Proc. nº 349/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Junho de 2016
Descritores:
-Acidente de trabalho
-Participação ao tribunal do acidente
-Direito de acção
-Caducidade
SUMÁRIO:
I. A participação de acidente de trabalho ao tribunal marca o início da instância processual (art. 47º, nº1, do CPT) e caracteriza o momento em que o direito pode ser exercido, nos termos do disposto no art. 323º, n.2, “fine” do CC.
II. O momento para o apuramento da caducidade não é o da apresentação da petição inicial da acção na fase contenciosa, a que se refere o art. 57º, nº2, do CPT, mas sim o da apresentação da participação do acidente ao tribunal, com a qual se abre a fase conciliatória do processo.
III. Assim, se a participação vier a ser formalmente apresentada dentro dos dois anos contados da data da cura clínica do sinistrado (ou, se do evento resultar a morte, da data em que esta se verificar) ou antes mesmo dessa cura, diz-se que se verifica aí um facto impeditivo da caducidade (art. 323º do CC).
IV. Se a participação não for apresentada em tempo pelas entidades obrigadas a fazê-lo, nem pelas pessoas que facultativamente o possam fazer (o próprio sinistrado, por exemplo) – sendo certo que é no interesse deste que também o faça, por ser o interessado e beneficiário directo da indemnização devida – não funciona aí nenhum factor de impedimento da caducidade.
Proc. nº 349/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, do sexo masculino, portador do salvo-conduto para deslocações a Hong Kong e Macau n.º Wxxxxxxxx e do bilhete de identidade de residente da RPC n.º yyyyyyyyyyyyyyyyyX, residente na RPC, na província de Guangdong, Cidade de xx, Rua xxxxxx, n.º x, sala xxx, representado oficiosamente pelo Ministério Público instaurou no TJB (Proc. nº LB1-12-0193-LAE) acção para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, contra: ---
“B. S.A.”, com sede em Macau, na Avenida da xxx, n.xxxx, Edifício de xxx de Macau, xx º andar, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º xxxx(SO), ---
Pedindo a condenação desta no pagamento de indemnização por incapacidade temporária por si sofrida em resultado de acidente de trabalho no valor de Mop$ 16.071,11, bem como por incapacidade parcial permanente no valor de Mop$ 504.000,00, bem como juros legais.
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Pelo despacho saneador datado de 10/03/2016 foi declarada a excepção de caducidade, absolvendo a ré dos pedidos.
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É contra essa decisão que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o autor formula as seguintes conclusões:
«A. A decisão recorrida violou o art.º 59.º, n.º 1, al. a) do supracitado D.L. n.º 40/95/M, os art.ºs 5.º, n.º 1, 47.º, n.º l, 57.º e 60.º, n.4 do Código de Processo do Trabalho.
B. Nos termos do art.º 47.º, n.º l do Código de Processo do Trabalho, os processos emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional, iniciam-se pela respectiva participação feita junto do tribunal e têm isso por base.
C. Em conjugação dos art.ºs 52.º, 53.º, 54.º, 56.º, 57.º e 67.º do Código de Processo do Trabalho, os processos especiais destinados à efectivação dos direitos resultantes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais incluem duas fases processuais sendo a primeira fase conciliatória e a segunda fase contenciosa.
D. A fase conciliatória é uma fase processual essencial na qual cabe ao Ministério Público dirigir incluindo a eventual investigação complementar, exame médico e realização de tentativa de conciliação, e só existe eventualmente a fase contenciosa quando ambas as partes não cheguem a acordo na conferência de conciliação, tendo deduzido a petição inicial ou requerido a realização de exame por junta médica.
E. Contudo, de qualquer maneira, tal processo especial inicia-se pela participação prevista no D.L.. n.º 40/95/M, ou seja a acção é considerada proposta na data em que se faz a participação ao tribunal competente, sendo isso diferente do disposto no art.º 211.º, n.º l do Código do Processo Civil.
