Processo nº 754/2014
Data do Acórdão: 07JUL2016
Assuntos:
Oportunidade de junção de documentos
Impugnação da matéria de facto
Formalidade ad substantiam
Formalidade ad probationem
SUMÁRIO
Face ao disposto quer na redacção primitiva do artº 410º/1 do Código Civil de 1966 quer no artº 404º/2 do Código Civil de 1999, a exigência da forma legal para a celebração de contrato promessa de compra e venda de bens imóveis tem natureza de formalidade ad substantiam e não de mera formalidade ad probationem;
Assim, se no contrato promessa de compra e venda de bens imóveis não constar a menção de que um dos intervenientes agiu na qualidade do procurador, o Tribunal não pode, através da valoração dos outros meios de prova que não sejam do próprio texto do contrato, julgar provado que esse interveniente agiu em nome de outrem na celebração do contrato.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 754/2014
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
A, devidamente identificado nos autos, intentou a acção ordinária contra Empresa de Fomento e Investimento B (Macau), Limitada, e Companhia de Desenvolvimento C, Limitada, também devidamente identificados nos autos.
A acção foi registada com o nº CV3-10-0005-CAO e correu os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base.
Citada pessoalmente, a 2ª Ré C contestou por excepção e por impugnação.
Ao passo que a 1ª Ré B foi citada por edital cujo último anúncio foi publicado em 05OUT2010 (cf. as fls. 285 a 290 dos autos).
Não houve contestação apresentada pela 1ª Ré B.
A 1ª Ré B juntou aos autos a procuração forense aquando da apresentação do requerimento datado de 07FEV2012 pedindo a confiança dos autos para consulta – cf. as fls. 680 e 681.
Face à defesa apresentada pela 2ª Ré (que impugnou o facto alegado pelo Autor de que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., interveio no contrato promessa de 12OUT1992 na qualidade da procuradora da 1ª Ré) e na dúvida sobre o verdadeiro sujeito dessa relação jurídica material controvertida (do alegado contrato promessa de 12OUT1992), o Autor requereu, ao abrigo do disposto nos artºs 267º/2 e 67º do CPC, na réplica, o chamamento da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda. para intervenção principal passiva, tendo formulado subsidiariamente contra ela (D) dois pedidos, um principal e outro subsidiário – cf. as fls. 492 a 498 dos autos.
Cumprido o contraditório, a Exmª Juiz titular do processo, admitiu a intervenção principal provocada da Companhia de Investimento e Fomento Predial D e ordenou a citação nos termos do disposto no artº 269º do CPC.
Foi citada pessoalmente a interveniente Companhia de Investimento e Fomento Predial D, na pessoa do seu sócio E – cf. fls. 688 dos autos.
A interveniente D não interveio efectivamente na causa, ou seja não deduzindo articulado próprio nem requerimento tendente à adesão aos articulados da 2ª Ré.
Na fase de instrução, foi proferido pela Exmª Juiz titular do processo o despacho que admitiu a junção de um conjunto de documentos, requerida pela 2ª Ré F.
Inconformado com o despacho que admitiu a junção dos documentos, o Autor interpôs recurso desse mesmo despacho para este TSI mediante o requerimento a fls. 1111 dos presentes autos.
Admitido o recurso, fixados a ele o regime de subida diferida e o efeito meramente devolutivo, e juntas as alegações, continuou a marcha processual da acção na sua tramitação normal.
Realizada a audiência de julgamento da matéria de facto pelo Colectivo e apresentadas as alegações de direito pelas partes, veio a ser proferida a final a seguinte sentença de direito julgando parcialmente procedente a acção nos termos seguintes:
I) RELATÓRIO
A, casado, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente em Macau número XXXXXXX(X), emitido em 23 de Março de 2007, residente na XXXXXXXXXXXX, Macau.
Acção Ordinária contra
1. EMPRESA DE FOMENTO E INVESTIMENTO B (MACAU), LIMITADA(B(澳門)實業發展有限公司), sociedade comericl por quotas de responsabilidade limitada, registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º XXXX, com sede em Macau, na XXXXXXXXX;
2. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO C, LIMITADA(C發展有限公司), sociedade comericl por quotas de responsabilidade limitada, registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º XXXX(SO), com sede em Macau, XXXXXXXXX.
com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 118 a 148.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente e provada, e consequentemente:
1) Ser declarada nulo, por simulação, o contrato de compra e venda do prédio urbano sito na XXXXXXXXXX, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX, a fls. 278v do Livro B12, celebrado em 10 de Janeiro de 2009 pelas Rés, e, em consequência, com o mesmo fundamento, ser também declarado nulo o registo de aquisição a favor da Segunda Ré, realizado através da Apresentação n.º 31 de 16 de Fevereiro de 2009 e, ordenado o seu cancelamento; e
2) Serem declaradas a nulidade, por simulação, do contrato-promessa da compra e venda celebrado entre as Rés em 16 de Março de 2007, referente a esse mesmo bem, bem como, como o mesmo fundamento, ser declarada a nulidade do registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré, realizado pela Apresentação n.º 77 de 16 de Março de 2007 e ordenado o cancelamento do mesmo.
SUBSIDIARIAMENTE, caso os pedidos anteriores não procedam:
3) Ser declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12 de Outubro de 1992, em virtude do não cumprimento definitivo e doloso, por parte da Primeira Ré e, consequentemente, ser reconhecido ao Autor o direito de reaver, em dobro, o montante pago a título de sinal, acrescido de juros de mora até integral pagamento, quantias que, na presente data, ascendem ao montante global de MOP$54,516,546.00, e cumulativamente;
4) Ser julgada procedente por provada a impugnação pauliana e, em consequência, ser reconhecido ao Autor o direito à restituição do bem vendido, na medida do seu interesse creditício, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 612º do C. Civil;
5) Subsidiariamento ao pedido efectuado em 4, ser reconhecida ao Autor legitimidade para, em substituição da Primeira Ré, exigir da Segunda Ré o pagamento dos créditos de que aquela é titular por força da celebração dos contratos datados de 16 de Março de 2007 e 10 de Janeiro de 2009, e, consequentemente, ser a Segunda Ré condenada no pagamento à Primeira Ré do montante de MOP$211,861,216.00, correspondente ao valor do sinal e remanescente do preço não pagos, acrescidos de juros de mora até à presente data, do qual, revertendo, contudo, em beneficio do Autor o valor de MOP$54,516,546.00, correspondente ao seu crédito;
6) Subsidiariamente aos pedidos realizados em 4 e 5, serem ambas as Rés – a Primeira como devedora principal e a Segunda por ter assumido singular e cumulativamente a dívida daquela para com o Autor – solidariamente condenadas a pagar ao Autor o montante global de MOP$54,516,546.00, respeitante à devolução do sinal em dobro e respectivos juros de mora calculados até à data da entrada da presente acção, acrescido do valor dos juros de mora que entretanto se vencerem até integral pagamento;
7) Subsidiariamente, caso não procedam nenhum dos pedidos formulados em 4, 5 e 6, ser a Primeira Ré condenada a pagar ao Autor o valor de MOP$54,516,546.00, correspondente ao dobro do sinal entregue por conta do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12 de Outubro de 1992, acrescido de juros de mora contabilizados até à data de entrada da presente acção, à qual deve acrescer o valor dos juros de mora que entretanto se vencerem até integral pagamento.
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Citadas as Rés, apenas a 2ª Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 294 a 340 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Concluiu, pedindo que seja julgado procedentes a excepção de ilegitimidade passiva e que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora.
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Na réplica constante a fls. 474 a 523, a Autora vem deduzir o incidente de intervenção principal da Companhia de Investimento e Fomento Predial D, Lda, na qualidade da Ré, para no caso de se entender não ser a 1ª Ré parte legítimo do pedido de resolução do contrato-promessa e de restituição do sinal prestado em dobro e pediu, subsidiariamente, a declaração da resolução do contrato-promessa celebrado entre o Autor e a Companhia de Investimento e Fomento predial D, Lda e a condenação desta na restituição do sinal entregue no valor de MOP$23.481.383,00, bem como requereu o incidente de ampliação do pedido referido no ponto n°2, pedindo que ser declarada também, a nulidade, por simulação do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as Rés em 18 de Janeiro de 2007, referente a esse mesmo bem, bem como, com o mesmo fundamento, ser declarada a nulidade do registo provisório de aquisição a favor da segunda Ré, realizada pela Apresentação n°77 de 16 de Março de 2007 e ordenado o cancelamento do mesmo.
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Admitida a intervenção da Companhia de Investimento e Fomento Predial D, Lda, e citada a interveniente, esta não apresentou contestação.
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Foi admitida ampliação do pedido formulado pelo Autor por despacho a fls.631.
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Saneado o processo, foi seleccionada a matéria de factos. Procedeu-se à audiência de julgamento pelo Tribunal Colectivo na observância de formalismo.
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O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas.
