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Processo nº 436/2016 Data: 07.07.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Pena.
Confissão.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. O “valor atenuativo” da “confissão” do arguido vária na medida da sua contribuição para a descoberta da verdade.
Sendo o arguido detido em “flagrante delito” – cfr., art. 239° do C.P.P.M. – a sua confissão quanto ao seu próprio envolvimento no crime não tem grande valor atenuativo.

O relator,

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Processo nº 436/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 411 a 416 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, vem o arguido recorrer para dizer (apenas) que excessiva é a pena que devia ser reduzida para uma outra não superior a 5 anos de prisão; (cfr., fls. 445 a 465).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 469 a 472).

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Admitido o recurso a remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A, identificado nos autos, recorre do acórdão condenatório de 8 de Abril de 2016, que lhe impôs uma pena de prisão de 8 anos e seis meses, pela prática de um crime de tráfico ilícito de droga, da previsão do artigo 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009.
Na motivação e respectivas conclusões coloca à consideração do tribunal de recurso a questão da medida da pena, que reputa excessiva, alvitrando que não deveria ter ido além dos 5 anos. Acha que o acórdão recorrido violou as normas dos artigos 40.°, n.° 2, 65.° e 66.° do Código Penal.
Estamos em crer que não lhe assiste razão.
O recorrente insurge-se contra a alegada excessividade da pena, porquanto entende que não foram adequadamente valoradas a ausência de antecedentes criminais e as circunstâncias mitigadoras da ilicitude e da culpa relacionadas com aquilo que designa por falta de dolo inicial e prévio no cometimento do crime.
Pois bem, a circunstância de se tratar de arguido primário não deixou de ser atendida, até porque consta expressamente dos factos provados. Deve, não obstante, acrescentar-se que não se trata de uma circunstância que deva ser especialmente enfatizada, porquanto o arguido tinha, ao tempo do cometimento dos factos, 24 anos de idade. O normal é as pessoas determinarem-se e adoptarem padrões de conduta de acordo com o quadro normativo vigente, nomeadamente em matéria penal. Quando essa normalidade perdura por cerca de 8 anos, período de imputabilidade penal vivenciado pelo arguido, não pode pretender-se que tal constitui um feito especialmente relevante.
Quanto à suposta ausência de dolo inicial e prévio, importa começar por ter presente que dolo é a vontade de cometer o tipo de ilícito. Ora, o recorrente conhecendo as características do produto que lhe foi disponibilizado, aceitou recebê-lo e detê-lo, com o fito de o distribuir. É o que resulta à evidência da sua confissão integral e sem reservas. Está, pois, caracterizado o dolo do crime de tráfico por que vinha acusado e por que foi condenado.
A circunstância de o arguido ter admitido que, no início, quando foi contactado por um tal “B”, suspeitou que era para praticar crimes, embora não tivesse sabido, no imediato, se era para traficar droga, é irrelevante para o dolo da conduta posterior. Aqui poderá, quando muito, estar em causa uma ausência de premeditação quanto à actividade delituosa de tráfico em que incorreu posteriormente. Mas que esta acção de tráfico foi voluntária e conscientemente querida, isso resulta à evidência da forma como expressivamente o recorrente a justificou em audiência, ao aludir a motivos de “ganância instantânea”, nenhuma dúvida havendo quanto ao preenchimento do dolo.
A referência a algum receio, face a uma hipotética rejeição de colaboração, quando já se encontrava em Macau, não comporta, de forma alguma, a leitura que o recorrente agora pretende dar-lhe, procurando justificar/atenuar a sua conduta com uma espécie de inexigibilidade resultante de medo fundado em presumida coacção. Se assim fosse, nunca o tribunal poderia ter aceite a confissão integral e sem reservas, ou estaríamos porventura perante uma decisão eivada de contradição na sua fundamentação.
É óbvio que nada disto sucede, não se detectando qualquer falha ao nível do preenchimento integral dos elementos do tipo.
Posto isto, é sabido que a determinação da pena é comandada por finalidades de prevenção, balizadas pela culpa, naquelas avultando, nas palavras de Figueiredo Dias, o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, enquanto forma de tutela da confiança e das expectativas da comunidade, que, em Macau, são particularmente exigentes em matéria de tráfico de droga.
Crê-se, pois, tal como igualmente sustenta a Exm.a colega de primeira instância na sua resposta à motivação do recurso, que a pretendida redução da pena não encontra uma justificação ponderosa. Na verdade, os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não é o caso.
Não há, em suma, reparos a apontar à decisão recorrida, que não violou quaisquer das normas referidas pelo recorrente, pelo que o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 515 a 516-v).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 421 a 423, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não tendo ficado nenhum facto por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.

