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Processo n.º 749/2015 Data do acórdão: 2016-6-23 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tráfico de estupefacientes
– atenuação especial da pena
– caputura policial de outro arguido
– art.o 18.o da Lei n.º 17/2009
– art.o 18.o, n.º 2, do Decreto-Lei n.o 5/91/M
– medida da pena
S U M Á R I O

1. A captura policial, com a colaboração prestada pelo recorrente, de um outro indivíduo envolvido na actividade de tráfico de estupefacientes não tem a virtude de fazer atenuar especialmente, nos termos do art.o 18.o da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, a pena do crime do tráfico, e o mesmo entendimento se deverá ter a propósito da interpretação do n.o 2 do art.o 18.o do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro.
2. Como após ponderadas em especial as inegáveis elevadas exigências da prevenção geral do tráfico de estupefaciente em Macau, não se detecta qualquer injustiça notória por parte do tribunal recorrido na fixação da pena do crime de tráfico do recorrente, não é curial ao tribunal de recurso intervir na margem da liberdade de apreciação do tribunal recorrido em matéria da medida da pena.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 749/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente/arguido: A (A)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 24 de Julho de 2015 a fls. 903 a 907 dos autos de Querela n.º CR3-97-0016-PQR do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o 4.º arguido desse processo A, pronunciado inicialmente como autor material de um crime consumado continuado de tráfico de droga, p. e p. pelos art.os 8.º e 10.º, alíneas b) e g), do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, ficou condenado final e concretamente como autor material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de sete anos de prisão.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao Tribunal Colectivo recorrido, na essência, os seguintes vícios ou ilegalidades (cfr., e com detalhes, o teor da motivação do recurso, apresentada a fls. 912 a 925 dos presentes autos correspondentes), para pedir, a título principal, a declaração de nulidade do acórdão condenatório com absolvição penal dele, ou, pelo menos, a convolação do imputado crime de tráfico para o crime de tráfico de quantidades diminutas do art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, com alegada já necessária verificação da prescrição do respectivo procedimento penal, e ainda, subsidiariamente falando, a atenuação especial da pena do crime de tráfico, ou, pelo menos, a redução, em termos gerais, da pena de prisão para quatro anos de duração, ou ainda em duração menor: (1) falta de especificação, no acórdão, das razões da formação da livre convicção sobre os factos julgados, com consequente nulidade da decisão condenatória; (2) erro notório na apreciação da prova, com conexamente verificação de insuficiência para a decisão da matéria de facto; (3) contradição insanável da fundamentação (ao ter o Tribunal considerado que a quantidade da droga detida dava para comprovar que a droga se destinava ao fornecimento a outrem, o que, porém, seria contrária às regras da experiência da vida humana, já que a heroína em questão era apenas de três gramas e tal de peso, quantidade essa relativamente pequena, e como tal não poderia dar para se ter por comprovado o fim da detenção dessa droga como destinado ao tráfico); (4) violação do disposto no art.º 2.º, n.º 4, do actual Código Penal (CP) (ao ter o Tribunal socorrido à quantidade de referência de uso diário da droga fixada na nova Lei n.o 17/2009, critério novo esse manifestamente desfavorável ao próprio recorrente); (5) violação da cláusula de atenuação da pena quer prevista no art.º 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 5/91/M, quer no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009; (6) e, ainda subsidiariamente falando, violação dos critérios gerais da medida da pena previstos nos art.os 65.º e 66.º, n.º 2, alíneas c) e d), do CP.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador (a fls. 932 a 937v) no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 948 a 950), pugnando pelo provimento parcial do recurso, com consequente redução da pena do arguido.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, retira-se o seguinte, com pertinência à decisão:
O Tribunal Colectivo a quo descreveu em chinês, no seu acórdão (de fls. 903 a 907) (cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), como provados os seguintes factos respeitantes ao ora recorrente:
– No dia 9 de Março de 1997, junto do edifício xxxx, sito no xxx, Macau, os elementos da Polícia Judiciária detiveram o arguido ora recorrente, o 3.º arguido e o 5.º arguido;
– Em poder do recorrente foram encontrados: 12 pacotes de papel contendo no interior pó creme, com os pesos líquidos de 0,485g + 2,137g + 0,676g + 0,525g + 0,613g + 0,540g + 0,589g + 0,542g + 0,519g + 1,148g + 2,085 + 2,112g; e 77 comprimidos de cor azul, da marca “DORMICUN”;
