterior acto do Chefe do Executivo, de 6 de Maio de 2015, que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno, sendo por isso um acto conexo (consequente) com esse anterior acto do Chefe do Executivo e que lhe serviu de base ou pressuposto.
4.°
Atente-se que entre o acto suspendendo e o acto de declaração de caducidade, do qual o Requerente interpôs recurso contencioso autónomo junto do Tribunal de Segunda Instância (processo n.º 287/2016), verifica-se um nexo de dependência jurídica na medida em que a eventual queda (anulação) deste acto (declaração de caducidade) determinaria necessariamente a invalidade do acto suspendendo (que determinou a desocupação do terreno).
5.°
Com efeito, a ordem de desocupação prolatada pelo STOP, em 3 de Fevereiro de 2016, mais não é do que uma mera consequência do acto que declarou a caducidade da concessão decorrente da própria lei - alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.° da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
6.°
Em boa verdade, a produção de efeitos jurídicos externos, na esfera jurídica do Requerente, teve lugar não por via do acto do SOPT que ordena a desocupação do terreno, mas sim por efeito do acto que declarou a caducidade da concessão, sendo certo que a ordem de desocupação até poderia ter sido ordenada simultaneamente com o acto que declarou a caducidade do contrato de concessão.
7.°
Assim, não se pode afirmar que o acto suspendendo tenha produzido qualquer efeito novo, visto ter-se limitado a ordenar, nos termos legais, a desocupação do terreno que se impõe por ter sido declarada a caducidade do contrato de concessão.
8.°
Tendo o acto suspendendo como pressuposto o acto que declarou a caducidade da concessão, não havendo qualquer modificação dos pressupostos de facto ou de direito e tendo-se mantido inalterável o respectivo regime legal que esteve na base da prolação do acto que declarou a caducidade da concessão, conclui-se que aquele acto anterior praticado pelo Chefe do Executivo é que é lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos do Requerente.
9.°
Ademais, o Requerente sabia perfeitamente que se fosse declarada a caducidade do contrato de concessão teria que desocupar o terreno e "devolvê-lo" à entidade concedente com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização (cfr. n.º 3 da cláusula décima quarta do contrato de concessão).
10.°
O facto do Requerente saber que a declaração da caducidade do contrato de concessão implica a devolução do terreno à entidade concedente, é indício mais que suficiente de sinais claros e ostensivos de que o recurso contencioso interposto do acto suspendendo não poderá prosseguir e, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC, só pode ter como destino a rejeição liminar por parte do tribunal.
11.°
Assim, o acto que o Requerente pretende ver suspensa a eficácia é inimpugnável contenciosamente por ser um acto conexo com o anterior despacho do Chefe do Executivo e, como tal, forçoso se mostra concluir que, contrariamente ao que afirma o requerente nos artigos 11.º e 12 do requerimento inicial, neste processo resultam fortes indícios da ilegalidade do recurso.
12.º
Pelo exposto, verificando-se a ilegalidade do recurso contencioso interposto do acto suspendendo terá, inevitavelmente, que se concluir pela não verificação do requisito negativo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, isto é, do processo resultam fortes indícios da ilegalidade do recurso.
13.°
Alega o Requerente (cfr. artigos 18.º e 19.º do requerimento inicial), como fundamento do seu pedido que se mostram verificados todos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
14.º
Mas não lhe assiste qualquer razão, porquanto in casu, contrariamente ao por si defendido, e como acima já demonstramos relativamente à não verificação do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, também não se verificam quaisquer das duas condições contidas nas alíneas a) e b) do mesmo normativo para que o tribunal possa deferir o pedido de suspensão de eficácia do acto que ordena a desocupação do terreno, como adiante se procurará demonstrar.
15.º
De acordo com o n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, a suspensão da eficácia do acto administrativo só poderá ser concedida pelo tribunal verificando-se os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso - periculum in mora;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso - fumus bani iuris.
