Processo nº 300/2014
(Autos de recurso contencioso)
Data: 2/Junho/2016
Assuntos:
- Suspensão preventiva do exercício de funções de notário privado
- Delegação de competências
- Fundamentação de acto administrativo
- Desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
- Princípio da proporcionalidade
- Audiência do interessado
SUMÁRIO
1. Através da publicação da Ordem Executiva nº 120/2009, foram delegadas na Secretária para a Administração e Justiça as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 6/1999, entre outras, as relativas à orientação e coordenação dos sistemas registral e notarial.
2. Sendo assim, não obstante que o artigo 19º do Estatuto dos Notários Privados (Decreto-Lei nº 66/99/M) atribui a competência de instauração de procedimento disciplinar e aplicação das respectivas penas ao Chefe do Executivo, mas tendo o acto de delegação sido expresso na referida Ordem Executiva, a qual foi devidamente publicada no Boletim Oficial da RAEM, essa competência já foi delegada à Exm.ª Secretária, ficando ainda dispensada a menção dessa delegação, conforme previsto no nº 3 do artigo 113º do CPA.
3. Na interpretação do acto administrativo há que recorrer simultaneamente à lei e à vontade do autor do acto, para apurar o sentido da decisão tomada pela Administração.
4. Os pontos 1 a 22 da proposta submetida à apreciação da entidade recorrida contêm a descrição das razões de facto e de direito com base nas quais se fundamenta a aplicação da medida de suspensão preventiva, enquanto os pontos 23 e 24 vêm propor, a final, as concretas soluções para o caso.
5. Daí que, a concordância da Exm.ª Secretária para a Administração e Justiça em relação aos pontos 23 e 24 da referida proposta não pode deixar de ser entendida como uma apropriação ou adopção de toda a factualidade e fundamentação que se concretizam nos restantes pontos (1 a 22) da proposta, porque ao aceitar as sugestões contidas nos pontos 23 e 24 da proposta, neles se encontram ínsitos os factos que fundamentam a proposta no seu todo.
6. No que respeita à questão de saber se deve ser aplicada ao recorrente a medida de suspensão preventiva prevista no nº 1 do artigo 331º do ETAPM, está em causa o exercício de poderes discricionários pela Administração, só podendo o tribunal sindicar o mérito do acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
7. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo).
8. Tem sido entendido que as decisões da Administração só são justiciáveis desde que violem de um modo intolerável aquele princípio.
9. Como notário, o recorrente tem o dever especial de obediência aos mais rigorosos princípios da legalidade, nomeadamente o dever de servir de exemplo de bom cumpridor de lei para defesa da credibilidade pública do serviço notarial.
10. A função do notário é sobretudo dar forma legal e conferir fé pública e autenticidade aos actos jurídicos extrajudiciais, intervenção essa que abrange tanto os documentos particulares com reconhecimento notarial como os documentos autênticos, enquanto o crime de falsificação de documento que foi imputado ao recorrente é precisamente aquele tipo de crime contra a fé pública, que fere a autenticidade e soberania da Região.
11. A medida agora tomada pela Administração tem por objectivo proteger a honorabilidade da classe de notários, públicos, privados e privativos, e salvaguardar o prestígio da instituição notarial e da própria Administração, em virtude da condenação do recorrente pela prática de um crime de falsificação de documento em primeira instância.
12. Ponderando os interesses conflituosos em causa, julgamos dever dar prevalência à satisfação do interesse público, no sentido de manutenção da dignidade e prestígio quer da profissão quer das respectivas instituições notariais e da Região, pelo que se conclui não ser o acto recorrido ora impugnado manifestamente desrazoável nem desproporcional.
13. O que se pretende com a audiência dos interessados é assegurar o direito do contraditório dos interessados, evitando a chamada decisão surpresa, e permitir os mesmos, no caso de se ter realizado alguma diligência instrutória, manifestarem os seus pontos de vista adquiridos no procedimento e, ao fim e ao cabo, permitir à Administração colher elementos necessários com vista a dar uma decisão acertada.
14. Verificando-se que o recorrente já teve oportunidade de se pronunciar no respectivo processo disciplinar sobre todas as questões de facto com base nos quais se fundamentou a aplicação da medida de suspensão preventiva, não é necessária nova audiência do interessado, uma vez que esse seu direito foi devidamente assegurado, nos termos consentidos pelo artigo 97º, alínea a) do CPA.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 300/2014
(Autos de recurso contencioso)
Data: 2/Junho/2016
Recorrente:
- A (A)
Entidade recorrida:
- Secretária para a Administração e Justiça
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, do sexo masculino, advogado e notário privado, melhor identificado nos autos (doravante designado por recorrente), notificado do despacho da Exm.ª Secretária para a Administração e Justiça de 4 de Abril de 2014, que determinou a suspensão administrativa preventiva do cargo de notário privado, até à tomada de decisão final a ser proferida no respectivo processo disciplinar, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, formulando as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida padece, em primeiro lugar, de um vício de violação de lei por violar o regime legal aplicável, ao aplicar uma medida administrativa de suspensão preventiva, nos termos conjuntos, do artigo 21º do Estatuto dos Notários Privados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/99/M, de 1 de Novembro, e do artigo 331º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, quando não estão preenchidos os requisitos legais e não existe uma urgência decisória, que é um pressuposto lógico de qualquer medida cautelar, como é o caso da suspensão preventiva em causa.
2. Acresce, a título subsidiário, sem prescindir, que a decisão recorrida padece, em segundo lugar, de um vício de violação de lei, na modalidade de erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários. Tal decorre dos prejuízos profissionais e morais para o Recorrente assumirem uma dimensão tão ampla e relevante, que obrigam a um especial dever de ponderação e cuidado que a Entidade Recorrida teria que respeitar, aquando da tomada de uma decisão que determine o decretamento de uma suspensão preventiva nos moldes da presentemente em apreciação. A Entidade Recorrida não realizou tal ponderação dos interesses em presença com o necessário cuidado, tendo sacrificado desnecessariamente e excessivamente os interesses do Recorrente, agindo em violação clara do princípio da proporcionalidade, contido no artigo 5º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.
3. Acresce, a título subsidiário, sem prescindir, que a decisão recorrida padece, em terceiro lugar, de falta de fundamentação da matéria de facto, nos termos dos artigos 114º e 115º do Código de Procedimento Administrativo. A fundamentação de facto do acto recorrido é inexistente, ou, pelo menos, grosseiramente obscura ou insuficiente, não explicando minimamente quais as circunstâncias que concretamente justificaram a decisão tomada, dado que a mesma remete expressamente e inequivocamente apenas para os pontos 23 e 24 da proposta, que foram os únicos pontos que são alvo de homologação pela Entidade Recorrida e que passaram a integrar materialmente a decisão ora impugnada, a qual omite qualquer factualidade relevante para fundamentar o acto recorrido. Os restantes pontos da proposta não integram a decisão recorrida, não podendo por isso constituir os seus fundamentos.
4. Acresce, a título subsidiário, sem prescindir, que a decisão recorrida padece, em quarto lugar, de um vício de incompetência, por a Entidade Recorrida não ter a necessária competência legal para a prática do acto recorrido, uma vez que a Entidade Recorrida decretou uma suspensão preventiva, tratando-se de matéria que a lei reserva em exclusivo ao Chefe do Executivo, nos termos do artigo 331º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. A atribuição de certas competências disciplinares ao órgão de topo da hierarquia administrativa visa assegurar a correcção e legalidade das decisões, a serem tomadas no processo disciplinar, ocupando uma função de garantia processual da posição do arguido no processo disciplinar, por via de uma concentração legal de competências. O regime disciplinar do funcionalismo público concentra no Chefe do Executivo, e não admite que por via de uma delegação de competências se desconcentre, a competência para aplicar as penas disciplinares mais graves e a suspensão preventiva.
5. Acresce, a título subsidiário, sem prescindir, que a decisão recorrida padece, em quinto lugar, de um vício de forma por omitir uma referência a qualquer delegação de competências que possa ter eventualmente atribuído competências para a prática do acto recorrido, conforme é obrigatório, nos termos dos artigos 40º e 113º, n.º 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo. No processo disciplinar, a menção da delegação de poderes não pode ser encarada como uma mera formalidade formal, sem grande relevo, por assumir uma função especial de garantia do arguido, tendo que ocorrer. Mas é antes um requisito que assegura que arguido tenha conhecimento que, para além do recurso contencioso do acto lesivo que é alvo, lhe poderá ainda assistir um recurso administrativo para o órgão delegante, que permita uma reapreciação do mérito da decisão disciplinar em causa.