F. Estipula-se expressamente no art.º 57.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, nesse processo especial de trabalho, a petição inicial só serve do ponto de partida para entrar noutra fase contenciosa, mas não é o início de todo o processo.
G. Nos termos do 60.º, n.º l do mesmo código: “Quando, finda a fase conciliatória, o processo deva prosseguir (...) ”, bem como o n.º 4 do mesmo artigo: “Findo o prazo referido no n.º 1, ou a sua prorrogação nos termos do n.º 2, sem que tenha sido apresentada a petição ou o requerimento, o processo é concluso ao juiz, que considera suspensa a instância (...).”. Portanto, segundo as disposições legais acima indicadas, sem dúvida, o processo corre continuamente, ou seja, finda a fase conciliatória, o processo sempre se encontra pendente, a fase contenciosa não é um outro processo independente ou novo, quer dizer, não resulta da propositura de petição inicial ou do requerimento de exame de junta médica, o início duma outra acção.
H. Segundo a estrutura e a disposição de todo o processo acima indicado, as quais mostram claramente que, tanto a fase conciliatória, como a fase contenciosa, são partes integrantes de todo o processo, até que a fase conciliatória é uma fase indispensável, mas ao contrário, a fase contenciosa só existe eventualmente não se podendo considerar que não exista o processo sem fase contenciosa.
I. De acordo com as disposições legais acima indicadas, no dia 28 de Novembro de 2012, o Tribunal a quo já foi notificado do acidente de trabalho em causa pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, pelo que, nesse dia o processo do presente caso já foi iniciado e instaurado.
J. Segundo se estipula expressamente nos art.ºs 20.º, 21.º e 22.º do D.L.. n.º 40/95/M, bem como no art.º 7.º, n.º 3, al. (3) da «Orgânica e Funcionamento da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais», do Regulamento Administrativo n.º 24/2004, é diferente do processo civil em geral, a acção relativa a acidente de trabalho e doença profissional não foi proposta apenas pelo próprio titular, mas sim ao contrário, para as eventuais entidades responsáveis tais como entidades patronais, seguradoras e autoridades administrativas, também ficam responsáveis pela propositura da respectiva acção.
K. Pelo que, face ao direito de indemnização indisponível garantido por trás do referido processo especial, independentemente de instauração ou de prosseguimento do processo, que não se baseia em princípio “por conta da própria parte” ou meramente “à disposição da parte”, tal como se estipula no art.º 5.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, os processos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais devem correr oficiosamente, servindo isso como princípio de orientação.
L. É de salientar que, se a referida acção não for proposta antes de interposição da petição inicial, tal como alegada pelo acto recorrido, então é difícil entender em que título se baseou a realização de uma séria de medidas na fase conciliatória anterior, também é difícil entender qual o sentido do despacho proferido anteriormente pelo Tribunal a quo que determinou a suspensão e interrupção do processo.
M. Tanto o D.L.. n.º 40/95/M como o Código de Processo do Trabalho, neles não se estipula que, após a proposição da acção, exista qualquer causa ou motivo para a nova contagem do prazo de caducidade.
N. Partindo do direito comparado, a jurisprudência e doutrina de Portugal têm vindo a entender que é considerada como data da proposição de acção a data em que se faz a participação ao tribunal do caso do acidente de trabalho ou de doença profissional, constituindo ainda uma causa impeditiva da caducidade.
O. No D.L. n.º 40/95/M não se estipula que o processo emergente de acidente de trabalho ou de doença profissional só possa ser proposto no momento de cura clínica do sinistrado.
P. Pelo contrário, estipula-se expressamente nos art.ºs 20.º, 21.º e 22.º do mesmo decreto-lei que devem as entidades responsáveis ou autoridade administrativa participar ao tribunal o caso de acidentes de trabalho ou de doença profissional num tempo mais curto. Quer dizer, mesmo que as lesões sofridas pelo sinistrado não estejam curadas clinicamente, isso totalmente não obsta a participação ao tribunal de tal modo a propor o processo relativo ao acidente de trabalho ou de doença profissional.
