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Processo nº 254/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam A, B, C, D e E, (1ª, 2°, 3°, 4° e 5°) arguidos com os r estantes sinais dos autos.

A final, decidiu o Tribunal:

–– condenar os (1ª e 2°) arguidos A e B, como co-autores materiais e em concurso real de 3 crimes de “burla”, p. e p. (respectivamente) pelo art. 211°, n.os 1, 3, e 4, al. a) do C.P.M., nas penas parcelares e individuais de 6 meses, 1 ano e 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, nas penas únicas de 2 anos de prisão;

–– condenar o (3°) arguido C, como co-autor de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão;

–– condenar o (4°) arguido D, como co-autor de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; e,

–– condenar o (5°) arguido E, como co-autor de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 3 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 1613 a 1633 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados recorreram os (1ª a 4°) arguidos A, B, C e D; (cfr., fls. 1726 a 1759, 1800 a 1805, 1806 a 1808-v e 1855 a 1876).

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Em Resposta e posterior Parecer, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento, devendo-se confirmar, na íntegra, a decisão recorrida; (cfr., fls. 1886 a 1909 e 2141 a 2146).

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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 1619-v a 1625-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem os (1ª a 4°) arguidos A, B, C e D recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.

Vejamos se tem razão, começando-se por identificar as questões pelos recorrentes colocadas e trazidas à apreciação deste T.S.I..

Entende a (1ª) arguida A que o Acórdão recorrido padece de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”.

O (2°) arguido B considera também que “excessiva” é a pena.

O (3°) arguido C, é (igualmente) de opinião que incorreu o Colectivo a quo no vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”, (considerando que se devia decidir por uma não punição ou suspensão da execução da sua pena).

O (4°) arguido D, diz que o Acórdão recorrido está inquinado com os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição.

Sendo – como se disse – estas as “questões” pelos arguidos ora recorrentes colocadas em sede das conclusões que formularam a final das suas motivações de recurso, e outras, de conhecimento oficioso não havendo, cabe dizer que – da reflexão que sobre as ditas questões nos foi possível efectuar – se terá que decidir pela improcedência dos recursos apresentados, mostrando-se de sufragar o entendimento pelo Ministério Público assumido, (que pugna pela confirmação do Acórdão recorrido) e que, em especial, no Parecer neste T.S.I. junto aos autos em sede de vista, rebate, com total clareza e acerto, as pretensões pelos ora recorrentes apresentadas, afigurando-se-nos assim de, aqui, e de seguida, o transcrever.

Tem o aludido Parecer o teor seguinte:

“Recorrem os arguidos A, B, C e D do acórdão condenatório de 22 de Janeiro de 2016, do tribunal colectivo do 3.° Juízo Criminal, que lhes impôs as seguintes penas: a cada um dos arguidos A e B a pena única de dois anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de seis meses, um ano e seis meses e um ano de prisão derivadas da co-autoria na prática, respectivamente, de um crime de burla simples, um crime de burla qualificada em razão do valor consideravelmente elevado e um crime de burla qualificada em razão do valor elevado; ao arguido C a pena de seis meses de prisão pela prática, em co-autoria, de um crime de burla simples; e ao arguido D a pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de dois anos, pelo cometimento, em co-autoria, de um crime de burla qualificada em razão do valor consideravelmente elevado.
Apontam ao acórdão recorrido os vícios que explicitam nas suas motivações de recurso, que foram objecto das pertinentes respostas do Ministério Público, em primeira instância, com as quais concordamos genericamente e que, por isso, acompanhamos, sem embargo de abordarmos mais especificamente algumas questões que nos suscitam mais atenção. Assim,
I. Recurso da arguida A:
A recorrente A, tal como sucedeu com um outro recorrente, instruiu o seu recurso com documentação variada, da qual se socorre para lançar críticas ao acórdão recorrido e reclamar uma decisão diversa do tribunal de recurso.
Dispõe o artigo 151.°, n.° 1, do Código do Processo Penal, que a documentação deve ser junta no decurso do inquérito ou da instrução e, se tal não for possível, deve ser junta até ao encerramento da audiência. Daqui decorre que a apresentação da prova documental deve ter lugar nas fases do inquérito e da instrução, apenas podendo ocorrer na audiência, até ao respectivo encerramento, se não tiver sido possível oferecê-la naquelas fases preliminares. O que bem se compreende, dada a obrigatoriedade de o tribunal formar a sua convicção com base nas provas produzidas ou examinadas em audiência. Encerrada a audiência e o contraditório, e proferida sentença com a respectiva fixação da matéria de facto, não há mais lugar à apresentação de provas. Donde a inviabilidade de oferecimento de nova prova documental com a motivação do recurso, aliás perfeitamente compaginável com a lógica do recurso ordinário no nosso sistema processual penal. O objecto do recurso é a decisão impugnada, e, para apreciar a sua bondade e justeza, o que importa é escrutiná-la à luz dos mesmos elementos probatórios que o tribunal recorrido tinha à sua disposição. Até nos casos limitados em que é admissível a renovação da prova, a instância de recurso vai lidar com os mesmos meios de prova que estiveram ao dispor do tribunal recorrido.
Mostra-se, em suma, legalmente inadmissível a apresentação de provas documentais nesta fase do processo, pelo que deve ser ordenado o desentranhamento dos documentos agora juntos com as alegações e a sua entrega ao apresentante.
Quanto à motivação propriamente dita, começou esta recorrente por invocar que o acórdão padece de erro notório na apreciação da prova.
A jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que o erro notório na apreciação da prova pressupõe que a partir de um facto se extraia uma conclusão inaceitável, que sejam preteridas regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou que se violem as regras da experiência ou as leges artis na apreciação da prova – cf., v.g., acórdão do Tribunal de Última Instância, de 4 de Março de 2015, exarado no Processo n.° 9/2015.
Nada disto sucedeu no acórdão em escrutínio. O que se passa é que a recorrente faz assentar o seu juízo acerca do erro notório na apreciação da prova sobre uma análise espartilhada da prova, respigando passagens soltas das declarações do arguido E, para questionar o valor de MOP $495,000.00 como sendo o custo real da terceira das obras realizadas no Edifício XXX pela respectiva Associação de Condóminos. Mas o certo é que o arguido E acabou por esclarecer, sem margem para dúvidas, que o valor real dessa obra, tal como estava descrita e delimitada na acusação, foi de MOP $495,000.00. Esclarecimento que foi obtido a instâncias do tribunal colectivo e que acabou por pôr termo a certa confusão que se estava a gerar com a tentativa de englobamento de despesas com obras posteriores àquelas que estavam delimitadas na acusação.
Portanto, não se detecta o invocado erro notório na apreciação da prova, ou outro vício em matéria probatória, que justifiquem nomeadamente a requerida renovação da prova.
Depois, em matéria de direito, aborda, desde logo, a questão da incriminação relativa ao crime de burla substanciado na ajuda financeira obtida do IH para a terceira obra. Diz que, bem feitas as contas, a conclusão a extrair é a de que o valor indevidamente obtido do IH, para apoio financeiro desta terceira obra, se fica pelas MOP $18,388.50, integrando o caso uma mera burla simples. Esta alegação está ligada ao invocado erro notório na apreciação da prova, por causa do valor real da terceira obra, e sairia supostamente confirmada com a requerida renovação da prova.
Porém, a recorrente não tem razão. E, mais que isso, está a persistir na postura que teve ante o tribunal do julgamento, que em nada a favoreceu. Como bem nota o Exm.° colega na sua resposta, a recorrente intenta, uma vez mais, confundir e desvirtuar os factos, procurando englobar no mesmo saco obras que foram efectuadas nos timings delimitados na acusação – e para as quais foi requerido e obtido apoio financeiro do IH, sendo essas obviamente as relevantes para o ilícito – com obras posteriores, feitas sabe-se lá com que fito …
