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Processo n.º 281/2016
(Recurso Cívil)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 19/Maio/2016


ASSUNTOS:

- Insolvência; apresentação do próprio interessado; prova dos factos

SUMÁRIO :

Quem se apresenta à insolvência deve fazer a prova de que o activo é inferior ao passivo (artigo 1185º, n.º 1 do CPC). Se se apuram determinados bens e não se comprova que seja os únicos bens e se dentre eles há uma quota numa sociedade, potencialmente geradora, de rendimentos susceptíveis de criar uma situação de solvência, não será de decretar o estado de insolvência, nem se obriga o Tribunal a ter de averiguar oficiosamente de outros meios ou bens de fortuna do pretenso insolvente.
O Relator,
  João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 281/2016
(Recurso Civil)
Data : 19/Maio/2016

Recorrente : - A (A)

Objecto de Recurso : - Sentença que julgou improcedente o pedido de
           Declaração de insolvência


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. A ((A), mais bem identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Judicial de Base (T.J.B., em 11 DEZ 2015, que julgou improcedente a acção em que o ora recorrente requeria fosse decretado o seu estado de insolvência, alegando em síntese conclusiva:
    1. A questão dos "direitos de crédito" não consta do segmento da sentença reservado aos "Factos" provados apenas aflorando na respectiva fundamentação.
    2. Logo, processualmente, não existe o mesmo como facto nem sequer pode ser valorado, remotamente que seja, como facto ou mero indício - Quod no nest in actis non est in mundo (o que "não está provado nos autos não existe para o mundo").
    3. Todavia, a verdade é que não obstante ali não constar tal pretenso "facto" como "Facto" provado, serviu o mesmo - foi, aliás, quase o seu fundamento único! - para se negar provimento à presente acção.
    4. Ora, é patente que o Tribunal a quo omitiu o poder-dever que se lhe encontra expressamente cometido por lei - cfr. al. f) do n.º 2 do art. 553.° do C.P.C. - e, ao fazê-lo, frustrou o direito ao contraditório do Requerente.
    5. Com efeito, surgindo em sede de audiência de julgamento, aquando da parte final do depoimento da segunda e última testemunha ouvida, que o aqui recorrente teria "direito de crédito" de pelo menos 6 milhões, tal questão de facto - atenta a sua crucial importância para a boa decisão da causa - deveria ter sido aditada à base instrutória.
    6. Entendendo tal questão como pertinente (ou mesmo essencial), deve o Tribunal promover oficiosamente tal aditamento e, consequentemente, facultar às partes o respectivo exercício do contraditório, tal qual decorre dos n.º 3 e seguintes do art. 553.º do mesmo diploma, importando salientar que não se trata de uma mera faculdade do Tribunal, mas, muito diversamente, de um verdadeiro poder vinculado ou de um seu "poder-dever", precisamente subordinado a acomodar no âmbito da produção de prova eventuais questões de facto pertinentes ou essenciais em face das "várias soluções plausíveis da questão de direito" bem como para "assegurar a justa decisão da causa".
    7. Veja-se que acaso tivesse sido facultado ao recorrente o exercício do contraditório, precisamente na sequência do aditamento omitido pelo Tribunal a quo da questão de facto respeitante aos "direitos de crédito de pelo menos 6 milhões", teria o recorrente tido oportunidade de fazer prova e esclarecer os autos de que tais aparentes "direitos de crédito" afinal não correspondem a reais e efectivos direito de crédito, oponíveis e executáveis perante quem quer que seja, mais não sendo que markers juridicamente incoercíveis em Macau ou, por maioria de razão, na República Popular da China.
