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Processo n.º 961/2015
(Recurso Cívil)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 2/Junho/2016


ASSUNTOS:

- Imitação de marcas; risco de confusão

    SUMÁRIO :

No conflito entre a marca que se pretende registar □ perante as marcas□ e □, estas últimas já anteriormente registadas, não obstante os pontos de contacto e as semelhanças existentes, se, da análise das mesmas, na esteira do anteriormente decidido, se conclui ainda no sentido de não haver risco de confusão, por, se relevarem as diferenças e o circunstancialismo do público conhecedor a que eventualmente se dirigem, a marca primeiramente registada, aliás, notoriamente conhecida, deixa de merecer protecção, sendo admissível o registo da marca pedida posteriormente.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 961/2015
(Recurso Civil)
Data : 2/Junho/2016

Recorrente : - A Se

Recorrida : - B

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. Inconformada com a douta sentença que confirmou o registo de uma determinada marca, conflituante com as suas, A SE, mais bem identificada nos autos, vem recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
    a) A Sentença proferida aplicou, em singelo entendimento, erroneamente, regras de direito, mormente no que concerne à aplicação e interpretação dos artigos 214°, n.º 1, b) e 215° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, pelo que as mesmas resultam violadas.
    b) A marca n.º N/…□ não reúne as condições legalmente exigidas para que possa merecer protecção, sendo que douta sentença viola vários dispositivos legais.
    c) Na verdade, não existem dúvidas de que os registos das marcas de Macau n.º … □, n.º… □ e n.º… □ são prioritários em relação à marca de Macau n.º N/… □ , como demonstram as datas dos pedidos de registo das marcas em confronto.
    d) Da comparação entre produtos que a Apelada pretende assinalar com a marca em causa na classe 18ª da Classificação Internacional de Nice, com os produtos assinalados pelas citadas marcas da Apelante na mesma classe, constata-se que uns e outros, são idênticos e afins.
    e) Os produtos assinalados pelas marcas em confronto têm a mesma finalidade e aplicabilidade, satisfazendo as mesmas necessidades dentro dos mesmos circuitos comerciais, dirigindo-se a um mesmo público consumidor, a confusão e erro do consumidor são uma realidade.
    f) A possibilidade de confusão entre marcas deve ser apreciada pela impressão do conjunto deixada pelas marcas quando examinadas sucessivamente, sem apurar as suas diferenças.
    g) Deve contudo atender-se ao elemento determinante e distintivo das marcas em questão, que in casu, é o elemento figurativo.
    h) O consumidor médio será facilmente levado a crer que as marcas em confronto têm a mesma origem empresarial.
    i) A parte desenhística (figurativa) da marca registanda é manifestamente idêntico ao das registadas, pois o que desperta a atenção ao consumidor dos produtos das marcas conflituantes é exactamente o "felino" a saltar.
    j) Na verdade, as figuras das marcas em confronto □ e □ são inegavelmente semelhantes, sendo compostas pela figura da silhueta de um felino a saltar, que é o único elemento figurativo das notoriamente conhecidas marcas da Apelante.
    k) O facto de nas publicações oficiais a figura do "felino a saltar" das marcas da Apelada estar representada orientada à esquerda não é de modo algum relevante, sendo um mero pormenor que dificilmente poderia ser tido como suficientemente diferenciador pelo consumidor padrão.
    1) As marcas da Apelante são marcas notórias em Macau, fazendo uso do disposto no art. 214 (1) (b) do RJPI,
    m) Decorre da comparação entre as marcas em oposição que existe inegável imitação das marcas prioritárias da Apelante, de cuja notoriedade a Apelada tenta claramente obter ilícita vantagem para si.
    n) Aliás, o pedido de marca n.º N/… □ foi claramente efectuado pela Apelada de má fé, sendo claramente evidente que existe intenção de fazer concorrência desleal, como resulta por exemplo do sítio na internet da Apelada.
    o) Mas mesmo que não se considerasse que havia intenção de fazer concorrência desleal, o que não se admite mas meramente à cautela se verte, bastava o facto de esta ser possível para que se impusesse uma decisão de recusa do pedido de marca, tal como dispõe o art. 9.º (1) (c) do RJPI. Ora no caso presente ficou demonstrado que existe forte possibilidade de ocorrer concorrência desleal, nomeada mas não exclusivamente através da diluição das marcas notórias da Apelante.
    p) Existem inegáveis semelhanças de relevo entre as marcas em apreço, sendo inquestionável que ambas as marcas se destinam a assinalar produtos idênticos e afins e que as marcas notórias da Apelante são prioritárias.
    q) O risco de confusão entre as marcas sub judice é igualmente aumentado pelo facto das marcas da Apelante gozarem de notoriedade.
    r) Encontram-se preenchidos os requisitos legais para que se considere que existe imitação de marca, nos termos dos artigos 214 e 215 do RJPI, pelo que se impõe a recusa da marca no. N/… na sua totalidade.
    Termos em que, Excelentíssimos Juízes, deve ser revogado a douta sentença recorrida, sendo recusado o registo da Marca n.º N/… □ com todas as demais legais consequências como é da mais inteira JUSTIÇA!
    