Alude, seguidamente à determinação da pena, cuja medida considera excessiva, alvitrando que lhe devem ser aplicadas as penas parcelares de três meses, um ano e seis meses, respectivamente pela prática dos ilícitos relativos à primeira, segunda e terceira obras, mediante atenuação especial e levando em conta as condições pessoais da recorrente e a culpa diminuta da sua actuação.
Também aqui não lhe assiste razão. As penas parcelares aplicadas à recorrente tiveram em conta a atenuação especial resultante das disposições conjugadas dos artigos 221.° e 201.° do Código Penal (reparação), e certo é que não se divisa circunstância diversa que possa cumular-se com aquela sem ofensa da norma do artigo 66.°, n.° 3, do referido diploma. Por outro lado, conforme bem resulta da fundamentação do acórdão, foram valoradas e explicitadas todas as circunstâncias cuja consideração havia que levar em conta adentro dos parâmetros dos artigos 40.° e 65.° do Código Penal, e tendo em conta o que ficou provado em sede de matéria de facto, nomeadamente quanto a condições pessoais e situação económica, bem como à culpa, que o tribunal entendeu, e bem, não sair grandemente reduzida pela explicação apresentada, segundo a qual a actuação ilícita tivera em vista beneficiar pequenos proprietários.
As penas situam-se no patamar inferior da moldura legal, nenhuma objecção merecendo, atenta a gravidade dos ilícitos e a sua censurabilidade, a intensidade do dolo e as finalidades de prevenção positiva que, em matéria de desvio de dinheiros públicos – é também isto que está em causa –, são prementes. A recorrente não cometeu um crime leve qualquer. Cometeu três crimes de burla, num período de cerca de três anos, recorrendo à elaboração de orçamentos falsos, com valores de reparação altamente empolados, para, em benefício próprio e de outros condóminos, e mediante o correspectivo prejuízo do IH, lograr obter financiamento de obras a fundo perdido, em montantes que, de forma lícita, não conseguiria. Estamos perante uma actuação astuciosa, elaborada, repetida, intensamente dolosa e altamente censurável.
Por outro lado, constata-se que foram respeitadas as regras do artigo 71.° do Código Penal, na elaboração do cúmulo jurídico, nenhuma crítica merecendo também, neste particular, o acórdão recorrido.
Resta abordar a questão da suspensão da execução da pena, que a recorrente também levantou na sua motivação.
O artigo 48.° do Código Penal postula que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Trata-se de um poder-dever, que alguns autores denominam de discricionariedade vinculada, sujeito à verificação dos requisitos formal e material previstos na norma.
No caso, está preenchido o requisito formal e, numa primeira abordagem, seríamos levados a pensar que, sendo a arguida primária, nada obstaria a que se optasse pela suspensão da execução da pena. Todavia, não é assim. Como o tribunal de julgamento ponderou, face a todos os dados adquiridos no processo e com a prestimosa visão da realidade das coisas que é proporcionada pela imediação, a arguida recorrente não está em condições, tal como os demais arguidos mentores dos ilícitos, de beneficiar da suspensão da execução da pena. A recorrente não admitiu os factos delituosos, apesar da evidência das provas, ou, se chegou a admiti-los, não foi honesta na confissão, como refere o acórdão, procurando sempre refugiar-se no alegado desconhecimento em matéria de obras, quando o cerne da questão era obviamente a elaboração de orçamentos e facturas fraudulentos; tentou atirar as responsabilidades para os co-arguidos B e C; e, como já referimos supra, está de alguma forma a persistir, em sede de recurso, na postura que evidenciou perante o tribunal do julgamento, ao tentar, uma vez mais, confundir e desvirtuar os factos, procurando englobar no mesmo saco obras que foram efectuadas nos timings delimitados na acusação – e para as quais foi requerido e obtido apoio financeiro do IH, sendo essas obviamente as relevantes para o ilícito – com obras posteriores, feitas sabe-se lá com que fito …
Somos, assim, a concluir, tal como o acórdão recorrido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que nos leva a propender para a inviabilidade da suspensão da execução da pena.
II. Recurso do arguido B:
Instruiu também este recorrente o seu recurso com os vários documentos que fez juntar com a sua motivação, dos quais se socorre para justificar a alteração, em via de recurso, do julgado de 1.ª instância.
São aqui inteiramente aplicáveis os argumentos e considerações que tecemos a propósito de idêntica postura processual por parte da arguida A, que, por isso, se dão por integralmente reproduzidos.
Há, pois, que concluir pela inadmissibilidade legal da apresentação de provas documentais nesta fase do processo, pelo que deve ser ordenado o desentranhamento dos documentos agora juntos com as alegações e a sua entrega ao apresentante.
Em matéria de motivação, insurge-se o recorrente contra a pena que lhe foi imposta, considerando-a excessiva, e aduzindo que não há razões de prevenção especial ou geral que impeçam ou desaconselhem a suspensão da sua execução.