16.º
É jurisprudência pacífica do Tribunal de Última Instância (TUI) a exigência da verificação cumulativa destes três requisitos para ser deferido o pedido de suspensão de eficácia - ver acórdãos do TUI de 4/11/2009 e de 8/8/2012, proferidos nos processos n.ºs33/2009 e 56/2012, respectivamente.
17.º
Basta, por conseguinte, a não verificação de um deles para determinar o indeferimento da providência.
18.º
De acordo com o requisito estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, acima transcrita, a suspensão de eficácia só será concedida caso a execução do acto "cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que defenda ou venha a defender no recurso".
19.º
A procedência do presente pedido de suspensão de eficácia depende, por conseguinte, de o Requerente alegar e provar que os prejuízos previsíveis são consequência provável da execução do acto que ordenou a desocupação do terreno, segundo os critérios da teoria da causalidade adequada, e provar que tais prejuízos são dificilmente indemnizáveis, nomeadamente por não ser possível o seu cálculo.
20.º
Além disso, os prejuízos relevantes têm de ser reais e devem resultar directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando arredados os prejuízos meramente conjunturais ou eventuais.
21.º
Feitos estes considerandos doutrinais e jurisprudenciais, vejamos então se o requisito em apreço se verifica no caso sub judice.
22.º
A eficácia do acto em causa traduz-se na possibilidade de a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), por não cumprimento voluntário por parte do Requerente, proceder coercivamente à desocupação do terreno em causa.
23.º
Para o Tribunal decretar a suspensão de eficácia do acto que ordenou a desocupação do terreno, o Requerente teria que alegar factos concretos que permitam demonstrar que a execução da desocupação lhe irá causar, previsivelmente, prejuízos de difícil reparação.
24.º
O Requerente alega no artigo 13.º do requerimento inicial que, "a execução do acto lhe causará inquestionavelmente prejuízos de difícil reparação porquanto terá de suportar avultadas quantias que, quantifica em cerca de MOP$ 1,000,000.00, e que a reintegração da legalidade não será capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar em tempo".
25.º
Prosseguindo com a argumentação de que "acresce o facto de, obtendo provimento no recurso contencioso do acto suspendendo, voltará o requerente a gastar avultadas quantias para a colocação dos equipamentos, materiais e construções no identificado terreno".
26.º
Ora, perante tal argumentação expendida pelo Requerente, não se vislumbra que a desocupação do terreno lhe acarretará prejuízos de difícil reparação porquanto são quantificáveis em cerca de MOP$l,000,000.00, pelo que caso venha obter provimento no recurso contencioso do acto suspendendo, esses prejuízos poderão ser indemnizados pela Administração.
27.º
Por isso, ou seja, sendo pecuniariamente quantificável o valor concreto dos prejuízos que o desapossamento do terreno poderá acarretar ao Requerente, podemos concluir que não estamos perante uma situação de irreversibilidade, de prejuízo não mensurável e, por conseguinte, pela insuficiência das alegações do Requerente para sustentar a existência de prejuízos de difícil reparação.
28.º
A este respeito é preciso não esquecer que, danos de difícil reparação ou irreparáveis são aqueles que não se podem quantificar em dinheiro, ou cuja avaliação pecuniária seja imprecisa, imperfeita ou duvidosa, o que in casu não se verifica.
29.º
Assim, por todo o exposto, também não se pode dar por verificado o pressuposto ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
30º
Verificando-se que não ocorre o requisito prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC, mostrava-se desnecessário analisar os demais requisitos referidos neste articulado, atenta a sua natureza cumulativa.
31.º
Não obstante, acontece que in casu também é manifesto não se verificar o outro requisito negativo previsto na alínea b) do citado normativo, como se passará a demonstrar.
32.º
A alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC estabelece que o tribunal pode decretar a suspensão de eficácia do acto administrativo se a mesma suspensão não determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
33.º
No entanto, cremos não subsistirem dúvidas de que a suspensão de eficácia do acto em causa seria geradora de grave lesão do interesse público prosseguido pelo acto em questão.
