Processo nº 423/2016
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 16/Junho/2016
Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Caducidade da autorização de residência na RAEM
SUMÁRIO
- São três os requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na verificação de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto, e dois negativos no sentido de que a concessão da suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e que do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
- O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pela requerente.
- A privação de rendimentos da requerente pode traduzir-se em prejuízo de difícil reparação desde que gere uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
- Não logrando demonstrar a irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, o pedido da suspensão de eficácia do acto deve ser indeferido.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 423/2016
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 16/Junho/2016
Requerente:
- A
Entidade requerida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, do sexo feminino, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong, melhor identificada nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho do Exmº. Secretário para a Segurança, de 11.3.2016, que declarou a caducidade da autorização de residência da requerente.
Invocou que o acto em causa lhe causa prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão e que não há fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Citada a entidade requerida para querendo contestar, defendeu o indeferimento do pedido.
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O Digno Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“De acordo com o teor do documento de fls. 7 dos autos, o despacho suspendendo traduz em declarar, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 23º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a caducidade da autorização de residência concedida à Requerente, em virtude de esta não ter pedido a renovação da dita autorização dentro do prazo consagrado neste n.º 3.
Sem prejuízo do elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, duas ordens de razão aconselha-nos a entender que não merece provimento o pedido de suspensão de eficácia da Requerente.
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Da interpretação no art. 120º do CPAC pode-se retirar a conclusão de ser insusceptível de suspensão de eficácia qualquer acto de conteúdo meramente negativo, acto cuja essência e característica mais salientes consistem em não operar nenhuma alteração da statu quo.
Quanto à ratio subjacente desta inibição, subscrevemos a douta tese de que uma decisão judicial de suspender a eficácia dum acto deste tipo não traz efeito útil a requerente, e implica necessariamente a imposição na Administração uma conduta positiva e, deste modo, representa a ofensa do princípio de separação de poderes e a usurpação do poder administrativo pelo tribunal. (José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2ª ed., p. 278)
No que respeite a acto administrativo de declaração de caducidade ou nulidade (de acto anterior), proclama a brilhante doutrina (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, p. 741): As declarações de caducidade e de nulidade não se confundem com a revogação. Ao contrário deste, que é um acto inovador, e que, por isso, produz alterações no mundo jurídico, …, aquelas declarações não são inovativas, limitam-se a enunciar o conhecimento duma situação já verificada: do decurso do tempo (ou verificação duma condição resolutiva) ou da não produção inicial de quaisquer efeitos.
Em esteira do ensinamento doutrinal supra citada, podemos extrair a regra geral de que para efeitos de suspensão de eficácia, na medida de não operar alteração no mundo jurídico, um acto declarativo de nulidade ou caducidade se equivale a acto com conteúdo meramente negativo, não podendo, à luz do art. 120º do CPAC, ser objecto de suspensão de eficácia.
No que concerne ao despacho suspendendo, importa referir que o n.º 3 do art. 23º do citado Regulamento Administrativo prevê peremptoriamente que a falta do requerimento para renovação dentro do prazo do n.º 1, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
Sendo assim, inclinamos a opinar que o despacho em causa não é passível de suspensão de eficácia.
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Sem prejuízo do que ficou exposto supra, e por cautela, vejamos se se preencherem in casu os três requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, tomando como ponto de partida que no actual ordenamento jurídico de Macau, forma jurisprudência pacífica e constante que são, em regra, cumulativos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa dos três requisitos que são independentes entre si. (Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009)
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009, Acórdãos do TSI nos Processos n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º 1106, do TUI nos Processos n.º 33/2009 e n.º 16/2014, do TSI no Processo n.º 266/2012/A)
E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI no Processo n.º 17/2011/A e n.º 265/2015/A)
De outro lado, o Venerando TUI vem constantemente sedimentando a seguinte prudente orientação jurisprudencial (arestos nos Processos n.º 6/2001, n.º 37/2013 e n.º 177/2014): Trata-se de prejuízo de difícil reparação o consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares.
Em sede de fundamentar o prejuízo de difícil reparação, encontra-se, no Regulamento, apenas alegação abstracta de «19. 沒有澳門身份證及宣告居留失效,司法上訴人將要面對離開澳門、離開丈夫及孩子、令家庭破碎、無法在本澳工作,失去工作亦會令一家人的經濟陷入困境。» Nada mais.
