Processo nº 384/2016 Data: 02.06.2016
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Danos não patrimoniais.
Indemnização.
SUMÁRIO
1. Os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa biológica e mental, física e psíquica, e que, “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.
2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, inadequados sendo “montantes simbólicos ou miserabilistas”, sendo igualmente de se evitar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
3. A reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.
4. São de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…
5. Em caso de julgamento segundo a equidade, (em que os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos), devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
O relator,
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Processo nº 384/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão datado de 04.03.2016 do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A, arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de um crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M., e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses.
Em relação ao “pedido de indemnização civil” pela ofendida B enxertado no processo, decidiu o Colectivo julgá-lo parcialmente procedente, condenando a demandada “C, S.A.”, (中C有限公司) a pagar à demandante o montante total de MOP$809.839,16 (assim como no que oportunamente se vier a liquidar), decidindo ainda condenar a mesma demandada no pagamento de MOP$82.623,00 aos Serviços de Saúde de Macau; (cfr., fls. 248 a 254-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Tempestivamente, e porque inconformada, veio a demandada seguradora recorrer.
No seu recurso coloca apenas duas questões: a primeira, quanto à adequação do “montante da indemnização pelos danos não patrimoniais da demandante”, (fixada em MOP$800.000,00), e quanto à sua condenação no pagamento de MOP$82.623,00 aos Serviços de Saúde de Macau; (cfr., fls. 260 a 275).
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Adequadamente processados, vieram os autos a este T.S.I..
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 249-v a 251-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem a demandada seguradora recorrer do segmento decisório ínsito no Acórdão do T.J.B. que a condenou no pagamento de MOP$800.000,00 a título de danos não patrimoniais da demandante dos presentes autos, assim como a pagar MOP$82.623,00 aos Serviços de Saúde de Macau.
Duas sendo as questões colocadas, e outras, de conhecimento oficioso não havendo, comecemos pela primeira.
–– Em relação ao montante de MOP$800.000,00 fixado a título de indemnização por “danos não patrimoniais” pela demandante sofridos (com o acidente de viação, matéria dos presentes autos), diz (apenas e em síntese) a recorrente que é tal montante “excessivo”, pedindo a sua redução para MOP$400.000,00.
Vejamos.
Como é sabido, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa biológica e mental, física e psíquica, e que, nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M., “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.
Sobre esta matéria, teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., o Ac. de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016 e de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., o Ac. de 21.05.2015, Proc. n.° 405/2015 e de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 21.05.2015, Proc. n.° 405/2015, de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016 e de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016).
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras …”).
Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.
Por sua vez, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
No caso, diz a recorrente que “excessivo” é o montante fixado.
Cremos que censura não merece o decidido, (laborando a recorrente em equívoco quanto a certas afirmações que faz em relação à matéria de facto – que diz não se ter provado – e em que, pelo menos em parte, assenta o seu pedido).
De facto, e como se colhe da factualidade dada como provada, do acidente resultaram múltiplas fracturas ósseas para a ofendida, (principalmente, nas pernas), tendo ficado internada no hospital desde o dia do acidente (28.07.2013) até 21.11.2013, (cerca de 4 meses), permanecendo posteriormente acamada ou movendo-se através de uma cadeira de rodas até 05.03.2015, sendo que até a data do Acórdão recorrido ainda não se encontrava totalmente recuperada.
E, então, assente estando também que foi o arguido o único e exclusivo culpado pelo acidente dos quais resultaram os danos da demandante, (pois que a colheu em plena passadeira para peões), quid iuris?
Ora, ponderando em tudo quanto se deixou exposto, tendo em conta, em especial, as fortes dores, sofrimento e angústia que a ofendida teve de suportar, a (certamente) diminuída “qualidade de vida” porque teve de passar – atente-se no “cansaço” e “inconveniente”, (até na higiene pessoal e necessidades fisiológicas), por estar internada, acamada e a ter de circular com uma cadeira de rodas – e não se olvidando o período de tempo em questão, cremos que “excessivo” não é o montante de MOP$800.000,00 fixado como indemnização pelos seus “danos não patrimoniais”.
Aliás, como decidiu o S.T.J. em Ac. de 18.03.2010, Proc. n.° 1786/02, e cremos ser de subscrever, “em caso de julgamento segundo a equidade (em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos»), «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida” ”.
Afigura-se-nos ser o caso dos autos, entendendo-se assim que na parte em questão, não merece a decisão recorrida censura, devendo assim ser confirmada.
–– Quanto à condenação da ora recorrente a pagar MOP$82.623,00 aos Serviços de Saúde de Macau.
Também aqui se nos afigura de manter o decidido.
Eis o porque deste nosso entendimento.
Vejamos.
Está provado que a quantia em questão corresponde aos custos do internamento hospitalar da demandante.
E, provado estando que ainda não foi feito o seu pagamento, compreende-se que o que efectivamente se quis com o decidido foi assegurar que os Serviços de Saúde de Macau fossem (devida e prontamente) ressarcidos.
Não se pode olvidar que tal quantia foi (expressamente) peticionada pela demandante como “gastos com o seu internamento hospitalar”, (a título de danos patrimoniais), tendo tal facto resultado provado.
E, assim, a “questão”, mais se apresenta como uma “falsa questão”, pois que, como se vê, nem a (própria) demandante se insurgiu contra o decidido, que, como se disse, no fundo, tem em mira um mais célere “acerto de contras” com os Serviços de Saúde de Macau, entidade que, no caso, também se pode considerar “indirectamente ofendida” em virtude do acidente, (pois que teve de prestar assistência médica e cuidados de saúde à demandante, o que, como é óbvio, não deixou de representar um “custo”, no caso, de MOP$82.623,00).
Como considera o Professor Germano Marques da Silva a propósito do conceito de “lesado” para efeitos penais, “… o lesado pode confundir-se com o ofendido – titular dos interesses especialmente protegidos com a incriminação – quando o ofendido sofra danos indemnizáveis segundo o direito civil, mas pode haver pessoas lesadas com o crime e, por isso, titulares dos interesses especialmente protegidos com a incriminação. Pense-se, por exemplo, numa ofensa corporal, em que a pessoa ofendida é a vítima da agressão, mas em que são lesados os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima …”; (in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, pág. 347).
Dest’arte, e também na parte em questão, confirma-se o decidido.
Decisão
4. Em face do expendido, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente.
Honorários ao Exmo. Patrono da demandante no montante de MOP$2.000,00.
Registe e notifique.
Macau, aos 02 de Junho de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 384/2016 Pág. 16
Proc. 384/2016 Pág. 17