6. Acresce finalmente, a título subsidiário, sem prescindir, que a decisão recorrida, em sexto lugar, é nula, por violação do princípio da participação e da regra da audiência do interessado no procedimento disciplinar, nos termos dos artigos 10º e 93º a 97º do Código de Procedimento Administrativo, bem como do artigo 298º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. O Recorrente não foi ouvido antes da tomada da decisão recorrida, não se tendo realizado a audiência do interessado. Não se verificando qualquer das circunstâncias que permitem a inexistência da audiência, nos termos do artigo 97º, do Código do Procedimento Administrativo. A falta da audiência dos interessados no contexto do processo disciplinar assume um valor de direito fundamental de defesa, sendo que a sua omissão, conforme ocorreu no acto recorrido, gera a nulidade do acto administrativo em causa.
Conclui, pedindo a procedência do recurso contencioso, e a consequente anulação do acto administrativo na parte que lhe aplicou a medida de suspensão preventiva.
*
Regularmente citada, contestou a entidade recorrida, formulando as seguintes conclusões, pugnando pela improcedência do recurso:
1. O acto decisório sob recurso foi devidamente enquadrado na lei, uma vez que na proposta contida no ponto 23 foram perfeitamente identificadas as normas legais que o fundamentam, em concreto o artigo 21º do Estatuto dos Notários Privados, que manda aplicar subsidiariamente aos notários privados, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o regime disciplinar dos trabalhadores da função pública, e o n.º 1 do artigo 331º do ETAPM, que, precisamente, prevê que, sob proposta do instrutor e mediante despacho da entidade competente, os funcionários e agentes arguidos em processo disciplinar por infracção punível com pena de suspensão de 241 dias a 1 ano, aposentação compulsiva ou demissão, podem ser preventivamente suspensos do exercício das suas funções até à decisão final do processo.
2. Face ao artigo 18º, n.º 1 do Estatuto dos Notários Privados, no qual se prevê que “Aos notários privados são aplicáveis as penas disciplinares de suspensão administrativa até 2 anos ou de cassação de licença quando infrinjam os deveres a que se encontram sujeitos, designadamente quando: (…) j) Sejam pronunciados, ou tenha sido designado dia para julgamento, ou condenados pela prática de crime doloso gravemente desonroso”, não poderia ser outra a proposta do instrutor do processo disciplinar, na qual se fundou o referido acto decisório.
3. A matéria factual que conduziu à proposta em que se fundou o acto decisório encontra-se exaustivamente descrita ao longo de toda a proposta, em especial nos sues pontos 20 a 22, a qual, evidentemente, constitui a fundamentação da proposta contida no ponto 23, de suspensão preventiva da actividade notarial do Lic. A.
4. Pelo que, a aposição do «concordo» por parte da Secretária para a Administração e Justiça não pode deixar de ser entendida como uma adopção ou absorção expressa de todos os fundamentos do acto decisório, de acordo, aliás, com a melhor doutrina, segundo a qual “Aqui a decisão é de concordância com o conteúdo destes actos. Logo, o acto decisor acolhe o enunciado do parecer, proposta e informação que lhe servem de suporte. O que quer dizer que os fundamentos destes são, por remissão, “per relationem”, os fundamentos da decisão” (vide Curso de Procedimento Administrativo, Macau, Dezembro de 2001, pág. 98, sendo nosso o sublinhado).
5. A declaração de concordância da proposta do instrutor do processo disciplinar quanto aos seus pontos 23 e 24 significa exactamente que a Secretária para a Administração e Justiça concordou com a proposta nos seus precisos termos, isto é, incluindo os factos nela descritos e que a fundamentam, conforme expressamente se admite no n.º 1 do artigo 115º do CPA, não sendo sequer plausível que se deve considerar que ao aceitar a proposta de suspensão do procedimento disciplinar até à conclusão do processo-crime e ao determinar a suspensão preventiva das funções de notário privado, a Secretária para a Administração e Justiça não estava a apropriar-se de forma expressa de toda a fundamentação que serviu de base à dedução daquelas propostas.
6. Neste contexto, é, pois, inaceitável a conclusão do Recorrente de que no acto sob recurso não são referidos os factos que concretamente motivaram a Entidade Recorrida a considerar que estavam preenchidos os requisitos previstos no artigo 331º, n.º 1 do ETAPM, por remissão do artigo 21º do Estatuto dos Notários Privados, discordando-se, evidentemente, de que o acto seja anulável por de falta de fundamentação.
7. A mera situação de pronúncia em processo-crime é um facto que só por si é suficiente para que possa vir a ser aplicada ao arguido no respectivo processo disciplinar uma pena de suspensão administrativa de até 2 anos ou de cassação da própria licença (cfr. já citado artigo 18º, n.º 1, e sua alínea j), do Estatuto dos Notários Privados).
8. Só pode exercer as funções de notário privado quem seja também advogado regularmente inscrito na Associação dos Advogados de Macau e que aqui tenha a sua actividade profissional, e o início daquelas funções (e, naturalmente, a sua continuação) está dependente da verificação dos requisitos previstos no artigo 1º do referido Estatuto dos Notários Privados (no da não verificação das situações previstas no artigo 18º), o que inclui evidentemente a não verificação de uma situação de pronúncia, ou marcação de julgamento ou a própria condenação da pessoa do advogado (e, quando já no exercício das funções, também de notário privado) pela prática de crime doloso gravemente desonroso.
9. A figura do advogado está intrinsecamente ligada à de notário privado, visto tratar-se da mesma pessoa, não resultando da lei qualquer distinção do âmbito da actividade no exercício da qual ao visado venham a ser aplicadas as sanções previstas no citado artigo 18º do Estatuto dos Notários Privados.
10. A publicação na imprensa escrita da notícia da condenação de um notário privado no âmbito de processo-crime a decorrer no Tribunal Judicial de Base foi o primeiro alerta para uma situação para a qual a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça não poderia deixar de estar atenta, atendendo à relevância social da actividade notarial e às repercussões que nela teria o conhecimento generalizado da concreta situação de um dos seus agentes se encontrar na situação de condenado em processo-crime, procurando por todas as formas indagar sobre a real situação dos factos publicados, tendo iniciado logo no dia seguinte à publicação daquela notícia as diligências que estavam ao seu alcance para tentar obter os necessários elementos tendo em vista a instauração do procedimento adequado.
11. E, tendo-se confirmado a existência de um processo-crime, no qual o Recorrente foi constituído arguido e nele já condenado na pena de prisão de um ano e seis meses como cúmplice, na forma consumada, por crime de falsificação de documento, não obstante a pena se encontrar suspensa na sua execução, devendo, neste caso, o arguido entregar a quantia de MOP$50.000,00 à RAEM, seria de todo inconveniente a sua continuação no exercício das funções de notário privado.
12. Na verdade, conforme refere Manuel Leal-Henriques, in Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, “É de considerar que se manifesta tal tipo de inconveniência sempre que a Administração possa vir a sofrer prejuízos com a continuação do arguido no exercício de funções, o mesmo é dizer, sempre que a conduta que motivou a instauração do procedimento se mostre incompatível com o decoro que é de exigir a quem serve uma instituição pública”.
13. Ao contrário do que o próprio afirma, o Recorrente não é reconhecido como sendo um notário privado de grande rigor e integridade ética, deontológica e profissional, sabendo-se que nenhum outro notário privado tem sido objecto de tantas advertências por parte da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, como já aconteceu com o Recorrente.
14. Deve considerar-se como despiciendo o desenvolvimento feito pelo Recorrente sobre os fundamentos da sua condenação em processo-crime, nomeadamente se as causas que lhe deram origem foram ou não bem interpretadas e avaliadas pelo Tribunal, em especial, se a condenação foi bem ou mal aplicada por estar em causa o julgamento de uma mera opinião técnica ou jurídica, o que pode nem configurar um erro profissional, mas apenas uma divergência de opinião jurídica.