Q. A cura clínica prevista no art.º 59.º, n.º l, al. a) só serve para contar o prazo do direito de acção, mas não é uma condição essencial para a propositura de acção.
R. Pelo que, caso as lesões sofridas pelo sinistrado já se encontrem curadas clinicamente, antes de ter sido proposto o processo emergente de acidente de trabalho ou de doença profissional, só assim faz sentido a existência do prazo de caducidade previsto no referido dispositivo, mas ao contrário, caso as lesões sofridas pelo sinistrado ainda não estão curadas clinicamente e já foi feita participação ao tribunal, quer dizer, dado que já foi proposto o respectivo processo e existe, já não é necessário considerar a caducidade do direito de acção.
S. Por fim, é de salientar que, nos termos do art.º 60.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho, o legislador já previu a situação de recolha de elementos, estipulando a suspensão do processo, se o Ministério Público não consegue apresentar petição inicial dentro do prazo previsto no mesmo artigo, mas isso não obsta o novo prosseguimento do processo por ter sido apresentada a petição inicial.
Pelo acima exposto, requer-se a V. Ex.ªs que julguem procedente a motivação do recurso, revogando a decisão recorrida, fazendo assim JUSTIÇA».
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Em resposta ao recurso, a Seguradora apresentou a sua peça alegatória que conclui com a seguinte síntese:
«I - O Autor A veio recorrer do douto Acórdão proferido nos vertentes autos, que absolveu a ora Recorrida dos pedidos formulados de pagamento de MOP$16,071.11 a título de Incapacidade Temporária Absoluta e MOP$504,000.00 a título de Incapacidade Permanente Parcial, por entender que o direito à acção previsto no nº 1 do artigo 59º do Decreto-Lei 40/95/M não havia caducado.
II - Entendeu o douto Tribunal a quo, e bem, de que o direito à acção respeitante às prestações previstas por acidente de trabalho, caduca no prazo de 2 anos a contar da data da cura clínica do sinistrado.
III - Ora, a cura clínica do sinistrado, de acordo com o previsto na lei, deu-se em 11 de Abril de 2013, sendo que de acordo com o artigo 59º nº1 do Decreto-Lei 40/95/M, o direito à acção deveria ter sido exercido pelo sinistrado até ao limite de 2 anos após essa data, mas o mesmo não o foi.
IV - Entre a data da cura clínica indicada no relatório médico supra referido e o exercício do direito à acção exercido pelo sinistrado, distam quase 3 anos.
V - Contrariamente ao que alega o sinistrado nas suas motivações de recurso, este exercício à acção mencionado no artigo 59º nº 1 do Decreto-Lei 40/95/M, não se cumpre com a simples participação do acidente, mas com a apresentação em juízo da Petição Inicial, a qual foi apresentada completamente fora de tempo.
VI - Seria deveras injusto, se após a cura clínica do sinistrado, este pudesse apresentar o seu pedido depois de decorrido um período tão largo quanto o exercido pelo sinistrado, sendo irrazoável que sobre o ora Réu recaísse essa enorme eminência de ver contra si instaurada uma acção judicial, perpetuando-se tal eminência no tempo.
VII - Podendo dela dispor livremente o sinistrado.
VIII - O ora sinistrado teve já ao seu dispor um prazo bem razoável para exercer o seu direito à acção conferido pelo Código de Processo do Trabalho e se não o fez dentro do prazo que lhe é legalmente conferido, foi porque não o quis fazer ou negligenciou tal obrigação.
IX - Não devendo ser o ora Réu penalizado por tal falta de vontade ou negligência.
X - A decisão proferido pelo Tribunal a quo merece a total concordância da ora Ré,
XI - Uma vez que se limitou a aplicar as normas vigentes em Macau e aplicáveis ao caso concreto.
XII - O sinistrado, limita-se a invocar jurisprudência dos Tribunais Portugueses, parecendo olvidar que ao caso concreto de aplicam as normas vigentes em Macau e as decisões dos Tribunais da RAEM e a norma contida no artigo 59º nº 1 do Decreto-Lei 40/95/M é bastante clara.