Ora bem, a recorrente não demonstrou, de todo em todo lado do seu Requerimento, que não houvesse outrem adequado para tomar conta dos dois filhos menores do seu marido, nem explicou convincentemente porque é que as mães biológicas desses menores não pudessem fazê-lo.
Não se descortina prova virtuosa de fazer convencer que o salário auferido pela Requerente em Macau é imprescindível para sustento dos familiares. Como bem apontou no art. 20º da contestação, tendo em conta a sua actual idade, não parece crível que a Requerente não possa arranjar qualquer emprego em Hong Kong ou outro sítio.
Tudo isto imbui-nos a impressão de a Requerente não conseguir comprovar que a imediata execução do acto suspendendo lhe provoque inevitavelmente o prejuízo de difícil reparação. Quer isto dizer que, a nosso ver, não se preenche in casu o requisito consignado na alínea a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
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Pelo expendido acima propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.”
Cumpre decidir.
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Por despacho do Exmº. Secretário para a Segurança, de 11.3.2016, foi declarada a caducidade da autorização de residência da requerente, com fundamento de a mesma não ter requerido a renovação do prazo da autorização de residência, após o decurso do prazo de 180 dias sobre o prazo de validade inicial.
A requerente é titular do Bilhete de Identidade de Residente da RAEHK, tendo começado a trabalhar em Macau desde 2007.
Em 2010, casou com o seu actual marido, sendo este residente da RAEM.
Em consequência, foi-lhe emitido em 29.9.2010, pela primeira vez, o Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM.
O seu BIRM foi apreendido pelas autoridades policiais em 15.5.2016.
A requerente vive em Macau com o seu marido e os três filhos deste último.
Tanto a requerente como o seu marido têm profissão em Macau.
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A prova dos factos resulta dos documentos juntos ao presente processo, sobretudo despachos proferidos pelas autoridades administrativas, cópias das certidões de nascimento e de casamento, etc.
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O caso
A requerente é titular do Bilhete de Identidade Não Permanente da RAEM.
À requerente foi notificada do despacho do Exmº. Secretário para a Segurança, nos termos do qual foi declarada a caducidade da sua autorização de residência na RAEM.
Pede agora a requerente a suspensão de eficácia do referido acto administrativo.
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Acto de conteúdo positivo ou negativo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode causar efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste na declaração de caducidade da autorização de residência da requerente.
E diz o nº 3 do artigo 23º do Regulamento Administrativo que “a falta do requerimento para renovação dentro do prazo do nº 1, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente” ― realçado nosso.
De acordo com essa disposição legal, não se vislumbra que o decurso do prazo sem que a requerente tenha pedido a renovação implica necessariamente a caducidade da sua autorização de residência.
Melhor dizendo, para que tal caducidade possa operar automaticamente, é necessário que não haja alegação por parte do visado de algum motivo de força maior devidamente comprovado no respectivo procedimento administrativo.
Dito de outra forma, só quando não foi invocada justificação pelo interessado na renovação é que a caducidade pode operar por si mesma, sem necessidade da externação da vontade de entidade recorrida.
Daí que, salvo o devido respeito por opinião contrária, só neste caso é que podemos dizer que se trata de um acto não inovador, cuja eficácia do acto não é susceptível de ser suspensa por consubstanciar um acto de conteúdo negativo.
Pelo contrário, se a requerente tivesse invocado no próprio procedimento administrativo alguma justificação da falta de apresentação de requerimento para renovação da autorização, mas por qualquer razão não foi aceite pela Administração e, em consequência disso, foi declarada a caducidade da autorização de residência, afigura-se-nos que neste caso, o acto da Administração deixaria de ser meramente declarativo, e passando a ter natureza constitutiva, na medida em que não se limitava a reconhecer a existência de uma situação objectiva ope legis (decurso do prazo), mas também foram apreciados outros factores, tal como a existência ou não de motivo de força maior.
Nessa circunstância, entendemos que o acto administrativo que declara a caducidade da autorização de residência da requerente já consubstancia um acto inovador, com conteúdo positivo, cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
No caso vertente, por não se saber se foi invocado pela requerente algum motivo de força maior, por uma questão de cautela, passaremos a conhecer os requisitos da providência.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Em boa verdade, para poder ser suspensa a eficácia de um acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados ao processo.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Comecemos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor oportunamente em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Em segundo lugar, no tocante ao requisito da inexistência de grave lesão de interesse público decorrente da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso), temos que dizer que consiste num requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público nele envolvido. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.2
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, não cremos que a suspensão de execução do acto praticado pelo Exmº. Secretário para a Segurança possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, razão pela qual entendemos estar verificado este requisito negativo.