15. Seja como for, não é aceitável a opinião do Recorrente quando afirma que a questão não tem qualquer relevo para efeitos do regime disciplinar do Estatuto dos Notários Privados, pois não pode ignorar-se que o Recorrente se encontra na situação de arguido em processo-crime, tendo até já sido condenado por crime de falsificação de documento, na forma consumada, facto que, além de constituir fundamento para a aplicação de pena disciplinar (artigo 18º, n.º 1, e sua alínea j), do Estatuto dos Notários Privados), não pode deixar de ser considerado como tendo potenciais consequências gravíssimas para a instituição notarial, precisamente por se tratar de um advogado que exerce também as funções de notário privado, o que justifica plenamente a sua suspensão preventiva dessas funções (citado artigo 331º, n.º 1 do ETAPM).
16. Também ao contrário do que afirma o Recorrente, o acto decisório sob recurso não sofre de qualquer vício de forma, nomeadamente por ter sido proferido pela Secretária para a Administração e Justiça, uma vez que, tendo como certo que na RAEM o poder executivo está atribuído ao Chefe do Executivo, que é nomeado pelo Governo Popular Central, sendo o dirigente máximo do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (cfr. artigos 45º e segs., em especial o artigo 62º da Lei Básica), e que, nos termos do artigo 50º da mesma lei, lhe compete em especial “1) Dirigir o Governo da Região Administrativa Especial de Macau”, bem como “4) Definir as políticas do Governo e mandar publicar as ordens executivas”, competindo, no entanto, ao Governo no seu todo “Gerir os diversos assuntos administrativos” (artigo 64º, alínea 2), da Lei Básica), resulta claramente do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 – que, segundo se julga, constitui o desenvolvimento da Lei de Bases da Orgânica do Governo (Lei n.º 2/1999), tal como esta deve ser entendida à luz do enquadramento da Lei Básica – que estão legalmente estabelecidas as áreas de intervenção de cada um dos Secretários do Governo, para as quais cada um deles tem competências próprias de gestão corrente, sob o ponto de vista político e administrativo.
17. E, assim, conforme bem afirma Ieong Wan Chong, “O poder do órgão executivo, quer dizer, o poder executivo ou a administração, resulta da própria lei e a sua tarefa consiste em executar a lei, isto é, gerir os assuntos administrativos em conformidade com a lei” (cfr. Anotações à Lei Básica da RAEM, edição da Associação de Divulgação da Lei Básica de Macau, págs. 126/127).
18. Mas, tendo em conta o facto de que a lei em geral, ou certos normativos em especial, atribuem ao Chefe do Executivo (como acontecia no passado relativamente ao Governador) as competências genéricas em matéria político-administrativa, no âmbito dos seus poderes de direcção do Governo, pode o Chefe do Executivo delegar as suas competências próprias, como titular do máximo poder político e administrativo, nos restantes membros do Governo, em especial nos titulares das diversas secretarias que o compõem, conforme, aliás, prescreve o artigo 3º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto, tendo presente o estipulado na Lei de Reunificação (Lei n.º 1/1999), mormente no seu anexo IV.
19. Terá sido, pois, essa circunstância que levou o Chefe do Executivo a proceder à delegação genérica de competências nos secretários que compõem o órgão executivo, feita a coberto da Lei Básica, em especial do seu artigo 50º, e concretamente ao abrigo da sua alínea 4), a qual, em todo o caso, não tem o conteúdo específico da típica delegação de competências em matéria administrativa, sendo antes uma delegação de poderes com conteúdo essencialmente político, e que constitui uma confirmação política de atribuição ou distribuição das competências que eventualmente estejam residualmente reservadas ao dirigente máximo do Governo da RAEM, na área da jurisdição de cada um dos Secretários.
19. Terá sido, pois, essa circunstância que levou o Chefe do Executivo a proceder à delegação genérica de competências nos secretários que compõem o órgão executivo, feita a coberto da Lei Básica, em especial do seu artigo 50º, e concretamente ao abrigo da sua alínea 4), a qual, em todo o caso, não tem o conteúdo específico da típica delegação de competências em matéria administrativa, sendo antes uma delegação de poderes com conteúdo essencialmente político, e que constitui uma confirmação política de atribuição ou distribuição das competências que eventualmente estejam residualmente reservadas ao dirigente máximo do Governo da RAEM, na área da jurisdição de cada um dos Secretários.
20. Contudo, segundo se crê, a delegação das competências executivas do Chefe do Executivo na pessoa da Secretária para a Administração e Justiça, conferida pela Ordem Executiva n.º 120/2009, relativamente a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 2º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, não configura um acto típico de delegação de competências em matéria administrativa, mas, mais do que isso, se destinou a investir a Secretária para a Administração e Justiça nos poderes máximos de direcção político-administrativa dos Serviços e restantes unidades orgânicas integradas na sua área de governação.
21. E, deste modo, deve entender-se que, ao contrário do que defende o Recorrente, a decisão ora sob recurso é uma decisão da Secretária para a Administração e Justiça, tomada no âmbito dos seus poderes delegados de governação, como dirigente máxima dos serviços de registos e do notariado, ao abrigo da Ordem Executiva n.º 120/2009, publicada no Boletim Oficial.
22. Tem sido esta, ao que parece, a posição dos Tribunais da RAEM, uma vez que nos vários recursos jurisdicionais de decisões da Secretária para a Administração e Justiça tomadas em processos disciplinares instaurados a funcionário dos registos e notariado e a notários privados, nunca foi levantada a questão da falta de competência ou da necessidade de menção da delegação de competências (vide, a mero título de exemplo, os acórdãos do Tribunal de Última Instância proferidos nos Proc.os n.os 11/2006, 22/2006, 25/2006 e 23/2013, todos disponíveis na página Web dos Tribunais Judiciais da RAEM).
23. Na decisão ora sob recurso foram devidamente sopesados os interesses em causa, optando-se por tomar uma medida preventiva que, sendo gravosa para o Recorrente, se considerou como sendo a mais adequada à defesa do interesse público, valor naturalmente superior ao interesse privado do Recorrente.
24. Em especial, considera-se que a suspensão preventiva das funções de notário privado pelo Recorrente é uma medida provisória, uma vez que a decisão final, a proferir no âmbito do processo disciplinar se afigura relativamente próxima, tendo em conta que, pela medida da pena aplicada no processo-crime, a decisão que venha a ser tomada no âmbito do recurso já interposto para o Tribunal de Segunda Instância (como o próprio Recorrente refere) da decisão de primeira instância no processo-crime não beneficiará do direito de recurso para o Tribunal de Última Instância (vide alínea f) do n.º 1 do artigo 390º do Código de Processo Penal).
25. Aquela medida é também necessária, uma vez que está em causa, não só a protecção da honorabilidade de toda a classe de notários, públicos, privados e privativos, como a salvaguarda da instituição notarial e do prestígio da própria Administração.
26. Deve ainda considerar-se que foi respeitado o princípio da adequação, na medida em que não se vê que outra medida pudesse ter sido tomada para que pudesse ser alcançado o desiderato da protecção do interesse público.
27. Sabendo-se que, por opção do legislador, se deve considerar que a infracção dos deveres a que os notários privados se encontram sujeitos se configura sempre um acto de especial gravidade, o que se revela pela previsão das penas aplicáveis em processo disciplinar (suspensão administrativa até 2 anos ou cassação da licença, nos termos do n.º 1 do artigo 18º do Estatuto dos Notários Privados), prescindindo-se das penas mais leves, como a repreensão escrita ou a multa (vide alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 300º do ETAPM), sendo que a aposentação compulsiva e a demissão (alínea d) e e) do referido normativo) se equiparam à cassação da licença, deve considerar-se que estão preenchidos os requisitos legais para a medida suspensiva exigidos pelo n.º 1 do artigo 331º do ETAPM.
28. Não cabe discutir no âmbito dos presentes autos se aquela opção do legislador é ou não a mais correcta; mas o que é certo é que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumira que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. n.º 3 do artigo 8º do Código Civil).
29. Não é pelo facto de o Recorrente não trabalhar em qualquer Serviço Público que se deve considerar como não aplicável a norma do n.º 1 do artigo 331º do ETAPM, pois, como é evidente, os notários privados, quando no exercício das suas funções, estão sujeitos a um conjunto de deveres, típicos dos funcionários públicos em geral e dos notários públicos em particular, com excepção dos deveres de obediência (salvo no que respeita às circulares e determinações genéricas emitidas pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça), assiduidade e pontualidade (vide artigos 7º e segs. Do Estatuto dos Notários Privados, em especial o artigo 12º).