XIII. Se o legislador quisesse que o referido prazo de caducidade se contasse até à participação do acidente, teria deixado isso bem patente na letra da lei.
XIV - No entanto, o que está vertido no artigo 59º nº 1 do Decreto-Lei 40/95/M é o direito à acção, ou seja, o direito a apresentar em juízo a petição inicial demandando o pagamento dos prejuízos decorrentes do acidente de trabalho.
XV - NÃO resultando qualquer dúvida de que o prazo para que o direito à acção seja exercido, caduca no prazo de dois anos a contar da cura clínica, o que se verificou, com toda a certeza, no caso concreto.
XVI - Devendo ser proferida douta decisão pelo Venerando Juiz Relator, nos termos do disposto nos arts. 619º, nº 1 alínea g), e 621º, nº 2 do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi art. 115º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, mantendo na íntegra o douto Acórdão em crise, e julgando-se improcedentes todos os pedidos formulados pelo Recorrente, deles se absolvendo a Recorrida.
Assim se fazendo JUSTIÇA»
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
O despacho em crise deu por assente a seguinte factualidade:
- O autor sofreu o acidente de trabalho no dia 15 de Dezembro de 2011 (vd. fls. 106 a 107 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);
- O presente Tribunal foi notificado do supracitado acidente de trabalho no dia 28 de Dezembro de 2012 (vd. fls. 2 e 3 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);
- No dia 11 de Abril de 2013, foi realizado ao autor o exame médico tendo o mesmo sido avaliado com a incapacidade temporária absoluta de 271 dias (desde 16/12/2011 até 11/9/2012) e 30% da incapacidade parcial permanente (vd. fls. 65 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);
- No dia 21 de Novembro de 20l3, realizou-se a tentativa de conciliação, não tendo na altura ambas as partes chegado a acordo (vd. fls. 90 a 91 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);
- No dia 19 de Janeiro de 2015, o Tribunal, ao abrigo dos arts. 1º do CPT e 227º do CPC, declarou a interrupção da instância dos autos (vd. fls. 99 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);
- No dia 11 de Janeiro de 2016, o autor apresentou junto do presente Tribunal a petição inicial da acção efectiva dos direitos resultantes de acidente de trabalho (vd. fls. 106 a 107 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos).
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III – O Direito
1 – A única questão que urge apreciar prende-se com a verificação, ou não, dos requisitos para a caducidade do direito de acção, que a decisão recorrida decretou, mas contra a qual o recorrente ora se insurge.
Vejamos o teor da decisão recorrida:
“Apreciados os dados constantes dos autos, o presente Tribunal verificou que podia constituir a caducidade o direito exercido pelo autor à acção de condenação de reparação resultante de acidente de trabalho.
Nos termos do art.º 325.º do. Código Civil e art.ºs 65.º e 34.º, n.º l do Código de Processo do Trabalho, bem como art.ºs 415.º e 429.º, n.º l, al. b) do Código de Processo Civil, embora a ré não tenha deduzido excepção peremptória quanto à supracitada caducidade da acção, isto não obsta ao conhecimento desta questão a proceder oficiosamente pelo Tribunal.
O D.L. n.º 40/95/M dispõe no seu art.º 59.º, n.º 1, al. a) que “o direito de acção respeitante às prestações previstas neste diploma caduca no prazo de dois anos a contar das seguintes datas: a) Tratando-se de acidente de trabalho, da data da cura clínica do sinistrado ou, em caso de morte, da data em que esta ocorreu; ...”