O autor e a 1ª Ré são legítimos.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FACTOS
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- O prédio urbano em causa nos presentes autos, sito na XXXXXXXXXXXX, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX, do livro B-12, fls. 278v, e inscrito no respectiva matriz predial urbano sob o artigo XXXXXX, encontrava-se registado a favor da Segunda Ré com a inscrição XXXXXX resultante da Apresentação 77, de 16/03/2007. (alínea A) dos factos assentes)
- A Primeira Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade construção civil e investimento no sector imobiliário. (alínea B) dos factos assentes)
- A Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda. é uma sociedade que se dedica ao investimento imobiliário. (alínea C) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007, a Primeira Ré celebrou com a Segunda Ré um contrato-promessa de compra e venda referente ao prédio melhor identificado nos presentes autos. (alínea D) dos factos assentes)
- Pelo preço de HKD$188,300,000.00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong), a Primeira Ré prometeu vender à Segunda Ré, e esta prometeu comprar-lhe o prédio atrás identificado. (alínea E) dos factos assentes)
- Na data de celebração deste contrato, ou seja, 16 de Março de 2007, e com base no mesmo, foi efectuado o registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré na Conservatória do Registo Predial, titulado pela Apresentação n.º 77 de 16 de Março de 2007. (alínea F) dos factos assentes)
- Em 10 de Janeiro de 2009, em cumprimento do contrato-promessa entre ambas celebrado, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado G, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio melhor identificado nos presentes autos, declarando que o fazia pelo preço de HKD$188,300,000.00, equivalentes a MOP$194,231,450.00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas). (alínea G) dos factos assentes)
- Em 16 de Fevereiro de 2009, com base na mencionada escritura de compra e venda celebrada entre as Rés, foi requerida e obtida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré, conforme Apresentação n.º 31 de 16 de Fevereiro de 2009. (alínea H) dos factos assentes)
- O prédio em apreço, em regime de propriedade privada, apto para construção, tem uma área de 56,166 (cinquenta e seis mil, cento e sessenta e seis) metros quadrados. (alínea I) dos factos assentes)
- Em 11 de Julho de 2008 a Primeira Ré intentou contra a Segunda Ré acção judicial com vista à obtenção de declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a Segunda Ré e datado de 18 de Janeiro de 2007, a qual correu termos sob o número de Processo CV2-08-0048-CAO. (alínea J) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- No dia 12 de Outubro de 1992, o A., na qualidade de promitente-comprador, e a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., na qualidade de procuradora da 1ª R., celebraram um contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre um terreno destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º P15 e 15, integrado no prédio sito na XXXXXXXXXXX. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- De acordo com o estipulado na cláusula 1ª do contrato-promessa celebrado, o preço acordado pelas partes foi estabelecido à razão de HKD$250.00 (duzentas e cinquenta dólares de Hong Kong) por pé quadrado. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A área de construção prevista e então sujeita a aprovação do terreno objecto do contrato era de 173,730 (cento e setenta e três mil, setecentos e trinta) pés quadrados. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- O preço de venda total foi de HKD$43,432,500.00 (quarenta e três milhões quatrocentos e trinta e dois mil e quinhentos dólares de Hong Kong) a que correspondiam MOP$44,735,475.00 (quarenta e quatro milhões, setentas e trinta e cinco mil, quatrocentas e setenta e cinco patacas). (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Mais acordaram as partes que, na data da celebração do contrato-promessa, o A. pagaria a título de sinal, o valor de HKD$10,000,000.00 (dez milhões de dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Até ao dia 15 de Novembro de 1992, também a título de sinal, pagaria mais HKD$11,716,250.00 (onze milhões, setecentos e dezasseis mil e duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- O remanescente do preço, ou seja, HKD$21,716,250.00 (vinte e um milhões, setecentos e dezasseis mil, duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong), seria pago aquando da celebração da escritura pública de compra e venda. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- A qual, nos termos do ponto 2 da cláusula 2ª, deveria ser celebrada no prazo de 20 dias a contar da aprovação do projecto de construção que havia sido apresentado junto da entidade administrativa competente, e que se previa acontecer em 12 de Abril de 1993. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Conforme o acordado, na data de celebração do contrato-promessa, o A. procedeu à entrega do valor de HKD$10,000,000.00 (dez milhões de dólares), à Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Foi emitido ao A. um recibo comprovativo do pagamento de tal quantia em nome da Companhia de Fomento Predial I, Lda. assinado por H (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Os representantes legais da Companhia Fomento e Investimento Predial D, Lda., os Senhores J e H, que intervieram na outorga do contrato-promessa de compra e venda, eram também sócios da Companhia de Fomento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- No dia 28 de Outubro de 1992, o A. entregou ao Senhor K, sócio da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., a quantia de HKD$9,112,885.00 (nove milhões, cento e doze mil e oitocentos e oitenta e cinco dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Foi emitido por aquele senhor ao A. um recibo em nome da Companhia de Fomento e Investimento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- No dia 29 de Outubro de 1992, o A. procedeu à entrega de mais HKD$3,684,574.00 (três milhões, seiscentos e oitenta e quatro mil e quinhentos e setenta e quatro dólares de Hong Kong) à Companhia de Fomento e Investimento D, Lda. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Novamente, foi-lhe emitido um recibo de quitação de tal quantia em nome da Companhia de Fomento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- O A. nunca celebrou qualquer negócio ou estabeleceu qualquer relação comercial com a Companhia de Fomento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- O A. sempre aceitou os recibos que em nome da Companhia de Fomento Predial I, Lda. lhe eram emitidos pelos legais representantes da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., com quem havia celebrado o contrato-promessa, por confiar nos mesmos e estes lhes transmitirem que não havia problema. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Alguns legais representantes da sociedade que, como procuradora da 1ª R., celebrou o contrato-promessa e da sociedade em nome da qual foram emitidos os recibos de quitação são os mesmos. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- O A. procedeu ao pagamento do valor HKD$22,797,459.00 (vinte e dois milhões, setecentos e noventa e sete mil quatrocentos e cinquenta e nove dólares de Hong Kong), a título de sinal nos terreno contratualmente acordados. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Apesar dos contactos encetados pelo A. junto à 1ª R. ao longo de vários anos, nomeadamente junto do Sr. Q, sócio da 1ª R., não foi possível até à presente data chegar a acordo quanto a celebração do contrato definitivo. (respostas aos quesitos 21º e 22º da base instrutória)
- O A. ainda não perdeu o interesse na celebração desse contrato. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- O prédio tinha, nos princípios de 2007, um valor de mercado de cerca de MOP$500,000,000.00 (quinhentos milhões de patacas). (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Provado apenas que o prédio referido nos autos é um prédio em regime de propriedade privada. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- O prédio encontra-se ocupado por um indivíduo chamado por Wu Tak Nang. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- O teor do contrato-promessa referido em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- O teor da cláusula 4ª do contrato-promessa referido em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Foi exibida ao A., aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda melhor identificado resposta ao quesito 1º uma procuração outorgada pela 1ª R. a favor da Companhia de Fomento e Investimento Predial D Lda. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- Por força de tal procuração a 1ª R. conferiu à Companhia D, Lda. plenos poderes de administração e de disposição relativamente ao prédio número 14 a 17 da XXXXXX, descrito na CRPredial de Macau sob o n.º XXXX, e bem assim, “a quaisquer edifícios, construções, edificações, incluindo prédios constituídos ou não em regime de propriedade horizontal e, na primeira hipótese, respectivas fracções, autónomas, e suas componentes que venham a implantar-se no terreno resultante da sua demolição”. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- A referida procuração confere ainda à procuradora poderes para celebrar negócios “consigo mesmo”. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- E foi outorgada também em benefício da procuradora. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Na data em que foi outorgado o contrato-promessa de compra e venda com o ora A., a Companhia D, Lda. exibiu o original de tal procuração e facultou ao ora A. não só uma cópia da mesma, mas também a sua tradução para chinês. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- O A. sempre confiou nas pessoas que agiram em representação da 1ª R., e no âmbito dos poderes que lhe foram outorgados através daquela procuração. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Foi na posse desta procuração que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, como procuradora da 1ª R., deu início à celebração dos contratos-promessa de compra e venda relativos aos prédios a construir no terreno sito na XXXXXX, n.º 14 a 17. (respostas aos quesitos 47º e 48º da base instrutória)
- A Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada entregou os respectivos sinais à 1ª R.. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- A 1ª R. tinha pleno conhecimento dos contratos-promessa de compra e venda que, recorrendo a tal procuração, a Companhia D, Lda. vinha celebrando sobre o imóvel sito na Ilha XXXX n.ºs 14 a 17. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- O contrato-promessa de 16 de Março de 2007 foi celebrado com o objectivo de se rectificar o lapso de escrita existente no nome do procurador da 1ª R. e legal representante da 2ª R. no contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- O teor da cláusula 5ª do contrato-promessa referida em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Para aquisição do terreno em causa, L pagou à 1ª R. HKD$110,000,000.00, e por conta da 1ª R., a 2ª R. pagou ao Tribunal Judicial de Base, as quantias de MOP$581,000,000.00 e de MOP$2,515,704.35, a título de encargos decorrentes da acção judicial por constituição de hipoteca sobre o terreno em causa a favor do banco M para garantia do crédito no valor de MOP$493,520,000.00. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- Está estipulado no artigo 5º do “Contrato-Promessa de Compra e Venda” de 16 de Março de 2007 o seguinte: o 2º outorgante tomou conhecimento da existência do registo de hipoteca/penhora do dito terreno (inscrito sob o n.º XXXXXº, a fls. 63 do Livro n.º C72M, a favor do credor hipotecário: Banco M, Limitada), do registo de arresto (inscrita sob o n.º XXXXX, requerente: Companhia N) e da inscrição provisória de aquisição (sob o n.º XXXXXXX, a favor de O) na Conservatória do Registo Predial de Macau, tendo o proprietário do imóvel O prestado a declaração de renúncia. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
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III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Com a presente acção, alegou o Autor ter celebrado um contrato-promessa em 12 de Outubro de 1992 com a 1ª Ré em que aquele prometeu comprar e esta prometeu vender o terreno com os n°14 a 17 da XXXXXXXXXXXX, pelo preço e de HK$43.432.500.00. Para o efeito, tendo o Autor entregue a 1ª Ré, a título de sinal, o montante de HK$22.797.459,00.
Até à actualidade, não foi realizado o contrato definitivo de compra e venda, apesar de vários contactos entre o Autor e a 1ª Ré.
Entretanto, entre as 1ª Ré e 2ª Ré foram celebrados dois contratos-promessa em 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007 relativo ao mesmo terreno titulado pela 1ª Ré, tendo a 2ª Ré requerido o registo provisório de aquisição do prédio sob a apresentação n°77 de 16 de Março de 2007.
Em 10 de Janeiro de 2009, foi celebrado o contrato definitivo de compra e venda pelas Rés. Com base na respectiva escritura pública, foi convertido em definitivo o registo provisório de aquisição acima referida.
Invoca o Autor que o contrato de compra e venda, os contratos-promessa entre 1ª e 2ª Rés foram celebrados por simulação com a intenção de frustrar a cobrança do crédito da Autora, pretende ver declarados nulos os negócios em causa. Subsidiariamente, pediu o Autor a resolução do contrato-promessa celebrado com a 1ª Ré e o reconhecimento do direito de crédito de dobro do sinal contra a 1ª Ré e cumulativamente, recorre à figura de impugnação pauliana ou, a sub-rogação para conservar a garantia do seu crédito ou, a condenação Rés no pagamento de dobro do sinal prestado e os respectivos juros moratórios por força da assunção cumulativa das Rés, ou no último rátio, a condenação da 1ª Ré no pagamento do dobro do sinal e dos juros moratórios.
Na contestação, a 2ª Ré excepciona a sua legitimidade, alegando que não tinha intervenção no negócio entre o Autor e a 1ª Ré, bem como impugnou a existência de qualquer conluio com a 1ª Ré nem a intenção de prejudicar ao Autor na celebração dos negócios cuja nulidade o Autor põe em causa.
Considerando o enquadramento abstracto delineado pelas partes e as fundamentações invocadas pelo Autor para sustentar os seus pedidos, são os seguintes grupo de questões cujo conhecimento interessa para a resolução do litígio dos presentes autos:
I. Legitimidade da 2ª Ré
II. Simulação do contrato de compra e venda
III. Simulação do contrato de promessa de 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007
IV. Resolução do contrato entre o Autor e a 1ª Ré
IV. Impugnação Pauliana
IV. Sub-rogação do direito de crédito da 1ª Ré pelo Autor contra a 2ª Ré
V. Assunção cumulativa das dívidas pelas 1ª e 2ª Ré
VII. Pedido em relação à interveniente
I. Excepção da ilegitimidade passiva da 2ª Ré
Na contestação, a 2ª Ré disse que é ilegítima por não ter conhecimento do crédito invocado pelo Autor nem ter intervindo no negócio celebrado entre este e a 1ª Ré.
O autor move a presente acção contra as Rés, pretendendo, a título de pedido principal, que sejam declarados nulos o contrato de compra e venda em 9 de Janeiro de 2009 e os contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007, celebrados entre as 1ª e 2ª Ré por simulação.
