Processo n.º 422/2015
(Recurso Civil)
Data : 23/Junho/2016
Recorrente : A
Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu a reclamação da conta
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, mais bem identificada pelos sinais nos Autos à margem cotados, em que Ré e Recorrente, tendo sido notificada do despacho de fls. 140, que admite o recurso por si interposto do despacho de fls. 136 e 137, que indeferiu a reclamação apresentada da conta n.º 2300 de fls. 120, vem por este meio, apresentar a respectiva ALEGAÇÃO, o que faz nos termos, em síntese conclusiva:
1. Nos termos do disposto no artigo 39.° do Regime das Custas nos Tribunais, a conta do processo deve ser elaborada após o trânsito em julgado da (sic) "decisão final".
2. A "decisão final" a que alude o referido preceito não é qualquer decisão interlocutória, mas apenas a decisão que põe termo ao processo (seja por via da apreciação do respectivo mérito, seja pela verificação de um facto que determine a sua extinção).
3. Não podendo ter-se senão como certo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. artigo 8.°/ 3 do Código Civil), é evidente que o legislador utilizou o conceito "decisão final" para a distinguir de toda e qualquer "decisão".
4. No Regime das Custas nos Tribunais apenas se encontra mais uma referência ao termo "decisão final", na alínea d) do n.º 1 do artigo 23.°, que indubitavelmente se refere a decisão final como a decisão que põe termo ao processo.
5. Por outro lado, referindo-se o artigo 39.° do RCT à elaboração das (sic) "contas dos processos", a interpretação do preceito no sentido de que a conta do processo seja elaborada após o trânsito de qualquer outra decisão que não seja a decisão que põe termo a esse mesmo processo, não encontra reflexo do pensamento legislativo que subjaz à norma, tão pouco merece qualquer acolhimento à luz da letra da lei (cf. artigo 8.°/ 1 e 2 do Código Civil).
6. A confirmação última de que assim seja é dada pela regra da unidade da conta (cf. artigo 42.°/ 1 e 2 do RCT); se para cada processo deve ser elaborada apenas uma conta, então, sob pena de ficarem custas por contar, a conta só deve ser elaborada depois do trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo.
7. O Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de Macau de 3 de Junho de 2014 - que julgou improcedente o recurso interposto da decisão que declarou a instância interrompida - não é, por conseguinte, uma decisão final.
8. Não tendo sido proferida qualquer decisão final, a conta sub judice não podia ter sido elaborada nos termos gerais do artigo 39.° do RCT, ou seja, como conta definitiva.
9. Estando o processo parado por causa imputável às ora Recorridas, a elaboração da conta de fls. 120 devia ter respeitado as regras das contas provisórias, razão pela qual a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, em cumprimento do disposto no artigo 40.°/ 2 e 3 do RCT, ordene a revisão da conta à luz das regras das contas provisórias, com a consequente eliminação da verba respeitante à procuradoria.
10. Se V. Exas. assim não entenderem, poderá ficar assente na ordem jurídica o entendimento segundo o qual o trânsito em julgado de uma decisão interlocutória sobre uma questão acessória ou incidental da lide determina a imediata contagem das respectivas custas.
11. Tal resultado, porém, é contra legem, pois contraria e viola a regra da unidade da conta.
12. A regra da unidade da conta acha-se estipulada no artigo 42.°/ 1 e 2 do RCT, nos termos do qual "quando sejam da responsabilidade da mesma parte as custas de mais do que um procedimento, incidente ou recurso ou as destes e as da acção, é elaborada uma só conta", a qual deve abranger (sic) "as custas da acção, dos incidentes e dos recursos".
13. Excepto nos casos expressamente previstos na lei, ou nos casos de absoluta inadequação da tributação de um dado acto na conta final, todas as custas da acção e dos seus incidentes e recursos devem ser contadas numa só conta.
14. A decisão recorrida não invoca qualquer norma excepcional que obrigasse à contagem das custas do apenso imediatamente e em separado da conta final.
15. A decisão recorrida também não invoca qualquer fundamento para que a contagem das custas do apenso na conta final possa ser considerada manifestamente desadequada aos fins do processo e aos princípios aplicáveis à respectiva tributação.
16. Doutro passo, não há qualquer previsão legal (na lei processual civil, ou no regime das custas) que excepcione a contagem das custas dos recursos, designadamente dos que sobem em separado, da regra geral da sua contagem na conta final.
17. Razão pela qual, sob pena de violação da regra da unidade da conta, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que ordene que a contagem das custas do apenso seja efectuada apenas após o trânsito em julgado da decisão final;
18. Ou, em alternativa, que ordene que a conta seja elaborada como conta provisória, nos termos do artigo 40.°/ 2 e 3 do RCT.
19. Admitindo, ainda que apenas por mera exigência de exaustão de patrocínio, que a conta sub judice poderia ter sido elaborada como conta definitiva em separado da conta final, então a decisão recorrida viola a regra da recopilação unitária.