30. A medida de suspensão preventiva da actividade do recorrido como notário privado justifica-se porque tem em vista prevenir maiores prejuízos para o interesse público, independentemente do resultado final do processo disciplinar, ou seja, ainda que venha a concluir-se pelo arquivamento do processo disciplinar, ou seja, ainda que venha a concluir-se pelo arquivamento do processo disciplinar por não haver fundamentos para aplicar qualquer pena ao visado.
31. E, como medida preventiva autónoma que é, dada a circunstância de as infracções cometidas por um notário privado, seja no exercício da advocacia, seja no âmbito da actividade de notário privado, serem sempre consideradas de grande gravidade, ela não tem necessariamente qualquer ligação com a medida da pena que venha a ser aplicada ao arguido, nomeadamente por se poder considerar que tal medida não deve ser aplicada quando se possa prever que uma eventual pena de suspensão possa vir a ter uma duração mais curta do que o período em que o visado pela medida se encontre preventivamente suspenso.
32. Não é de relevar a invocação feita pelo Recorrente de que a medida de suspensão preventiva lhe causa elevados prejuízos, nomeadamente quanto à perda do direito ao trabalho e à remuneração proveniente da actividade de notário privado, uma vez que:
- Por um lado, a actividade de notário privado é uma mera faculdade que os advogados com escritório na RAEM têm, depois de obtida a necessária formação e aprovação em curso especial organizado pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (cfr. artigos 1º, n.º 2 e 2º e segs. do Estatuto dos Notários Privados), e não um privilégio a que todos os advogados têm direito;
- Por outro lado, conforme expressamente previsto na lei, o exercício das funções de notário privado não é remunerado, sem prejuízo da cobrança de honorários que ele possa fazer na sua qualidade de advogado (cfr. artigo 13º do referido Estatuto dos Notários Privados); e
- Por outro lado ainda, os próprios emolumentos devidos pelo acto notarial praticado por notário privado são reduzidos de 1-3 do seu valor (cfr. n.º 3 do artigo 208º do Código do Notariado), o que significa que a intenção do legislador, ao criar a figura do notário privado não foi a de atribuir a este o direito especial a uma remuneração ou fonte de rendimento (lembre-se que toda a receita dos emolumentos deve ser depositada a favor do Cofre da RAEM), mas sim a de facilitar o acesso dos utentes aos actos notariais.
33. E, também conforme já foi reconhecido pelo Tribunal de Segunda Instância no âmbito dos autos de suspensão de eficácia do acto sob recurso (Proc.º n.º 245/2014), onde, quanto a esta matéria, se decidiu que “A Administração, como garante do bom funcionamento das instituições públicas, está obrigada a zelar pela salvaguarda da dignidade e prestígio dessas instituições, e a medida de suspensão provisória da actividade notarial do requerente visa exactamente garantir a defesa da integridade e do prestígio da função notarial”, deve considerar-se que, na ponderação dos interesses em presença, os eventuais danos morais do Recorrente, sem dúvida importantes em termos de imagem pública e reputação profissional, devem ceder perante o superior interesse público.
34. Não é igualmente de relevar a alegada perda total de clientela invocada pelo Recorrente, que refere não se esperar apenas uma mera redução da sua actividade mas verdadeiramente um esvaziamento total e completo da sua clientela, pois, esse aparente total esvaziamento de actividade não pode deixar de levar à conclusão – o que se coloca à ponderação do Tribunal – que, afinal, a actividade de notário privado que lhe vem proporcionando uma receita directa (quiçá substancialmente vultuosa), eventualmente devido à cobrança – obviamente ilegal – de algum tipo de honorários ou comissões pela realização dos actos notariais, o que, a confirmar-se no âmbito de um eventual processo de averiguações a instaurar ao senhor notário privado pela Entidade Recorrida, levará inexoravelmente à instauração de novo processo disciplinar e, provavelmente, à comunicação ao Tribunal para que seja instaurado o procedimento adequado (vide n.º 2 do artigo 287º do ETAPM).
35. Deve, pois, considerar-se que a actividade principal do Recorrente (ou de qualquer outro notário privado) é a advocacia, sendo o notariado uma actividade acessória, na medida em que só pode ser notário privado quem seja advogado, mas não o inverso. Deste modo, os clientes do Recorrente são seus clientes como advogado e não como notário, uma vez que os actos notariais não são remunerados. Nenhum notário privado poderia sobreviver – sobretudo com uma estrutura tão sobredimensionada como o Recorrente afirma possuir – apenas com os clientes dos quais não pode cobrar qualquer tipo de remuneração.
36. Deve ainda repudiar-se a afirmação do Recorrente segundo a qual “O mercado do notariado privado em Macau é muito competitivo”, sabendo-se que ao instituir o notariado privativo esteve apenas na mente do legislador a necessidade de “celeridade dos actos e contratos, imprescindível ao comércio jurídico próprio das sociedades em expansão (… suprindo dessa forma a falta de …) meios físicos e tecnológicos permissivos de resposta, em tempo útil, às crescentes solicitações da vida negocial, chamadas, como são, para uma multiplicidade de actos, desde a simples procuração às escrituras, (… embora …) mantendo, no essencial, o sistema e partindo do pressuposto que um notário é essencialmente um jurista, com qualificação científica e dotado de fé pública, que deve aconselhar, interpretar e conformar legalmente a vontade dos intervenientes nos actos e contratos” (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 80/90/M, de 31 de Dezembro), o que, evidentemente, afasta qualquer ideia de que o notariado é uma actividade mercantil da qual se pode obter um lucro que depende dos factores de competitividade do mercado, isto é, da lei da oferta e da procura, onde, evidentemente, o cliente opta pelos preços mais baixos.
37. Conforme foi referido na decisão judicial do TSI proferida no âmbito dos autos de suspensão preventiva (Proc.º 245/2015), “Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público (… e …) “a expressão grave lesão do interesse público constitui um conceito indeterminado que compete ao juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta (…) Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”, pelo que, outra coisa não se espera que não seja a completa desvalorização das afirmações do Recorrente quando afirma que o acto recorrido é ilegal, por violação do princípio da proporcionalidade.
38. A suspensão preventiva do Recorrente das funções notariais, como providência cautelar que é, configura um acto urgente, que tem em vista proteger o interesse público, além de se afigurar como óbvio que a audiência do interessado – que, na fase em que o processo disciplinar se encontra, evidentemente nada acrescentaria à convicção do instrutor quanto à necessidade do seu decretamento – apenas constituiria um protelamento da efectiva execução da decisão determinativa da suspensão, comprometendo de forma injustificada a eficácia da respectiva decisão.
39. No âmbito do processo disciplinar, no qual foi proferido o acto decisório sob recurso foi dado escrupuloso cumprimento à prévia audição do interessado, conforme se determina no artigo 329º do ETAPM, em especial no seu n.º 3, assim lhe permitindo participar na decisão, de acordo com o princípio consagrado no artigo 10º do CPA.
40. Sendo que esta intervenção se julga manifestamente suficiente, não se justificando nova audiência do interessado, não só porque não está em causa uma decisão final e definitiva de aplicação de pena disciplinar, mas sim de uma medida de suspensão preventiva provisória, como porque, mesmo a tratar-se da decisão final, de acordo com a melhor doutrina e com a jurisprudência dos Tribunais da RAEM, ela não se aplica no procedimento disciplinar (vide, nomeadamente, os acórdãos proferidos nos Proc.os n.os 323/2004 do TSI, e 22/2006 e 23/2013 do TUI).
41. O acto recorrido não enferma, por conseguinte, dos vícios relatados pelo Recorrente, sendo plenamente válido.
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Tanto o recorrente como a entidade recorrida apresentaram alegações facultativas, reproduzindo, cada um deles, basicamente, a sua posição inicial.
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Findo o prazo para alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial e nas suas alegações de fls. 206 a 271 dos autos, o recorrente assacou, em primeiro lugar, ao despacho em causa o vício de violação de lei «por violar o regime legal aplicável, ao aplicar uma medida administrativa de suspensão preventiva, nos termos conjuntos, do artigo 21.º do Estatuto dos Notários Privados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/99/M, de 1 de Novembro, e do artigo 331º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, quando não estão preenchidos os requisitos legais e não existe uma urgência decisória, que é um pressuposto lógico de qualquer medida cautelar, como é o caso da suspensão preventiva em causa.»
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, a análise e ponderação minuciosas dos elementos constantes dos autos e do P.A. apenso deixam-nos a impressão de que em bom rigor, a razão não assiste a este argumento do recorrente.