   2. B (B), ora recorrido, contra-alega, dizendo, em síntese:
No entendimento da autora, o réu imitou o design da marca registada a favor dela e induziu facilmente as pessoas em confusão. Quanto a isto, o réu revelou a sua discordância absoluta.
Antes de tudo, o réu explicou a ideia do design da sua marca, dizendo que a marca é composta por caracteres chineses “XX” e sua romanização “C”.
Seguem as seguintes figuras:

Que é o carácter chinês “X”.

Que é o carácter chinês “X”.
Os caracteres chineses “XX” estão montados duma forma como um leopardo a correr, sendo elementos constitutivos e novidade da marca.
O réu utilizou a romanização dos caracteres chineses “C” como o nome em língua estrangeira da sua marca.
Resumindo estas duas partes, é certo que a marca do réu é um novo design, não se verificando nenhuma imitação da ideia da reclamante na criação da figura e do nome estrangeiro da marca.
Só quando se compreender a ideia do design é que se pode concluir que o réu não fez a alegada imitação da imagem da marca da autora que está a correr em direcção à direita, enquanto a da sua marca está a correr em direcção à esquerda.
O consumidor em causa deve ser o consumidor médio, ou seja, nem o particularmente esclarecido, nem o ignorante ou o distraído”.
Ora, é necessário efectuar a comparação entre as duas marcas e, depois, entre os consumidores médios.


