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Proc. nº 122/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Julho de 2016
Recorrente: A
Recorridas: B
Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I. Relatório 
A, Recorrente, vem nos termos da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM, arguir a nulidade do acórdão de 21/04/2016, nos termos e fundamentos seguintes:
“... 
   I- Oposição entre fundamentos e decisão
   1. No douto acórdão deram-se por provados os actos de uso, mas, no entanto, estes não foram devidamente qualificados à face da Lei - havendo assim uma contradição entre os fundamentos e a decisão - cfr. artigo 571.° n.º 1 al. c) do C.P.C..
   2. Existe contradição, pois, não obstante ter sido dado como provado, já em Segunda Instância, a existência de vendas concretas (ao modificar-se a decisão de facto relativamente a essa parte), voltou a remeter-se para a sentença (que não os tinha dado como provados!) relativamente às conclusões a daí retirar.
   3. Salvo melhor opinião, se a sentença considerou que não havia actos de venda, não é pertinente nem oportuno remeter para a conclusão que se retirou na sentença recorrida .
   4. Pois, a partir do momento em que se prova que há utilização, é preciso aferir se essa utilização foi séria ou não, conforme jurisprudência desse Venerando Tribunal, nomeadamente o Acórdão 39/2014, em que se refere, e passa-se a citar: "Ora bem. O conceito "utilização séria" é composto de dois vocábulos: "utilização" e "séria". Isto significa que o qualificativo "séria" só faz sentido quando apendiculado ao substantivo que pretende qualificar. A discussão em torno do conceito carece, portanto, e em primeiro lugar de uma situação de facto que revele uma utilização da marca (elemento a montante do conceito) e só depois se indagará se ela é séria (elemento a justante). E a utilização deve ser feita "através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva e um uso meramente simbólico, esporádico ou em quantidades irrelevantes não parece preencher o referido requisito de uso efectivo, muito menos uma abstenção de uso" - negrito e sublinhado nossos.
   5. Isto é, depois de se saber se há utilização, é necessário aferir se ela é séria ou não. E tendo a sentença modificado a decisão de facto relativamente à utilização, dever-se-ia, salvo o devido respeito, que é muito, posteriormente ter indagado se essa utilização era séria ou não (e não remeter para a mesma conclusão da primeira instância).
   II - Omissão de pronúncia
   6. E nisso também consiste o segundo vício do acórdão proferido por esse Venerando Tribunal.
   7. Isto porque não foi analisado pelo Tribunal se o uso era sério ou não - o que salvo melhor opinião constitui omissão de pronúncia, nos termos do artigo 571.º n.º 1 al. d)
   8. E a omissão é admitida pelo próprio acórdão, quando se afirma: "No caso sub judice, não se sabe em concreto a dimensão empresarial da Recorrente." (negrito nosso), socorrendo-se a esse propósito dos padrões correntes relativamente a qualquer outro retalhista de vestuário em Macau: "Ora, tendo em conta a espécie dos produtos assinalados e o número da população da RAEM, podemos dizer, sem qualquer margem de dúvida, que a quantidade das vendas dos produtos é reduzida e insignificante, pelo que não se comprova o uso sério e efectivo em Macau."
   9. Isso é absolutamente em contrário do que se diz nas Alegações de Recurso da Recorrente, em que se afirma que: "Mesmo nesta hipótese, teria ainda de considerar-se que a Recorrente é titular de uma marca que explora um nicho de mercado muito específico, de roupa para mulher para ioga e desportos similares, sendo que é uma marca muito consolidada nos Estados Unidos, mas que internacionalmente ainda está a fazer o seu percurso de crescimento.
   A Recorrente tem várias lojas nos Estados Unidos da América (à volta de 100), mas fora dos Estados Unidos da América tem muito poucas lojas. Essa rede comercial é inteiramente consistente com o tipo de produto que a Recorrente oferece: sendo restrito ao vestuário desportivo, dirigido apenas ao público feminino e para a prática de certas modalidades desportivas (ioga/ginástica), a marca da Recorrente é efectivamente uma marca de prestígio num nicho de mercado e para um público-alvo restrito.
