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Processo nº 542/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Maio de 2016
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
- Regulação do poder paternal

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da República Socialista do Vietnam que decreta o divórcio entre os cônjuges e procede á regulação do exercício do poder paternal sobre a filha comum de ambos, por não existir qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.













Proc. nº 542/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, de sexo feminino, divorciada, de nacionalidade vietnamita, residente em Macau, na Rua da Prainha,……, requereu contra: ---
B, de sexo masculino, divorciado, da nacionalidade vietnamita, ora ausente em parte incerta, com última residência conhecida nos E.U.A., ……, ---
a presente revisão de decisão proferida por tribunal de exterior de Macau.
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Não houve contestação.
*
Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os factos
Julga-se assente a seguinte factualidade:
1. A autora e o réu contraíram casamento casaram entre si no dia 31 de Outubro de 2008 no Vietname, que foi registado sob o n.º 3XXX volume 12, emitido pelo Comité Popular da Cidade de Ho Chi Minh,
2. Do casamento adveio o nascimento no Vietname da filha comum de nome C, no dia 3 de Dezembro de 2010.
3. Pela autora foi interposta uma acção de divórcio contra o réu (proc. n.º 17XX/2012/HN-ST), junto do Tribunal Popular da Cidade de Ho Chi Minh na República Socialista do Vietname, em cuja sentença foi decidida a dissolução do casamento entre as partes e a determinação de alimentos pela autora em favor da filha menor das partes, C.
4. A causa foi julgada em 3 de Dezembro de 2012, na qual foi estipulada que a filha menor, C, fica a cargo da autora, “Face à filha das partes: têm uma filha das partes, chamada C (nascida em X de X de 2010), a criança C fica continuar o cuidado e a cargo da A. Para o maior interesse da criança, os assuntos relativos aos alimentos da filha e à pensão alimentícia da filha podem ser alterados quando necessários.”
5. A sentença em apreço apresenta o seguinte teor:
Autora: A, de sexo feminino, nascida em 1989 – presente.
Morada: ……
Réu: B, de sexo masculino, nascido em 1967 – ausente.
Morada: …….
Verifica-se
que A e B viviam juntos desde 2008, e efectuaram o registo de casamento: Certificado de casamento n.º 3XXX Volume 12, emitido em 31 de Outubro de 2008 pelo Comité Popular da Cidade de Ho Chi Minh. Durante o período de convivência das partes, ela deu à luz uma filha das partes: chamada C, nascida em X de X de 2010.
Relativamente ao bem comum: declara-se que não há bens comuns, nem dívidas comuns.
No ano 2011, quando a filha das partes só tinha 3 anos, o réu deixou de viver no Vietname para voltar aos E.U.A.. Desde então até ao momento, as partes estão separadas. A autora considerou que o amor conjugal não existia mais e não podia interminavelmente esperar o regresso do réu; assim, a autora deduziu o divórcio contra o réu. Porque a autora acha que a finalidade de casamento não pode ser realizada e o amor conjugal também não pode ser recuperado.
Relativamente à filha das partes: as partes da presente causa também referem que têm uma filha, chamada C, nascida em X de X de 2010.
Relativamente a bens comuns: não há bens comuns..
O tribunal popular da cidade de Ho Chi Minh já enviou oficialmente ao réu o pedido de divórcio intentado pela autora e a notificação da abertura de sessão de julgamento do tribunal determinada em 3 de Dezembro de 2012. O réu pronunciou-se ao tribunal popular da cidade de Ho Chi Minh pelo correio sobre o pedido de divórcio intentado pela autora.
Por isso, o tribunal popular da cidade de Ho Chi Minh procede hoje a julgamento da presente causa.
Hoje, no juízo, a autora A ainda persiste no pedido de divórcio contra o réu.
Pelo discurso do representante da Procuradoria Popular da Cidade de Ho Chi Minh, considera-se que o juiz deste tribunal e o Comité de Julgamento efectuaram a investigação e o julgamento ao abrigo do processo judicial.
Verifica-se
que, após o estudo, a discussão e a apreciação dos dados inerentes da presente causa no juízo, foram reconhecidos os seguintes factos pelo Comité de Julgamento:
A e B viviam juntos desde 2008, e efectuaram o registo de casamento, sendo admitida legalmente a relação matrimonial das partes na presente causa.
Na presente causa, a autora mora actualmente na cidade de Ho Chi Minh e o réu reside permanentemente nos E.U.A. No presente momento, a autora acha que o amor conjugal não pode ser recuperado e a finalidade de casamento não pode ser realizada, razão pela qual pede a separação com o réu. Cabe ao Tribunal Popular da cidade de Ho Chi Minh o julgamento da presente causa.