Desde logo, analisa-se as características distintivas das duas marcas: a marca “XX C” tem as seguintes características distintivas: na parte superior há uma figura montada por caracteres chineses “XX” que parece com um “leopardo” a correr, e na parte inferior encontra-se um conjunto de letras que formou a palavra “C”; a marca “A” tem as seguintes características distintivas: na parte superior há uma figura de um leopardo completamente preto que parece estar a saltar ou correr, e na parte inferior encontra-se um conjunto de letras que formou a palavra “A”.
Isto é, as duas marcas são igualmente compostas por uma figura de leopardo e um conjunto de letras.
Em primeiro lugar, vamos confrontar as figuras de leopardo das duas marcas:
I. A composição do corpo de “leopardo”: na marca “XXC”, o corpo de “leopardo” é montado por caracteres chineses “XX”, embora estes dois caracteres sejam pretos e brancos, no meio destes se revelam notoriamente as fendas brancas, sendo manifestamente distinto do leopardo puramente preto da marca “A”;
     II. O lugar de “leopardo” nas marcas: o “leopardo” da marca “XXC” está justamente na parte superior da palavra “C”, enquanto o “leopardo” da marca “A” está no canto superior direito da palavra “A”, sendo uma diferença facilmente percebida por um Homem médio;
     III. A direcção do salto de “leopardo”: o “leopardo” da marca “XXC” salta da esquerda para a direita, enquanto o “leopardo” da marca “A” salta da direita para a esquerda;
     IV. A proporção de “leopardo” nas marcas: neste aspecto, finda a confrontação, verifica-se que a proporção do “leopardo” na marca “XXC” é manifestamente maior do que a do “leopardo” na marca “A”;
Vamos comparar as figuras de palavra das duas marcas:
i. A proporção das letras: a proporção da palavra “C” na marca “XXC” é manifestamente menor do que a da palavra “A” na marca “A”;
     ii. Comparação das formas das letras: na marca “XXC”, a palavra “C” é formada por letras de forma irregular, tendo várias características, nomeadamente a palavra não é composta uniformemente por letras maiúsculas (com a excepção da letra “i” em minúscula, são todas letras maiúsculas), as letras são juntas (as letras G e B são pegadas entre si) e irregulares (a letra “A” tem a forma de um triângulo), enquanto a palavra “A” da marca “A” é composta por letras de forma mais regular em relação ao caso anterior, impressa em letra maiúscula e bold, sendo, neste aspecto, uma diferença consideravelmente notória.
Da análise acima exposta se vislumbra que existem, pelo menos, 6 diferenças notórias entre as duas marcas. Se se mostrar as duas marcas ao “consumidor médio” mencionado no ponto 18, segundo as regras de experiência e o senso comum, o consumidor consegue distingui-las sem necessidade de exame atento ou confronto referido na alínea c) do n.º 1 do art.º 215º do RJPI.
Ademais, nos termos do n.º 1 do art.º 159º do Código Comercial: “1. Considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes”. E, prevê-se no n.º 2 do mesmo artigo: “O risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática”.
Porém, indicou-se no ponto 18 desta resposta: Se se mostrar as duas marcas ao “consumidor médio” mencionado no ponto 18, segundo as regras de experiência e o senso comum, o consumidor consegue distingui-las sem necessidade de exame atento ou confronto referido na alínea c) do n.º 1 do art.º 215º do RJPI.
Assim sendo, este caso não reúne os pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 159º do Código Comercial, ou seja, não se verifica a existência da concorrência desleal.

Nestes termos, pugna pela manutenção do decidido.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
1. Em 30 de Janeiro de 2012, a contraparte B (B) apresentou à DSE da R.A.E.M. o pedido de registo da marca N/…□ para produtos/serviços de classe 18 (couro e imitação do couro; peles de animais; malas de viagem e malas de mão; chapéus-de-chuva e chapéus-de-sol; selaria).
2. O pedido de registo de marca supramencionado foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 31, II Série, de 1 de Agosto de 2012.
3. A entidade recorrida procedeu à busca do respectivo pedido.
4. Em 4 de Outubro de 2012, dentro do prazo legal, a ora recorrente A SE deduziu reclamação do pedido de registo de marca formulado pela contraparte, constante de fls. 6 a 12 do Processo Administrativo em anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Em 9 de Outubro de 2012, por meio do ofício n.º 61001/DPI, de 8 de Outubro de 2012, dirigido à contraparte, a entidade recorrida notificou-a da reclamação e para, querendo, contestar a reclamação, no prazo de 1 mês contado desde a recepção do ofício. Tal ofício foi devolvido à entidade recorrida em 15 de Novembro de 2012. O filho da contraparte recebeu, em nome da contraparte, o aludido ofício em 23 de Novembro de 2012.
6. O aviso da reclamação em apreço foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 45, II Série, de 7 de Novembro de 2012.
7. Em 14 de Dezembro de 2012, a contraparte apresentou contestação à entidade recorrida e, posteriormente, no prazo designado pela entidade recorrida, apresentou os documentos mencionados no ofício que foi enviado em 9 de Outubro de 2012 e devolvido à entidade recorrida por não ter sido recebido pela destinatária, com vista a ilidir a presunção da data da notificação e da recepção do ofício, porém, enfim, a contestação da contraparte não foi admitida pela entidade recorrida, por ser considerada extemporânea.
8. Tendo apreciado a marca a registar, o chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da entidade recorrida proferiu despacho em 8 de Fevereiro de 2013 que indeferiu a reclamação deduzida pela recorrente e autorizou o pedido de registo da marca N/…, constante de fls. 62 a 74 do Processo Administrativo em anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. O aludido despacho foi publicado no Boletim Oficial da R.A.E.M. n.º 10, II Série, de 6 de Março de 2013.
10. As marcas …□ e N/…□ registadas para produtos/serviços de classe 18, bem como a marca N/…□ registada para produtos/serviços de classe 28 são ainda válidas, cuja titular é a ora recorrente.
11. Em 5 de Novembro de 2004, foi concedida à contraparte a autorização do registo da marca N/… para produtos de classe 25 (vestuário, calçado e chapelaria), com o logótipo□.
12. A recorrente não tinha apresentado à DSE qualquer pedido de registo de nome de estabelecimento relativo ao modelo estrutural/figura das marcas □ e □.
    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Em primeiro lugar, deve verificar-se se a marca N/… □ do recorrido reúne ou não todos os requisitos de reprodução ou imitação das marcas … □ e N/… □ registadas a favor da recorrente, consagrados no n.º 1 do art.º 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, e, em consequência, recusa-se o pedido de registo da marca em causa ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do art.º 214º do mesmo Regime Jurídico;