    8. Mais ainda, teria tido o ora recorrente oportunidade de precisar com o máximo rigor qual o valor correspondente a tais markers incoercíveis, pois, efectivamente, é de todo em todo inconcebível e inaceitável, salvo o alto respeito devido, que quer em sede de decisão sobre a matéria de facto quem em sede de sentença, o Tribunal não tivesse tido a apetência ou a curiosidade de indagar afinal de que milhões se estaria a falar: Milhões de MOP? Milhões de HKD? Milhões de RMB? Milhões de qualquer outra divisa?!
    9. O acima exposto atesta a patente necessidade de ter sido aditada ao âmbito de produção de prova tal questão de facto: ter-se-ia sabido qual a real consistência jurídica de tais pretensos "créditos" e, enfim, ter-se-ia sabido, afinal, de que valores se estaria a falar.
    10 Ora, ao não ter acolhido a acima aludida interpretação, adoptou o Tribunal recorrido um entendimento ostensivamente atentatório do poder-dever a seu cargo de promover o aditamento de uma questão de facto, pertinentíssima e mesmo essencial, ao âmbito de produção de prova em face das "várias soluções plausíveis da questão de direito" bem como para "assegurar a justa decisão da causa", procedendo, pois, à violação das normas jurídicas constantes dos 553.°,° n.º 2, al. f) e dos seus n.º 3 e 4 bem como, reflexamente, do art. 3.°, todos do C.P.C., o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.° da mesma lei.
    11. Por outro lado, mediante a inclusão nos "Factos" provados de ser o recorrente titular de uma quota social nominal no valor de MOP$45.000,00, deixou o Tribunal a quo de conhecer e, igualmente, ampliar o âmbito de produção de prova em face das "várias soluções plausíveis da questão de direito" bem como para "assegurar a justa decisão da causa".
    12. Isto porque se tal como resultará dos autos de execução n.º CV3-14-0140-CEO, o recorrente esteve efectivamente registalmente inscrito como titular nominal de uma quota de MOP$45.000,00, ficou, entre o mais, manifestamente por apurar oficiosamente pelo Tribunal recorrido qual o valor do capital social, a fim de apreender qual o "valor relativo" de tal quota face ao universo dos sócios, situação que relevaria inegavelmente quer para o valor do produto da sua "alienação executiva" quer ainda para o valor dos respectivos dividendos distribuídos, recebidos e eventualmente amealhados ao longo dos anos à sua sombra, até à respectiva penhora naqueles autos.
    13. Mais ainda, o Tribunal recorrido bastou-se em meramente conhecer que o recorrente tinha tal quota de valor nominal mas pergunta-se: e se afinal o seu valor comercial ou "venal" fosse patentemente diverso - como o é ! - não teria o Tribunal de aferir qual esse valor de mercado, mediante, designadamente, a "declaração de rendimentos sociais" anualmente apresentado às Finanças ou porventura através de "relatório pericial" elaborado pelos profissionais da área.
    14. Ora, se acaso tivesse sido ampliada o âmbito de produção de prova pelo Tribunal ao abrigo do poder-dever estabelecido no art. 553.°, n.º 2, al. f), do C.P.C., o recorrente teria lançado mão, no exercício do contraditório, de tais meios de prova (ou outros) aptos a provar inequivocamente que tal valor "nominal" não é, por um lado, de todo em todo, o respectivo valor "de mercado" e, por outro lado, que a proporção correspectiva da sua quota face aos demais sócios apenas o habilitou a um produto da respectiva venda judicial manifestamente exíguo bem como ao recebimento de magros dividendos até à penhora.