E nos termos do art.º 12.º do mesmo decreto-lei, “para efeitos do presente diploma, considera-se que há cura clínica quando as lesões ou a doença desapareceram totalmente ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com adequada terapêutica.” A cura clínica ocorre em qualquer uma das situações seguintes: 1) As lesões ou a doença sofridas pelo sinistrado desapareceram totalmente; 2) Mesmo que não estejam desaparecidas, as lesões ou a doença apresentam-se como insusceptíveis de modificação com adequada terapêutica, o que significa que o sinistrado sofre de incapacidade permanente, e uma vez confirmada tal incapacidade, pode-se confirmar que as lesões ou a doença por si sofridas se apresentam como insusceptíveis de modificação com adequada terapêutica.
Quer dizer, a fim de confirmar se o sinistrado é considerado curado clinicamente, em primeiro lugar, há que confirmar se o mesmo sofre de incapacidade permanente. E caso não se possa confirmar tal incapacidade permanente do sinistrado, o que significa que não se pode confirmar que mesmo que lhe seja aplicada uma adequada terapêutica, as lesões ou a doença por si sofridas não apresentam-se susceptíveis de modificação.
Por isso, nos termos do art.º 37.º, n.º 2 do D.L. n.º 40/95/M, “2. No final do tratamento, o médico assistente deve preencher um boletim de alta, declarando nele a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade, permanente ou temporária, que afecta o sinistrado, bem como as razões justificativas das suas conclusões.” Em geral, quando o médico assistente termine o tratamento do sinistrado, a data em que ele emite o boletim de alta é considerada a data de cura clínica do sinistrado.
Contudo, perante a falta do boletim de alta, nos termos do art.º 52.º, n.º 4 do Código de Processo do Trabalho, “4. No auto de exame médico, o perito deve indicar o resultado da sua observação e do interrogatório do sinistrado ou doente e, em face destes e dos demais elementos que constem do processo, considera a lesão ou doença, a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização correspondente, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer e diagnóstico após a obtenção do resultado dos exames clínicos, laboratoriais, radiológicos ou outros, que sejam requeridos”. Dado que constam também do Resultado de Exame Médico emitido para o caso de acidente de trabalho ou doença profissional, a avaliação da incapacidade permanente do sinistrado, o qual deve possuir as funções equivalentes ao boletim de alta, de modo a que deve ser considerada a data de cura clínica na data em que foi emitido o resultado de exame médico. (…)
Dado que já decorreram dois anos, desde a data em que foi emitido o resultado de exame médico (data de cura clínica) até a interposição da petição inicial, também não existem a interrupção ou interrupção da caducidade ou matéria que obste a caducidade, perante esse pressuposto, salvo o devido respeito por interpretações diferentes, entendemos que, nos termos do art.º 59.º, n.º 1, al. a) do D.L. n.º 40/95/M, devido à caducidade, já se encontra extinto o direito invocado pelo autor à acção de declaração de prestação específica e de indemnização por incapacidade.
Igualmente, também devido à extinção do direito à acção quanto ao direito principal, extingue-se também o direito de acção aos respectivos Juros.
Pelo acima exposto, o presente Tribunal julga procedente a excepção peremptória de caducidade, absolvendo a ré de todos os pedidos formulados pelo autor”.
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2 – À primeira vista, a decisão transcrita está desenhada com aparente lógica jurídica. E se outro argumento não pudesse ser invocado, até se diria, numa perfunctória análise, que o direito de acção a que se refere o art. 59º do DL nº 40/95/M arranca de uma marca petitória e pretensiva que recai sobre o interessado acidentado ou os familiares da vítima falecida (isto no caso da alínea a)).
Não é, porém, assim.
Vejamos o que reza o artigo:
Artigo 59.º
(Caducidade e prescrição)
1. O direito de acção respeitante às prestações previstas neste diploma caduca no prazo de dois anos a contar das seguintes datas:
a) Tratando-se de acidente de trabalho, da data da cura clínica do sinistrado ou, em caso de morte, da data em que esta ocorreu;
b) Tratando-se de doença profissional, da data da comunicação à vítima do diagnóstico definitivo e inequívoco da doença ou da data da morte desta, quando não tenha havido comunicação da doença ou esta tenha sido efectuada durante o ano anterior ao falecimento.
2. O direito às prestações estabelecidas por decisão judicial prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que esta transitar em julgado.