Repare-se que em sede de fundamentar a aplicação da medida cautelar de suspensão preventiva, a Administração explicou, na Informação n.º 28/DSAJ/DIC/2014, que «22. 另一方面,正如上文所言,由於嫌疑人所觸犯的罪行已嚴重損害其本身的聲譽,且經報章在不點名的前提下廣泛報導,……,而不知悉具體情況的人士會對整個私人公證員行業的信心抱有懷疑的態度,同時使到其他私人公證員的名譽受到影響,所以若果嫌疑人繼續履行職務,無論對其本身公證署的運作,抑或對整個私人公證員的行業均會帶來不便。» (doc. de fls.76 a 86 dos autos)
Tal fundamentação torna patenteado e seguro que o pressuposto da aplicação da suspensão preventiva ao recorrente não consiste na «urgência decisória», mas na convicção de «所以若果嫌疑人繼續履行職務,無論對其本身公證署的運作,抑或對整個私人公證員的行業均會帶來不便。»
Recorde-se que desde início, o notário privado tem sido concebido um novo órgão da função notarial ao lado do notário público (preâmbulos dos Decretos-Leis n.º 80/90/M e n.º 66/99/M), tomando como pressuposto que um notário é, para além de outros requisitos, dotado de fé pública, e destinando-se a garantir a certeza e segurança na aplicação do Direito.
Nos termos da alínea j) do n.º 1 do art. 18º do D.L. n.º 66/99/M, aos notários privados são aplicáveis as penas disciplinares de suspensão administrativa até 2 anos ou de cassação de licença quando sejam pronunciados, ou tenha sido designado dia para julgamento, ou condenados pela prática de crime doloso gravemente desonroso.
Acontece que sendo embora não transitado em julgado, o acórdão tirado no Processo n.º CR4-08-112-PCC condenou o recorrente na pena de um ano e seis meses de prisão com suspensão da execução, por ele ter cometido, na autoria material e forma consumada, um crime de falsificação de documento p.p. pelos n.º 1 e n.º 2 do art. 11º da Lei n.º 2/90/M, que se trata, sem dúvida, do crime doloso e desonroso.
Atendendo à apontada condenação e às práticas mencionadas nos art. 52º da contestação, afigura-se-nos que é sustentável e legítima a referida convicção da Administração, no sentido de considerar que «所以若果嫌疑人繼續履行職務,無論對其本身公證署的運作,抑或對整個私人公證員的行業均會帶來不便». Daí que se verifica in casu o requisito consagrado no art. 331º do ETAPM, pelo que terá de cair por terra o argumento em apreço.
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Os n.º s 23 e 24 da Informação n.º 28/DSAJ/DIC/2014 mostram que a suspensão preventiva aplicada pelo despacho sob exame se manteria até à prolação da decisão final no processo disciplinar já instaurado contra o recorrente e declarado suspenso, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 328º do ETAPM, até ao trânsito em julgado do acórdão do TSI.
No seu Acórdão tirado no Processo n.º 66/2014 (vide. fls. 210 a 220 dos autos do processo n.º 245/2014) o Venerando TUI concedeu provimento ao recurso com dois fundamentos essenciais: em primeiro lugar, a suspensão preventiva não é adequada a salvaguardar as exigências disciplinares da função, e em segundo, são in casu desproporcionalmente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao ora recorrente.
Em homenagem desta douta jurisprudência, podemos extrair com tranquilidade que o acto in questio infringe o princípio da proporcionalidade nas vertentes de inadequação bem como de desproporcionalidade em sentido próprio. O que implica a procedência do segundo argumento do recorrente.
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O recorrente assacou, em terceiro lugar, a falta de fundamentação traduzida em não explicar minimamente quais as circunstâncias que concretamente justificaram a decisão tomada, dado que a qual remeta apenas aos pontos 23 e 24 da proposta (Informação n.º 28/DSAJ/DIC/2014).
Com efeito, na Informação n.º 28/DSAJ/DIC/2014 a Sra. SAJ declarou «同意此意見書第23點及第24點之建議». À primeira vista, a declaração da concordância da autora do despacho recorrido circunscreve-se às propostas constantes dos pontos 23 e 24 da dita Informação.
Em homenagem do brilhante ensinamento do Professor Freitas do Amaral quanto à interpretação do acto administrativo (Direito Administrativo, vol. III, Lisboa 1989, pp. 280-284), parece-nos que não faz sentido a interpretação de que a Sra. SAJ aceitar só soluções propostas e não os correspondentes fundamentos, é mais lógico presumir que o acto recorrido absorve, ao mesmo tempo, as soluções e todos os respectivos fundamentos preconizados na dita Informação. Daí decorre, no nosso prisma, que não se verifica in casu a invocada falta de fundamentação.
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O recorrente invocou ainda a incompetência da SAJ para praticar o acto posto em crise, sendo a qual reservada em exclusivo ao Sr. Chefe do Executivo, e a título subsidiário, o vício de forma por omitir, no mesmo acto, uma referência a qualquer delegação de competências.
No ordenamento jurídico da RAEM, os titulares dos principais cargos respondem perante o Chefe do Executivo (art. 8º n.º 4 da Lei de Bases da Orgânica do Governo aprovada pela Lei n.º 2/1999). A propósito de determinar a organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicos, a alínea 7) do n.º 1 do art. 2º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 confere ao Secretário para Administração e Justiça as competências para a orientação e coordenação dos sistemas registral e notarial. E o n.º 2 deste normativo prescreve «Para efeitos do número anterior, ficam na dependência hierárquica ou tutelar do Secretário para a Administração e Justiça, conforme aplicável, os serviços e entidades especificados no Anexo II ao presente regulamento administrativo, e que dele faz parte integrante.»
Por sua vez, no n.º 1 da Ordem Executiva n.º 120/2009 o Chefe do Executivo determina peremptoriamente (sublinhado nosso): São delegadas na Secretária para a Administração e Justiça, mestre B, as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 2º do Regulamento Administrativo n.º6/1999, bem como aos relativos ao seu Gabinete.
Segundo nos parece, o que este n.º 1 opera traduz-se em delegação de competências por unidade de domínios/áreas de governação, sabendo-se que tal modus faciendi era o praxe acontecido às delegações de competências feitas por Governador na pessoa de Secretários-Adjuntos (Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, p. 272).
Nesta perspectiva, inclinamos a opinar que o n.º 1 da Ordem Executiva n.º 120/2009 satisfaz ao requisito de especificação consignado no n.º 1 do art. 39º do CPA, e engloba a competência disciplinar prevista no art.19º do D.L. n.º 66/99/M, pelo que o acto em causa não fere de incompetência.
É verdade que nem o despacho recorrido nem a sua notificação, o ofício n.º 79/DSAJ/DIC/2014 (doc. de fls. 75 dos autos), contém a menção exigida no art. 40º do CPA. Daí resulta que tal maneira de actuação habitual, em bom rigor, é deficiente e carece de aperfeiçoamento.
Não obstante, e em consonância com a penetrante observação de a maioria da doutrina e jurisprudência inclinar a defender que a falta desta menção no acto praticado não invalide este (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: ob. cit., p. 295), entendemos tranquilamente que a apontada omissão da menção in casu não constitui vício de forma, nem produz efeito invalidante.
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Note-se que a suspensão preventiva consubstanciada no despacho em exame se estriba unicamente nos factos dados como provados pelo tribunal da 1ª instância no douto acórdão decretado no Processo n.º CR4-08-112-PCC, no qual tinha sido assegurado ao recorrente o pleno exercício do direito de audiência e defesa.
Sendo assim, e tendo em consideração que o despacho recorrido consiste apenas em aplicar uma medida cautelar, afigura-se-nos que ao caso sub iudice se aplica o preceito na alínea a) do art. 97º do CPA, daí se influi que tal acto não infringe o disposto nos arts. 10º e 93º a 97º do CPA.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência parcial do presente recurso contencioso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, e da prova produzida na audiência, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
O recorrente A é advogado e notário privado.
Encontra-se em curso na Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça um processo disciplinar instaurado contra o recorrente.