    15. Mais ainda se diga que a propósito da penhora de tal "quota nominal" o Tribunal até estaria munido de elementos suficientes para extrair uma ilação - cfr. art. 342.º do Código Civil - de que o valor de tal quota era afinal escasso face à quantia exequenda ali em causa.
    16. Isto porque se a penhora de tal "quota nominal" tivesse chegado para pagar a dívida exequenda tal estaria patente face ao próprios autos de execução e certamente, o Tribunal a quo tê-lo-ia referido expressamente, pois tal serviria para o mesmo fatalmente fundamentar que os bens penhorados serviram para pagar a quantia exequenda por inteiro e que, pois, estavam livre e desembaraçados para pagamento de outras dívidas do ali executado, assim se podendo incorporar no valor global do seu "activo patrimonial".
    17. Ora, atento o acima exposto, é patente que o Tribunal a quo omitiu uma vez mais o poder-dever que se lhe encontra expressamente cometido por lei - cfr. al. f) do n.º 2 do art. 553.º do C.P.C. - e, ao fazê-lo, frustrou o direito ao contraditório do Requerente ..
    18. Isto pois, no seu exercício do contraditório, o recorrente teria produzido prova de que tal "quota nominal" não corresponde manifestamente ao seu valor "de mercado" e que, por outro lado, a sua proporção correspectiva face aos demais sócios apenas o habilitou a um produto da respectiva venda judicial manifestamente exíguo bem como ao recebimento de magros dividendos até à penhora, necessariamente o Tribunal teria retirado a final da produção de prova tal "quota nominal" do universo dos activos do recorrente ou, ao menos, numa dimensão e volume notoriamente mais exíguo, e, por conseguinte, teria concluído que no activo do recorrente se não poderia inclui-la de todo ou na dimensão e volume adivinhados na decisão aqui recorrida.
    19. É, assim, patente que o Tribunal a quo omitiu uma vez mais e pela segunda vez, o poder-dever que se lhe encontra expressamente cometido por lei - cfr. al. f) do n.º 2 do art. 553.° do C.P.C. - e, ao fazê-lo, frustrou o direito ao contraditório do Requerente -, violando destarte as normas jurídicas constantes dos 553.°,° n.º 2, al. f) e dos seus n.º 3 e 4 bem como, reflexamente, do art. 3.°, todos do C.P.C.
    20. Por outro lado, considerando o art. 342.° do Código Civil, omitiu o Tribunal a quo um juízo ilatório que lhe era exigível formar pelo que violou a norma jurídica constante do art. 342.° do Código Civil, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.° do C.P.C.
    21. Por fim, considerando que na base da presente impugnação recursal está essencialmente em causa a omissão de poderes-deveres a cargo do Tribunal e que, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art. 599.° do C.P.C., os autos efectivamente reflectem uma patente deficiência de elementos probatórios aptos a formar convicção quanto ao também deficitário âmbito da produção de prova - que se mostra carecido de ampliação, o que também, aqui e agora, se suscita e pede -, requer-se que o Tribunal ad quem anule a decisão recorrida, determinando a repetição do julgamento.
    TERMOS EM QUE se solicita a V. Ex. as seja julgado procedente o recurso, seja revogado o acórdão recorrido e, destarte, seja determinada a repetição do julgamento, considerando o disposto do n.º 4 do art. 599.º do C.P.C.