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Por último, compete à requerente alegar e demonstrar o último requisito que é o de existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente causar à requerente ou para os interesses que esta defenda ou venha a defender no recurso (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.3
Também entende a jurisprudência da RAEM que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas por cada requerente.
É o que se decidiu no Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, alega a requerente que a execução imediata do acto administrativo implica a impossibilidade de ela continuar a trabalhar e permanecer em Macau, onde tem actualmente o seu centro de vida estável, sendo, assim, de grande consequência para a vida pessoal, profissional e financeira da requerente.
Mais precisamente, defende que a declaração de caducidade da autorização de residência na RAEM terá como consequência necessária a perda do seu emprego, privando a mesma e a sua família de meios de subsistência.
Mais alega a requerente que, tendo fixado o seu núcleo de vida familiar na RAEM, não tem possibilidade de residir noutro local fora da RAEM.
Vejamos.
No tocante à questão de privação de rendimentos em virtude de eventual perda do emprego, o Venerando TUI já teve oportunidade de se pronunciar, no Processo nº 6/2001, que “se trata de prejuízo de difícil reparação o consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.
Salvo o devido respeito por melhor entendimento, somos da opinião de que os factos alegados pela requerente não são suficientes para dar por verificado o requisito em questão.
Em primeiro lugar, diz a requerente que a execução imediata do acto a colocará em situação de desemprego, fazendo com que a própria e a família terão que enfrentar grandes dificuldades financeiras.
É verdade que, com a caducidade da autorização de residência da requerente, esta fica impedida de continuar a trabalhar na RAEM, mas a requerente não logrou demonstrar que desse eventual desemprego resultará a impossibilidade de sustento.
De facto, não sabemos se a requerente ou a própria família em que ela está integrada, para além dos rendimentos provenientes do exercício da sua actividade profissional, terá também outras fontes de rendimentos ou poupanças, e se as tiver, a perda de rendimentos profissionais pode não afectar a requerente ou a família em termos absolutos.
Por outro lado, não logrou a mesma alegar e muito menos justificar por que razão não irá conseguir outro emprego fora da RAEM, por exemplo em Hong Kong, considerando ser ela titular do BIR dessa Região, por forma a obter meios de subsistência.
Também alega a requerente que, tendo fixado o seu núcleo de vida familiar na RAEM, não tem possibilidade de residir noutro local fora da RAEM.
Em nossa opinião, não se vislumbra por que razão terá a requerente que deter necessariamente o seu Bilhete de Identidade da RAEM e manter o seu status quo.
Sem embargo de melhor opinião, o que acontece é que, a partir de agora, a requerente deixa de possuir o BIR da RAEM, portanto, apenas está impedida de continuar a trabalhar em Macau, mas continua a poder entrar e permanecer na Região, caso assim entenda, com vista a visitar e cuidar dos filhos do seu marido, de acordo com os termos previstos na respectiva legislação sobre entrada e permanência de residência.
Em boa verdade, se o recurso contencioso a interpor não mantiver e anular o acto administrativo, a requerente poderá arranjar novo emprego na RAEM, ou ser contratada de novo pela entidade patronal se esta aceitar, bem como voltar a obter o seu BIRM.
Nesta conformidade, por não se ter logrado a prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, outra solução não resta senão indeferir o pedido da requerente.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pela requerente A.
Custas pela requerente, com 4 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 16 de Junho de 2016
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Lai Kin Hong
(com declaração de voto)
Processo nº 423/2016
Declaração de voto de vencido
Vencido por entender que in casu estamos perante um acto puramente negativo sem vertente positiva, portanto insusceptível de suspensão, na esteira do exposto por mim na declaração de voto de vencido que juntei nomeadamente aos Acórdãos tirados nos Processos nºs 815/2011 e 619/2012/A, em 22MAR2012 e 19JUL2012 respectivamente.
RAEM, 16JUN2016
O juiz adjunto,
Lai Kin Hong
1 Diogo Freitas do Amaral, Lições de Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, pág. 155
2 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág. 299
3 Obra citada, pág. 294
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Suspensão de Eficácia nº 423/2016 Página 21