- Em segundo lugar, deve verificar-se se o recorrido fez ou não concorrência desleal perante a recorrente e, em consequência, constitui o fundamento de recusa do pedido de registo de marca formulado pelo recorrido, mencionado na alínea c) do n.º 1 do art.º 9º do supracitado Regime Jurídico.

Previamente, importa esclarecer que teremos de partir da matéria de facto que vem fixada, por não impugnada, seja por erro de julgamento, seja por insuficiência da mesma. Na verdade, a parte recorrente, a todo o passo, se serve de factos que estarão na base da sua argumentação, como seja a notoriedade da marca, mas não obstante se conceda que a sua marca “A” é por demais conhecida, nomeadamente em artigos de desporto, esse é um facto que não podia deixar de ser dado como assente, não bastando a alegação da notoriedade. Mas tal constatação não impede a possibilidade do uso dos factos notórios nos termos em que a lei do Processo o permita, tal como decorre do art. 434.º do CPC.



2. Quanto à questão da existência ou não de reprodução ou imitação das marcas □ e □ pela marca □

2.1. No que concerne a questão da existência ou não de reprodução ou imitação das marcas □ e □ pela marca □, de facto, é a própria Direcção dos Serviços de Economia que, após uma análise rigorosa na Informação n.º 66/DPI/2013, aceita que as marcas …□ e N/…□registadas a favor da recorrente têm prioridade do registo em relação à marca N/…□ , já que o registo das primeiras marcas foi autorizado antes deste último registo, destinando-se todas essas marcas a produtos ou serviços da classe 18ª, reunindo-se, portanto, os 1º e 2º requisitos de reprodução ou imitação de marca, previstos no n.º 1 do art.º 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que prevê:
   “1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
   a) A marca registada tiver prioridade;
   b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
   c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
   2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas.”
Aquela Direcção não concordou que a marca □ do recorrido também preenchesse o 3º requisito de reprodução ou imitação de marca, estipulado no Regime Jurídico acima referido, nem se conformou com a recorrente, no sentido de que o consumidor médio só dá atenção à figura das marcas no seu todo e não se notam as diferenças entre elas, por isso, são irrelevantes o lugar e o ângulo em que se expõem a imagem e as letras da marca, tendo, portanto, as seguintes opiniões distintas:
No entendimento da DSE, para verificar a semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com a marca anteriormente registada, é necessário realizar uma análise comparativa entre as marcas e não apenas atender à impressão geral das figuras, caso contrário, uma pessoa basta conseguir o registo de marca com a figura dum determinado animal para obter exclusivamente o direito ao uso desse animal como a figura da marca e excluir os demais pedidos de registo de marca com a figura do mesmo animal.
Ainda de acordo com a interpretação dessa mesma Direcção, todos os titulares de marcas registadas não podem excluir os pedidos de registo de marca com a figura da mesma espécie de animal que tem a forma ou postura desigual, a não ser que a forma ou postura do animal seja completamente igual ou bastante semelhante à do animal da marca anteriormente registada.
Para corroborar a sua posição, afirma que há um número não reduzido de marcas registadas com uma figura de um “leopardo” e um conjunto de letras para produtos ou serviços de classes 18 e 25, nomeadamente a marca □registada a favor da Sociedade de Desenvolvimento de Vestuário D, Limitada (D服装发展有限公司), sob o n.º N/…, para produtos de classe 25; a marca □registada a favor da Sociedade E, Limitada (E有限公司), sob o n.º N/…, para produtos de classe 18; e a marca □ registada a favor de F Limited, sob o n.º N/…, para produtos de classe 25.