    2. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Nas alegações de fls. 106 a 124 dos autos, o recorrente arrogou que a douta sentença de fls.67 a 69v., infringia o disposto na alínea f) do n.º 2 e n.ºs 3 e 4 do art. 553° do CPC, frustrava o direito ao contraditório do recorrente, e ainda colidia o preceito no art. 342° do C. Civil.
*
    É verdade que na douta sentença em crise, a MMª Juiz Presidente alegou, como um dos fundamentos da convicção traduzida em não ter dado por provado que os bens referidos no penúltimo parágrafo eram os únicos bens do Requerente, que «segundo unida de facto do Requerente, este tinha direitos de créditos no valor de, pelo menos, 6 milhões.»
    E, em sede de fundamentar a convicção quanto ao julgamento da matéria de facto, o douto Acórdão de fls.58 a 60v explicou: «Além disso, segundo a 2ª testemunha, unida de facto do Requerente, este é titular de vários crédito, designadamente 1 de cerca de 3 milhões e 2 ou 3 de 1 a 2 milhões (6 milhões, pelo menos), Uma vez que essa testemunha declarou que o seu conhecimento resultara do facto de ter visto as respectivas declarações de dívida, do que lhe constara o próprio Requerente, designadamente acerca de um processo judicial em Peking onde o Requerente pedia o pagamento de uma das dívidas, e do que conseguira ouvir das conversas telefónicas tidas entre o Requerente e os respectivos devedores, o tribunal entendeu que tal depoimento é o suficiente para pôr em causa o alegado pelo Requerente de que tem apenas os bens indicados nas respostas aos artigos 2° e 11° do requerimento de insolvência.»
    Ora, as passagens supra citadas tornam patente que o depoimento da 2ª testemunha se servia apenas de meio de prova, e a menção do dito depoimento nos aludidos Acórdão e sentença se destina unicamente a explicar e abonar a convicção do tribunal colectivo da 1ª instância - sem pretender acrescer matéria de facto ao Requerimento da insolvência.
    De outro lado, para efeitos do pressuposto da insolvência traduzido em o activo ser inferior ao passivo (art. 1185°, n.º 1, do CPC), afigura-se-nos não ser necessária a constatação que o recorrente/Requerente tenha efectivamente créditos no valor de, ao menos, seis (6) milhões, bastando pôr em séria dúvida os factos alegados nos artigos 2° e 3° do Requerimento.
    Tudo isto imbui-nos a perspectiva de que não se impõe ao tribunal colectivo da 1ª instância o dever de ampliar a base instrutória, a fim de apurar se o recorrente/Requerente tiver verdadeiramente ou não crédito no valor de, ao menos, seis (6) milhões. Deste modo, não vislumbramos a violação de qualquer segmento do art. 553° do CPC.
    Convém realçar que a 2ª testemunha, unida de facto do Requerente, foi oferecida por si próprio, e que a Acta de Audiência e Julgamento de fls. 56 a 57 demonstra indubitavelmente que tal testemunha prestou o depoimento na presença do mandatário do requerente. Daí decorre que, na nossa óptica, a douta sentença recorrida não frustrou o direito ao contraditório do recorrente.
    Valorizando atenciosamente o depoimento da referida 2ª testemunha, o tribunal colectivo da 1ª instância deu como não provados os factos alegados nos artigos 2° e 3° do Requerimento, e só parcialmente provados os restantes nos termos minuciosamente especificados no douto Acórdão de fls. 58 a 60v. dos autos.
    Com base nisso, a MMª Juiz presidente extraiu a ilação de não estar provado, no caso sub iudice, que o activo do património do Requerente seja inferior ao passivo, e em consequência, julgou improcedente o pedido de declaração de insolvência.
    Ressalvado o respeito pela opinião diferente, não descortinamos que os dois arestos - aquele Acórdão e a sentença - contendam, de qualquer maneira, com o preceito no art. 342° do Código Civil, ou com outras disposições legais ou regras de experiência.
***
    Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do recurso em apreço.
    3. Foram colhidos os vistos legais.