A propósito da alegada excessividade da pena, cabe, antes de mais, reafirmar o que, nesse campo, dissemos quanto ao recurso de A. Procedem aqui inteiramente as razões anteriormente esgrimidas para refutar aquela suposta excessividade. Apenas sendo de acrescentar que novos argumentos agora trazidos à colação pelo recorrente, porque sustentados em documentos que não podem ser atendidos, nem sequer devem ser apreciados.
 E, quanto à suspensão da execução da pena, valem aqui também, mutatis mutandis, as achegas tecidas a propósito de idêntico assunto versado no recurso de A, mostrando-se improcedente, também neste aspecto, a motivação.
III. Recurso de C:
Este recorrente centra a sua motivação de recurso na circunstância de haver sido o autor da denúncia da actividade delituosa, perante o CCAC, facto reconhecido em julgamento por uma testemunha de tal organismo. E, a partir desse facto, que diz ter sido totalmente omitido pelo acórdão, constrói o seu ataque à decisão. Assim, refere que a desconsideração desse facto e da colaboração que deu à investigação representa erro notório na apreciação da prova – cuja renovação solicita ao tribunal de recurso –, o que obstou a que não fosse isento de pena ou condenado em pena suspensa na sua execução.
Vejamos.
Da leitura do acórdão recorrido não resulta a omissão que o recorrente lhe imputa. A certo passo do exame crítico das provas, e por reporte ao depoimento de F, pode ler-se que a descoberta deste caso foi devido à denúncia apresentada por C, mas ele apenas denunciou os actos dos outros. E, mais à frente, em sede de determinação da pena, diz o acórdão: o papel desempenhado pela primeira arguida e pelos segundo e terceiro arguidos é idêntico, eles foram actores principais, os quarto e quinto arguidos desempenharam papel secundário em relação aos outros três arguidos; embora a primeira arguida e o segundo e terceiro arguidos pretendiam beneficiar os “pequenos proprietários” do edifício, mas esta conduta não pode reduzir a culpa desses três arguidos; se bem que a descoberta dos factos imputados nos autos foram denunciados pelo terceiro arguido, mas a denúncia do terceiro arguido trata de factos praticados pela primeira arguida e pelo segundo arguido, ele não denunciou os factos praticados por si próprio, portanto não permite reduzir a sua culpa, nem possui circunstâncias de atenuação da pena.
Está à vista que o acórdão não omitiu o contributo do recorrente C no desencadear da investigação e até ponderou a sua eventual apetência para a redução da culpa e repercussão na pena, acabando por não lhe atribuir valor de relevo, justamente pela explicação que avança, que é aliás uma explicação plausível e razoável à luz do senso comum.
Posto isto, haverá que pôr de lado qualquer hipótese de erro na apreciação da prova, o que, a par da improcedência do suscitado vício, acarreta a inviabilidade de renovação da prova, por inobservância dos necessários requisitos exigidos no artigo 415.° do Código do Processo Penal.
Não padece o acórdão, por outro lado, de qualquer erro de julgamento por violação do artigo 7.°, n.° 1, da Lei Orgânica do Comissariado contra a Corrupção. Este normativo prevê, na parte que importa analisar, a possibilidade de dispensa de pena relativamente a crimes de corrupção. Não estamos nesse âmbito, como bem salientou o Ministério Público na 1.ª instância, não havendo, pois, fundamento para defender a aplicação da norma na situação vertente, em que estão em causa crimes de burla.
Resta aludir à questão da suspensão da execução da pena. Não se detectam, aqui, diferenças fácticas assinaláveis que imponham solução diversa daquela que aceitámos relativamente aos arguidos A e B.
 O acórdão explicou, de forma clara, proficiente e convincente – e chamando à colação as personalidades evidenciadas por estes três arguidos e a manifesta falta de credibilidade das suas versões –, as razões por que optava por não lhes suspender a execução das penas. Essas razões apresentam-se válidas e põem em xeque o necessário juízo de prognose social favorável. É o bastante para excluir a suspensão da execução da pena, nada havendo a censurar a esta opção do tribunal.
IV. Recurso do arguido D:
Pretende este recorrente que o acórdão condenatório padece de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova. Para tanto considera, em suma, que não foram devidamente atendidas as declarações da primeira arguida, A, e as próprias declarações do recorrente, prestadas em audiência. Segundo o teor destas declarações, suas e de A, deveria ter sido absolvido, diz.
Parte o arguido obviamente de uma visão deturpada daquilo que é a prova e da forma como ela se manifesta e concorre para a dilucidação das questões de facto. Não pode o recorrente escolher cirurgicamente as partes dos depoimentos que lhe interessam, por o favorecerem, e “deitar fora” as restantes, por não lhe convirem. Como o recorrente bem sabe, os arguidos não estão obrigados a depor com verdade. E que o tribunal não acreditou em tudo o que os arguidos disseram resulta exuberantemente da análise crítica das provas. Portanto, não deve o recorrente tomar a nuvem por Juno e vir clamar pela sua absolvição, respaldando-se precisamente em declarações que o tribunal recorrido apodou de não credíveis.
No fundo, está o recorrente a protagonizar, perante o tribunal de recurso, postura idêntica à da primeira arguida, sobre a qual já tivemos ensejo de nos debruçar, dando aqui por reproduzidos os considerandos que então tecemos.
Improcede manifestamente o argumentário do recorrente.
Ante quanto fica exposto, não há censura ou reparo a dirigir ao acórdão recorrido, evidenciando-se os recursos improcedentes, pelo que deve ser-lhes negado provimento”.

