Processo nº 122/2015
Data do Acórdão: 07JUL2016
Assuntos:
Princípio da decisão
Acto meramente confirmativo
SUMÁRIO
Não é contenciosamente recorrível por ser meramente confirmativa a decisão, tomada em resposta a um novo pedido, igual a um outro pedido anterior formulado por um mesmo requerente, desde que ambos os pedidos sejam idênticos, se apoiem nos fundamentos idênticos e sejam decididos no mesmo sentido com os fundamentos idênticos.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 122/2015
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, inconformado com o despacho do Senhor Secretário para a Segurança que, no âmbito de um procedimento administrativo de autorização de residência, lhe indeferiu o pedido de autorização de residência, vem recorrer do mesmo para este TSI mediante o requerimento a fls. 3 a 28 dos presentes autos.
Citado, o Senhor Secretário para a Segurança contestou pugnando pela improcedência do recurso.
Não havendo lugar à produção das provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.
Apenas o recorrente apresentou as alegações facultativas.
Em sede de vista final, o Ministério Público emitiu o seu douto parecer suscitando a excepção de irrecorribilidade do acto recorrido por ser meramente confirmativo, e subsidiariamente pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexiste nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
À excepção da questão prévia da irrecorribilidade do acto recorrido suscitada pelo Ministério Público, inexistem outras questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Então, apreciemos primeiro esta questão prévia de irrecorribilidade do acto recorrido.
Para o efeito de apreciação da questão prévia, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão sobre a recorribilidade do acto recorrido:
* O recorrente A formulou em 16MAIO2012 o requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Executivo pedindo que lhe fosse concedida a autorização de residência com fundamento na reunião familiar;
* Por despacho datado de 21SET2012 do Senhor Secretário para Segurança, foi-lhe indeferido o pedido, com fundamento nos antecedentes criminais;
* A notificação desse despacho ao ora recorrente fez-se por via postal em 15OUT2012;
* Mediante o requerimento datado de 02MAIO2014, o ora recorrente pediu ao Senhor Chefe do Executivo que lhe fosse concedida a autorização de residência com fundamento na reunião familiar;
* Por despacho datado de 24OUT2014 do Senhor Secretário para Segurança, foi-lhe indeferido o pedido, com fundamento nos antecedentes criminais; e
* Inconformado com este despacho que lhe indeferiu a requerida autorização, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso de anulação para este TSI.
Inteirados do que se passou, nomeadamente as datas em que ocorreram as vicissitudes com relevância à decisão sobre a recorribilidade do acto recorrido, já estamos em condições para a apreciação da excepção suscitada pelo Ministério Público.
Apreciemos.
Por força do princípio da decisão, consagrado no artº 11º do CPA, o órgão administrativo, desde que seja competente, tem o dever de decisão de uma pretensão que lhe for dirigida.
No entanto, o próprio artº 11º do CPA estabelece uma limitação ao princípio da decisão.
É justamente o normativo do nº 2, rezando que “não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos contados desde a prática do acto até à data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.”.
O que quer dizer que, desde que haja identidade do requerente, do pedido e dos fundamentos, a Administração não tem o dever de decidir de novo, se o novo pedido tiver sido formulado dentro de dois anos contados a partir da decisão do primeiro.
Para além dessa interpretação que resulta directamente do texto da lei, há doutrina que vai para mais longe.
A propósito do artº 9º do CPA português, correspondente ao artº 11º do nosso CPA, a doutrina tece as seguintes considerações:
Não pode retirar-se do preceito a conclusão de que, existindo o dever de decisão de uma pretensão já decidida (se a mesma voltar a ser formulada mais de dois anos depois), a decisão proferida de novo seria uma decisão impugnável contenciosamente. Na verdade, se ela vier igual à anterior, em reposta a uma pretensão igual à já formulada, será meramente confirmativa e, portanto, em princípio, irrecorrível.
O preceito apenas constitui a Administração no dever jurídico de pronunciar-se de novo sobre a questão, mesmo que ela seja a reprodução literal daquela que lhe havia sido formulada antes; mas, se a petição e decisão forem as mesmas – formulada aquela e tomada esta com os mesmos fundamentos – tal decisão (expressa ou tácita, tanto faz) continua a ser meramente confirmativa, não se abrindo prazo para recorrer contenciosamente.
O que significa, por outro lado, que, se houver entretanto uma alteração de quaisquer circunstâncias relevantes para decisão da questão e o interessado as trouxer à baila para fundamentar um pedido igual ao anterior (o que pode dizer em qualquer momento e não apenas dois anos depois), a decisão da Administração, se se limitar a reproduzir os fundamentos antecedentes, não será confirmativa e admite o recurso (ou reacção) contencioso. – Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, actualizada, revista e aumentada, pág. 129.
Ora, in casu, temos assente o seguinte:
* Ambos os pedidos formulados pelo mesmo requerente têm os mesmos fundamentos – laços familiares com o cônjuge e o filho menor;
* O 2º pedido foi formulado há menos de dois anos contados da decisão do 1º pedido;
* Mesmo formulado há menos de dois anos, a Administração decidiu de novo; e
* Ambas as decisões vão no sentido de indeferir o pedido de autorização de residência com os mesmos fundamentos que são antecedentes criminais do requerente.
Verificam-se assim todos os pressupostos da dispensa legal do dever de decisão, prevista no artº 11º/2 do CPA.
Assim, na esteira da doutrina acima citada e por maior de razão, mesmo que a Administração tivesse decidido de novo, a nova decisão continua a ser meramente confirmativa, e portanto insusceptível de recurso contencioso – artº 31º/1 do CPAC.
O que conduz à rejeição do presente recurso.
Em conclusão:
Não é contenciosamente recorrível por ser meramente confirmativa a decisão, tomada em resposta a um novo pedido, igual a um outro pedido anterior formulado por um mesmo requerente, desde que ambos os pedidos sejam idênticos, se apoiem nos fundamentos idênticos e sejam decididos com os fundamentos idênticos.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar procedente a excepção da irrecorribilidade do acto ora recorrido, e consequentemente rejeitar o recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça fixada em 6UC.
Registe e notifique.
RAEM, 07JUL2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui presente
Mai Man Ieng