    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    • O Requerente também desenvolve ou desenvolvia actividade profissional na indústria do jogo de Macau.
    • A indústria do jogo na R.A.E.M. tem desde há, pelo menos, 1 ano sido afectada por factores externos.
    • Por causa da situação referida na resposta ao artigo 4°, o Requerente necessita da ajuda monetária da sua filha e da namorada.
    • Em 24 de Novembro de 2014, foi intentada contra o Requerente uma acção executiva sob a forma ordinário para pagamento de quantia certa, que corre termos pelo 3° Juízo deste Tribunal sob o n.º CV3-14-0140-CEO, cuja quantia exequenda é de MOP$3.104.970,00.
    • No âmbito dessa execução, na sequência de solicitação feita pela aí exequente, foi determinada pelo Tribunal uma investigação de bens de que o Requerente é titular, junto de todas as instituições financeiras sediadas ou com sucursal em Macau, das Conservatórias do Registo Comercial e de Bens Móveis e do Registo Predial e dos Serviços de Finanças.
    • De acordo com o resultado dessas diligências, o Requerente é sócio da uma quota social no valor nominal de MOP45.000,00 de uma sociedade por quotas cujo objecto social é 娛樂投資, era proprietário do veículo automóvel MN-32-39 (entretanto alienado em 31 de Julho de 2015) e do veículo automóvel MJ-32-09 (com mais de 10 anos) e tinha um saldo de MOP6.693,67 [MOP5.186,68 (das quais foram descontadas MOP60,00 pelo banco respectivo como despesas de abertura de uma ordem de caixa) + MOP1.506,99] relativamente aos quais foi ordenado a penhora.
    • No âmbito dos autos n.º CR2-13-0187-PCC, por sentença transitada em julgado, foi o Requerente condenado por 1 crime de abuso de confiança em 2 anos de prisão, suspensos na sua execução por 3 anos na condição de pagar pelo menos MOP10.000,00 por mês ao respectivo ofendido, devendo pagar por inteiro a quantia de MOP800.000,00 durante o período da suspensão de execução (3 anos).
    • Com fundamento na falta das condições financeiras para iniciar o cumprimento de tais pagamentos, o Requerente pediu nesses autos n.º CR2-13-0187-PCC a concessão de mais prazo para o efeito, o que lhe foi deferido.
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. Vem o recorrente insurgir-se basicamente contra a douta sentença proferida que não decretou ao seu estado de insolvência por si oportunamente requerido.
    Atentemos enquanto aí se exarou, em sede de fundamentação:
    “Pede o requerente que seja declarado insolvente porque alegadamente é devedor de uma quantia global de MOP4.830.000,00 (MOP4.030.000,00 + MOP800.000,00) para cujo pagamento só dispõe de dois veículos automóveis e de duas contas bancárias com saldos extremamente reduzidos, bens estes penhorados à ordem de uma acção executiva intentada por um dos seus credores.
*
    Nos termos do artigo 1185°, n.º 1, do CPC que "O devedor que não seja empresário comercial pode ser declarado em estado de insolvência quando o activo do seu património seja inferior ao passivo."
    Tendo em conta o teor da norma acima transcrita, urge analisar se o activo do património do Requerente é inferior ao passivo do mesmo.
*
    Feito o julgamento da matéria de facto, verifica-se que o Requerente tem, de facto, duas dívidas apesar de o montante da primeira ser apenas de MOP3.104.970,00. Ou seja, o passivo do seu património ascende o valor de MOP3.904.970,00 (MOP3.104.970,00 + MOP800.000,00). Além disso, está a correr contra o Requerente uma acção executiva para o pagamento de uma dessas quantias (MOP3.104.970,00).
    No que se refere ao activo, na citada acção executiva apurou-se que o Requerente era sócio da uma quota social no valor nominal de MOP45.000,00 de uma sociedade por quotas cujo objecto social é娛樂投資, era proprietário do veículo automóvel MN-XX-XX (entretanto alienado em 31 de Julho de 2015) e do veículo automóvel MJ-XX-XX (com mais de 10 anos) e tinha um saldo de MOP6.693,67 [MOP5.186,68 (das quais foram descontadas MOP60,00 pelo banco respectivo como despesas de abertura de uma ordem de caixa) + MOP 1.506,99] relativamente aos quais foi ordenado a penhora.
    Numa primeira aproximação, dir-se-ia que o activo do património do Requerente é muito inferior ao passivo do mesmo.
    Porém, há que ter presente que, aquando da julgamento da matéria de facto, o tribunal não deu como provado que os bens referidos no penúltimo parágrafo eram os únicos bens do Requerente porque a quota social de que este era titular podia ser uma fonte de rendimento e, segundo unida de facto do Requerente, este tinha direitos de créditos no valor de, pelo menos, 6 milhões.
    De facto, o que está provado é apenas o que se conseguiu apurar no âmbito da acção executiva através das diligências encetadas junto das instituições bancárias que operam em Macau, das Conservatórias de Registo de Comercial e de Bens Móveis e do Registo Predial e dos Serviços de Finanças. Ora, isso não exclui a existência de bens cuja natureza impede que sejam detectados por meio dessas diligências, tais como os direitos de crédito referidos pela unida de facto do Requerente.
    Nos termos do artigo 335°, n.º 1, do CC, cabe ao Requerente a prova da insuficiência do seu activo para responder pelo seu passivo.
    Flui do acima exposto que o Requerente não logrou demonstrar que não tinha mais bens além dos que indicados na matéria assente.
    Uma vez que o simples facto de estar em dívida perante alguém não coloca o Requerente no estado de insolvência como se pode facilmente extrair da norma acima referida, nada resta senão julgar improcedente o pedido formulado pelo Requerente.”
    