3. O prazo da prescrição inicia-se com o conhecimento pessoal, por parte dos beneficiários, da fixação das prestações.
4. A acção executiva interrompe o prazo da prescrição.
Como se pode ver a partir da alínea a), o direito de acção respeitante às prestações fixadas no diploma caduca no prazo de dois anos, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultar a morte, da data em que esta tiver ocorrido.
Não podemos, porém, esquecer que sobre o sinistrado, seus familiares, entidades patronais e seguradoras, entre outras entidades, há faculdades e deveres que é preciso observar.
Assim, por exemplo, o sinistrado e seus familiares devem participar o acidente ao empregador ou à pessoa que na direcção de trabalho o represente (art. 18º, nº1, DL nº 40/95/M), embora também possam participar directamente o acidente ao tribunal (art. 23º, cit. dip.).
No que respeita ao empregador que tenha transferido a sua responsabilidade para uma seguradora, a participação deve ser feita a esta entidade (art. 19º), mas se não tiver essa responsabilidade transferida, a participação deve ser feita por si directamente ao tribunal (art. 20º, nº1, cit. dip.).
Igual dever de participação ao tribunal recai sobre a seguradora (art. 21º)
Ora bem. Sendo certo que nos processos destinados à efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho ou doenças profissionais, nas situações de participação ao tribunal, a instância se inicia com o recebimento dessa peça (cfr. art. 47º, nº1, CPT), não é menos verdade que esse início dá lugar à abertura de um processo judicial estruturado em duas fases possíveis: a conciliatória, presidida pelo Ministério Público e, se for caso disso, a contenciosa, que corre nos autos em que se processou a fase conciliatória (art. 57º, nº2, do CPT).
Portanto, quando não for possível obter acordo entre as pessoas e entidades envolvidas, o processo prossegue para a fase contenciosa, que é desencadeada com a apresentação:
a) Da petição inicial - em que o sinistrado, os beneficiários ou o MP, em representação daquele - expõem os fundamentos do pedido;
b) Ou do requerimento de realização de junta médica quando a discordância subsistir apenas quanto à questão da incapacidade (artigo 57º, nº2 e 71º do CPT).
Acresce que a fase contenciosa corre nos autos em que se processou a fase conciliatória (artigo 117º, n.º 2).
Temos, assim, que a participação marca o início da instância processual (Ac. STJ, de 30/11/1994, Proc. nº 004166).
De tal modo assim é que, uma vez que essa participação seja tempestiva, fica assegurado o direito de acção.
“É, assim, patente que a falta de cumprimento do dever de participar o acidente ao tribunal, por parte de uma entidade empregadora ou seguradora ou do director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional, nos casos em que esse dever de comunicação é obrigatório, pode determinar que se venha a verificar a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo de um ano [2 anos, na RAEM, face ao art. 59º citado] a que se reporta o artigo …., se entretanto tal participação não vier a ser feita por qualquer outra pessoa ou entidade que disponha dessa faculdade nos termos do artigo 19º [art. 23º do DL nº 40/95/M]” (Ac. STJ, de 11/10/2005, Proc. nº 05S1695).
Ou seja, se a participação vier a ser formalmente apresentada dentro dos dois anos contados da data da cura clínica do sinistrado - ou, se do evento resultar a morte, da data em que esta se verificar – diz-se que se verifica aí um facto impeditivo da caducidade (art. 323º do CC). É que a participação caracteriza então o momento em que o direito pode ser exercido, face ao disposto no art. 323º, n.2, “fine” do CC (Acs. do STJ de 19 de Julho de 1991, BMJ n.º 409, pág. 526, e de 30 de Junho de 1999, Processo n.º 99S134).