Dispõe-se o art°58° do C.P.C. que “Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade ou sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Segundo os factos alegados na p.i., a pretensão principal do Autor é atacar a validade tanto do contrato de compra e venda como dos contratos-promessa celebrados entre as Ré, por haver conluio entre as Rés quanto ao preço do terreno e que estas não tinham intenção real de celebrar os negócios em causa mas apenas com a outorga dos negócios com o intuito de frustrar a cobrança do crédito que o Autor tem contra a 1ª Ré.
Portanto, conforme esses factos alegados, as relações materiais controvertidas são os contratos estabelecidos entre as Rés, sendo a 2ª Ré um dos sujeitos dessas relações, ela possui naturalmente legitimidade para ser demandado e para defender a sua posição perante a pretensão do Autor.
Por outro lado, o que o Autor põe em causa é a validade dos contratos celebrados entre as 1ª e 2ª Ré, se forem considerados provados os factos alegados e dada razão ao Autor, a consequência seria a declaração da nulidade dos negócios em causa, a sentença não poderia produzir o efeito pretendido pelo Autor sem a intervenção dos sujeitos desses negócios jurídicos objectos da nulidade.
Pelo que, a 2ª Ré é parte legítima nos presentes autos.
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II. Nulidades do contrato de compra e venda de 9 de Janeiro de 2009
O autor arguiu que as 1ª e 2ª Rés celebraram o contrato de compra e venda com o propósito de furtar aos credores da 1ª Ré a possibilidade de se socorreram do único património de que a mesma era titular, com a fundamentação de o preço alegado pelas Rés é muito inferior ao real valor do imóvel bem como após a celebração da escritura pública, a situação do imóvel manteve-se sem qualquer alteração e não foi paga pela 2ª Ré à 1ª Ré qualquer quantia a título de preço da venda, concluindo, por isso, que as Rés não tinham a real vontade de realizar o negócio jurídico.
Preceitua-se, quanto ao conceito de simulação, o art°232° do C.C.:
“1. Se, por acorde entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2.O negócio simulado é nulo.”
“A simulação é uma divergência bilateral entre a vontade e a declaração, que é pactuada entre as partes com a intenção de enganar terceiro. Na simulação as partes acordam entre si emitir uma declaração negocial que não corresponde à sua vontade real e fazem-no com o intuito de enganar terceiros.” (cfr.Pedro Pais de Vasconcelos que in Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 4ª Edição, pg.682)
São elementos integradores de simulação: o acordo entre as partes (declarante e declaratório); a divergência entre a declaração e a vontade real; e o intuito de enganar o terceiro.
Nos termos do art°335°, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
Portanto, cabe ao Autor provar que há, efectivamente, pacto simulatório das partes, a divergência entre a vontade declarada e vontade real bem com o requisito de intuito de enganar a terceiro.
Vamos analisar se o presente caso se preenchem os requisitos integradores de simulação.
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A primeira causa da simulação invocada pelo Autor reside na divergência entre o preço declarado pelas Rés no contrato de compra e venda e o preço real do terreno objecto do contrato.
O Autor diz que o terreno com os n°14 a 17 da XXXXXXX tem, actualmente, e tinha, à data da escritura de compra e venda, um valor real de mercado não inferior a MOP$2.000.000.000,00, mas as Rés declararam, no contrato de compra e venda, um preço muito inferior ao preço do mercado
Vem provado apenas que o prédio tinha, nos princípios de 2007, um valor de mercado de cerca de MOP$500.000.000,00.
Não obstante de não saber o valor de mercado à data de outorga de contrato de compra e venda, ou seja, do ano 2009, considerando que a outorga do contrato de compra e venda é a obrigação que os promitentes ficam adstritos a cumprir com a celebração dos contratos-promessa e são normalmente aí estipuladas as condições do contrato definitivo, mormente, o preço de venda, para apurar se existir efectivamente simulação de preço, é adequada a comparação ter por ponto de referência o valor real do bem à data dos contratos-promessa e o preço prestado pelas partes
No caso em causa, consta no contrato de compra e venda que o preço de venda é apenas de HKD$188.300.000,00. Aparentemente, existe uma diferença entre o preço declarado pelas partes e o valor real do prédio.
Porém, para saber se o preço pago pelo comprador a vendedor é inferior, em larga medida, ao valor de mercado do imóvel, não basta considerar ao preço declarado na respectiva escritura pública, sendo ainda necessário saber o que, na realidade, a 2ª Ré prestou à 1ª Ré como contrapartida da aquisição do terreno.
Decorre dos factos assentes que para aquisição do terreno, o sócio da 2ª Ré, L pagou a 1ª Ré HKD$110.000.000,00 e a 2ª Ré pagou, por conta da 1ª Ré ao Tribunal Judicial de Base as quantias de MOP$581.000.000,00 e de MOP$2.505.704,35 numa acção judicial por constituição de hipoteca sobre o terreno a favor do Banco M.
Como se vê, contando somente as quantias liquidadas pela 2ª Ré por conta da 1ª Ré, esses montantes já são superiores a HKD$500.000.000,00. Assim, tomando em linha de conta o valor das dívidas que a 2ª Ré já tinha pago por conta da 1ª Ré e da quantia entregue à 1ª Ré, a contrapartida prestada pela 2ª Ré para a aquisição do terreno é superior ao valor de mercado do terreno em causa, à data de celebração dos contratos-promessa.
Em conclusão, o preço pago pela 2ª Ré a 1ª Ré pela aquisição do terreno não é inferior ao seu valor real, assim, a tese tecida pelo Autor de simulação do preço com o intuito de frustrar os credores do Autor não pode deixar de ser naufragada.
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Outra causa de simulação invocada pelo Autor baseou-se na falta de intenção de transmissão da propriedade do terreno, as Rés apenas outorgaram o contrato de compra e venda com o intuito de frustrar aos credores da 1ª Ré a possibilidade de satisfação do seu crédito com o terreno.
A esse propósito, não se provaram os factos quanto à falta de intenção de transmissão da propriedade do terreno pela 1ª Ré à 2ª Ré nem o intuito de enganar os credores da 1ª R, (as respostas aos quesitos 26° a 31°).
Assim, não se verificam os requisitos essenciais de simulação, que é a existência de divergência entre a declaração e a vontade real e a intenção de prejudicar o terceiro, cai por terra a pretensão de nulidade por simulação formulada pelo Autor.
Nestes termos, não conseguiu o Autor demonstrar a verificação da divergência da vontade real e vontade declarada, tanto do preço como da intenção de transmissão da propriedade do terreno, não pode proceder o pedido de nulidade de contrato de compra e venda e do cancelamento do respectivo registo.
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III. Nulidade dos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007
Com a finalidade de atacar o registo provisório de aquisição, o Autor invocou também a nulidade dos contratos-promessa celebradas entre as Rés em 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007, remetendo, para o efeito, os mesmos factos alegados quanto à simulação do preço e à ausência de vontade de transmissão da propriedade no que diz respeito ao contrato de compra e venda.
Sobre essa questão (por ser idênticas as matérias de factos e de direito), vale todas as fundamentações expendidas aquando da apreciação da questão de simulação relativa do contrato de compra e venda.
Ou seja, por não se mostrar provados factos quanto à divergência entre o valor de mercado do terreno e o valor pago pela 2ª Ré como contrapartida, nem quanto à ausência de transmissão da propriedade nem do propósito de frustrar aos credores da 1ª Ré, não pode proceder o pedido de nulidade dos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007 por simulação, bem com o respectivo pedido de cancelamento do registo provisório de aquisição sob a apresentação n°77 de 16 de Março de 2007.
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IV. Resolução do contrato-promessa celebrado entre o Autor e a 1ª Ré
Subsidiariamente, vem o Autor requerer a resolução do contrato-promessa celebrado em 12 de Outubro de 1992 com a 1ª Ré com fundamento do não cumprimento definitivo e doloso por parte desta e o reconhecimento do direito de ser indemnizado o montante de MOP$54.516.546,00 correspondente ao dobro do sinal pago, acrescido de juros de mora até integral pagamento.
Resulta dos factos assentes que, em 12 de Outubro de 1992, a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda, na qualidade de procuradora da 1ª Ré prometeu vender ao Autor e este prometeu comprar o terreno com os n°14 a 17 situado na XXXXX pelo preço de HKD$43.432.500,00.
Tendo em conta o contrato em causa ter sido celebrado em 1992, a esse contrato é aplicável o regime regulado na vigência do C.C. antigo, face ao disposto do art°6° do C.C.M, com excepção da situação prevista no art°11° e 16° do C.C.M..
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Com quem o Autor celebrou o acordo
De acordo com o disposto do art°262° do CC.66, diz-se “procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”.
Por outro lado, dispõe o art°258° do CC 66 que “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esféria jurídica deste último”.
Assim vem provado que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda celebrou o acordo acima referido na qualidade da procuradora da 1ª Ré e não em nome próprio, assim, o acordo em causa produz o efeito jurídico na esfera jurídica da 1ª Ré em conformidade do preceito acima transcrito.
Portanto, os sujeitos dessa relação são o Autor e 1ª R, representada pela interveniente, ou seja, o contrato é celebrado entre o Autor e a 1ª Ré.
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“O contrato-promessa é convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.” (Prof. Antunes Varela, in Obrigações em Geral, Vol. I. pag. 312)
O contrato-promessa tem por objecto a celebração dum determinado contrato.
No caso em apreço, flui dos factos assentes supra referidos que, através do acordo, a 1ª Ré prometeu vender e este prometeu comprar o terreno com os n°14 a 17 da XXXXXX ao Autor, pelo determinado preço.
Decorre desse acordo que a 1ª Ré estava obrigada a emitir uma declaração de vontade de venda do bem prometido ao Autor e este estava no direito de exigir a celebração da respectiva escritura pública. Dúvidas não restam que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda que tem por objecto mediato o prédio discutido nos autos.
De acordo com o preceito do artigo 410º, nº 1 do CC66, “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se consta de documento assinado pelos promitentes”.
Consoante essa disposição, o contrato-promessa é válido se for celebrado pela forma escrita. Face ao documento junto aos autos a fls. 93 a 95, o contrato invocado pelo Autor satisfaz a forma exigida por lei.
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Como se sabe, a resolução do contrato só é admitida fundado na lei ou em convenção (art°432°, nº 1 do CC66).
Segundo as jurisprudências e doutrina dominante, a resolução do contrato-promessa por via de lei, só pode ocorrer perante um incumprimento definitivo.
Consagra-se no artigo 762º, nº 1 do CC66 que “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.”
Há incumprimento quando o devedor falta culposamente ao cumprimento da obrigação, nos termos do artigo art°798° do CC66.
“Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.” (art° 801° do C.C. 66)
O credor também tem direito a resolver o contrato se em consequência da mora do devedor, perder aquele o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art°808°, n°1 do CC66).
Segundo o acórdão do Tribunal da Segunda Instância, no processo 1245, de 24 de Fevereiro de 2000, “O incumprimento definitivo do contrato-promessa encontra-se pela verificação de situações (declaração antecipada de não cumprir, termo essencial, cláusula resolutiva expressa, impossibilidade da prestação e perda de interesse na prestação que a induzam.