34.º
Com efeito, o interesse público concretamente prosseguido pelo acto suspendendo é a necessidade de a Administração, dada a escassez de terrenos na RAEM, garantir um efectivo e eficaz aproveitamento do terreno em causa, pois o mesmo poderá ser concedido a outro interessado que demonstre interesse e capacidade financeira para o seu desenvolvimento, ou ser utilizado pela RAEM para outras finalidades consideradas de interesse público e, dessa forma, cumprir a sua função social, conforme o previsto no artigo 7.° da Lei Básica.
35.º
Razões que claramente demonstram que a suspensão da ordem de desocupação do terreno determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e, consequentemente, também por essa razão, ou seja, por não verificação do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.° do CPA, não poderá o tribunal decretar a pretendida suspensão de eficácia.
Nestes termos, por não verificação dos requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, deve ser indeferido o presente pedido de suspensão de eficácia formulado pelo Requerente.
4. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
A, identificado nos autos, requer a suspensão da eficácia do acto de 3 de Fevereiro de 2016, do Exm.º Secretário para o Transporte e Obras Públicas, que ordenou a desocupação do terreno identificado no seu requerimento, terreno que foi concessionado por arrendamento ao seu pai B, já falecido.
Alega que a execução do acto lhe vai causar um prejuízo de difícil reparação. Nesse sentido, aduz que terá que suportar avultadas quantias, que quantifica em cerca de MOP1,000,000.00, e que a reintegração da legalidade não será capaz de reparar, ou, pelo menos, de reparar em tempo. Ao que acresce o facto de, obtendo provimento no recurso contencioso de anulação do acto suspendendo, voltará o Requerente a gastar avultadas quantias para a colocação dos equipamentos, materiais e construções no identificado terreno.
Mais alega que a suspensão não determinará grave lesão do interesse público e que não há fortes indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
Contestou a autoridade requerida, conforme articulado de fls. 25 e seguintes, pugnando pelo indeferimento da peticionada suspensão, por falta de verificação dos respectivos requisitos.
Vejamos da sorte da providência, não sem que previamente nos debruçemos sobre o pedido de intervenção de terceiros formulado a fls. 11 e seguintes.
Diz o requerente que, para além de si, existem outros herdeiros do concessionário, os que identifica a fls. 12, que não tomaram conhecimento do acto suspendendo, e que, por terem um interesse idêntico ao seu, no que respeita à herança do falecido concessionário, devem ser chamados a intervir neste meio processual, requerendo que para o efeito sejam citados.
Como é sabido, o presente meio cautelar, dados os efeitos que desencadeia, é dominado por uma especial celeridade, a qual é estabelecida em favor dos próprios requerentes mas também no interesse da Administração. Em obediência a essa especial celeridade, o seu processamento apresenta uma estrutura linear que se mostra incompatível com os normais incidentes de instância típicos do processo civil declarativo.
Assim, crê-se não dever ser admitido o suscitado incidente de intervenção, sob pena de protelamento considerável de uma providência que deve pautar-se por especial celeridade. Tenha-se em vista o número de intervenientes e as suas diferentes residências, todas situadas no estrangeiro. De resto, crê-se que não há, por ora, elementos seguros - quer neste processo, quer no principal, onde ainda não foi junto o processo instrutor - para catalogar a situação como caso de litisconsórcio necessário, pelo que não se depara, salvo melhor juízo, um problema de legitimidade que, só por si, possa fazer naufragar a providência.
Avançando, importa ter presente que a suspensão de eficácia dos actos administrativos de conteúdo positivo ou que, sendo de conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão a esta se circunscreva, está, em regra, dependente da verificação cumulativa dos três requisitos, um positivo e dois negativos, enunciados nas alíneas a) a c) do artigo 121.°, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, a saber:
- a previsibilidade de que a execução provoque prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso;
- não acarretar a suspensão grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
- não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estamos perante acto de conteúdo positivo, já que é susceptível de provocar alteração na esfera jurídica do requerente. Repare-se que - contrariamente à argumentação utilizada pela autoridade requerida a propósito da (in)verificação do requisito da alínea c) supra-referida, segundo a qual o acto suspendendo em nada vai interferir com direitos e interesses do requerente, sendo nessa medida acto de mera execução não lesivo - o acto apresenta-se inovador, relativamente àquele que declarou a caducidade, e mostra-se lesivo, porquanto fixa um prazo para desocupação do terreno e estipula que, no caso de incumprimento, a Administração procederá coercivamente ao despejo/desocupação, com despesas por conta do requerente.