E, em face do exposto, que se mostra de subscrever e dar como reproduzido para efeitos da decisão a proferir, visto está que os recursos terão que improceder, (pouco havendo a acrescentar).

Não se deixa porém de consignar o que segue.

–– Quanto aos “documentos juntos com os recursos”.

Pois bem, juntam os arguidos A e B, os documentos de fls. 1760 a 1799 e 1809 a 1833.

Ora, para além do que sobre a questão se deixou consignado no transcrito Parecer, cabe notar que os referidos documentos, (independentemente do demais), são apenas “documentos particulares”, (alguns, meras fotocópias), e que, como se apresenta óbvio, não podem ser tidos em conta em sede recursória para se apreciar da correcção da “decisão da matéria de facto” prolatada, nomeadamente, para a sua “alteração”, ou inclusão de “novos factos”.

Com efeito, (e para além do demais), a “matéria de facto” é julgada em audiência – que teve lugar no T.J.B. – sendo esta a sede própria para a produção de prova e sua discussão.

Dito isto, continuemos.

–– Constatando-se que pelos recorrentes vem colocadas questões sobre a “decisão da matéria de facto” assim como sobre a “adequação da pena”, passemos para já para aquelas.

Pois bem, para os arguidos A e C e D, padece o Acórdão recorrido do vício de “erro notório na apreciação da prova”, entendendo também este último recorrente que o veredicto em questão está ainda inquinado com o vício de “contradição insanável da fundamentação”.