A impossibilidade da prestação pode ser absoluta ou relativa, originária ou superveniente, objectiva ou subjectiva, e total ou parcial.”
Em termos de direito comparado, decidiu-se no Acórdão de 13 de Julho de 2004, do STJ, in CJ II, p. 145, o seguinte:
“De qualquer modo, a resolução do contrato fundada na lei pressupõe que uma das partes falte culposamente ao seu cumprimento e a outra o tenha cumprido ou diligenciado pelo seu cumprimento.
Assim, pode incluir-se na falta de cumprimento ou inexecução obrigacional lato sensu, para além da impossibilidade de cumprimento, o incumprimento definitivo propriamente dito, o incumprimento definitivo oriundo da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir.”
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Feitas as considerações sobre a modalidade de incumprimento, debruçamos ao caso sub judice para saber se ocorreu o fundamento de resolução do contrato.
Dos autos não consta quaisquer factos quanto à declaração antecipada de não cumprir e ao termo essencial, não há lugar a resolução fundada nessas hipóteses.
Da análise do contrato-promessa encetado entre o Autor e a 1ª Ré, foi consignada uma cláusula resolutiva (cláusula 3ª), porém, não foram alegados factos quanto à verificação da condição resolutiva, também não pode resolver o contrato com esse fundamento.
Provado ficou que desde a data de assinatura do contrato-promessa em 1992 até à data de registo da presente acção, não foi realizado o contrato definitivo de compra e venda. Mais se provou que ao longo de vários anos foram feitos vários contactos pelo Autor junto à 1ª Ré, não foi possível chegar o acordo quanto a celebração do contrato definitivo.
Porém, não foi consignado no contrato-promessa prazo certo para a celebração do contrato definitivo. Assim, cabe ao Autor a interpelação da 1ª Ré para o cumprimento da obrigação, pese provado está que houve contacto pelo Autor com a 1ª Ré para chegar acordo da celebração do contrato definitivo durante cerca de vinte anos, mas o contacto entre os contraentes está longe de poder ser qualificado como interpelação a que se refere o art°805°, n°1, do C.C. 66. Portanto, não se verifica, em rigor, incumprimento temporário por mora nem menos a sua conversão em incumprimento definitivo, perante a declaração expressa do Autor de não perda do interesse na celebração do contrato definitivo na p.i..
No entanto, o contrato-promessa pode ser resolvido por impossibilidade de cumprimento.
Na verdade, está provada que em 10 de Janeiro de 2009, por escritura pública, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o mesmo terreno a que se refere o contrato-promessa celebrado com o Autor, tendo feito o registo definitivo da aquisição a favor da última sob a apresentação n°31 de 16 de Fevereiro de 2009.
Conformes esses factos assentes, o terreno que a 1ª Ré prometeu vender ao Autor já tinha sida transmitida à 2ª Ré e registada a favor da última.
De acordo com o disposto do n°1 do art°9° do C.R.P., “Os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de que se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.”
Assim, o terreno em causa encontra-se actualmente registado a favor da 2ª Ré, direito esse é incompatível com o direito que se vier constituído ou transmitido no contrato prometido no cumprimento do contrato-promessa.
Portanto, é evidente que, com a alienação a terceiro do imóvel objecto do contrato-promessa entre o Autor e 1ª Ré, esta já não pode mais cumprir a promessa perante aquele por já não ser titular do registo do imóvel.
Verifica-se, assim, a impossibilidade de cumprimento, por parte da 1ª Ré, esta já é impossível vender o mesmo terreno ao Autor.
A impossibilidade da prestação só pode ser imputável à 1ª Ré.
Para já, a 1ª Ré não se logrou provar o incumprimento da obrigação não procede da sua culpa, na observância do disposto do art°799° do CC66.
Por outro lado, foi a 1ª Ré quem vendeu, depois de ter celebrado o contrato-promessa com o Autor, o prédio à 2ª Ré, o que tornou impossível o cumprimento do contrato-promessa.
Perante esse enquadramento fáctico e por força do disposto do art°801°, n° 2 do CC66, assiste ao Autor o direito de resolver o contrato processa celebrado em 12 de Outubro de 1992 em que esta é promitente-comprador e a 1ª Ré promitente-vendedor.
Por isso, o pedido subsidiário de resolução do contrato-promessa deve ser julgado procedente.
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Consequência do incumprimento
O autor exige que seja reconhecido o direito de reaver o montante de MOP$54.516.546,00, sendo a quantia de MOP$46.962.766,00 correspondente ao dobro do sinal e a quantia de MOP$4.553.780,00 correspondente aos juros de mora contabilizados desde a data de incumprimento definitivo até à data da entrada da acção, à qual deve ainda acrescer o valor dos juros de mora entretanto vencidos e vincendos.
Como se menciona supra, no caso da impossibilidade de prestação imputável, ao devedor é responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, tem o credor para além de resolução do contrato, o direito de exigir a restituição da prestação que tiver prestado por inteiro. Por outro lado, dispõe-se o art°798º do C.C. 66 que caso a obrigação não seja cumprida o devedor faltoso torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Mas, quanto ao destino do preço pago pelos contraentes, é de ter presente a disciplina prevista no art°436° do C.C.M., face à disposição transitória do n°1 do art°6 e do art°11° do mesmo Código.
Segundo essa norma, “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.”
Preceitua-se o art°441° do CC 66, “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda qua a título de antecipação ou princípio de pagamento de preço.”
Ficou provado que o Autor procedeu ao pagamento do valor HK$22.797.459,00, a título de sinal, assim perante o incumprimento culposo da obrigação pela 1ª Ré e ao abrigo do preceito supra transcrito, tem o Autor o direito de exigir da 1ª Ré o dobro da quantia que lhe tinha prestado, isto é, HK$45.594.918,00.
Em relação aos juros moratórios peticionados pelo Autor, diz o art°804° do Código Civil de 1966 que “1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. 2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”
Mas o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 805º, nº 1 do Código Civil de 1966) ou quando tiver verificado alguma das situações previstas nos termos do artigo 805º, nº 2 do mesmo código, a saber, se a obrigação tiver prazo certo, se provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação.
Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 806°, n° 1 do CC66).
Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal (artigo 806º, nº 2).
In casu, como não se vislumbra qualquer das circunstâncias mencionadas no n° 2 do art°805° do CC66, para que as Rés fiquem em mora, o autor carece de proceder a interpelação.
Dos autos não se mostra que a 1ª Ré tinha sido interpelada para pagar o dobro do sinal pelo Autor antes da interposição da presente acção, aquela só se considera interpelada com a citação feita nos autos. A citação em relação à 1ª Ré foi efectuada por editais, de acordo com o disposto do art°196° do C.P.C., a mesma deve ser considerada citada no dia em que se publicou o último anúncio.
Como o último anúncio foi publicado no dia 5 de Outubro de 2010 (cfr. fls. 290), pelo que a 1ª Ré é considerada interpelada e constituída em mora nessa data. Assim, só são devidos juros de mora, à taxa legal, a partir dessa data, sobre a quantia de dobro do sinal em dívida que é HKD$45.594.918,00, até efectivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 805º, nº 1 e 806º, nº 1 e 2 do Código Civil de 1966.
Pelo que é apenas reconhecido ao Autor o direito de reaver, a título de dobro do sinal prestado, o montante de HK$45.594.918,00, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, contados a partir de 05 de Outubro de 2010 até integral e efectivo pagamento.
V. Impugnação Pauliana
Cumulativamente com o pedido de resolução do contrato-promessa e de reconhecimento do direito de ser pago o dobro do sinal, vem o Autor recorrer à figura de impugnação pauliana com vista a ser-lhe reconhecido o direito à restituição do bem vendido, na medida do seu interesse creditício, nos termos e para os efeitos do disposto no art°612° do C.C..
A impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial, através do qual ao credor é conferida a possibilidade de reagir contra actos praticados pelo devedor, que diminuam o activo ou aumentem o passivo do património.
Diz o art° 605° do C.C. que “Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorreram as circunstâncias: a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”
Por outro lado, diz o art°607° do C.C.M., “1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiveram agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agisse de boa fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.”
Deduz desses preceitos os seguintes requisitos da acção pauliana: a existência de crédito; anterioridade do crédito ou fraude preordenada; o prejuízo da garantia patrimonial e má fé do devedor e terceiro, se o acto for oneroso.
Urge aquilatar se o presente caso preencher os requisitos de impugnação pauliana.
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Crédito do Autor
Quanto à existência de crédito do Autor, o Autor fundou o seu crédito na indemnização pecuniária resultante de resolução do contrato-promessa por incumprimento culposo da 1ª Ré.
De acordo com a análise acima exposta, é reconhecido o Autor o direito de resolução do contrato-promessa e consequentemente disso, assiste ao Autor o direito de ser pago o dobro do sinal que tinha prestado à 1ª Ré.
Portanto, é indiscutível a existência dum crédito por parte do Autor contra a 1ª Ré.
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Anterioridade do crédito ou fraude preordenada
Outro requisito é que o crédito é anterior ao acto alegadamente lesivo da garantia patrimonial ou, sendo o mesmo posterior, seja realizado com a intenção de impedir a satisfação do direito do credor.
No caso, o acto alegadamente lesivo da garantia patrimonial é o acto de transmissão à 2ª Ré do terreno de que a 1ª Ré era titular, cuja escritura pública foi realizada em 10 de Janeiro de 2009, na sequência do cumprimento dos contratos-promessa de 16 de Março de 2007.
Pese embora o contrato-promessa entre o Autor e a 1ª Ré tivesse sido celebrado em 12 de Outubro de 1992, não pode tomar essa data como data da constituição do crédito.
Como se refere acima, o contrato-promessa tem por objecto imediato a celebração do contrato definitivo, com a promessa, ficam os seus contraentes adstritos com uma obrigação de prestação de facto, e não obrigação pecuniária, ou seja, da promessa resulta para o Autor a obrigação de exigir a celebração do contrato de compra e venda sobre o terreno aludido do nos autos e não obrigação indemnizatória.
Ao Autor é reconhecido o direito de restituição do dobro do sinal do que prestou, direito esse não nasceu com a celebração do contrato-promessa, mas com a sua resolução derivada do incumprimento culposo por parte do outro contraente, ora 1ª Ré.
Já é entendimento pacífico que a perda do sinal prestado ou restituição do dobro do sinal do que presta só há lugar no caso de incumprimento definitivo e à resolução do contrato.1
Diz, o acórdão da Relação de Lisboa, de 02/06/0987, “A resolução do contrato-promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo do mesmo contrato.” ( in CJ, Ano XII, tomo3, 108)
No que tocante ao momento da constituição do crédito para efeito de impugnação pauliana, “o critério para a fixação da data do nascimento, para o efeito de se verificar a anterioridade do crédito relativamente ao acto que se pretende impugnar, varia em consonância com a sua origem e natureza. …o crédito de indemnização por responsabilidade civil nasce quando se verifica o evento determinante da obrigação de indemnizar.” ( cfr. João Cura Mariano, in Impugnação Pauliana, Almedina, pág. 157 e 158)
No caso vertente, o crédito que o Autor tem, ou seja, o direito de ser pago o dobro do sinal prestado e os juros moratórios trata-se de crédito indemnizatório resultante da resolução do contrato-promessa ou do incumprimento definitivo da obrigação. A obrigação indemnizatória só se constitui no momento da verificação do incumprimento definitivo e culposa por parte do promitente vendedor, ora 1ª Ré, e só nessa altura, dando direito ao Autor a exigir a indemnização derivada desse incumprimento.