Sendo assim, como cremos, vejamos se estão preenchidos aqueles requisitos, sendo certo que, porque de verificação cumulativa são, tal como se referiu, bastará a falta de um deles para conduzir ao insucesso da providência.
Conforme jurisprudência que se tem por pacífica, cabe ao requerente alegar e demonstrar a verificação do prejuízo de difícil reparação. Nesse sentido, alegou o requerente que terá que suportar avultadas quantias, que quantifica em cerca de MOP1,000,000.00, e que a reintegração da legalidade não será capaz de reparar, ou, pelo menos, de reparar em tempo. Ao que acresce o facto de, obtendo provimento no recurso contencioso de anulação do acto suspendendo, voltará o Requerente a gastar avultadas quantias para a colocação dos equipamentos, materiais e construções no identificado terreno. Sucede que, tal como se faz notar na contestação, o requerente quantifica, ele próprio, os prejuízos. Estando em causa, tanto quanto é possível extrair do articulado inicial, meras operações materiais de retirada/colocação de equipamentos, apetrechos e construções que ali estão depositados/implantados, afigura-se óbvio que nenhuma dificuldade se levanta na quantificação dos respectivos prejuízos. Temos, pois, que concluir que, no contexto de ponderação meramente patrimonial que está em causa, não levantará problema de maior a quantificação dos danos ou prejuízos que o acto pode ocasionar ao requerente, pelo que nenhuma razão se vislumbra para considerar difícil a reparação do prejuízo.
Em suma, não logrou o requerente satisfazer o ónus que sobre si recaía, de especificar e demonstrar a ocorrência do prejuízo de difícil reparação, sem o que a providência não pode ser concedida.
Nestes termos, o nosso parecer vai no sentido de ser negada a peticionada suspensão de eficácia.
5. Foram colhidos os vistos legais.
III - FACTOS
O despacho que ordenou o despejo do referido terreno louvou-se no seguinte parecer:
“Assunto : Sobre o despejo do concessionário do terreno cuja concessão foi declarada caduca, por despacho do Chefe do Executivo de 6 de Maio de 2015. (Proc. n.º 6133.03)
Proposta n.º 66/DSODEP/2016
Data : 29/01/2016
1. Por despacho do Chefe do Executivo de 6 de Maio de 2015, exarado sobre o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 17 de Março de 2015, que concordou com o proposto no processo n.º 10/2014 da Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 1 634 m2, situado na ilha da Taipa, na Rua XXX, designado por lote XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º XXX a folhas XXX do livro XXX, ao abrigo da alínea a) do número um da cláusula décima quarta do contrato de concessão e na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.°, por força do artigo 215.°, ambos da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras».
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 56/2015, no suplemento ao n.º 19 do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, de 13 de Maio de 2015, e que foi notificada aos herdeiros do concessionário B e interessados eventuais, através da notificação edital de 9 de Novembro de 2015. (Anexo)
3. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve se considerar o seguinte:
3.1. Nos termos do artigo 117.° e do n.º 1 do artigo 136.° do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) em vigor, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.° do mesmo Código;
3.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do «Código de Processo Administrativo Contencioso» em vigor, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
3.3. Assim sendo, quer os herdeiros do concessionário e interessados eventuais em apreço interponha o recurso contencioso quer não, o acto administrativo feito pelo Chefe do Executivo pode ser executado;
3.4. Então, de acordo com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.° da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras» e com o artigo 55.° do Decreto-Lei 79/85/M, o Chefe do Executivo pode ordenar no prazo determinado, o despejo dos herdeiros do concessionário e interessados eventuais do terreno cuja concessão foi declarada caduca;
3.5. Além disso, quando os herdeiros do concessionário e interessados eventuais, não abandonem o terreno no prazo determinado, o referido despejo pode ser realizado pela DSSOPT segundo o artigo 56.° do mesmo Decreto-Lei.
4. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.° da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras» e com os artigos 55.° e 56.° do Decreto-Lei 79/85/M, submete-se a presente proposta à consideração de V. Exª, a fim de:
4.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, através da notificação edital, o despejo dos herdeiros do concessionário B e interessados eventuais do terreno com a área de 1 634 m2, situado na ilha da Taipa, na Rua XXX, designado por lote XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o XXX a folhas XXX do livro XXX, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 6 de Maio de 2015;
Caso não se execute no prazo de 60 dias,
4.2. Autorizar o Departamento de Urbanização da DSSOPT a realizar o respectivo despejo de acordo com o artigo 56.° do Decreto-Lei n.º 79/85/M.
À consideração superior.”
IV - FUNDAMENTOS
Questão relativa à intervenção de terceiros
1. O recorrente, ora requerente da suspensão de eficácia, vem suscitar um incidente de intervenção de terceiros, quais sejam os outros herdeiros do concessionário, porquanto, tendo falecido o concessionário em causa, todos eles teriam igual interesse ao seu quanto ao resultado desta providência.
Assim parece ser, de facto.
Mas importa não esquecer que estamos perante uma providência de carácter urgente, cuja tramitação não se compagina com este incidente, para mais, tendo em vista a morosidade que as citações, em vista da distância, não deixariam de acarretar.
Estamos em crer que a aplicação do regime processual não é de aplicação imediata à situação presente e só será legítima quando, de todo em todo, não haja outra forma de garantir a tutela efectiva dos direitos dos interessados.
O Digno Magistrado do MP pronuncia-se, aliás, pela inaplicabilidade deste incidente de intervenção provocada à presente providência.
Que acto se pretende praticar?
Estaremos ainda no âmbito de um acto que visará a boa administração da herança. Se no recurso contencioso pode estar em causa a própria manutenção da situação patrimonial resultante dos direitos da concessão em relação à herança, já não aqui, onde essa questão não se vai colocar. Está em causa apenas - ainda que já seja muito - a desocupação do terreno concessionado. Pretender que essa desocupação não seja levada a cabo cai ainda no âmbito de uma boa e zelosa administração da herança.
Ora, assim sendo, a quem cabe essa administração? Ao cabeça de casal – art. 1917º do CC.
É o requerente o cabeça de casal? Nada se diz a esse respeito, nem são fornecidos dados nos autos para que se lhe possa atribuir essa qualidade.
Donde, desde logo, por aí, falece legitimidade ao requerente para a propositura da presente providência.
Mas, admitindo que soçobre este fundamento, não nos eximiremos à questão dos fundamentos da pretensão requerida que se afigura votada ao fracasso, assim se evitando um procedimento adjectivo conducente à eventual sanação dessa falta de legitimidade dentro deste processo.
Requisitos da suspensão
2. O objecto da presente providência passa por saber se se verificam os pressupostos que possibilitam a suspensão da eficácia do acto praticado.
Trata-se de suspensão de eficácia de acto que se consubstancia na ordem de desocupação de um terreno, cuja concessão foi declara caduacada.
O instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa medida de natureza cautelar, cujo principal objectivo é atribuir ao recurso, de que é instrumental, o efeito suspensivo. Isto porque, como regra, o recurso contencioso de anulação tem sempre efeito meramente devolutivo, já que o acto administrativo a impugnar goza de presunção de legalidade e do privilégio da executoriedade, entendida esta como “a força que o acto possui de se impor pela execução imediata, independentemente de nova definição de direitos”. 1
Como vimos destacando, faz parte da justiça administrativa a possibilidade de quem recorre ver suspensos os efeitos do acto sobre o qual recai a invocação de ilegalidade, porque, como dizia Chiovenda, «o tempo necessário para obter a razão não deve converter-se em dano para quem tem razão».