Pelo Tribunal Popular da cidade de Ho Chi Minh, foi notificado legalmente o réu, B, do pedido de divórcio intentado pela autora e feita a notificação da abertura de sessão de julgamento deste tribunal. Posteriormente, o réu, B, enviou ao Tribunal Popular da cidade de Ho Chi Minh, uma resposta para se pronunciar sobre o pedido de divórcio intentado pela autora, na qual o réu concordava com o divórcio com autora A. No caso de o réu estar presente na audição do Tribunal Popular da cidade de Ho Chi Minh, pelo tribunal seja julgada a determinação do divórcio por mútuo consentimento das partes.
Na sessão de hoje, dado que o réu já enviou no dia 15 de Outubro de 2012, ao Tribunal Popular da cidade de Ho Chi Minh, um pedido de ausência da secção, este tribunal vai proceder a julgamento em processo de ausentes, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 199.º do Direito Processual Civil de 2011.
Verifica-se que: face à relação matrimonial: o amor conjugal das partes não pode ser recuperado, não há a esperança da agregação das partes e a finalidade de casamento não pode ser realizada.
Portanto, o pedido de divórcio intentado pela autora A é fundado e está conforme os dispostos no art.ºs 85.º, 87.º, 89.º, 91.º, 102.º e 104.º da Lei de Casamento e Família de 2000, devendo ser autorizado. A fim de estabilizar as vidas próprias, é autorizado o divórcio entre a autora A e o réu B.
Quanto à filha das partes: as partes da presente causa têm uma filha, chamada C (nascida em X de X de 2010), que fica ao cuidado e a cargo da A. Assim, é concedida a continuação de alimentos à filha pela A e as partes também não deduzem o pedido sobre a pensão alimentícia.
Quanto a bens comuns: declara-se que não há. Portanto, aqui isso não será apreciado e resolvido. Não há dívidas comuns.
As custas ficam a cargo pela A ao abrigo do disposto no Decreto-Lei “Despesas de acção judicial junto de Tribunal”.
Pelas razões já apontadas,
Decisão
Aplica-se o disposto nos n.º1 do art.º 27.º, n.º 1 do art.º 199.º e da alínea c) do n.º 1 do art. º 411.º do Direito Processual Civil de 2011.
Aplica-se o disposto nos art.ºs 85.º, 87.º, 89.º, 91.º, 102.º e 104.º da Lei de Casamento e Família.
Aplica-se os disposto na alínea a) do n.º 2 da 1.ª parte do Decreto-Lei “Despesas de acção judicial junto de Tribunal” de 2009.
Foram deferidos os pedidos formulados por A:
- Quanto à relação matrimonial: é concedido o divórcio entre a A e o B.
- Quanto à filha das partes: têm uma filha, chamada C (nascida em X de X de 2010). A criança C continua ao cuidado e a cargo da A. Para o maior interesse da criança, os assuntos relativos aos alimentos da filha e à pensão alimentícia da filha podem ser alterados quando necessários.
- Quanto a bem comuns: as partes da presente causa também referem que não há bem comum, por isso, isso aqui não será apreciado e resolvido. Não há dívidas comuns.
Custas de julgamento de causas civis em 1.ª Instância são de 200.000,00 (duzentos mil) Vietname Yuan: A já pagou o preparo de 200.000,00 de Vietname Yuan como custas da causa, podendo ser desconto pela factura de preparos n.º AG12010/03806 de 23 de Julho de 2012, emitida pelo Departamento para a Execução de sentença civil da Cidade de Ho Chi Minh.
As partes podem interpor recurso no prazo de 15 dias contados a partir da data da decisão. Em relação ao B, pode interpor recurso no prazo de 15 dias contados a partir da data da notificação enviada oficialmente.
A sentença da presente causa está conforme situações previstas no art.º 2 da Lei da Aplicação de Sentença Civil, ou seja, quem seja executado ou deva executar a sentença civil, nos termos dos dispostos nos art.ºs 6.º, 7.º e 9.º da mesma Lei, tem poderes de negociar os assuntos para execução da sentença; tem poderes de solicitar a execução da sentença: a sentença em execução voluntária ou obrigatória. O prazo aplicável para execução da sentença é o previsto no art.º 30 da Lei acima mencionada.
O Tribunal Popular da Cidade de Ho Chi Minh
Comité de Julgamento
Juiz – Juiz presidente
(Carimbo)
Ruan Wenting
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo autor. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do Tribunal Popular da Cidade de Ho Chi Minh, da República Socialista do Vietnam, que decretou o divórcio entre os cônjuges e regulou o exercício do poder paternal sobre a filha comum de ambos, que ficou confiada à guarda e confiança da mãe.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento e a regulação do poder paternal sobre os filhos. Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a sentença de divórcio se tornou eficaz com o respectivo trânsito.
Acrescenta-se ainda que a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Socialista do Vietnam e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
Portanto, não existe nenhum obstáculo à revisão.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a sentença proferida pelo Tribunal Popular da Cidade de Ho Chi Minh na República Socialista do Vietname datada de 3 de Dezembro de 2012, que decretou o divórcio entre A e B e procedeu à regulação do exercício do poder paternal da filha de ambos, de nome C, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 19 de Maio de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong





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