Portanto, o crédito que o Autor tem só se nasceu no momento da verificação da circunstância determinante da resolução do contrato-promessa.
Consigna-se que a resolução do contrato-promessa funda-se na impossibilidade de cumprimento por parte da 1ª Ré por esta ter alienado à 2ª Ré o terreno em jogo, jamais a 1ª Ré podia cumprir o contrato-promessa, há de atender como referência a data de 10 de Janeiro de 2009, data em que fez a transmissão definitiva do bem pela 1ª Ré à 2ª Ré.
Assim, para efeitos em análise e por lógica, só pode considerar que o incumprimento teve lugar depois da realizada a citada transmissão, sendo, portanto, o crédito do Autor posterior.
Daí que o crédito do Autor é posterior ao acto que pretende impugnar.
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Concluindo que o crédito do Autor é posterior ao acto impugnando, a lei impõe que o acto tenha sido praticado com o fim de impedir a satisfação do crédito do Autor.
Porém, o Autor não logrou provar que as Rés realizaram o acto de transmissão com o propósito de impedir os credores, incluindo o Autor, a satisfação dos seus créditos.
É de concluir a inverificação desse requisito.
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Prejuízo à garantia patrimonial
Outro requisito essencial para concessão de impugnação pauliana consiste no prejuízo causado pelo acto à garantia patrimonial.
“Não basta que o devedor tenha praticado um acto diminuidor do seu património para que qualquer credor o possa impugnar, exigindo-se também que essa diminuição ponha em perigo a possibilidade de satisfação do respectivo crédito.”2
Segundo Antunes Varelas, “Diminuição de garantia que pode traduzir-se tanto numa perda ou decréscimo do activo (v.gr., a doação dum imóvel), como num aumento do passivo (por ex., assunção da dívida de outrem, afiançamento de débito alheio), visto que por qualquer dessas vias se pode diminuir o conjunto de valores penhoráveis que, nos termos do art°601°, respondem pelo cumprimento da obrigação.”
O requisito da nocividade concreta do acto (impugnado) vem explicitado, com maior precisão, no texto da alínea c) do art° 610° (corresponde à alínea b) do art°605° do C.C.M.), segundo a qual é necessário que do acto resulte a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.”3
Nos termos do art°606° do C.C.M., “Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.”
A este propósito, diz ainda o João Cura Mariano que “Esta impossibilidade, conforme resulta da regra especial sobre repartição do ónus de prova, contida no art°611° do C.C. (correspondente ao art° do CCM), afere-se através duma avaliação da situação patrimonial do devedor após a prática do acto a impugnar. É o peso comparativo do montante das dívidas e do valor dos bens conhecidos do devedor que indicará se desse acto resultou a mencionada impossibilidade. Se aquele montante for superior ao valor dos bens do devedor, verifica-se uma lesão da garantia patrimonial do credor que permite a utilização da impugnação pauliana,; mas se for inferior ou igual, dever considerar-se que aquela garantia não foi afectada pelo acto praticado, não se verificando um prejuízo que justifique qualquer reacção.”4
Dos factos provados constata-se que a transmissão pela 1ª Ré à 2ª Ré fez sair do património da 1ª Ré o bem que poderia servir de garantia patrimonial do crédito do Autor.
Com a saída do terreno do património da 1ª Ré, esta recebeu do seu sócio L, o montante de HKD$110,000.000.00, para além disso, a 2ª Ré pagou por conta da 1ª Ré o montante de MOP$593.515.704,35. Assim, o acto praticado pelas Rés assume natureza onerosa, ou seja, existe uma relação de interdependência entre as atribuições que o negócio realiza.
Segundo os factos provados, para além da dívida do Autor no montante de HK$45.594.918,00, a 1ª Ré era devedor do Banco M num processo judicial, para a liquidação dessa dívida, a 2ª Ré pagou a quantia de MOP$593.515.704,35 por conta da 1ª Ré à data de celebração do contrato entre as Rés.
Sobre o valor dos bens que a 1ª Ré detinha, excepto o prédio referido nos autos, não temos dados quanto à existência de outros bens penhoráveis da 1ª Ré.
Em comparação, aparentemente, com a saída do terreno em causa, é posta em causa a garantia patrimonial da 1ª Ré para satisfação dos créditos da 1ª Ré. Mas não se pode ignorar que o terreno cuja transmissão o Autor pretende impugnar já estava onerado com a hipoteca para garantia do pagamento do crédito no valor de MOP$493.520.000,00 a favor do Banco M.
Tendo em conta a preferência concedida ao credor hipotecário no pagamento do seu crédito, o Autor nunca poder contar com o valor total do prédio hipotecado como garantia patrimonial para satisfação da sua dívida.
Mas, descontado o valor do crédito garantido pela hipoteca, com a transmissão do terreno a 2ª Ré, o valor da dívida é superior ao valor do bem da 1ª Ré que possa constituir garantia patrimonial para satisfação do crédito comum do Autor.
Há de ter por verificado esse requisito.
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Má fé das Rés
Outro requisito para concessão de impugnação pauliana é o devedor e o adquirente agiram de má fé se o acto a impugnar for acto oneroso.
Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor. Portanto, a má fé não se exige necessariamente a intenção de prejudicar, basta a consciência do devedor e do terceiro que o acto a impugnar irá provocar a impossibilidade para o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou seu agravamento.
Como se disse Antunes Varela5, “A formulação da lei também demarca nitidamente da posição dos autores que identificam a má fé com a intenção de prejudicar os credores. O devedor e o terceiro podem agir com outra intenção, em busca dum outro objectivo, mas com perfeita consciência do prejuízo que vão causar. E tanto basta, no pensamento da lei, para que a pauliana proceda.”
Dos factos assentes não temos dúvidas que o acto impugnado é oneroso. Com efeito, pois pela aquisição do terreno, o adquirente prestou, pelo menos, o montante de MOP$593.515.704.35, a favor do outro credor da 1ª Ré e por conta desta e é pela prestação dessa contrapartida é que foi transmitida a propriedade do bem pela 1ª Ré à 2ª Ré.
Pelo que, para que proceda a impugnação pretendida pelo Autor, é indispensável a má fé das Rés.
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O Autor imputou às Rés com o dolo, ou seja, ao celebrar o acto a impugnar, as Rés agiram com intenção de furtar aos credores da 1ª Ré a possibilidade de se socorrerem do único património da 1ªRé, facto esse não vem provado.
No que se concerne à 1ª Ré, pelo facto de ter sido ela quem prometeu vender ao Autor e quem incumprira o respectivo contrato, é manifesto, segundo o princípio de experiência comum e por lógica, que a mesma tinha o conhecimento de que a alienação do seu bem a tornaria incapaz de satisfazer os créditos resultantes do incumprimento do contrato-promessa
Entretanto, quanto à 2ª Ré, dos factos assentes não constam outros factos ou dados que demonstrem ou permitam retirar a conclusão de que a 2ª Ré estava consciente do prejuízo causado aos credores da 1ª Ré, mormente o conhecimento da situação patrimonial ou a situação da insolvência desta ou da existência do crédito do Autor.
Assim, na falta dos factos concretos, outra conclusão não pode obter senão o não preenchimento desse requisito.
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Face ao todo o exposto, conclui-se que não se monstra o preenchimento cumulativo dos pressupostos legais, há de se julgar improcedente o pedido subsidiário da impugnação pauliana.
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VI. Sub-rogação do direito da 1ª Ré no exercício do direito ao preço de venda
Em subsidiário do pedido de impugnação pauliana, pretende o Autor, em substituição da 1ª Ré, exigir a 2ª Ré o pagamento do montante de MOP$211.861.5216,00, fundando o seu pedido na falta de pagamento do preço declarado no contrato de compra e venda pela 2ª Ré a 1ª Ré, sendo assim esta titular dum crédito contra aquela, pretendendo sub-rogar no direito da 1ª Ré e exigir a 2ª Ré no pagamento do preço de venda.
Ensina o Autunes Varela que “A sub-rogação do credor ao devedor no exercício de certos direitos capazes de aumentarem o activo, diminuírem o passivo ou impedirem uma perda do activo do património do obrigado. (in Obrigações em Geral, Almedina, 3ª Edição, Vol II., pag. 435)
A definição do sub-rogação está regido no n°1 do art°601° do C.C. “Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercido pelo respectivo titular.”
Como se resulta da letra da lei, são requisitos essenciais de sub-rogação do credor: a) a existência do direito de natureza patrimonial; b) a omissão do devedor; c) que a realização do acto seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.
Para a operação da sub-rogação, o Autor invocou que a 2ª Ré não pagou à 1ª Ré qualquer quantia a título de preço pela transferência do direito da propriedade sobre o imóvel em crise.
Sobre o pagamento do preço de pela 2ª Ré a 1ª Ré, conforme o fundamento expendido na abordagem da questão de nulidade dos contrato de compra e venda, ficou provado que, para a aquisição do terreno, a própria 2ª Ré efectuou dois pagamentos no valor de MOP$583.315.704,35, por conta da 1ª Ré num processo judicial por constituição de hipoteca sobre o terreno em causa a favor do credor Banco M, mais com a entrega da quantia de HKD$110.000.000,00, pelo sócio da 2ª Ré L à 1ª Ré.
Através desses pagamentos, há de ter por cumprido a obrigação de pagamento do preço a que a 2ª Ré se vinculou no contrato de compra e venda, dado que o valor somatório desses pagamentos é manifestamente superior ao valor do preço declarado no contrato de compra e venda.
Assim, não se mostrou a falta de pagamento de preço por parte da 2ª Ré, ou seja, a existência de direito de crédito da 1ª Ré contra a 2ª Ré, sem necessidade de analisar de demais requisitos, fica logo afastada a hipótese de sub-rogação do direito pelo Autor, julga-se improcedendo esse pedido.
VII. Assunção Cumulativa pela 2ª Ré das dívidas da 1ª Ré para com o Autor
Requer o Autor, em subsidiário do pedido de impugnação pauliana e sub-rogação, a condenação solidária das Rés no pagamento do montante global de MOP$54.516.546,00, respeitante à devolução do sinal em dobro e respectivos juros de mora calculados até à data da entrada da acção, acrescido de juros moratórios que entretanto se vencerem até integral pagamento, com o fundamento de ter a 2ª Ré assumido a responsabilidade das obrigações relacionado com o terreno na cláusula 4ª do contrato-promessa de 16 de Março de 2007 celebrado entre as Rés.