Importará ter presente, em sede deste enquadramento inicial, que “o princípio da legalidade da Administração Pública ampliou-se, transformando-se num princípio de juridicidade; a presunção de legalidade de que gozavam os actos administrativos perdeu razão de ser; a emergência de uma nova geração de direitos fundamentais juridicizou a eficácia e a eficiência e colocou a prevenção e a precaução na ordem do dia; finalmente, o direito à tutela jurisdicional efectiva ganhou dimensão constitucional.”2
Questão que se pode colocar é o da autonomia desse despacho, em relação àquele outro que declarou a caducidade da concessão, se aquele não é mera execução do primeiro e ganha força de dele se destacar par os efeitos ora pretendidos, do no sentido de uma modificação de uma situação jurídica existente ou se, ao invés, a declaração de caducidade de uma situação existente, por decurso do prazo ab initio delineado, arrasta efeitos que façam cessar algo que tenha autonomia e constitui objecto de ser passível de ser suspenso.
Não nos vamos alongar com a análise deste pressuposto - nem a questão vem colocada -, e vamos dar por adquirida impositividade do acto em causa, dando de barato que se estará perante uma expectativa de não remoção dos materiais existentes no terreno, ainda merecedora de tutela, face a um corte no giro tendente ao aproveitamento de um terreno que, a ser concluído, conduz a uma exploração, a uma defruição e gozo de um investimento que, em termos de normalidade - já não vamos aqui discutir a natureza dos direitos advenientes sobre as construções dos terrenos concessionados e as consequências de uma qualquer reversão que venha a ser feita nos termos contratualmente previstos-, o que bem pode configurar a previsão ressalva contemplada na al. b), se não a a da própria alínea a) do art. 120º do CPAC.
2. 1. Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.3
A suspensão dessa eficácia depende aqui da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 artigo 121º do C.P.A.C.: previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente, inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
2.2. Na ponderação dos requisitos de que depende a concessão da presente providência somos a louvarmo-nos no douto parecer do Digno Magistrado do MP, tal como acima transcrito e para onde nos remetemos.
De todo o modo, não se deixará de dizer algo mais, ainda que nos possamos repetir.
3. Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.4
Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
Como já temos afirmado, é importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
4. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.5
Por isso mesmo começámos por essa questão em 1. supra.
5. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que, do recurso contencioso, não resultem fortes indícios de ilegalidade.
A instrumentalidade desta medida cautelar implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.6
O recorrente impugna o acto, escudando-se no direito que se arroga sobre o prédio, qual seja o da concessão sobre o terreno, visando paralisar os efeitos da caducidade, o que arrasta a limpeza do terreno ora ordenada, e objecto do pedido de suspensão na sua execução.
Visa, por força do recurso interposto, com ou sem razão, substantivamente considerando, defender o seu direito à concessão, fazendo cessar os efeitos da declaração de caducidade e, depreende-se, obstar à execução do acto por parte da Administração, ainda que em processo autónomo.
Não se olvida o facto de estarmos perante um acto de execução, o que não deixa expressamente de ser reconhecido pelo recorrente na sua petição de recurso contencioso. Tal acto, sendo, em princípio, irrecorrível, não deixará de o poder ser em determinadas condições, em particular, quando sejam arguidos vícios próprios desse mesmo acto, desde que o acto exequendo extravase o limite definido no acto donde dimana, quando a sua ilegalidade seja intrínseca e autónoma, como é o caso, ao invocar-se violação do princípio da proporcionalidade na execução referida, não vislumbrando o recorrente a prevalência do interesse público em vista dos sacrifícios impostos ao administrado na actuação da Administração, ao tomar a posse do terreno em vista da caducidade declarada.
Independentemente da razão que lhe assista, esta alegação respeita ao acto exequendo, pelo que, por essa via, não se lhe deixam de assacar vícios próprios.