E, como se deixou adiantado, evidente é que os assacados vícios não existem.

Vejamos.

O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido entendido e definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 10.03.2016, Proc. n.° 95/2016 e de 28.04.2016, Proc. n.° 239/2016).

E, sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento, não vislumbramos no Acórdão recorrido qualquer “incompatibilidade”, (muito menos, “insanável”), pois que a decisão recorrida apresenta-se-nos clara, lógica, coerente e precisa na sua fundamentação e decisão.

No que tange ao imputado “erro”, a mesma se nos apresenta a solução.

Com efeito, de forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 1053/2015, de 25.02.2016, Proc. n.° 94/2016 e de 03.03.2016, Proc. n.° 82/2016).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015 e de 25.02.2016, Proc. n.° 87/2016).

E, sendo este o sentido e alcance do vício em questão, à vista está a sua inexistência, limitando-se os recorrentes a controverter pontos da matéria de facto, insistindo e tentando impor uma determinada (outra) versão que não foi a colhida pelo Tribunal a quo em sede de audiência de julgamento efectuada ao abrigo dos princípios do contraditório, oralidade e imediação, nenhum motivo existindo para que, agora, em sede do presente recurso, venha a merecer a nossa concordância.

De facto, a decisão proferida tem (evidente) apoio na prova produzida, (aliás, como o Colectivo a quo não deixou de deixar explicitado em sede de fundamentação), prova esta que foi apreciada de acordo com o “princípio da livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., e sem (a mais pequena) violação de qualquer regras sobre o valor das provas tarifadas e legais, regras de experiência ou legis artis, ociosas se nos apresentando assim outras considerações sobre a questão.

–– Quantos às “penas”.

Como se deixou relatado, o T.J.B. decidiu:
- condenar os (1ª e 2°) arguidos A e B, como co-autores materiais e em concurso real de 3 crimes de “burla”, p. e p. (respectivamente) pelo art. 211°, n.os 1, 3, e 4, al. a) do C.P.M., nas penas parcelares e individuais de 6 meses, 1 ano e 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, nas penas únicas de 2 anos de prisão;
- condenar o (3°) arguido C, como co-autor de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão; e,
- condenar o (4°) arguido D, como co-autor de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos.

Comecemos pelos arguidos A e B.

Pois bem, nos termos do art. 211° do C.P.M.:

“1. Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. Se o prejuízo patrimonial resultante da burla for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
4. A pena é a de prisão de 2 a 10 anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
b) O agente fizer da burla modo de vida; ou
c) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica”.

Dúvidas não havendo que os arguidos cometeram, em concurso real, 3 crimes de “burla”, punidos, respectivamente, pelos nos 1°, 3° e 4° do art. 211°, (em virtude dos montantes envolvidos) e, atentas as respectivas molduras penais, motivos se vislumbram para qualquer redução das penas (parcelares) fixadas.

Desde já, não se pode olvidar que o Tribunal a quo chegou às penas parcelares em questão – 6 meses, 1 ano e 1 ano e 6 meses – dado que accionou o art. 201° do C.P.M., viabilizando uma “atenuação especial da(s) pena(s)” em virtude da devolução por parte dos arguidos das quantias que obtiveram com os crimes cometidos; (cfr., fls. 1085, 1570 e 1571).

Porém, e não obstante tal reparação do prejuízo causado com os crimes há que ter em conta que a conduta dos arguidos revela um dolo directo e (muito) intenso, tendo agido de forma elaborada e repetida, (falsificando documentos), de forma astuciosa, aproveitando-se das funções que exerciam (de presidente e vice-presidente da associação de condóminos), e em comparticipação – em conluio – com os outros 3 arguidos, e causando um prejuízo total superior ao dobro do “valor considerávelmente elevado”, (mais de MOP$350.000,00).

Para além disto, e não obstante a “devolução voluntária” das quantias que obtiveram, o certo é que, em audiência, (e como se nota no Acórdão recorrido), não confessaram os factos.