Pede apenas a redução da pena que lhe foi aplicada, não impugnando a decisão da matéria de facto e sua qualificação jurídico-criminal que, por não merecer qualquer censura, se tem aqui como definitivamente fixada.

Quanto à “pena”, vejamos, pouco havendo a dizer.

O crime de “tráfico” pelo arguido cometido é punido como a pena de 3 a 15 anos de prisão.

Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Desde logo, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015, de 25.02.2016, Proc. n.° 87/2016 e de 10.03.2016, Proc. n.° 134/2016).

No caso, agiu o arguido com dolo directo e intenso, (não se acolhendo o que alega para diminuir a sua intensidade), sendo muito elevado o grau de ilicitude da sua conduta, pois que sendo residente de Hong Kong, associou-se a um outro indivíduo (não totalmente identificado) para se dedicar ao “tráfico de estupefacientes” aqui em Macau, acabando por ser identificado, vigiado e posteriormente detido (em Macau) após ter efectuado várias – 9 – transacções, e encontrando-se com um total de mais de 99 gramas de Ketamina e um grande número – 200 – de sacos de plástico utilizados para embalar doses de estupefaciente e uma balança electrónica (para o pesar) no quarto de hotel em que estava hospedado.

Face aos graves malefícios e prejuízos que o crime de “tráfico de estupefacientes” causa para a saúde pública, e, atento o constante e preocupante aumento dos índices deste tipo de criminalidade, evidentes se mostram as fortes razões de prevenção criminal.

Em abono do arguido, provou-se que confessou os factos e que era primário.

Porém, foi detido em “flagrante delito”, pouco valor atenuativo se podendo assim atribuir à aludida confissão; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 04.03.2010, Proc. n.° 1018/2009, de 11.11.2010, Proc. n.° 201/2009 e de 28.04.2011, Proc. n.° 203/2011, assim como o Ac. do S.T.J. de 09.12.2010, Proc. n.° 100/10, e o da Rel. do Porto de 05.06.2015, Proc. n.° 8/13).

Com efeito, há que reconhecer que o “valor atenuativo” da “confissão” do arguido vária na medida da sua contribuição para a descoberta da verdade.

Ora, sendo o arguido detido em “flagrante delito” – cfr., art. 239° do C.P.P.M. – evidente é que a sua confissão quanto ao seu próprio envolvimento no crime – como é o caso – não tem grande valor atenuativo.

O mesmo se mostra de consignar quanto à sua “primo – delinquência”, já que, (como bem se nota no Parecer do Ministério Público), tinha apenas 24 anos de idade, certo sendo também que não deixou o T.J.B. de ponderar em tal circunstância.

E então, aqui chegados, quid iuris?

Pois bem, é sabido que com os recursos não se visa eliminar a “margem de livre apreciação” reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da medida da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., a recente decisão sumária do relator de 30.09.2015, Proc. n.° 797/2015, e, os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 119/2014 e Proc. n.° 9/2015).

Nesta conformidade, evidente sendo que motivos não existem para qualquer “atenuação especial da pena” ao abrigo do art. 66° do C.P.M. ou do art. 18° da Lei n.° 17/2009, já que inverificados estão os necessários pressupostos legais para tal, (cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I. de 30.07.2015, Proc. n.° 39/2015), e atenta a moldura penal prevista para o crime em questão, a conduta provada, da qual se destaca a quantidade de estupefacientes, a forte intensidade do dolo (directo) – repare-se na grande quantidade de sacos (mais de 200) que tinha destinados a embalar o estupefaciente – as fortes necessidade de prevenção criminal, (especialmente geral), e as decisões sobre esta matéria tomadas por este T.S.I. e Vdo T.U.I., afigura-se-nos que motivos não há para não se confirmar a pena fixada, com o que não deixa de improceder o recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, em conformidade, nega-se provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 07 de Julho de 2016
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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