A 2ª Ré defendeu que a cláusula 4ª deve ser interpretada conjuntamente com cláusula 5ª, no sentido de só as dívidas indicadas na última é que a 2ª Ré prometeu assumir, nas quais não se inclui a do Autor.
Preceitua-se o art°590° do C.C.
“1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e novo devedor, ratificado pelo credor; ou b) por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
Ensina Antunes Varelas que “A assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem. Dá-se o nome de assunção liberatória, exclusiva ou privativa de dívida, aos casos em que o compromisso assumido pelo novo devedor envolve a exoneração do primitivo obrigado. Àqueles em que o terceiro faz sua a obrigação do primitivo devedor, mas este continua vinculado ao lado dele, dão a designação de assunção cumulativa de dívida, co-assunção de dívida, acessão ou adjunção à dívida.”
“A assunção cumulativa constitui, em princípio, sem nenhuma espécie de dúvida, um benefício para o titular do crédito. Como porém, a ninguém pode, em princípio, ser imposto um benefício (contra a sua vontade), e em coerência com o chamado princípio do contrato, a própria assunção cumulativa não será eficaz enquanto o credor não lhe der a sua anuência (art°595°, 1, alínea a)).
Quanto à assunção liberatória, a lei não se contenta mesmo com o consentimento do credor; no próprio interesse dele e da segurança das relações jurídicas, exige o consentimento expresso (art°595°, n°2). Não havendo declaração expressa do credor no sentido da liberação do devedor, haverá uma assunção cumulativas; quanto a esta, bastará a simples ratificação tácita do credor, no caso a que se refere a al. a) do n°1 do art°595°) (Antunes Varela, in Obrigações em Geral, Vol II, pág. 359 a 360 e pág. 371)
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Ora, vamos analisar se a cláusula 4ª pode ser classificada como acordo de assunção de dívida.
A cláusula 4ª tem o seguinte teor: “簽立本合約後,所有涉及上述土地的權利,利益及義務(包括正在進行或將會進行的訴訟及換地申請)全部歸乙方擁有。” Em português, “após a outorga do presente contrato, todas os direitos, interesse e as obrigações respeitantes ao terreno acima (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídos à 2ª Ré”.
Declaração essa consigna-se no contrato-promessa outorgado pela 1ª Ré, na qualidade de promitente-vendedor (parte A) e pela 2ª Ré, na qualidade de promitente-comprador (parte B).
Por outra palavra, por meio dessa cláusula, o promitente-comprador, ora 2ª Ré faz seu todos os direitos, interesses e obrigações ligados ao terreno em causa, sejam discutidas nas acções pendentes, sejam nas acções futuras. Portanto, é evidente que a intenção do promitente-vendedor, ora 2ª Ré, de se responsabilizar por obrigações da 1ª Ré, ora promitente-comprador.
Não é caso típico de transmissão da dívida concreta, mas o acordo não deixa de ser configurado como assunção das obrigações entre a 1ª Ré, como antigo devedor e a 2ª Ré, como novo devedor.
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A principal divergência entre o Autor e a 2ª Ré coloca-se no âmbito de aplicação de tal acordo de assunção de dívida. Para o Autor, o acordo inclui o crédito ora reclamado, enquanto a 2ª Ré entendeu que, por via de acordo, apenas assumiu as dívidas expressamente indicadas na cláusula 5ª e não outras demais dívidas.
Para o devido efeito, foi formulado o quesito 40° sobre o âmbito da responsabilidade assumida pela 2ª Ré, mas, a resposta ao referido quesito só remete para o teor do contrato-promessa.
Assim, para responde ao ponto de divergência entre o Autor e a 2ª Ré, impõe-se, assim, a interpretação normativa das cláusulas em causa no termos do art°228° do C.C.M..
Segundo esse preceito, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Ou seja, a interpretação deve ser feita no ponto de vista de um declaratário normal colocado na posição dos reais declaratários.
Com se expõe acima, na cláusula 4ª consigna-se que todas os direitos, interesse e as obrigações respeitantes ao terreno acima (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídos à 2ª Ré”.
Enquanto na cláusula 5ª consta que “乙方已知悉上述土地於澳門物業登記局存有抵押/查封令(登錄編號XXXX Lº.C27M Fls.63,抵押權人:M銀行有限公司),假扣押令(登錄編號XXXXX,聲請人:南通興業有限公司)及有一購買性質臨時性登錄(登錄編號XXXXX,業權人:O),而業權人O已作出放棄聲明。
Pois, a cláusula 4ª refere-se, de modo genérico, que a 2ª Ré, com a aquisição de terreno da 1ª Ré, ficará com os direitos e obrigações relativos ao terreno, enquanto na cláusula 5ª, discriminam-se as obrigações ou dívidas concretas da 1ª Ré que a 2ª Ré já tomou conhecimento à altura da outorga do contrato promessa.
Na óptica da 2ª Ré, não obstante da cláusula 4ª, o que as partes realmente pretendem é que somente as obrigações enumeradas na cláusula 5ª fossem transmitidas pela 1ª Ré à 2ª Ré, por ser contra a lógica humana que a 2ª Ré assume ilimitada e incondicionalmente todas as obrigações relacionados com o terreno sem qualquer razão justificativa. Diga por outra palavra, a cláusula 5ª desempenha a função de restringir o âmbito de assunção das dívidas referidas na cláusula 4ª.
Será assim, vejamos.
Pela leitura atenta das duas cláusulas em análise, realmente, da sua letra não conseguimos retirar a conclusão que a 2ª Ré perspectivou, isto é, a assunção das obrigações pela 1ª Ré pela 2ª Ré delimita-se nas obrigações indicadas na cláusula 5ª.
Efectivamente, na cláusula 4ª, disse que a 2ª Ré ficará com todas as obrigações e direitos (nas acções judiciais pendentes ou futuramente instauradas). A expressão adoptada é genérica, falam-se de todas as obrigações e direito, por um lado. Por outro lado, ao mencionar as obrigações das acções futuramente instauradas, dá o sentido que as partes tenham previsto a possibilidade de surgimento de novas obrigações. Assim, objectivamente falando, a cláusula em causa é aberta, não exclui as obrigações a surgir no futuro.
No que toca à cláusula 5ª, constata-se apenas que a 2ª Ré já tomou conhecimento das obrigações ou dívidas relacionadas ao terreno. Primeiro, a letra em sí, em lado algum, se refere que 2ª Ré só assumirá essas obrigações; segundo, a expressão “已知悉”, ou em português “tomar conhecimento” não tem o sentido “limitar”. Ao dizer quais obrigações ligadas como o terreno que a 2ª Ré já tomou conhecimento à data do contrato-promessa, não pode ser interpretado com o sentido de limitar a responsabilidade da 2ª Ré a essas obrigações. Ao invés, implicitamente, a expressão dar o sentido de poder haver outras obrigações que a 2ª Ré não conheceu até ao momento.
Vistas objectivamente as cláusulas em jogo, ao olho dum declaratário médio, colocado na posição do real declaratário, a cláusula 5ª não pode ter o sentido de restringir o âmbito da aplicação da cláusula 4ª, ou seja, apenas as obrigações descritas na cláusula 5ª ser transmitidas para a 2ª Ré.
Ademais, dos autos não decorre elementos que demonstram a contraparte, ora 1ª Ré, saber esse sentido pretendido pela 2ª Ré na delimitação do âmbito de transmissão das obrigações nas discriminadas na cláusula 5ª.
Resta ainda saber se o sentido objectivo das declarações é fora da expectativa razoável da 2ª Ré.
A 2ª Ré disse ainda que não há qualquer lógica que a 2ª Ré teria assumido ilimitada e incondicionalmente todas e quaisquer obrigações relacionadas ao terreno.
Diz o art°399°, n°1 do C.C.M., que se consagra o princípio de liberdade contratual, que “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos nestes Código ou incluir nestes cláusulas que lhes aprouver.”
Dentro dos limites da lei, para além de liberdade de contracção, “as partes têm o poder de determinar em que termos se quer vincular, qual o conteúdo da regulação que com o negócio vai pôr em vigor, quais os moldes em que o seu negócio vai produzir modificações na esfera jurídica”.6
Portanto, os contraentes podem estipular livremente o conteúdo do negócio que lhe aprouver, de acordo com sua vontade. No mundo dos negócios jurídicos, acreditamos que os próprios contraentes sabem melhor do que ninguém se as prestações que se ficam vinculadas se correspondem aos próprios interesses. Uma cláusula negocial pode ser aparentemente desfavorável à uma parte dos contraentes mesmo assim, esta a aceitou. Na realidade, as razões da aceitação das condições contratuais por um declaratário são múltiplas, divergem caso a caso, consoante a vontade das partes, nem necessariamente ter por base uma razão lógica. Pois, por atrás da prestação vinculada, o contraente poderá ter outra intenção ou obter outros interesses que nem sempre o terceiro poderá determinar ou estimular. Assim sendo, não pode afirmar, sem mais, que a declaração “aparentemente” lesiva do interesse de uma das partes não se corresponde aos seus interesses menos à própria vontade real.
Portanto, o que releva, no âmbito de negócio jurídico, se a declaração manifestada se corresponde à sua vontade e não se a declaração em si carece de lógica.
No caso em apreço, como afirma a 2ª Ré, o contrato-promessa em causa foi subscrito por única pessoa singular L, sócia da 2ª Ré, em representação da 1ª Ré e da 2ª Ré. Assim, não é muito acreditável que, nessas circunstâncias de facto, o comprador e o assuntor de compromisso de pagamento das dívidas do vendedor, não tivesse ponderado bem as condições contratuais para acautelar os seus próprios interesses ou tivesse, erradamente, emitido uma declaração que não se corresponde, no mínimo, à sua vontade real, que é a limitação das obrigações assumidas apenas na cláusula 5ª.
Outrosssim, na data de celebração do contrato-promessa, a 2ª Ré sabia que sobre o terreno em causa, estavam oneradas várias garantias reais e existia outro contrato-promessa que tem por objecto o mesmo terreno. E já houveram vários processos pendentes e até previa a possibilidade de instauração de outros processos judiciais no futuro. Com todos esses dados, para o homem normal ou médio, é legítimo e razoável que antevê a possibilidade de surgimento de novos litígios ligados com o terreno.
Portanto, não é de colher a posição defendida pela 2ª Ré de que o acordo de assunção da dívida só se restrinja às obrigações discriminadas na cláusula 5ª. Assim, por força da cláusula 4ª, a 2ª Ré assume com todas as obrigações da 1ª Ré relacionado com o terreno.
Nestes termos, sendo o crédito reclamado pelo Autor derivado do incumprimento do contrato-promessa assumido pela 1ª Ré que tem por objecto o terreno n°14 a 17 da XXXXXX. Essa obrigação integra-se no âmbito da cláusula 4ª, assim a responsabilidade dessas obrigações é considerada transmitida para a 2ª Ré.
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Por último, ainda tem que saber se o acordo de transmissão da dívida satisfazer aos requisitos legais.
Como se sabe, para que a transmissão singular das dívidas seja válida é necessário o consentimento dos credores por isso mesmo se diz no n°1 do art°590° do C.C.M. que o acordo entre o antigo e novo devedor deve ser ratificado pelo credor.