– Na busca à residência do recorrente, sita na Alameda da xxx, edifício xx, xx.º andar X, foram encontrados dois sacos de plástico contendo no interior pó creme, cujos pesos líquidos eram de 1,082g + 0,662g;
– Por volta de 16h30 do mesmo dia, sob a vigilância da Polícia, o recorrente foi encontrar-se com o 2.º arguido no local marcado, preparando este na realização de transacção de estupefacientes com o recorrente, mas sendo detido de imediato pelos agentes da Polícia Judiciária;
– O recorrente agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de praticar os actos acima referidos;
– O recorrente conhecia bem a natureza e características dos produtos estupefacientes acima referidos;
– O recorrente adquiriu, transportou e deteve os produtos estupefacientes em causa para os fornecer a outrem;
– Essa conduta do recorrente não foi legalmente autorizada;
– O recorrente sabia que essa conduta era proibida e punível por lei;
– Feito o exame laboratorial sobre o pó creme detido pelo recorrente e contido em pacotes de papel e sacos acima referidos, sabia-se que nele estiveram presentes, no total, 3,872g líquidos de heroína pura,
– No processo de querela n.º 373/86 (1.º), o recorrente, em 20 de Dezembro de 1986, ficou condenado por crime de usura em pena de prisão, já cumprida;
– No processo de querela n.º 146/91 (3.º), o recorrente, em 11 de Junho de 1991, ficou condenado por crime de auxílio, em pena de prisão, com obtenção, inclusivamente, de liberdade condicional, e, posteriormente, de liberdade definitiva;
– O recorrente declarou ter como nível de instrução o 2.º ano do ensino secundário elementar, e dedicar-se à actividade de bate-fichas, com rendimento mensal de vinte a trinta mil patacas, com a mãe a seu cargo;
– A situação social do recorrente é banal.
No mesmo acórdão ora sob impugnação pelo recorrente, encontram-se descritas (nas páginas 4 a 5 do respectivo texto, ora a fls. 904v a 905) as razões da formação da livre convicção do Tribunal Colectivo sobre os factos julgados, tendo-se aí afirmado, depois da feitura da súmula do teor das declarações das pessoas ouvidas na audiência de julgamento, que:
– apesar de o recorrente admitir ele próprio o consumo de droga mas negar o tráfico de droga, as provas produzidas, especialmente as quantidades de produtos estupefacientes detidos por ele, o respectivo número de pacotes de embalagem e a situação dos mesmos, dão, segundo as regras da experiência, para comprovar que ele os obteve, transportou e deteve para os fornecer a outrem;
– após analisadas rigorosa e objectivamente, e em global, as declarações prestadas na audiência de julgamento pelos recorrente, 5.º arguido e outras testemunhas, e os documentos, objectos apreendidos e outros elementos probatórios examinados na audiência de julgamento, deu por provados os factos acima referidos.
Na parte da fundamentação dedicada à medida da pena (nas páginas 6 a 7 do acórdão, a fls. 905v a 906), o Tribunal recorrido considerou que:
– à luz do Decreto-Lei n.º 5/91/M vigente à data dos factos, o crime de tráfico de estupefacientes, comprovadamente praticado pelo recorrente (por ter detido dolosamente 3,872g líquidos de heroína para fornecimento a outrem), seria punido, em concreto, nos termos do art.º 8.º deste diploma legal, com nove anos de prisão e dez mil patacas de multa, convertível a multa em 66 dias de prisão; e sob a égide do art.º 8.º, n.º 1, da superveniente nova Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, seria punido, em concreto, com sete anos de prisão, pelo que nos termos do art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal (CP), se decidiu punir o recorrente nos termos dessa nova Lei, por ser mais favorável ao recorrente.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Conhecendo nesses parâmetros, desde já se observa que, diversamente do entendido pelo recorrente:
– da fundamentação probatória do acórdão recorrido ainda se vê, com suficiente nitidez e em concreto, quais as razões determinantes da formação da livre convicção do Tribunal Colectivo a quo sobre os factos julgados;
– sendo congruente, à luz das regras da experiência da vida quotidiana humana em normalidade de situações, essa fundamentação probatória, não se vislumbra algum erro notório, por parte do Tribunal a quo, na apreciação da prova, nem alguma violação do princípio de in dubio pro reo no atinente ao imputado crime de tráfico de estupefacientes do recorrente;
– outrossim, ao invocar o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, confundiu o recorrente este vício com a questão da falta (ou insuficiência) de prova dos factos incriminadores do crime de tráfico, falta de prova alegada essa que não pode existir minimamente, devido à inverificação do erro notório na apreciação da prova nos termos acabados de serem vistos;
– e da mesma maneira, ao suscitar a presença da contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido, estava o recorrente a fazer, mais uma vez, sindicância, infundada (por força da acima concluída inexistência do erro notório na apreciação da prova), do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido relativamente ao crime de tráfico dele.