Esta posição foi acolhida no essencial pela douta sentença proferida.

2.2. O que dizer sobre isto e sobre as marcas em confronto:

Marcas registadas a favor da recorrente
Marca do recorrido
… (classe 18)

N/… (classe 18)

… (classe 18)




É evidente que que não são iguais e podemos assinalar as diferenças, tal como escalpelizado na alegação do recorrido.
Mas também podemos assinalar as semelhanças. Trata-se de um felino a saltar, em que a cor dominante é a mesma, posto o desenho do animal por cima de uma palavraque designa a respectiva espécie.
Não se releva muito o argumento do recorrido que pretende inserido na figura da sua marca um caracter alusivo ao animal em presença, na medida em que só por ampliação se poderá ter essa percepção, despercebida ao olhar do consumidor médio.
A dinâmica do desenho não deixa de ser o mais impressivo e de ter pontos em comum. Mas sobre isto, o que se verifica é que não deixa de haver ouras marcas em que a nota dominante é um animal, até um felino, numa postura dinâmica de salto ou corrida, como ressalta com bastante evidência da marca acima aludida □.
Sobre isto, se podemos dizer que essas marcas e expressões, mesmo sob o ponto de vista fonético, não são iguais, não deixa de ser menos óbvio que numa perspectiva comercial e do consumidor, tais expressões, enquanto marcas podem ser confundíveis, para mais quando se trate do mesmo tipo de actividade e de produtos comerciais. Importa, contudo, não esquecer que essas marcas se destinam a um grupo conhecedor desses artigos de desporto, sendo razoável supor que não se deixe enganar facilmente.

2.3. O argumento utilizado de que a marca registada a favor da recorrente é conhecida mundialmente – utilizado e reconhecido nas alegações da DSE –, retirando daí que a área de vendas dos seus produtos é global, incluindo os mercados de Hong Kong e Macau, e que os consumidores de Macau já conhecem bem os artigos de desporto da marca da recorrente, designadamente os fatos de treino e as sapatilhas, não deixa de ser um argumento reversível. É que não podemos ignorar que muitos dos consumidores são turistas vindos da China interior e que não estão familiarizados com os caracteres latinos, ficando apenas na retina a figura e a postura do movimento do felino.

2.4. Não será despiciendo relevar o facto de na China a entidade respectiva - Administração de Marca e Comissão de Avaliação da Administração Geral de Indústria e Comércio do Estado - ter considerado esse perigo de confusão, tal como resulta dos documentos que foram juntos aos autos, não obstante essa apreciação incidir apenas sobre a “figura de leopardo e já não à marca formada por “C” + “figura de leopardo”, importando registar, como assinala a entidade recorrida que na China não estava em causa a palavra romanizada inserida na marca, restando apenas a figura dos animais apostos em posições contrárias, um com o rabo para cima, outro com o rabo para baixi, um parecendo mais malhado do que o outro.