Foi elaborada em 31.3.2014 pela técnica superiora daqueles Serviços a proposta nº 28/DSAJ/DIC/2014, nos seguintes termos:
“事由:中止第1/PD/NP/2014號紀律程序及對嫌疑人採取防範性停職的事宜
建議書編號:28/DSAJ/DIC/2014
日期:31/03/2014
行政法務司司長 閣下:
根據 閣下於二零一四年二月十七日所作之批示,本人被委任為題述紀律程序的預審員,以便查明A私人公證員(下稱“嫌疑人”)因被法院判處觸犯偽造文件罪而涉嫌違反紀律義務的事實。在程序的預審期間,本人按照第66/99/M號法令《私人公證員通則》第21條及第87/89/M號法令所核准的《澳門公共行政工作人員通則》第329條第2款的規定採取了相應的調查措施,包括聽取嫌疑人的聲明、將初級法院第四刑事法庭第CR4-13-0026-PCC號合議庭裁判書及相關文件引入本卷宗並對之作出審閱。經分析調查所得的資料後,現謹向 閣下作建議如下:
1. 根據第CR4-13-0026-PCC號卷宗的合議庭裁判,下列在起訴書內載明的事實經庭審後獲得證實:
2. 「嫌犯C於2002年在xx街xx號地下開設“D地產置業投資公司”,從事不動產買賣中介活動以及為中國內地居民辦理來澳投資居留申請。
3. E和F均為中國居民,各自委託嫌犯C辦理來澳投資居留的手續。2002年8月12日,嫌犯C與E及F一同在嫌疑人的見證下,簽訂了一份“投資移民定居澳門合同書”及一份“樓宇買賣預約合同”。
4. 根據該份“投資移民定居澳門合同書”內容,嫌犯C為E一家三口及F一家四口辦理投資移民澳門居及取得澳門居民身份證所需的手續及文件,嫌犯C承諾向兩人轉售xxx街xx號xx閣全幢大廈的不動產,並借出港幤200萬元現金本票,兩名內地居民則承諾借取C外下上述物業作為辦理澳門投資移民手續,目的是為使E及F可符合投資居留法第14/95/M號法令第1條第1款b項在澳門作出重大投資的要求,從而可申請居留權。該合同又規定,E一家三口及F一家四口在取得澳門居民身份證後,要以無償方式將有關不動產轉回嫌犯C名下。
5.E和F各自向嫌犯C交付港幣三十五萬元作為報酬。
6. 嫌犯C與E及F訂立上述合同前,知道其行為可能違法,曾徵詢嫌疑人的意見,嫌疑人認為可行,願意為上述兩份合同作見證,並收取澳門幣五千元作為報酬。
7. 2002年8月12日,嫌疑人以律師身份,為上述“投資移民定居澳門合同書”及“樓宇買賣預約合同”作見證,為嫌犯C與E及F訂立上述合同。
8. 嫌疑人為上述兩份合同作見證時,清楚知道嫌犯C與E及F兩家並無實際出售及購買有關之不動產,嫌犯C與E及F簽署“樓宇買賣預約合同”,目的在於令E及F符合投資居留法的規定。
9. 嫌疑人明知嫌犯C的行為涉及虛偽合同,仍促成有關法律行為,目的為收取金錢利益。
10. 其後,E及F向澳門貿易投資促進局申請投資居留,並遞交了上述之樓宇買賣合同。
11. 其後,在被檢察院控訴並之後在CR4-08-0112-PCC號案件出庭答辯時,嫌犯C向法庭表示由嫌犯G教導其借出樓宇訂立涉案的“樓宇買賣預約合同”,協助內地居民辦理投資居留,同時,嫌犯C亦表示曾徵詢嫌疑人的意見,因嫌疑人認為可行,故嫌犯C分別在嫌疑人的律師樓及鮑德成律師樓訂立有關合同,並分別由兩名嫌疑人和嫌犯G作見證。
12. 為取得正當利益,嫌犯C和嫌疑人共同合意,分工合作,透過由嫌犯C借用物業業權及現金本票的欺瞞方式,合謀為兩名內地人士E及F簽訂及見證偽造的樓宇預約買賣合約,目的為協助該等內地人士及其家團符合第14/95/M號法令第2條第1款d項規定,取得在澳門投資居留的證明文件,以令彼等取得澳門居留權。
13. 嫌疑人身為律師及私人公證員,其清楚知道公證文件的證明力以及作為公證人須遵守公證的法律義務,其自由、自願及有意識地作出上述行為。」
14. 基於上述獲證事實,嫌疑人被初級法院判定以從犯和既遂方式觸犯第2/90/M號法律第11條第1款和第2款規定和處罰的一項偽造文件罪,判處一年六個月徒刑,緩刑兩年執行,緩刑條件為須在判決生效後的一個月期間內,向澳門特區捐獻澳門幣五萬元(MOP$50,000)以彌補其犯罪行為之負面影響。
15. 在審理相關事實的過程中,法院已將有關事實通報律師業高等委員會,以便委員會就嫌疑人所作的事實展開紀律調查。據悉,該委員已關展紀律程序。
16. 按照第66/99/M號法令第18條第1款j項的規定,倘私人公證員因作出嚴重損害名譽之故意犯罪而被起訴、被指定審判日期或被判罪,可科處最長為期兩年的行政中止執照或吊銷執照的紀律處分。
17. 經對上述條文作分析後,本人認為該條文只要求嫌疑人作出故意犯罪時是具有私人公證員的身份,而不論嫌疑人是否利用私人公證員的身份進行犯罪。
18. 對於作為同時具有律師及私人公證員身份的嫌疑人而言,其每天須撰寫和處理大量文件,並憑藉有關文件履行固有職務,因此,毫無疑問觸犯偽造文件罪會令到客戶對其履行職務的信心有所動搖,亦會令其本身的名譽、甚至整個業界的聲譽嚴重受損。因此,按照上述法令的規定,嫌疑人有可能在本程序中因被法院判處觸犯偽造文件罪這一事實被科處中止執照或吊銷執照的紀律處分。
19. 雖然嫌疑人於聲明筆錄中不認為因觸犯上述罪行而獲判處刑罰會令名譽嚴重受損,他認為上述刑事案,所涉及的僅是一個如何解釋法律及適用法律的問題,是一個技術問題,不是其在從事法律業務時存在的品德問題。但初級法院的判決明確認定嫌疑人為了謀取不正當的利益,與另一嫌犯共同合意,分工合作,透過由另一嫌犯借用物業業權及現金本票的欺瞞方式,合謀為兩名內地人士簽訂和見證偽造樓宇預約買賣合約,藉此協助該等內地人士及其家團符合第14/95/M號法令第2條第1款d項規定,以令彼等透過投資移民的方式取得澳門居留權。
20. 按照《澳門公共行政工作人員通則》第331條第1款的規定,作為紀律程序中的嫌疑人的公務員或服務人員,如涉及的違紀行為可被科處停職二百四十一日至一年、強迫退休或撤職之處分,且其在職將對部門之工作或對查明真相造成不便,經預審或命令提起紀律程序之實體建議,並透過行政長官之批示,嫌疑人得被命令防範性停職。
21. 由於本案嫌疑人因故意觸犯偽造文件罪而被判刑,屬嚴重損害其名譽的犯罪,按照《私人公證員通則》第18條第1款j項的規定,可被科處最長為期兩年的行政中止或吊銷執照的紀律處分。雖然《私人公證員通則》規定的紀律處分並不完全等同於《澳門公共行政工作人員通則》所規定的紀律處分,但從性質而言,私人公證員的行政中止執照處和吊銷執照與公務員的停職及撤職相似,因此,本案違紀行為所引致的紀律處分的嚴重程度已符合《澳門公共行政工作人員通則》第331條第1款的規定。
22. 另一方面,正如上文所言,由於嫌疑人所觸犯的罪行已嚴重損害其本身的聲譽,且經報章在不點名的前提下廣泛報導,普遍而言,知悉嫌疑人身份和具體情況的人士會質疑其繼續履行職務的公信力,而不知悉具體情況的人士會對整個私人公證員行業的信心抱有懷疑的態度,同時使到其他私人公證員的名譽受到影響,所以若果嫌疑人繼續履行職務,無論對其本身公證署的運作,抑或對整個私人公證員的行業均會帶來不便。
23. 因此,根據第66/99/M號法令《私人公證員通則》第21條及第87/89/M號法令所核准的《澳門公共行政工作人員通則》第331條第1款的規定,建議 閣下對嫌疑人命令採取防範性停職措施,暫停其履行私人公證員職務,直至就本紀律程序作出最後裁定為止。
24. 此外,根據第66/99/M號法令《私人公證員通則》第21條及第87/89/M號法令所核准的《澳門公共行政工作人員通則》第287條第3款和第328條第2款的規定,如紀律程序是基於司法機關發出起訴批示或同類批示而引致,經預審員或命令提起紀律程序的實體建議,並由行政長官批示核准後,結束紀律程序及作出最後裁定的期限得被中止,直至法院作出的判決轉為確定為止。在本案中,雖然紀律程序並不是因應司法機關提出起訴批示或同類批示而提起,但本局是在獲悉嫌疑人被司法機關判處觸犯刑事罪行的情況下而對嫌疑人提起紀律程序,其所面對的處境與因應起訴批示而提起紀律程序的相同。鑑於嫌疑人已對相關刑事判決向中級法提起上訴,有關裁判仍未轉為確定,待法院完成審理及作出合議庭裁判後方具備條件繼續跟進紀律程序,以避免紀律程序的裁定與刑事程序的相衝突,故可比照適用《澳門公共行政工作人員通則》第328條第2款的規定。因此,按照《澳門公共行政工作人員通則》第328條第2款的規定,建議 閣下核准中止結束本紀律程序及作出最後裁定的期間,直至法院作出的判決轉為確定為止。
以上建議,謹呈 閣下考慮。
查核暨申訴廳
顧問高級技術員
(簽名)
H”
Pela Exm.ª Secretária para a Administração e Justiça foi lavrado a 4.4.2014 o seguinte despacho ora impugnado:
“同意此意見書第23點及24點之建議。”
Inconformado, interpôs o recorrente recurso contencioso de anulação do referido acto administrativo na parte em que determinou a suspensão administrativa preventiva do cargo de notário privado, até à tomada de decisão final a ser proferida no referido processo disciplinar, tendo ainda declarado no seu requerimento de recurso que aceitava a decisão na parte referente à suspensão do processo disciplinar até à decisão final a proferir no referido processo judicial.