   Daí que a abertura de lojas físicas só seja viável (e expectável) quando a respectiva área geográfica de cobertura inclua um número assinalável de consumidores. Não sendo correcto concluir o contrário: isto é, que a marca é desconhecida...Muito pelo contrário, a marca da Recorrente é amplamente reconhecida (nomeadamente junto do seu público-alvo) e tem uma procura muito clara no mercado, com vendas efectivas e regulares (como se provou) através de outros canais de vendas (como se provou) - apenas não se justificando, nem sendo exigível, a abertura de lojas físicas em Macau.
   Sendo uma marca de nicho de mercado e estando a dar os seus passos na internacionalização, e sendo Macau um mercado de pequena dimensão, seria de difícil viabilidade a abertura de uma loja em Macau neste momento. Apesar do seu crescente reconhecimento em Macau (ver as vendas que continuam a ser efectuadas - cfr. documento que ora se junta - referenciado como doc. 32) o seu público consumidor ainda não atingiu uma dimensão que pudesse justificar a abertura de uma loja em Macau.
   Assim, não se deverá aferir a utilização séria pela perspectiva que veja somente grandes lojas de roupa a vender em Macau, mas com a visão de que este nicho de mercado é muito específico, existindo portanto justo motivo para que a Recorrente não tenha aberto uma loja em Macau. Ou seja, por outras palavras, caso este Venerando Tribunal considere (o que se concebe somente por mera cautela de patrocínio) que as vendas efectuadas pela Recorrente não constituem utilização séria (para efeitos do artigo 231.º n.º 1 alínea b) do RJPI), então deverá o Tribunal considerar, pelos motivos supra explicados, que existe justo motivo para a falta dessa utilização séria (nos termos do artigo 231.º n.º 1 alínea b) do RJPI)."
   10. Esta alegação de factos foi feita a propósito do justo motivo, mas não serve só para este. A aferição de se a utilização é séria ou não, é feita também pela aferição de se, tendo-se em conta a dimensão da empresa, a utilização que se faz é adequada à dimensão da empresa, e portanto "séria". Ora, se a Recorrente é . uma marca de nicho de mercado, tal teria que ser tido em conta na decisão.
   11. Porque a Recorrente não é um retalhista corrente, estamos perante um produto altamente especializado, num nicho de mercado com número de vendas reduzido que nem sequer justifica a existência de uma loja física.
   12. Face a esta omissão de pronúncia, o Tribunal tinha duas opções: ou (i) determinava a renovação de prova a fim de ser recolhida prova relativamente a esta parte, de forma a que, provada a existência de actos de uso, se aferisse como matéria de facto se esse uso é sério ou não.
   13. Teria assim o julgador acesso a estas informações (através da renovação de meios de prova) a saber a dimensão empresarial da Recorrente, a saber se face ao tipo de produto/nicho de mercado, estas vendas em concreto eram suficientes ou sérias.
   14. Ou, por outro lado, (ii) o Tribunal de Segunda Instância iria apreciar aquilo que foi oferecido pela Recorrente nas suas alegações de recurso, dar estes factos como provados e retirar daí as devidas conclusões, porquanto vem explicado nessas alegações, nomeadamente na parte do justo motivo.
   15. Isto porque vem aí explicada a seriedade do uso. Estão completamente ligadas as duas questões - seriedade e justo motivo - pois aí se explica o porquê de não haver loja em Macau (que aparentemente é um dos factores para o acórdão concluir que não há seriedade na utilização).
   16. Por fim, a outra parte também não tem nenhuma loja em Macau. Mas, como é bom de ver, a maior parte das marcas usadas em Macau não está dependente das vendas feitas em loja física e própria.
   III - Falta de especificação de fundamentos de facto e oposição entre fundamentos e decisão
   17. No douto acórdão, depois de se concluir que há venda de produtos online, tratase essa venda de produtos online como sendo a mera oferta e não actos concretos de venda, fazendo-se a remissão para outros acórdãos (p.e., Proc. n.º 17/2004) em que se discutia apenas se a oferta online era suficiente para preencher os requisitos
   18. Estes acórdãos não são aplicáveis ao caso corrente, porque no caso em apreço não estamos a falar de mera oferta online, estamos a falar de actos concretos de venda / uso, reiterados, públicos, que foram repetidos no tempo e manifestados neste mercado de produto. E portanto, actos que provam que o uso era relevante e cabal à face da lei.
