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Processo n.º 210/2016 Data do acórdão: 2016-6-2 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– auxílio à imigração clandestina
– número de crimes
– art.º 2.º da Lei n.º 6/2004
– art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004
S U M Á R I O
Da leitura dos art.os 2.º e 14.º, n.o 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, não resulta que na valoração de interesses feita pelo Legislador na criação do tipo legal de crime de auxílio (à imigração clandestina), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente do crime. Pelo contrário, obtendo cada um dos imigrantes clandestinos assim “auxiliados” o benefício de concorrer para a entrada, de modo clandestino, na RAEM, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 210/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A (A)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 22 de Janeiro de 2016 a fls. 170 a 174 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-15-0219-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de seis crimes consumados de auxílio, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de dois anos e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos de prisão, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, em suma, que esse Tribunal cometeu o erro de interpretação e aplicação da dita norma incriminadora, à luz de cujo bem jurídico, de carácter geral e não pessoal, deveria ser ele condenado pela prática de um só crime de auxílio, padecendo, assim, a decisão condenatória recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), e que, fosse como fosse, pelo princípio da absorção no concurso ideal de crimes, a conduta dele apenas suportaria a prática de um singelo crime de auxílio, e que mesmo que assim não se entendesse, nunca deveria ser ele condenado como autor de crime consumado, mas sim tentado, devido à falta de demarcação nítida de quais as anteriores áreas marítimas de Macau (daí que a decisão recorrida também estava viciado do erro notório na apreciação da prova aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do CPP, ao considerar que a sampana conduzida por ele já entrou nas anteriores áreas marítimas de Macau), e que, por fim, sempre mereceria ele, um delinquente primário com arrependimento da prática dos factos, penas mais brandas, no sentido de passar a ser condenado em pena de prisão inferior a dois anos por cada um dos crimes, e, em cúmulo jurídico, em pena única de prisão não superior a três anos, e finalmente suspensa na execução (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 181 a 187 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal a quo no sentido de improcedência do recurso (cfr. a resposta de fls. 192 a 197).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 207 a 208v), pugnando também pela confirmação do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– o arguido exerceu o direito ao silêncio na audiência de julgamento em primeira instância (cfr. o teor da respectiva acta lavrada a fls. 165 a 167);
– o Tribunal sentenciador a quo deu inclusivamente por provado o seguinte, com pertinência à solução do presente recurso:
– em 12 de Maio de 2015, seis residentes do Interior da China não possuidores de qualquer documento habilitador da entrada ou permanência em Macau subiram, em Zhuhai, a uma sampana conduzida pelo arguido, com destino a Macau;
– uma hora depois, cerca das seis horas e trinta e oito minutos desse dia, essa sampana, quando se encontrava nas anteriores áreas marítimas de Macau em frente do complexo habitacional “Jardins do XX” da Taipa, foi descoberta pelo pessoal alfandegário e assim interceptada;
– o arguido não tem antecedente criminal, e declarou ser trabalhador esporádico em construção civil, com cerca de dois mil renminbis de rendimento mensal, com o avô e um tio a seu cargo, e com o curso primário concluído com aproveitamento como nível de instrução.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
Desde já, se deve observar que a questão da alegada errada interpretação e aplicação da norma incriminadora do art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, é do foro do julgamento de direito, e, portanto, não do julgamento de factos, pelo que é descabida a invocação, pelo recorrente, do vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP para sustentar a procedência dessa primeira questão objecto do recurso.
É, pois, de ver a questão de quantos os crimes praticados pelo recorrente.
A Lei n.º 6/2004 diz, no seu art.º 2.º, que:
– <<1. São consideradas em situação de imigração ilegal as pessoas que se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, não estando autorizadas a nela permanecer ou residir, e que tenham entrado em qualquer das seguintes circunstâncias:
1) Fora dos postos de migração;
2) Sob falsa identidade ou mediante o uso de documentos de identificação ou de viagem falsos;
3) Durante o período de interdição de entrada.
  2. Consideram-se ainda em situação de imigração ilegal as pessoas que permaneçam para além dos prazos de permanência autorizada, e aquelas a quem tenha sido revogada a autorização de permanência, quando não abandonem a RAEM no prazo fixado.>>
E o art.º 14.º, n.º 1, da mesma Lei dispõe que <>.
Da leitura destes dois preceitos legais, não resulta que na valoração de interesses então feita pelo Legislador na criação do tipo legal de crime de auxílio (à imigração clandestina), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente do crime de auxílio. Pelo contrário, obtendo cada um dos imigrantes clandestinos assim “auxiliados” o benefício de concorrer para a entrada, de modo clandestino, na RAEM, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente. Por outra banda, sob a égide da regra de contagem do número de crimes plasmada no art.º 29.º, n.º 1, do Código Penal (CP), cai também por terra a tese do recorrente no respeitante à defendida absorção ou concurso ideal dos crimes de auxílio. Foram seis os imigrantes clandestinos transportados pelo recorrente, pelo que são, correspondentemente, seis crimes de auxílio.
Decide-se agora da questão da tentativa do crime de auxílio, sendo de afirmar, para já, que após vistos todos os elementos de prova indicados na fundamentação probatória da decisão condenatória, não se detecta que o Tribunal a quo tenha violado, aquando do julgamento da matéria de facto, qualquer norma legal cogente sobre o valor das provas, quaisquer leges artis ou qualquer regra da experiência da vida humana, daí que não pode ocorrer, in casu, o vício de erro na apreciação da prova no atinente à já entrada da sampana dos autos nas anteriores áreas marítimas de Macau.
Assim sendo, a factualidade já dada como provada em primeira instância sustenta efectivamente a condenação do recorrente pela consumação do crime (seis crimes) de auxílio, na esteira da posição jurídica veiculada, entre outros, no acórdão de 2 de Julho de 2015 do Processo n.º 571/2015 deste TSI.
No tangente à questão da medida das penas parcelares e única de prisão, realiza o presente Tribunal ad quem que ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida, e à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP, tanto a pena de dois anos e seis meses de prisão para cada um dos seis crimes consumados de auxílio como a pena única de quatro anos de prisão, todas achadas aí dentro das correspondentes molduras penais de prisão parcelar e única, estão ainda dentro da razoabilidade, pelo que é de respeitar a decisão recorrida nesta matéria (sendo de notar que tendo o recorrente exercido o seu direito ao silêncio na audiência de julgamento então realizada, é inverídica a tese de ter ele mostrado arrependimento da prática dos factos). Estando concretamente com duração superior a três anos, a referida pena única de prisão é, a priori, insusceptível da pretendida suspensão da sua execução (art.º 48.º, n.º 1, do CP).
Fica o recurso votado ao insucesso, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com cinco UC de taxa de justiça e três mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
A presente decisão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 2 de Junho de 2016.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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