O recorrente domina a língua chinesa e a língua portuguesa.
O recorrente tem sido um dos notários privados que mais actos notariais praticou em Macau na última década.
A partir de determinada data, mas nunca antes de Dezembro de 2013, o recorrente perdeu parte dos seus clientes, nomeadamente tendo alguns seus clientes pedido serviços notariais junto de outros notários de Macau.
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Analisemos agora os fundamentos do recurso.
Do alegado vício de incompetência
Entende o recorrente que a entidade recorrida praticou o acto recorrido ao abrigo de competências disciplinares que pertenceriam, nos termos do artigo 19º do Estatuto dos Notários Privados, ao Chefe do Executivo.
No seu entender, o regime disciplinar do funcionalismo público concentra no Chefe do Executivo, não se admitindo desconcentração por via de uma delegação de competência.
Por outras palavras, entende que a competência para a aplicação das penas de suspensão, aposentação compulsiva e demissão, bem como da suspensão administrativa, previstas nos artigos 331º e 332º do ETAPM, são indelegáveis, por ser competência exclusiva do Chefe do Executivo.
Por outro lado, mesmo que assim não se entenda, invoca que havia falta de menção da delegação de competências tal como exigido pelo artigo 40º do Código do Procedimento Administrativo.
Nesses termos, conclui que o acto recorrido é anulável por estar ferido de vício de incompetência e vício de forma.
Vejamos.
Segundo a Lei Básica, o Governo da RAEM é o órgão executivo da Região, sendo o Chefe do Executivo o seu dirigente máximo (artigos 61º e 62º da Lei Básica).
Por outro lado, prevê-se ainda que o Governo da RAEM é constituído por Secretarias, Direcções, Departamentos e Divisões.
Sendo o Governo da RAEM um órgão executivo, e como é sabido, dirigido pelo Chefe do Executivo, a sua principal tarefa é gerir os diversos assuntos administrativos (artigo 64º, alínea 2) da Lei Básica), com excepção dos assuntos das relações externas e da defesa, cuja gerência é da competência do Governo Popular Central.
Dispõe o artigo 19º do Estatuto dos Notários Privados (Decreto-Lei nº 66/99/M) que “compete ao Governador instaurar procedimento disciplinar e aplicar as respectivas penas”.
Por sua vez, preceitua o artigo 322º do ETAPM, aplicável subsidiariamente, que “a aplicação das penas de suspensão, aposentação compulsiva e demissão é da competência do Governador”.
A nosso ver, não se vislumbra que essa competência do Chefe do Executivo é indelegável.
Refere-se no nº 1 do artigo 37º do Código do Procedimento Administrativo que “os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria”.
Por sua vez, é necessário que, no acto de delegação, o órgão delegante especifique os poderes que são delegados ou quais os actos que o delegado pode praticar (artigo 39º, nº 1 do CPA).
Nos termos do artigo 15º da Lei nº 2/1999, prevê-se que “O Chefe do Executivo exerce as competências previstas na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e noutras leis ou regulamentos administrativos.”
E dispõe o artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 6/1999 que:
“1. O Secretário para a Administração e Justiça exerce as competências nas seguintes áreas da governação:
1) Administração Pública;
2) Assuntos cívicos e municipais;
3) Tradução e divulgação jurídicas;
4) Assuntos legislativos e de administração de justiça;
5) Identificação Civil e Criminal;
6) Orientação e coordenação dos sistemas registral e notarial; (realçado nosso)
7) Produção do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau.
2. Para efeitos do número anterior, ficam na dependência hierárquica ou tutelar do Secretário para a Administração e Justiça, conforme aplicável, os serviços e entidades especificados no Anexo II ao presente regulamento administrativo, e que dele faz parte integrante.”
Através da publicação da Ordem Executiva nº 120/2009, com as alterações introduzidas pela Ordem Executiva nº 26/2011, foram delegadas na Secretária para a Administração e Justiça, mestre B, as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 6/1999.
Aqui chegados, sem necessidade de delongas considerações, podemos concluir que a Exm.ª Secretária para a Administração e Justiça é entidade competente para a prática do acto em crise.
No que respeita à alegada falta de menção da delegação de poderes, julgamos igualmente não assistir razão ao recorrente.
Pese embora dever constar, em princípio, do acto administrativo a menção da delegação de poderes, mas não deixa de ser verdade que, tendo o acto de delegação sido expresso na respectiva Ordem Executiva, a qual foi devidamente publicada no Boletim Oficial da RAEM, fica já dispensada a menção dessa delegação, conforme previsto no nº 3 do artigo 113º do CPA.
Nestes termos, improcedem as razões do recorrente quanto a esta parte.
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Da alegada falta de fundamentação
O recorrente entende que há falta de fundamentação do acto recorrido, no sentido de que a fundamentação de facto do acto recorrido é inexistente ou grosseiramente insuficiente, não se explicando minimamente quais são as circunstâncias que concretamente justificaram a decisão tomada.
Na opinião do recorrente, entende que como a decisão remete para os pontos 23 e 24 da proposta, estes foram os únicos pontos alvo de homologação pela entidade recorrida, e que passaram a integrar materialmente a decisão ora impugnada, que omitem qualquer factualidade relevante para fundamentar o acto recorrido, sendo que os restantes elementos constantes da proposta levada ao conhecimento superior não mereceram homologação, não integrando, no seu entender, o acto recorrido.
Entendemos, salvo o devido respeito por melhor opinião, não assistir razão ao recorrente.
Consagra-se nos termos do artigo 115º, 1 do CPA que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.
Não obstante a entidade recorrida ter concordado expressamente com as soluções sugeridas nos pontos 23 e 24 da proposta, mas não faz nenhum sentido concluir que a Exm.ª Secretária apenas concordava com esses dois pontos mas sem ter atendido aos demais fundamentos desenvolvidos na proposta que lhe foi apresentada pelos seus subalternos.
Como observa Diogo Freitas do Amaral1, “na interpretação do acto administrativo há que recorrer simultaneamente à lei e à vontade do autor do acto, para apurar o sentido da decisão tomada pela Administração”.
Em boa verdade, podemos verificar que na proposta submetida à apreciação da entidade recorrida foram invocados fundamentos de facto e de direito, nomeadamente os pontos 1 a 22 da proposta contêm a descrição das razões de facto e de direito com base nas quais se fundamenta a aplicação da medida de suspensão preventiva, enquanto os pontos 23 e 24 vêm propor, a final, as concretas soluções para o caso, e mais precisamente, a medida de suspensão preventiva das funções de notário privado e o decretamento da suspensão do processo disciplinar.
Daí que, para ser coerente, julgamos que a concordância da Exm.ª Secretária para a Administração e Justiça em relação aos pontos 23 e 24 da referida proposta não pode deixar de ser entendida como uma apropriação ou adopção de toda a factualidade e fundamentação que se concretizam nos restantes pontos (1 a 22) da proposta.