Perante este quadro fáctico, tal como configurado nos autos, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual da recorrente, titular directa do direito que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação dos recorrentes.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.7
6. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
6.1. Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para a requerente ou para os interesses que esta venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.8
6.2. Vejamos que prejuízos alega o requerente.
É manifestamente parco nesta alegação.
Depois de invocar uma manifesta desproporcionalidade que, com todo o respeito, não vem ao caso, nesta sede, diz-nos apenas que a execução do acto causará prejuízos de difícil reparação, que quantifica em MOP 1.000.000,00 e que gastará avultadas quantias para a (re)colocação dos equipamentos, materiais e construções no terreno, ao mesmo tempo que desvaloriza os prejuízos para a Administração da manutenção do statu quo.
Esta alegação é claramente conclusiva, não se mostra concretizada e não se traduz em nada que não possa ser materialmente compensado e reparado se a parte vier a ter merecimento no recurso por si interposto.
Perante isto, o que dizer? Tão-somente que essa alegação não é de molde a integrar um prejuízo de difícil reparação, para onde aponta o artigo 121º, n.º 1, a) do CPAC.
7. Lesão de interesse público
7.1. Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.9
Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.10
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
7.2. Perante o acto concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
Tem-se entendido que preenche tal previsão a suspensão que “põe em causa a confiança dos utentes e de público em geral” no serviço em causa ou ofende “a boa imagem da Administração e a própria disciplina da função”, neste caso, particularmente, em sede disciplinar. 11
Podem integrar ainda o conceito actos que ordenem a demolição de prédios com fundamento em que ameaçam ruína, pondo em causa a segurança púbica; actos que imponham sacrifício especial de direitos particulares por motivo de defesa da saúde pública; actos que apliquem medidas de polícia para assegurar a manutenção da ordem e tranquilidade pública.12
Podíamos ainda configurar um sem número de situações, tais como a suspensão de obras públicas projectadas ou em curso, a urgente necessidade de um desenvolvimento ou condicionamento industrial, florestal ou em qualquer outro sector económico.
Até a própria defesa e salvaguarda da imagem e autoridade da Administração.
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
7.3. Ora, perante todas estas possibilidades o que alega a Administração?
Tal como já tem feito noutros casos, limita-se a alegar genericamente a impossibilidade de aproveitamento do terreno, de uma forma efectiva e eficaz.
Não se mostra convincente esta alegação, em particular se considerarmos a inércia demonstrada em relação a este e outros terrenos e se se compreende que algum prejuízo possa haver ele não será de tal modo grave que não se possa compaginar com mais alguma demora, para mais se pensarmos que o aproveitamento do terreno com outra afectação ou concessão não será imediato.
A entender de outra forma ficariam por explicar, eventualmente, muitos outros atrasos e demoras.
Não nos custa, assim, ter por verificado esse requisito negativo de que a lei faz depender igualmente a possibilidade de suspensão do acto, sendo que basta que não se observe um deles para que a providência não possa ser decretada.
Face ao exposto, somos a concluir no sentido da não verificação do requisito positivo da alínea b) do n.º 1 do art. 121º do CPAC, pelo que o pedido de suspensão de eficácia do acto não deixará de improceder.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o presente pedido de suspensão de eficácia do acto.
Custas pelo requerente, com 6 UC de taxa de justiça.
Macau, 19 de Maio de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
1 - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo”, 8º ed., 409
2 - Maria da Glória Garcia, Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, Suspensão de Eficácia do Acto Administrativo
3 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
4 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
5 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
6 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
7 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
8 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
9 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
10 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
11 - Acs do S.T.A. de Portugal de 28/03/00 – Pº45931 – e de 16/04/96 – Pº39593); de 14/02/95 – Pº36790 – e de 9/01/92, AD. 376-384; de 6/09/89 – Pº27446 . Veja-se ainda o Acórdão deste T.S.I. de 17 de Fevereiro de 2000 – Pº30/A/2000 – e a Jurisprudência aí citada.
12 - Freitas do Amaral, Dto Adm, 1988, IV, 316
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287/2016/A 38/38