    2. No seu recurso o recorrente vem dizer que os factos não suportam a decisão proferida e, ainda que indirectamente referido, não deixa de invocar um incorrecto julgamento da matéria de facto ou, pelo menos, insuficiência da matéria de facto para a decisão que veio a ser proferida.
    
    Vejamos.
    3. No fundo, a Mma Juíza defendeu a tese de que o simples facto de estar em dívida perante alguém não coloca o requerente, ora recorrente, no estado de insolvência.
    É necessário que se comprove que não tem meios, seja por insuficiência de património ou de rendimentos, para solver os seus compromissos.
    Não resulta da matéria comprovada que os bens encontrados são os únicos bens do requerente. Não obstante a investigação feita, daí não resulta que esse apuramento seja exaustivo.
    
    4. Também não resulta necessariamente da ajuda que lhe é dada pela filha e pela namorada que haja uma impossibilidade de solvência, pois que a esfera patrimonial de uma pessoa é dinâmica e não é por em determinado momento haver necessidade de ajuda que daí se retire tal impossibilidade.
    
    5. Por outro lado, a existência de uma quota, ainda que de um determinado valor, relativamente pequeno, pode ser geradora de um grande rendimento. Esta realidade é intuitiva e toda a gente saber que o valor nominal de uma quota em sociedade comercial é potencial geradora de rendimentos, por via dos rendimentos distribuídos aos sócios, não reflectindo o correspondente grau de riqueza que só com a análise das contas da sociedade se pode aquilatar.
    Foi isto mesmo que foi dito na douta sentença, ao exarar-se aí que “ … há que ter presente que, aquando da julgamento da matéria de facto, o tribunal não deu como provado que os bens referidos no penúltimo parágrafo eram os únicos bens do Requerente porque a quota social de que este era titular podia ser uma fonte de rendimento e, segundo unida de facto do Requerente, este tinha direitos de créditos no valor de, pelo menos, 6 milhões.”
    O recorrente agarra-se a esta passagem para pretender que este facto não foi levado à base instrutória e, tendo sido um fundamento que esteve na base da decisão, sendo importante, devia ter sido aditado, contraditado e investigado.
    Num primeiro momento, esta argumentação até pareceria impressionar, não fora o caso de o concreto valor de rendimentos gerados por aquela quota não ter de ser necessariamente apurado.
    Basta considerar dois aspectos que por si só relevar ao para não se ter por certa a apontada situação de insolvência que bem pode ser uma forma de o devedor fugir às suas responsabilidades, ou melhor, a certas responsabilidades: Por um lado, não se comprova que os referidos bens sejam os únicos bens do requerente; por outro lado, não se apuram quais os rendimentos exactos gerados por aquela quota, ficando a incógnita quando a esse valor, bem podendo ser mais ou menos milhões. A unida de facto do requerente diz que são 6 milhões; tal não se mostra decisivo, bastando a incógnita ou incerteza sobre esse facto.
    
    6. Ora, era ao requerente que incumbia fazer a prova do seu estado de insolvência: basicamente, activo inferior ao passivo.
    Se olharmos para os factos, deles não se retira necessariamente essa conclusão.
    Aliás, em temos de matéria de facto, não vem ela impugnada nem se é posta em crise nos termos do artigo 599º, n.º 1 e 2 do CPC, pelo que não pode este tribunal proceder a uma reapreciação da matéria de facto.
    
    7. O Digno Magistrado do MP não deixa de esmiuçar com exaustão os contornos das questões elencadas, dando uma resposta circunstanciada às dúvidas que se suscitam, pelo que ainda aí não nos deixamos de louvar igualmente nesse parecer para onde não nos deixamos igualmente de remeter.
    
    8. Quem se apresenta à insolvência deve fazer a prova de que o activo é inferior ao passivo (artigo 1185º, n.º 1 do CPC). Se se apuram determinados bens e não se comprova que seja os únicos bens e se dentre eles há uma quota numa sociedade, potencialmente geradora, de rendimentos susceptíveis de criar uma situação de solvência, não será de decretar o estado de insolvência, nem se obriga o Tribunal a ter de averiguar oficiosamente de outros meios ou bens de fortuna do pretenso insolvente.
    Nesta conformidade, o recurso não deixará de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 19 de Maio de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho


281/2016 1/17