   19. Também aqui há uma contradição entre se afirmar, por um lado, que a Recorrente tem razão e foram provados actos concretos de venda no mercado, e depois que estes factos não chegam para provar uso sério, porque a oferta online não é suficiente para provar um produto - padecendo assim a decisão de nulidade nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 571.°.
   Pelo exposto, nos termos previstos no art. 571.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) do C.P.C., entende a Recorrente que o Acórdão ora proferido padece de nulidade, por ter deixado de se pronunciar sobre uma questão que lhe cabia apreciar, por haver oposição entre fundamentos e a decisão, e por haver falta de especificação de fundamentos de facto, como acima exposto.
   Nestes termos, vêm os Recorrentes requerer que sejam apreciadas as nulidades ora suscitadas e, nesse seguimento, apreciado o pedido de renovação da prova, ordenando-se as diligências consideradas adequadas ao abrigo do disposto no art. 629.°, n. ºs 3 e 4....”.
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Devidamente notificadas, as Recorridas nada se pronunciaram.
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II. Fundamentação
A) Da alegada oposição entre fundamentos e decisão:
A ora Recorrente alega que o acórdão deu como provados os actos de uso, mas, no entanto, não os qualificou devidamente, havendo assim uma contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por outro lado, entende também que existe uma contradição se afirmar, por um lado, que a Recorrente tem razão e foram provados actos concretos de venda no mercado, e depois que estes factos não chegam para provar uso sério.
Como é sabido, só existe oposição entre fundamentos e decisão quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduziriam logicamente ao resultado oposto àquele que foi decidido.
No caso em apreço, o tribunal concluiu pela inexistência do uso sério da marca, pelo que decidiu manter a decisão recorrida que tinha confirmado a declaração da caducidade da marca.
Como se vê, os fundamentos invocados e decisão tomada no acórdão reclamado são coerentes e lógicas.
Face ao expendido, a alegada nulidade não deixará de se julgar improcedente.
B) Da alegada omissão da pronúncia:
A nulidade de sentença/acórdão prevista na al. d) do nº 1 do artº 571º do CPCM traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no nº 2 do artº 563º do mesmo Código, nos termos do qual “O juíz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Como é sabido, só existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o Tribunal se esqueceu de apreciar as questões suscitadas, mas já deixa de se consubstanciar como omissão de pronúncia quando o Tribunal omite a pronúncia sobre uma questão, sobre a qual se devia pronunciar, explicando a razão para essa omissão.
No caso em apreço, os factos que a ora Recorrente imputa o tribunal omitir de pronunciar foram alegados pela primeira vez nas alegações do recurso.
Trata-se duma imputação manifestamente infundada, cuja invocação se não for de má-fé, é certamente feita com esquecimento do princípio da estabilidade da instância (cfr. artº 212º do CPCM), das condições de admissibilidade da alegação dos factos supervenientes (artº 425º do CPCM) e da função do recurso jurisdicional.
Pergunta-se, como é que pode exigir o tribunal ad quem, em sede do recurso jurisdicional, pronunciar-se sobre os factos que nunca foram objecto de discussão e julgamento no tribunal a quo?
C) Da alegada falta de especificação de fundamentos de facto:
Não se compreende sinceramente como é que o acórdão reclamado é nulo por falta de fundamentação de facto e de direito.
Para melhor expor da situação, transcreve-se parte do acórdão reclamado:
“…
2. Do mérito da causa
   A sentença recorrida confirmou a decisão da declaração da caducidade da marca registada com fundamento na falta de uso sério por entender que:
- a venda online não é um meio idóneo para comprovar o uso sério e efectivo na RAEM, uma vez que o respectivo website se encontra instalado fora de Macau; e
- ainda que com algumas vendas comprovadas para Macau, nada de decisivo desse facto se deve retirar, sob pena de se esvaziar a intensão normativa do preceito fundamento da decisão administrativa.