Ora, se tal “atitude processual” corresponde (certamente) ao legítimo exercício de um direito que aos mesmos assiste em toda a sua plenitude, e, pelo qual, não podem os arguidos ser prejudicados, não se deixará (igualmente) de dizer que aquela torna necessáriamente difícil (ou mesmo inviável) uma “consideração favorável” em relação à sua personalidade para efeitos de uma pretendida redução das penas.

Por sua vez, atento os critérios para a determinação da medida (concreta) da pena previstos nos art°s 40° e 65° do C.P.M., em causa estando condutas que, em síntese, consistiram na simulação e falsificação de custos de obras – aumentando-os – para efeitos de obtenção de subsídios públicos, evidentes são as fortes necessidades de “prevenção criminal” que, aliada à (demonstrada) culpa grave dos arguidos, impede a pretendida redução das penas parcelaras.

Em sede de cúmulo jurídico, e atenta a moldura em questão, (de 1 ano e 6 meses a 3 anos de prisão), manifesta é a observância do estatuído no art. 71° do C.P.M., (apresentando-se-nos mesmo a pena em questão benevolente), motivos inexistindo assim para a considerar excessiva ou inflaccionada.

No que toca à pretendida suspensão da execução da pena, cremos que também aqui improcede o recurso.

Como temos vindo a entender:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
   E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.02.2016, Proc. n.° 94/2016, de 03.03.2016, Proc. n.° 78/2016 e de 12.05.2016, Proc. n.° 305/2016).

O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.05.2015, Proc. n.° 324/2015 e de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015).

No caso, como se referiu, face à factualidade dada como provada, à “atitude processual” dos arguidos, e à personalidade que demonstram ter, inviável é um juízo de “prognose favorável” que, por sua vez aliada às fortes necessidades de prevenção criminal, impedem uma suspensão da execução da pena.

Improcedem, assim, os recursos dos arguidos A e B.

*

Quanto ao arguido C, vejamos.

Diz o mesmo que devia beneficiar de uma dispensa de pena ou suspensão da sua execução.

Como se viu, (e de forma clara se demonstra no transcrito Parecer do Ministério Público), no que toca à pretendida “dispensa”, labora o ora recorrente em manifesto equívoco.

É verdade que o presente processo teve início com uma queixa pelo recorrente apresentada.

Porém, como bem se consignou no Acórdão recorrido, a dita “queixa” não foi, (digamos que) “integral”, tendo o recorrente omitido matéria relevante, e em relação à qual se veio a provar estar envolvido.

E nesta conformidade, evidente se apresenta que não pode beneficiar da pretendida “dispensa de pena”.

Quanto à “suspensão”, cremos que a mesma se apresenta possível.

Com efeito, em causa está uma pena de 6 meses de prisão, aplicada pela prática de 1 (só) crime de “burla (simples)”, que originou um prejuízo inferior a MOP$30.000,00.

E, assim, ponderando também que o desfecho do presente processo não deixou de beneficiar do “impulso inicial” (queixa) do ora recorrente admite-se a requerida suspensão da execução da pena, fixando-se o período em 3 anos, e condicionando-se a mesma ao pagamento pelo arguido de MOP$30.000,00 à R.A.E.M. no prazo de 30 dias.

*

Por fim, quanto ao arguido D, pouco há a dizer.

A pretendida “absolvição” era consequência directa e necessária dos vícios da decisão da matéria de facto que o recorrente imputava ao Acórdão recorrido, e que, como se viu, não existem, sendo, no restante, de dar como reproduzido o que se expôs em relação a mesma questão colocada pelos recorrentes A e B.

Tudo visto resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, acordam negar provimento aos recursos dos arguidos A, B e D, concedendo-se parcial provimento ao recurso do arguido C.

Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs para cada um dos arguidos A e D, e 3 UCs para os arguidos B e C.

Registe e notifique.

Macau, aos 16 de Junho de 2016

José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 254/2016 Pág. 34

Proc. 254/2016 Pág. 1