2.5. Na verdade, como se salientou em Ac. do STJ e aqui se cita em termos de Jurisprudência Comparada, a “imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas diferenças que poderiam resultar dos diversos pormenores considerados isolados e separadamente.”1

Também como já se assinalou, entre nós, no Ac. do TSI, de 22/3/2012, Proc. n.º 436/2011, na ” imitação à luz do critério subjectivo, a jurisprudência vem entendendo que ela deve ser apreciada pela semelhança que resulte do conjunto de elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolada ou separadamente. (…) O que releva num juízo comparativo é precisamente a semelhança que ressalta do conjunto de todos os elementos constitutivos da marca. É da globalidade da sua composição que se há-de aferir dessa semelhança ou dissemelhança (…) Se a esmagadora maioria dos clientes dos serviços em causa são chineses ou asiáticos, (…) daí decorre também, como muito evidente a confusão entre duas palavras escritas em línguas estranhas …”

Nesta mesma linha, o TUI, no Proc. 19/2015, afirma, “A imitação de uma marca por outra tanto existe quando, postas em confronto, elas se confundam, mas também, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento (…) A susceptibilidade de erro ou confusão quanto às marcas deve ser aferida em face do consumidor médio dos produtos ou serviços em causa, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto.”

2.6. Em relação ao argumento de que já têm sido aceites outros animais em marcas desportivas, duas notas: em primeiro lugar, cada caso é um caso, isto é, sempre teríamos de aferir as particularidades, vistas as semelhanças e dissemelhanças, devidamente contextualizadas de cada uma dessas situações; depois, o facto de se terem concedido outras marcas, supostamente idênticas à situação em análise, tal não significa que essa concessão tenha sido correcta, não havendo aqui lugar a precedent rule. Neste mesmo sentido vai o Ac. do do TUI, acima citado, ao dizer que “Na decisão sobre o risco de confusão entre marcas não releva o decidido pela DSE, em casos supostamente análogos, dado que os interessados não têm um direito à prevalência do erro ou ilegalidade anteriores.”

2.7. O mesmo vale para a concessão da mesma marca ao recorrido, ainda que para outra classe, o que não legitima que eventual atribuição indevida ou que a ponderação então feita pela Administração vincule o Tribunal, ainda que não se deixe de levar em conta o valor da segurança, da certeza e da estabilidade das decisões dos órgãos públicos no seu todo.

2.8. Por conseguinte, somos a concluir que nas compras dos produtos com logótipo da marca da recorrente, não obstante as semelhanças, somos ainda a valorizar as diferenças, seguindo, neste caso, o entendimento que já subscrevemos no Ac. deste TSI, de 29/1/2015, Proc. 362/2014, deste TSI, processo que ainda se encontra em recurso no TUI e onde estavam em causa exactamente as mesmas marcas que ora se confrontam. Face aos argumentos a favor das duas teses em confronto, ambas com as suas próprias virtualidades, não há razão para nos apartarmos agora da apreciação então feita nesse processo.


3. Quanto à questão da existência ou não de concorrência desleal feita pela marca □ perante as marcas □ e □

3.1. No que concerne à questão da existência ou não de concorrência desleal feita pela marca do recorrido perante as da recorrente, a análise acima exposta mostra que, em termos abstractos, deixa de se potenciar um risco de concorrência desleal, em face de uma notoriedade da marca da recorrente que não deixa aqui de poder ser relevada enquanto facto notório, perante a conclusão a que chegamos, no sentido de relevar as diferenças e de entendermos que o consumidor conhecedor não se deixará enganar.
Há, ainda, um outro aspecto que vem alegado e não deixaria de ser de somenos importância. Respeita ao facto do patrocínio e associação da marca “A” a grandes equipas de futebol e não é despiciendo anotar o que consta do site do recorrido, pretendendo fazer uma associação junto do consumidor a esses patrocínios e clubes.
Isto seria bem demonstrativo das reais intenções do recorrido, mas aí não podemos ir muito mais além, pela razão simples que a matéria que vem fixada é insuficiente para se poder dilucidar dessa intencionalidade com mais profundidade, nomeadamente em relação aos patrocínios da marca primeiramente registada e que ora reclama protecção.