Por outra banda, o recorrente alegou que o Tribunal, em sede do art.o 2.o, n.o 4, do CP, não chegou a ponderar sobre a eventual aplicação, a seu favor, do tipo legal de tráfico de quantidades diminutas previsto pelo art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, com relevância para a subsidiariamente almejada prescrição do procedimento penal dele.
O n.o 3 do art.o 9.o deste Decreto-Lei, vigente à data dos factos em causa no presente processo de querela, diz que quantidade diminuta para efeitos do disposto neste artigo é a que não excede o necessário para consumo individual durante três dias, reportando-se à quantidade total das substâncias ou preparados encontrados na disponibilidade do agente.
No caso dos autos, foram encontrados na disponibilidade do recorrente, e ao total, 13,71 gramas líquidos (0,485g + 2,137g + 0,676g + 0,525g + 0,613g + 0,540g + 0,589g + 0,542g + 0,519g + 1,148g + 2,085 + 2,112g + 1,082g + 0,662g = 13,71g) de pó creme contendo no seu interior, ao total, 3,872g líquidos de heroína pura.
O recorrente referiu na sua motivação que atendendo ao facto de antes da entrada em vigor da nova Lei (de droga) n.o 17/2009, de 10 de Agosto, inexistir a concretização, de que se falava no n.o 4 do art.o 9.o do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de qual a quantidade diminuta para cada uma das substâncias e produtos mais correntes no tráfico, o então Tribunal Superior de Justiça de Macau chegou a entender que a quantidade necessária para consumo individual da heroína durante três dias era de 6g.
Mas, esqueceu-se o recorrente de que para o então Tribunal Superior de Justiça, essa quantidade de 6g não dizia respeito à quantidade da heroína no seu estado puro.
No presente caso, foram apreendidos, no total, 13,71g líquidos de pó creme com heroína no interior, tudo detidos pelo recorrente. Assim, se se aplicasse o critério jurisprudencial do então Tribunal Superior de Justiça, a conduta comprovadamente praticada pelo recorrente não poderia subsumir-se ao tipo legal de tráfico de quantidades diminutas do art.o 9.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 5/91/M, mas sim, e propriamente, no tipo legal de tráfico do art.o 8.o, n.o 1, deste diploma legal, punível, inclusivamente, e no mínimo, com oito anos de prisão.
Portanto, é efectivamente mais favorável, em concreto, a punição achada pelo Tribunal a quo à luz da nova Lei de droga.
E agora no concernente à medida concreta da pena: insistiu o recorrente que ele merece a atenuação da pena do crime do tráfico.
Contudo, entende este Tribunal ad quem, na esteira do constante rumo jurisprudencial em casos de recurso semelhantes e anteriormente julgados, que a captura policial, com a colaboração prestada pelo recorrente, de um outro indivíduo envolvido na actividade de tráfico de estupefacientes não tem a pretendida virtude de fazer atenuar especialmente, nos termos do art.o 18.o da nova Lei de droga, a pena do crime do tráfico. E o mesmo entendimento se deverá ter a propósito da interpretação do n.o 2 do art.o 18.o do Decreto-Lei n.o 5/91/M.
Resta ver agora se a pena de sete anos de prisão achada concretamente no acórdão recorrido com aplicação do regime punitivo da nova Lei de droga admite, ou não, mais margem para redução, aos padrões gerais da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP.
É certo que o recorrente prestou ajuda à Polícia na captura de um outro indivíduo traficante também de droga, circunstância favorável à medida concreta da pena do crime de tráfico essa que, porém, fica totalmente neutralizada pela circunstância, já desfavorável à medida da pena, de o próprio recorrente ter antecedentes criminais.
Assim sendo, e ponderadas em especial as inegáveis elevadas exigências da prevenção geral do tráfico de estupefaciente em Macau, não se detecta qualquer injustiça notória por parte do Tribunal recorrido na fixação da pena do crime de tráfico do recorrente em sete anos de prisão, dentro da moldura penal aplicável de três a quinze anos de prisão, pelo que não é curial ao presente Tribunal ad quem intervir na margem da liberdade de apreciação do Tribunal recorrido em matéria da medida da pena.
Improcede, pois, o recurso final do 1.º arguido, sem mais indagação, por ociosa ou prejudicada, de todo o remanescente alegado ou pretendido pelo recorrente na sua motivação.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com dez UC de taxa de justiça e cinco mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 23 de Junho de 2016.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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