No caso vertente, o negócio de transmissão de dívida entre a 1ª Ré e 2ª Ré foi celebrado por cláusula inserida no contrato-promessa, sem intervenção do credor, ora Autor. Mas ao instaurar a presente acção, o Autor declarou expressamente a sua ratificação no acordo entre as Rés na p.i.. Assim, quer pela declaração expressa na aceitação do acordo de transmissão das dívidas quer pelo comportamento concludente do Autor de exigir às Rés o pagamento, podemos afirmar que o acordo de assunção da dívida satisfazer o requisito exigido pela lei.
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Por outro lado, como se cite acima, a transmissão da dívida só exonera o antigo devedor se houver declaração expressa do credor. Para que a declaração produza esse efeito deve ser efectuado por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação da vontade.
No caso, não consta dos autos que o Autor emitiu, por qualquer forma que seja, a declaração no sentido de exoneração do antigo devedor, ora 1ª Ré, a transmissão da dívida feita entre as Rés é assunção cumulativa e não assunção liberatória.
Assim, por força do n°2 do art°590° do C.C., a 2ª Ré assume a responsabilidade pelo pagamento da indemnização devido ao Autor resultante de incumprimento do contrato-promessa por parte da 1ª Ré, sendo esta responde solidariamente com a 2ª Ré pelo seu pagamento.
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Perante todo o acima exposto, determinadas estão as obrigações de indemnização resultante de incumprimento do contrato-promessa pela 1ª Ré são assumidas pela 2ª Ré por acordo de assunção cumulativa das obrigações, é de julgar procedente esse pedido, devendo ambas as Rés ser condenadas a pagar, solidariamente, o montante de HKD$45.594.918,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados a partir de 05 de Outubro de 2010.
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Face à procedência desse pedido, fica prejudicado o conhecimento do último pedido subsidiário formulado pelo Autor.
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VIII. Do pedido em relação à interveniente
O Autor requer a intervenção da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda, para que, no caso de não se entender o contrato-promessa de 12/10/1992 celebrado entre o Autor e a 1ª Ré mas com a interveniente, se julgar o pedido de resolução do contrato-promessa e da indemnização contra a última.
Como vem provado o Autor celebrou o contrato-promessa com a 1ª Ré, fica prejudicado o conhecimento desse pedido subsidiário contra a interveniente.
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DECISÃO(裁決)
Nos termos e fundamento acima expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provado e consequentemente:
- Declara-se resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12 de Outubro de 1992 entre o Autor A e a 1ª Ré Empresa de Fomento e Investimento B (Macau) Limitada que tem por objecto o prédio situado com os n°14 a 17 da Estrada Marginal da Ilha XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n°XXXX, do Livro B-12, fls. 278 v e consequentemente, reconhece-se o Autor o direito de reaver, a título de dobro do sinal pago, no montante de HKD$45.594.918,00 (quarenta e cinco milhões quinhenta e noventa e quatro mil novecentas e dezanove dólares de Hong Kong), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados a partir de 05 de Outubro de 2010;
- Condena-se as Rés Empresa de Fomento e Investimento B (Macau) Limitada e Companhia de Desenvolvimento C, Limitada pagar, solidariamente, ao Autor A o montante de HKD$45.594.918,00, (quarenta e cinco milhões quinhentas e noventa e quatro mil novecentas e dezanove dólares de Hong Kong), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar a partir de 05 de Outubro de 2010, até efectivo e integral pagamento.
- Absolver as Rés e a interveniente Companha de Fomento e Investimento Predial D, Lda dos restantes pedidos formulados pelo Autor.
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Custas pelo Autor e Rés na proporção dos decaimentos em 3/4 e 1/4.
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Registe e Notifique.
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據上論結,本院裁定訴訟理由部份成立,裁決如下:
- 宣告解除原告A與第一被告B(澳門)實業發展有限公司於1992年10月12訂立的承諾買賣合同,標的物為位於青XXXXXXX14-17號的房地產,標示於澳門物業登記局,編號XXX,於B-12簿冊,第278頁背頁,及確認原告有權取得已支付的訂金的雙倍,金額為港幣$45,594,918.00元(港幣肆仟伍佰伍拾玖萬肆仟玖佰壹拾捌圓),附加自2010年10月5日起計的以法定利率計算的遲延利息;
- 判處兩名被告B(澳門)實業發展有限公司及C發展有限公司以連帶責任向原告A支付港幣$45,594,918.00元(港幣肆仟伍佰伍拾玖萬肆仟玖佰壹拾捌圓),附加自2010年10月5日起計的以法定利率計算的已到期及未到期的遲延利息,直至完全及實際支付;
- 裁定原告針對两名被告及參加人D地產署業投資有限公司提起的其他請求不成立,並開釋兩名被告及参加人。
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訴訟費用由原告承擔3/4及由两名被告承擔1/4。
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依法作出通知及登錄本判決。
Inconformadas com a sentença, ambas as Rés recorreram para este TSI.
A 1ª Ré B formulou as seguintes conclusões e pedidos do seu recurso:
1. Conforme consta do acórdão que decidiu a matéria de facto, a convicção do tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e nos documentos juntos aos autos, designadamente, os documentos de fls. 74, 75, 524 a 532 e as 3 primeiras testemunhas do Autor, que terão convencido o Colectivo que entre o Autor e a Companhia D foi celebrado em Outubro de 1992 um contrato-promessa de compra e venda do prédio em litígio, tendo o Autor pago o preço acordado à D, sem prejuízo dos recibos terem sido emitidos em nome da companhia I, em virtude de esta e a D pertencerem ao mesmo grupo.
2. Entendeu ainda o douto Tribunal a quo que de acordo com a referida prova documental e testemunhal, aquando da celebração do referido contrato-promessa, a companhia D estava munida de uma procuração emitida pela 1.ª Ré, cujo original foi exibido ao Autor.
3. A Recorrente não consegue descortinar em que medida é que os depoimentos das aludidas testemunhas do Autor e o conteúdo dos documentos apresentados contribuíram para a formação da convicção do tribunal relativamente à existência do contrato-promessa de compra e venda objecto dos presentes autos.
4. O douto Tribunal a quo também fez constar, no douto acórdão que decidiu a matéria de facto, que de acordo com a prova documental e testemunhal, designadamente, a última testemunha da 2.a Ré, ficou convencido que L pagou à l.ª Ré HK$110.000.000.00, bem como a dívida hipotecária e as custas do respectivo processo de execução no valor de MOP$58l.000.000.00 e MOP$2.515.704.35, respectivamente.
5. Considerou ainda provado o douto Colectivo que, atento o depoimento da referida testemunha, os valores pagos por L ou pela 2.a Ré foram imputados no valor do preço da contra-prestação do contra-promessa de compra e venda celebrado entre as Rés.
6. Contudo, após análise dos depoimentos das testemunhas acima indicadas, salvo respeito por opinião diversa, entende a Recorrente que o doutro Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova produzida.
7. Conforme referido pela mesma, a primeira testemunha, apenas conheceu o Autor em 2001 ou 2002, sendo que todos os factos que conhece do contrato-promessa dos autos foram-lhe transmitidos pelo Autor.
8. Os factos narrados pela testemunha respeitantes às experiências pessoais não podem reflectir-se na solução jurídica a dar à relação entre o Autor e a D e a Recorrente.
9. A testemunha apenas demonstrou conhecer factos relacionados com a sua empresa, o que não pode, de forma alguma, ser utilizado para formar a convicção do que se terá passado com o contrato celebrado entre o Autor e a D.
10. A narração dos factos foi confusa e divergente, tendo a testemunha tanto alegado que que o Autor terá pago 40 milhões, como apenas 20 milhões, e por outro lado que o Autor fez :3 pagamentos e referindo depois que terá feito apenas 2.
11. O Tribunal concluiu, como se vê da transcrição efectuada que "Estar aqui o Senhor ou o A é a mesma coisa!"
12. A segunda testemunha também referiu que não conhecia a situação do Autor, tendo todo o seu discurso tido por objecto a sua situação pessoal, à semelhança da anterior testemunha.
13. Afirmou que apenas conheceu o Autor em 2000 e que os factos a este referentes lhe haviam sido transmitidos pelo próprio.
14. O Tribunal afirmou que "O que este senhor fez com outras pessoas não nos interessa para nada. Lá por ele ter feito não quer dizer que o autor faça"·
15. Do depoimento da terceira testemunha, contabilista da empresa, resulta que foi o Autor quem lhe contou todos os factos respeitantes ao contrato promessa em litígio.
16. Apesar de ser contabilista, a testemunha não conseguiu explicar ao Tribunal a razão pela qual os montantes e as datas dos pagamentos dos recibos de pagamento não correspondem ao estipulado no contrato.
17. Não obstante o tribunal a quo fez constar que “'O Autor pagou o preço acordado.”
18. Para além do mais, a testemunha é empregada do Autor, trabalha sob suas ordens e instruções, estando na sua dependência económica, circunstância que merece a necessária valoração.
19. Como decorre da prova gravada, nenhuma das testemunhas apresentadas pelo Autor presenciou a celebração do contrato, nem os pagamentos alegadamente efectuados, tendo os conhecimentos destas matérias sido-lhes transmitido pelo Autor.
20. O depoimento das testemunhas é depoimento indirecto, depoimento de ouvir dizer, in casu, do próprio Autor.
21. O facto de as primeiras duas testemunhas terem eventualmente sido compradoras ou credoras da D e terem tido reuniões com os representantes desta e da Recorrente, nada nos adianta sobre se o Autor também terá contratado, se terá reunido ou discutido com a ora Recorrente sobre o contrato promessa objecto dos autos.
22. Na reunião dos credores da B, referida pela segunda testemunha não estava presente o Autor, como decorre do seu depoimento.
23. Esta testemunha afirmou que não conhecia a situação particular do Autor, tendo mencionado que nessa reunião de credores se discutiu a situação dos prédios em geral e não dos contratos, em concreto.
24. A 3.ª testemunha, contabilista do Autor, que estaria em melhor posição de conhecer os factos viu o contrato, viu a procuração, mas apenas posteriormente, não viu as partes a assinar, não viu o Autor entregar os cheques e viu que havia recibos em nome de outra companhia que não a procuradora, D, ou a B, que o Autor lhe teria dito serem respeitantes ao contrato-promessa celebrado.
25. Esta testemunha nunca viu o Senhor Q, tendo referido que foi o Autor que lhe disse que se haviam reunido.
26. Não soube explicar a razão pela qual o valor inscrito nos recibos não corresponde ao valor das prestações contratualmente acordadas.
27. O contrato-promessa celebrado, previa, data da celebração do contrato-promessa, 12 de Outubro de 1992, o pagamento de HK$10.000.000.00; até ao dia 15 de Novembro 1992, o pagamento de HKD$11.716.250.00; sendo que o remanescente montante de HK$21.716.250.00, seria pago na data da escritura pública.
28. Considerando as condições acima referidas, facilmente se constata que as mesmas não têm qualquer correspondência com o recibos de fls. 77, 85 e 86.