Se não for apresentada em tempo pelas entidades obrigadas a fazê-lo, nem pelas pessoas que facultativamente o possam fazer (o próprio sinistrado, por exemplo) – sendo certo que é no interesse deste que também o faça, por ser interessado e beneficiário directo da indemnização devida – parece evidente que não funciona aí nenhum factor de impedimento da caducidade. Isto é, a caducidade começa a correr a partir daquele momento em que a participação podia ou devia ser apresentada e segue o seu curso continuamente (cit. Ac. STJ, de 11/10/2005, Proc. nº 05S1695).
Mas, uma vez que ela seja apresentada em tempo (ainda dentro do prazo de caducidade), então dir-se-á que ocorre o factor impeditivo da caducidade.
Significa isto, portanto, que o direito de acção a que se refere o art. 59º acima transcrito, embora o contrário parecesse resultar a uma primeira leitura, não se concretiza com um petitório integrado na fase contenciosa do processo, visto que “o que marca o início da instância não é a apresentação da petição inicial ou do requerimento referido na alínea b), do citado artigo 120, mas antes a apresentação da participação do acidente. Por isso, o momento atendível para efeito da caducidade do direito de acção da vítima ou dos seus familiares beneficiários legais de pensões, não é o da data da proposição da acção - início da fase contenciosa -, mas sim o da data do recebimento da participação do acidente - início da instância e da fase conciliatória (cfr. Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, 1989, pág. 126; Acórdãos do S.T.J., de 16 de Abril de 1982, 18 de Março de 1983 e de 10 de Julho de 1991, Bol. Min. Jus., ns. 316, pág. 230, 325, pág. 488 e 409, pág. 586).” (Ac. STJ, de 30/11/94, Proc. nº 004166; no mesmo sentido, Acs. RC, de 8/05/2008, Proc. nº 160-B/2000, de 17/10/2013, Proc. nº 670/08).
É também por isso mesmo que, não havendo acordo na fase conciliatória e se o MP não apresentar a petição inicial em representação do acidentado – ou não apresentar o requerimento a que se refere o nº2, do art. 71º, do CPC – a instância deve ser considerada suspensa (sem prazo), podendo o MP a partir dessa data propor a acção - sem dependência de prazo - assim que para tal tenha reunido os elementos necessários (art. 60º, nº 4, do CPT).
E o mesmo se dirá se for o próprio sinistrado a intentar a acção: parece que também ele não está sujeito a um prazo para o exercício desse direito de acção. E isto por duas razões:
Primeira razão: Esse direito já foi exercido por intermédio da participação, como já tivemos ocasião de dizer.
Segunda razão: O processo emergente de acidente de trabalho apresenta uma natureza urgente, que corre oficiosamente, salvo as excepções prescritas no Código (art. 5º, n. 1, do CPT). Daí que, não estando condicionado pela vontade das partes o impulso processual das acções emergentes de acidentes de trabalho - que terão de correr oficiosamente, repete-se -, a negligência das partes não pode exercer qualquer influência sobre o processo, nomeadamente o efeito de interromper a instância (neste sentido, também, Ac. do STJ, de 30/11/1994, Proc. nº 004166).
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3 - Assim sendo, o que resta ver é se a participação foi tempestiva, ou não, para efeito de impedir a verificação da caducidade.
É certo que, entre 11/04/2013 e 11 de Janeiro de 2016 decorreu um prazo superior a 2 anos. Contudo, esse lapso de tempo não tem por efeito a caducidade do direito de acção nos termos atrás descritos. Porquê? Porque se a incapacidade parcialmente permanente foi declarada em 11/04/2013 (data a considerar para a alta clínica) e se o acidente ocorreu no dia 15/12/2011, ele foi comunicado ao tribunal no dia 28/12/2012. Ou seja, a participação teve lugar antes mesmo da cura clínica. E então, pode dizer-se que a instância foi verdadeiramente tempestiva. De modo que, a partir da suspensão da instância decretada em 19/01/2015, ficaria esta pendente de um petitório, que tanto podia ser do MP (art. 60º, n.4, do CPT), como da própria vítima.
Deste modo, é de conceder razão ao recorrente.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos se a tanto outra qualquer causa não obstar.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
TSI, 23 de Junho de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
349/2016 20