20. Dispõe o 11.° 3 do artigo 42.° do RCT que "No caso de dever elaborar-se mais do que uma conta ou liquidação, ainda que tal decorra da existência de processos apensos, procede-se à recopilação unitária".
21. O apenso foi à conta sem que os autos principais tenham ido também à conta, razão pela qual não foi feita a devida recopilação unitária.
22. Além de razões de simplicidade e celeridade processuais, a regra da recopilação unitária prossegue um fim de justiça processual tributária.
23. A elaboração da conta como definitiva e a interpelação da Recorrente para proceder ao pagamento imediato das custas do recurso, coloca-a numa situação de extrema desigualdade e injustiça processual-tributária.
24. Se a decisão recorrida não for revogada e, em consequência, a ora Recorrente tiver de proceder pagamento imediato das custas do recurso, a ora Recorrente corre o sério risco de ver frustrado o direito a que esse seu débito seja deduzido ao crédito que possa vir a ter a título de reembolso das custas de parte e procuradoria da acção.
25. Na hipótese de acção principal vir a prosseguir os seus termos, basta que as Recorridas não paguem as custas da sua responsabilidade para que a ora Recorrente veja esse seu direito frustrado.
26. Na hipótese inversa, basta que a lide continue parada e venha a extinguir-se por deserção.
27. O direito da Recorrente a que seja apurado o saldo líquido da sua responsabilidade processual-tributária está instituído pela regra da recopilação unitária.
28. No caso sub judice, tal direito só fica suficientemente protegido com a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordene a suspensão do pagamento das custas do apenso até à elaboração da conta final, para que, nessa instância, se faça a recopilação unitária;
29. Ou, em alternativa, se for ordenada a revisão da conta de fls. 120 à luz das regras das contas provisórias, caso em que as custas pagas pela ora Recorrente deverão entrar em regra de custas na conta final (Cf artigo 40.°/ 4 do RCT), com a consequente recopilação da conta provisória na conta final.
Se V. Exas. também assim não entenderem, então sempre se dirá o seguinte:
30. A contagem das custas do apenso, como conta a título definitivo, dependia da prévia definição, também a título definitivo, do valor da acção.
31. O despacho que fixou o valor da acção (cf. fls. 1148 e ss dos autos principais) foi impugnado por meio de recurso, que ainda está pendente de apreciação pelo Tribunal de Segunda Instância, pelo que o valor da acção não está definitivamente fixado.
32. Por essa razão, a conta sub judice não poderia ter sido elaborada como conta definitiva, razão pela qual, mais uma vez se conclui, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que ordene a reforma da conta em conformidade.
Normas jurídicas violadas pela decisão recorrida (indicação feita nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do Artigo 598.° do Código de Processo Civil): Artigos 39.°,40.°/ 1 a 4 e 42.°/1 a 3 do Regime das Custas nos Tribunais.
Nestes termos, e nos mais em Direito permitidos, que V. Exas. mui doutamente suprirão, se requer que o presente recurso seja julgado procedente, por provado e legalmente fundado, e, em consequência, seja a decisão recorrida revogada e substituída por outra que ordene a revisão da conta de custas de fls. 120 nos termos requeridos.
Mais requerendo que vos digneis ordenar os demais termos da presente lide até final,
Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta
JUSTIÇA!
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Base a fls. 136 e seguintes que, tendo considerado que a conta n.º 2300 de fls. 120 do presente apenso foi (sic) “elaborada correctamente e de acordo com as normas legais aplicáveis”, indeferiu a reclamação contra a mesma deduzida pela ora Recorrente.
O despacho recorrido é do seguinte teor:
“A folhas 125 a 127 vem a Recorrente A reclamar da conta deste apenso de recurso ordinário alegando que o processo tinha sido remetido à conta nos termos das alíneas a) ou b) do n.º 2 do art.º 40º do RCT e segundo o n.º 3 do mesmo preceito que neste caso não se deviam incluir as custas de parte e a procuradoria na conta elaborada, portanto, na óptica da Recorrente a conta elaborada a fls. 120 no presente apenso padece de alguma irregularidade que merece de reparação.
Pelo contador foi prestada informação e o Ilustre Magistrado do Ministério Público emitiu parecer ambos no sentido de ser indeferida a reclamação.
Cumpre assim apreciar e decidir.
Nos termos do art. 39º do RCT «Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, as contas dos processos são elaboradas no tribunal que funcionou em primeira instância, após o trânsito em julgado da decisão final».
Mais reza o artigo 40º do RCT:
1. A secção remete à conta os processos que impliquem o pagamento de custas.
2. A secção remete ainda à conta:
a) Os processos suspensos, se o juiz o determinar;
b) Os processos parados por mais de três meses por facto imputável às partes;
c) Os que devam ser remetidos para apensação a processo de liquidação de patrimónios em benefício dos credores.