3.2. A marca do recorrido e as da recorrente, não sendo iguais, não deixam de ser semelhantes, podendo induzir o consumidor em erro ou confusão ou não. Neste confronto entre essas marcas, pelas razões aduzidas, propendemos para a interpretação acolhida pela DSE e pela douta sentença recorrida.
Pelo facto de já em 5 de Novembro de 2004 ter sido concedida ao recorrido a autorização do registo da marca N/… para produtos de classe 25 (vestuário, calçado e chapelaria), com o mesmo logótipo □ , tal, por si só, não afasta, como se pretende, que haja ou deixe de haver uma intencionalidade presente em utilizar o prestígio de que gozam as marcas da recorrente para tirar partido indevido ou prejudicar os interesses da recorrente. Estaremos aí perante uma matéria neutra que não fará pesar a balança num ou noutro sentido.

   3.3. Marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida.2 Por vezes, a notoriedade assume tal dimensão que o produto que, por via da marca, se procura distinguir passa, genericamente, a ser designado por referência à marca, independentemente da sua origem ou produtor.

Embora perfeitamente delimitado o conceito, a sua concretização, por vezes, pode tornar-se vaga e indefinida. Não é fácil afirmar em que circunstâncias se está perante uma marca notória, na certeza de que essa notoriedade variará de acordo com a publicidade, a latitude, a implantação no mercado, o próprio universo dos destinatários.

3.4. No caso em apreço, teve-se o conceito por adquirido, sem que se haja procedido ao necessário preenchimento, a partir apenas da mera alegação da parte interessada, de que se trata de uma marca notória, internacionalmente reconhecida, não deixando a DSE de reconhecer essa característica na marca da recorrente.
No tecido normativo vigente na R.A.E.M. encontramos referência tutelar à marca notória no artigo 214º, nº 1, al. b) do RJPI que prescreve:

“O registo de marca é recusado quando: (...) b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;”

Daqui resulta que a marca, quando notória, constitui fundamento de oposição ao registo, formulado em nome da violação do direito da sã concorrência.
A notoriedade seria então aquilo que faria distinguir a protecção de uma marca, por via já não de uma mera oposição a outro registo e tal como aconteceria se se tratasse de uma mera marca de facto3, a proteger apenas em nome de uma concorrência desleal, mas por via directa, constituindo, por si, fundamento próprio do registo.
Trata-se de matéria que irreleva, porquanto, no caso, a pretensa marca notória - que não se deixa de ter como do conhecimento geral das pessoa ligadas ao desporto -, pertencente à recorrente, até tem prioridade registral.

3.5. Havendo risco de associação das duas marcas, pode haver concorrência desleal por parte da requerente da marca registanda, mas como vimos, não será essa a situação dos autos.
De qualquer modo, contudo, como está bem de ver, nem sequer haveria necessidade de enveredar por esse caminho, bastando, no caso, fazer funcionar a protecção decorrente do registo prévio da recorrente, não havendo elementos bastantes para concluir no sentido da existência de uma concorrência desleal, não obstante a notoriedade da marca, enquanto facto notório na situação em apreço.
Em suma, se da análise das marcas, concluímos no sentido de afastar o risco de confusão, por, não obstante, serem fortes os pontos de contacto e as semelhanças entre si, as diferenças não se deixarão de impor, pelo que, apesar de as marcas da recorrente terem sido primeiramente registadas, aliás, notoriamente conhecidas, não deve deixar de ser admitido ao registo o pedido posterior.
Na linha, aliás, do já anteriormente decidido, nesta Instância, para situações idênticas, do que foi decidido na 1ª Instância e do que foi decidido pela DSE.

Tudo visto, resta decidir, no sentido do não provimento do recurso.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
     Custas pela recorrente.
Macau, 2 de Junho de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho (vencido, porquanto entendo que entre as marcas em apreço há efectivo risco de confusão, sendo que a marca A, por ser notória e previamente registada, merece protecção, no sentido de impedir o registo da marca N/62834.)

1 - Ac. STJ, de 18/3/2003, Proc. n.º SJ200303180005451
2 - Carlos Olavo, in ob. cit., pág. 55
3 - Ferrer Correia, in ob. cit., pág. 338
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961/2015 24/24