A nosso ver, não se vislumbram dúvidas quanto à vontade de apropriação pela autora do acto administrativo dos fundamentos contidos na proposta, porque ao aceitar as sugestões contidas nos pontos 23 e 24 da proposta, neles se encontram ínsitos os factos que fundamentam a proposta no seu todo.
Termos em que não se verifica a alegada falta de fundamentação do acto ora em crise.
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Da violação de lei; desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e violação do princípio da proporcionalidade
Dispõe o nº 1 do artigo 331º do ETAPM que “sob proposta do instrutor ou da entidade que mandou instaurar o processo disciplinar e mediante despacho do Governador, os funcionários e agentes arguidos em processo disciplinar por infracção punível com pena de suspensão de 241 dias a 1 ano, aposentação compulsiva ou demissão, podem ser preventivamente suspensos do exercício das suas funções, sem perda do vencimento de categoria, até decisão final do processo mas por prazo não superior a 90 dias, sempre que a sua presença se revele inconvenientemente para o serviço ou para o apuramento da verdade.”
Entende o recorrente que o acto recorrido é ilegal por violar o regime legal aplicável, na medida em que não estão preenchidos os requisitos legais e não existe uma urgência decisória.
No seu entender, a aplicação da suspensão preventiva só se justifica especialmente por razões relevantes de interesse público que se reportem à inconveniência para o serviço público ou para o apuramento da verdade em manter o funcionário ou agente arguido em funções.
Por parte da entidade recorrida, entende que a aplicação da medida tem por objectivo a protecção da honorabilidade de toda a classe de notários, públicos, privados e privativos, como a salvaguarda da instituição notarial e do prestígio da própria Administração, dado que os notários privados, quando no exercício das suas funções, estão sujeitos a um conjunto de deveres, típicos dos funcionários públicos em geral e dos notários públicos em particular, com excepção dos deveres de obediência.
Vejamos.
Em boa verdade, no que respeita à questão de saber se deve ser aplicada ao recorrente a medida de suspensão preventiva prevista no nº 1 do artigo 331º do ETAPM, somos a entender que está em causa o exercício de poderes discricionários pela Administração.
Isto é, a Administração age no domínio de poderes discricionários, o que lhe permite escolher de entre as várias soluções legalmente admissíveis aquela que, no seu entender, seja susceptível de contribuir para a satisfação do interesse geral.
Tal como se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo nº 238/2013, “No recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo.”
No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 29/2014, que no exercício da sua actividade, a Administração deve observar os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, sendo estes, pois, os limites internos do poder discricionário, factores que condicionam a própria escolha do decisor entre as várias atitudes possíveis.
Entre tais princípios, aquele que pode estar em causa no nosso caso será o da proporcionalidade.
Dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
No concernente à questão de violação do princípio da proporcionalidade, decidiu o Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 38/2012:
“De acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Como se sabe, nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.”
Em boa verdade, a medida cautelar de suspensão preventiva é por natureza uma medida provisória, que deve ser aplicada nas situações previstas no nº 1 do artigo 331º do ETAPM.
Como observa Paulo Veiga e Moura2, “a suspensão do trabalhador só pode ser decretada se a sua manutenção em funções se revelar inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade, pelo que só se pode recorrer a esta medida cautelar quando não houver outra alternativa para acautelar interesses ponderosos do serviço ou assegurar a descoberta da verdade material.”
Das duas uma, ou a presença do trabalhador no serviço se revele inconveniente para o serviço ou possa prejudicar o apuramento da verdade.
Daí que afirma o mesmo autor da obra que “a medida tem de ser, por isso, absolutamente necessária e adequada a acautelar tais interesses ou a evitar alterações que impeçam a descoberta daquela verdade, sendo ilícita sempre que não seja proporcional aos interesses envolvidos.”
In casu, coloca-se apenas a questão de saber se há inconveniência para o serviço e não para o apuramento da verdade da presença do recorrente em funções.
E a propósito da questão de intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração em virtude da violação do princípio da proporcionalidade, tem sido entendido que as decisões da Administração só são justiciáveis desde que violem de um modo intolerável aquele princípio.
Aliás, é que o está previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC, nela se refere ao “erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”.
No caso vertente, é fora dúvida que a suspensão preventiva do exercício de funções é susceptível de causar prejuízos ao recorrente, na medida em que pode insinuar um pré-juízo de censurabilidade que ainda não existe, pelo facto de ainda não ter transitado em julgado a decisão de condenação do recorrente no respectivo processo penal.
Por outro lado, não obstante não se ter provado as razões que levaram à perda de clientes, mas não deixa de ser verdade que os serviços notariais estão intimamente ligados aos próprios serviços de advocacia, daí que a aplicação da medida de suspensão preventiva pode vir a acarretar prejuízos ao recorrente, sobretudo em termos de imagem pública e reputação profissional, e consequentemente, causando-lhe prejuízos a nível da sua remuneração enquanto advogado.
Mas como notário, o recorrente tem o dever especial de obediência aos mais rigorosos princípios da legalidade, nomeadamente o dever de servir de exemplo de bom cumpridor de lei para defesa da credibilidade pública do serviço notarial.
Pois, não devemos esquecer que a função do notário é sobretudo dar forma legal e conferir fé pública e autenticidade aos actos jurídicos extrajudiciais, intervenção essa que abrange tanto os documentos particulares com reconhecimento notarial como os documentos autênticos, enquanto o crime de falsificação de documento que foi imputado ao recorrente é precisamente aquele tipo de crime contra a fé pública, que fere a autenticidade e soberania da Região.
Não devemos perder de vista que a medida agora tomada pela Administração tem por objectivo proteger a honorabilidade da classe de notários, públicos, privados e privativos, e salvaguardar o prestígio da instituição notarial e da própria Administração, em virtude da condenação do recorrente pela prática de um crime de falsificação de documento em primeira instância.
Segundo o disposto no nº 2 do artigo 331º e no nº 2 do artigo 328º, ambos do ETAPM, aplicável aos notários privados, pode ser decretada a suspensão do exercício de funções até decisão com trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal, neste caso o Tribunal de Segunda Instância.
Pelas razões apontadas acima, e ponderando os interesses conflituosos em causa, julgamos dever dar prevalência à satisfação do interesse público, no sentido de manutenção da dignidade e prestígio quer da profissão quer das respectivas instituições notariais e da Região, pelo que se conclui não ser o acto recorrido ora impugnado manifestamente desrazoável nem desproporcional.
Desta sorte, improcede o vício invocado, por não se verificar qualquer erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários por parte da entidade recorrida.
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Da falta de audiência do interessado
Alega ainda o recorrente que o acto administrativo ora em crise fere do vício de forma por falta de audiência prévia, na medida em que não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre a eventual aplicação da medida de suspensão preventiva das funções de notário privado.
Com todo o respeito por melhor opinião, julgamos não assistir razão ao recorrente.
É verdade que a audiência de interessados consiste numa formalidade importante no procedimento administrativo, encontrando-se a respectiva previsão legal plasmada no CPA, nomeadamente, no nº 1 do artigo 93º do Código onde se refere que “salvo o disposto nos artigos 96º e 97º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
Por sua vez, preceitua-se no artigo 10º do CPA que “os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código”.
Ora bem, o que se pretende com a audiência dos interessados é assegurar o direito do contraditório dos interessados, evitando a chamada decisão surpresa, e permitir os mesmos, no caso de se ter realizado alguma diligência instrutória, manifestarem os seus pontos de vista adquiridos no procedimento e, ao fim e ao cabo, permitir à Administração colher elementos necessários com vista a dar uma decisão acertada.
No vertente caso, verifica-se que o recorrente já teve oportunidade de se pronunciar no respectivo processo disciplinar sobre todas as questões de facto com base nos quais se fundamentou a aplicação da medida de suspensão preventiva, daí que entendemos ser desnecessária nova audiência do interessado, uma vez que esse seu direito foi devidamente assegurado, nos termos consentidos pelo artigo 97º, alínea a) do CPA.
Improcede, pois, o vício invocado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido impugnado.
Custas pelo recorrente, com 10 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 2 de Junho de 2016
Tong Hio Fong
Fui Presente Lai Kin Hong
Joaquim Teixeira de Sousa
João A.G. Gil de Oliveira
1 Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pág. 282
2 Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 231
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Recurso Contencioso 300/2014 Página 51