3. A conta dos processos referidos nas alíneas a) e b) do número anterior é elaborada como se o processo findasse, nela se não incluindo, porém, as custas de parte e a procuradoria.
4. As custas pagas por virtude da conta elaborada nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 entram em regra de custas se o processo vier a prosseguir.
Conforme resulta dos artigos acima transcritos, podemos concluir que a conta do processo, em regra geral, só é elaborada após o trânsito em julgado da decisão final, só que quando a situação se inscreve em qualquer das alíneas a) ou b) do n.º 2 do art. 40 do RCT, daí ainda pode ter lugar à remessa do processo à conta, no entanto, neste caso, a conta a elaborar não deixa de ser conta provisória. Sendo conta provisória, nela não se incluem as custas de parte e a procuradoria ao abrigo do n.º 3 do art.º 40º do RCT.
Pretende a Recorrente que estes autos se enquadram na indicada situação.
Contudo não lhe assiste razão.
Com efeito, o n.º 3 do art. 40º do RCT rege sobre o regime particular de elaboração da conta provisória a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 2.
Nas palavras de SALVADOR DA COSTA a inclusão na conta das custas de partes e a procuradoria pressupõe a definitividade da decisão condenatória e nos casos das alíneas a) e b) do n.º 2, porque ainda não há decisão sobre custas não há lugar a reposições, abatendo-se apenas a taxa de justiça paga pelo responsável provisório.
No caso vertente, o presente processo trata-se dum recurso de subida em separado. Com o acórdão proferido pelo Venerando TSI, que após ter transitado em julgado no dia 21 de Julho de 2014, foi ordenada a remessa do presente apenso à conta por despacho de fls. 118. Portanto, como é bom de ver, a elaboração da conta sob escrutínio não se funda em qualquer situação prevista nas alíneas a) ou b) do n.º 2 do art. 40º, mas sim com base em uma decisão final que já transitou em julgado e nela decidiu expressamente quem será responsável do pagamento das custas, isso significa que a conta elaborada outra não seja senão uma conta efectuada a título definitivo nos termos do art.º 39º do RCT, pelo que, nunca seja aplicável neste caso o n.º 3 do art. 40º.
Destarte, foi a conta elaborada correctamente e de acordo com as normas legais aplicáveis.
Termos em que, pelos fundamentos expostos se indefere a reclamação da conta.
Custas pelo incidente a cargo da reclamante.
Notifique.
3. A conta de fls. 120 foi elaborada na sequência do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente do despacho que declarou interrompida a instância dos autos principais aos quais os presentes correm por apenso.
4. A ora Recorrente reclamou da referida conta n.º 2300, de fls. 120.
5. O Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 3 de Julho de 2014 julgou improcedente o recurso interposto do despacho que declarou a instância interrompida.
III - FUNDAMENTOS
Esta questão já foi colocada no processo principal Processo nº 207/2016, 12 de Maio de 2016, e aí decidida, em conformidade com as razões aduzidas pelo recorrente, pelo que, por acolhermos a posição aí expendida, somos transcrever o teor do douto acórdão aí proferido, integrando o presente Colectivo dois dos juízes ali intervenientes:
“Salvo o devido respeito, não nos parece que o Tribunal a quo decidiu de forma correcta.
Dispõe o nº 3 do artº 42º do RCT que “No caso de dever elaborar-se mais do que uma conta ou liquidação, ainda que tal decorra da existência de processos apensos, procede-se à recopilação unitária”.
A função principal da recopilação unitária consiste em permitir o sujeito processual poder ter um acesso directo sobre a conta final de custas, sem necessidade de percorrer por todo o processo e os seus apensos, de forma a saber/examinar com maior facilidade qual a sua responsabilidade nas custas, nomeadamente as quantias totais a pagar ou a receber.
Como se vê, trata-se duma imposição legal e não de uma opção em alternativa.
Nesta conformidade, não se pode, com fundamento de que a falta da recopilação não vai influir na exactidão da conta efectuada nem pôr em causa o interesse das partes, afastar a necessidade do cumprimento da imposição legal em referência.
Face ao expendido, o recurso não deixará de se julgar procedente.”
O acórdão proferido explicita bem a razão de ser da recopilação, pelo que, sem necessidade de outros desenvolvimentos, somos a decidir no sentido da procedência do recurso.
O acórdão que declarou a interrupção de instância não se pode ter como uma decisão final – a instância fica apenas interrompida. O termo do processo há-de sobrevir em momento ulterior.
Claro que uma acção cuja instância esteja interrompida por algum tempo acaba por ser remetida à conta. Mas a lei não deixa de impor uma recopilação de forma a dotar a parte de uma análise unitária das suas responsabilidades, o que não se deixa de compreender.
Não há necessidade de complicar o que se afigura claro.
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e determinando a recopilação unitária das contas em causa.
Sem custas do incidente em ambas as instâncias.
Notifique .
Macau, 23 de Junho de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
422/2015 1/12