   Com a procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, ficam provados que:
- existiam determinadas compras e vendas dos produtos da marca da Recorrente em Macau nos anos de 2011 a 2014.
- a Recorrente faz publicidade em revistas vendidas em todo mundo, e com circulação também em Macau.
   O conceito do uso sério não se encontra definido no próprio RJPIM.
   A jurisprudência local tem entendido que “o uso sério de uma marca implica o seu uso efectivo e real, através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços”, sendo como irrelevante o uso de marca fora da Macau. (cfr. Acs. do TSI, de 19/04/2007 e de 10/06/004, proferidos, respectivamente, nos Procs. nºs 92/2007 e 17/2004).
   Será que a modificação da matéria de facto implica a alteração do sentido da sentença recorrida?
   A sentença recorrida entendeu que a quantidade das vendas efectuadas era reduzida e irrelevante, pelo que não constituía prova bastante do uso sério e efectivo da marca.
   Para analisar a relevância ou não da quantidade das vendas em causa, deve tomar em consideração a dimensão da empresa e o tipo de produto ou serviço em questão.
   No caso sub justice, não se sabe em concreto a dimensão empresarial da Recorrente.
   A sua marca visa assinalar os produtos da classe 25ª, em concreto, vestuário, calçado, chapelaria e acessórios para vestuário.
   Ora, tendo em conta a espécie dos produtos assinalados e o número da população da RAEM, podemos dizer, sem qualquer margem de dúvida, que a quantidade das vendas dos produtos é reduzida e insignificante, pelo que não se comprova o uso sério e efectivo da marca em Macau.
   Quanto à questão de saber a venda online com acesso em Macau e a publicidade em revistas com circulação em Macau são ou não meios idóneos para comprovar o uso sério e efectivo na RAEM, já foi abordada por este Tribunal de recurso.
   No acórdão de 10/06/2004, proferido no Proc. nº 17/2004, entendeu que:
   “...Nem se argumenta que o jornal em questão. The Asian Wall Street Journal, é também distribuído em macau e que os residentes de Macau têm fácil acesso à internet. É que, a utilização séria, como acima vem bem explicitada, deve ser aferida em termos concretos mediante factos comprovativos da presença da marca no mercado de Macau, tais como o número de clientes e estabelecimentos ou delegações comerciais, o volume de negócios, etc.. Não basta a presença em Macau de meios de comunicação, como seja o jornal ou a internet, onde ela pode ser encontrada sob pena de retirar conteúdo ao conceito de utilização séria. Pois, hoje em dia, graças às facilidades de comunicação e transporte e aos avanços tecnológicos, tais meios de comunicação são omnipresentes e não raras vezes se encontram produtos e serviços não destinados ao mercado de Macau, mas publicitados em jornais ou revistas vendidos neste Território ou na internet...”.
   Como se vê, a posição tomada na sentença recorrida é idêntica à do acórdão acima transcrito.
   Trata-se dum entendimento que aponta para a boa solução do caso com a qual concordamos integralmente, pelo que, com a devida vénia, fazemos como parte integrante do fundamento do presente aresto para concluir que a venda online com acesso em Macau, bem como a publicidade feita em revistas com circulação em Macau, não constituem prova bastante do uso sério e efectivo nesta Região Administrativa Especial.
   Em sede do presente recurso jurisdicional, a Recorrente alegou pela primeira vez a existência do justo motivo da falta de uso sério e efectivo.
   Trata-se duma questão nova que nunca foi suscitada no julgamento da primeira instância, pelo que não pode ser apreciada nesta sede face à finalidade do recurso jurisdicional, que é justamente apreciar a bondade da decisão judicial recorrida.
   Tudo visto, resta decidir.
*
   IV – Decisão
   Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- modificar a decisão da matéria de facto nos termos acima consignados; e
- negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.”
Ora, pela transcrição supra se conclui facilmente que no acórdão reclamado constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão.
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III. Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente a arguida nulidade do acórdão.
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Custas do incidente pela Recorrente, com 10UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 07 de Julho de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
122/2016
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