29. O primeiro recibo, de fls. 77, data de 12 de Outubro de 1992, contudo, não foi emitido nem pela B, nem pela D, mas sim pela I.
30. Do mesmo conta uma ligeira indicação do terreno, mas não se diz que o pagamento foi feito por conta do contrato-promessa ou que o emitente do recibo agia em representação da D, ou da B.
31. No mesmo não resulta o pagamento seria entregue à B.
32. O segundo e terceiro recibos, foram também emitidos pela Companhia I, nos dias 28 e 29 de Outubro, mencionado os montantes, respectivamente de HK$9.112.885.00 e HK$3.684.574.00, que não têm qualquer correspondência com as prestações contratuais.
33. Refere-se naqueles recibos que se trata de "pagamento provisório". Nem sequer foi feito - contrariamente ao primeiro recibo - qualquer referência ao terreno, ou mesmo ao contrato-promessa, iriexistindo qualquer ligação dos mesmo ao contrato dos autos.
34. Todos os recibos foram emitidos por pessoas diferentes, conforme se pode ver das assinaturas apostas, sendo as mesmas ilegíveis, à excepção da primeira.
35. Razão pela qual não se percebe o motivo pelo qual o douto tribunal fez constar no douto acórdão que decidiu a matéria de facto que o Autor pagou o preço acordado à D.
36. Relativamente à matéria relativa ao contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as 2 Rés, não ser percebe de que forma os documentos de fls. 344 a 380, ajudaram o tribunal a formar a convicção de que o L pagou à 1.ª Ré HK$110.000.00 por conta do valor do preço do imóvel.
37. Os documentos a que o Tribunal faz referência são recibos emitidos pela 1.ª Ré, B ao O, ou aos outros indivíduos que haviam acordado no projecto de desenvolvimento do imóvel.
38. O Tribunal considerou como provado que, por não ter sido possível adquirir o terreno, todas as quantias que haviam sido pagas pelo representante da 2.ª, pela aquisição das quotas da Platinum iriam reverter para a compra e venda.
39. Conforme se vê dos documentos juntos aos autos, os pagamentos das quotas sociais da Platinum foi efectuado antes de 2006.
40. Ou seja, os pagamentos foram realizados antes dos contratos promessa e escritura que estabelecem pagamentos a realizar pela 2.ª Ré.
41. Todos os cheques e recibos que a 2.ª Ré juntou para provar o pagamento do contrato celebrado em 2009, são anteriores a Maio de 2006.
42. Se efectivamente o valor pago pela aquisição das quotas da Platinum viesse a reverter para a aquisição do terreno, certamente que no contratopromessa e na escritura celebrados, respectivamente em 2007 e 2009, não se mencionaria que iriam ser efectuados mais pagamentos.
43. Bastava que as partes tivessem feito constar que os pagamentos já efectuados para aquisição das quotas da Platinum iriam transferir-se para a aquisição do terreno.
44. Ainda, contrato promessa foi assinado em 16 de Março de 2007 e como se vê do documento de fls. 417, o pagamento ao Banco, no montante de 581 milhões foi efectuado no dia 15 de Março.
45. Ou seja, no dia em que foi celebrado o contrato-promessa, a 2.ª Ré já sabia que o valor da dívida do banco não era no montante máximo de 493 milhões porque já tinha efectuado o seu pagamento.
46. Não faz sentido manter-se no contrato a menção de uma quantia e de uma condição ultrapassada, elementos do conhecimento de ambas as partes contratantes.
47. A última testemunha da 2.a Ré, cujo depoimento o tribunal considerou relevante para demonstrar a existência e cumprimento do contrato-promessa de compra e venda e posteriormente do contrato definitivo, é sócio da 2.a Ré.
48. A lei permite que o mesmo preste depoimento na qualidade de testemunha, contudo, há que analisar e valorar o depoimento que naturalmente é imparcial.
49. No entender da Recorrente, não deveria o douto Tribunal a quo considerar o depoimento isoladamente, mas conjugá-lo com os demais elementos dos autos, o que não foi feito.
50. A prova complementar para a formação da convicção do tribunal, como se vê da fundamentação, foram os documentos referentes ao projecto de desenvolvimento e os pagamentos aí efectuados, os quais são anteriores à celebração dos contra-promessa e contrato definitivo, com as limitações já acima mencionadas.
51. Salvo respeito por melhor opinião, o douto Tribunal a quo efectuou uma incorrecta apreciação da prova testemunhal e documental carreada ao autos, impondo-se a alteração da matéria de facto provada, designadamente, a resposta dada aos quesitos 9, 12, 14, 17, 20, 21, 22, 35, 36, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 53, em conformidade.
52. Entendeu o douto Tribunal a quo que, entre as Rés, foi celebrado um acordo de transmissão singular de dívida, uma assunção de dívida pela 2.a Ré das dívidas da 1.ª Ré para com o Autor, com fundamento na cláusula 4.a do contrato de compra e venda celebrado entre as Rés.
53. Considerou que por meio dessa cláusula, o promitente comprador, a 2.a Ré fez seus todos os direitos, interesses e obrigações ligados ao terreno em causa, tanto os discutidos nas acções pendentes, como nas acções futuras, sendo evidente a intenção da 2.a Ré de se responsabilizar por todas as obrigações da 1.ª Ré, configurando-se esse acordo como uma assunção de obrigações.
54. Considerou também que as partes previram a possibilidade de surgimento de novas obrigações, para além das já mencionadas na cláusula 5.ª do mesmo contrato-promessa, pelo que a cláusula 4.ª constitui uma cláusula aberta, não excluindo obrigações que venham a surgir no futuro.
55. Discorreu o douto Tribunal a quo que a transmissão de dívida só exonera o antigo devedor se houver uma declaração expressa por parte do credor.
56. Concluindo que não consta dos autos que o Autor tenha emitido, por qualquer forma, a declaração no sentido de exoneração do antigo devedor, a ora 1.ª Ré, pelo que a transmissão de dívida entre as Rés é assunção cumulativa e não assunção liberatória, pelo que a 2.a Ré assume também a responsabilidade pelo pagamento da indemnização devida ao Autor resultante do incumprimento do contrato-promessa por parte da 1.ª Ré, respondendo esta solidariamente com a 2.a Ré.
57. Entende a 1.ª Ré, ora Recorrente, que o douto Tribunal a quo incorreu em erro.
58. O Autor fez constar no art.º 153.° da sua douta Petição Inicial que “O Autor declara expressamente que ratifica a transmissão de dívida contida na cláusula 4 do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as Rés”.
59. A declaração acima transcrita constitui uma confissão judicial nos termos do disposto nos art.os 489.° e 80.°, ambos do Código de Processo Civil, na medida em que constitui uma declaração expressa da aceitação pelo Autor do negócio jurídico celebrado entre as Rés.
60. Tal confissão vincula o Autor.
61. Considerando o n.º 3 do art.º 562.° do Código de Processo Civil, mal andou o douto Tribunal a quo ao considerar que não consta dos autos a declaração expressa necessária à exoneração do antigo devedor.
62. Ainda que a aludida ratificação expressa não conste da matéria assente, o juiz deveria atendê-la, face ao dispositivo supra citado.
63. Contrariamente ao raciocínio expendido pelo Autor, no entendimento da Recorrente, a declaração contida no art.º 153.° da Petição Inicial constitui ela própria a declaração expressa do credor necessária para a produção dos efeitos previstos na primeira parte do n.º 2 do art.º 590.° do Código Civil, ou seja, a liberação do antigo devedor.
64. Não se exige ratificação expressa para a validade da transmissão operada nos termos do n.º 1 do citado art.º 590.° do Código Civil.
65. A jurisprudência e a doutrina são unânimes no entendimento de que, ao accionar o novo obrigado como devedor, aceitando dele o pagamento da dívida, o credor está a, tacitamente, a aderir ou aceitar o negócio, impedindo, dessa forma que o mesmo venha a ser revogado pelas partes.
66. O Professor Antunes Varela, dando ênfase ao consentimento do credor, como requisito específico de validade da transmissão, defende que a lei não se contenta com o consentimento do credor, (referindo-se à ratificação aludida na al. a) do n.º 1 do art.° 590.°, que pode ser tácita); mais afirmando que no próprio interesse do credor e da segurança das relações jurídicas, exige-se o consentimento expresso.
67. O Professor Menezes Cordeiro defende que a declaração expressa a que alude o n.º 2 do art.º 596.° do Código Civil português (correspondente ao nosso 590.°, n.º 2) implica de modo implícito a ratificação, embora o inverso não se verifique. Ou seja, a aludida declaração expressa pode ter a forma de ratificação, mas para que a mesma exonere o antigo devedor, é necessário que essa ratificação seja expressa.
68. Em conclusão o citado autor defende que “a assunção de dívidas redunda num negócio de disposição do próprio débito o que, analiticamente, implica uma conjunção de liberação-obrigação para o devedor e para o assuntor, respectivamente. Todavia, pela sua própria natureza e por expressa cominação legal ela só opera com a concordância do credor.”
69. Contrariamente ao entendimento do Autor, apenas o credor, neste caso, o Autor, tem o direito de afastar o regime da solidariedade, uma vez que é ele o titular activo do direito.
70. Ao accionar a 2.a Ré, o Autor tacitamente ratificou o negócio, sendo que, ao proferir a declaração contida no art.º 153.° (ainda que extraindo sentido diverso) aceitou expressamente a transmissão de dívida, com exoneração do devedor, tendo por essa via operado a exoneração da Recorrente.
71. Concluindo-se que a declaração contida no art.º 153.° constitui a declaração expressa requerida na primeira parte do n.º 2 do art.º 590.° do Código Civil.
72. Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 21 de Setembro de 1995, em que os julgadores através de uma análise do comportamento e dos actos praticados pelo credor concluíram que existiu declaração expressa, com a consequente conclusão de que a transmissão envolveu a exoneração do antigo devedor.
73. O mesmo entendimento foi propugnado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22 de Junho de 1995, onde se entendeu, pelos actos praticado pelo credor, que o credor, ali recorrente, concordou, inevitavelmente de modo claro e expresso, tendo a final concluído que houve exoneração do devedor primitivo.
74. Neste dois últimos Acórdãos as partes não disseram expressamente "eu exonero o antigo devedor", contudo, demonstraram por outros modos directos de manifestação de vontade, que exoneraram o antigo devedor, razão pela qual o tribunal formou a sua convicção nesse sentido.
75. In casu, o Autor exprimiu que ratificava expressamente a transmissão de dívida contida na cláusula 4 do contra-promessa.
76. A cláusula 4 estipula que “após a outorga do presente contrato, todos os direitos, interesses e as obrigações respeitantes ao terreno acima (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídas à 2.ª Ré”.
77. No acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 1986, decidiu-se que a assunção e transmissão de dívida só é liberatória e exonera o primitivo devedor quando haja declaração nesse sentido, não bastando simples ratificação tácita, donde parece decorrer inequivocamente que a ratificação expressa do negócio integra e preenche o requisito da declaração expressa.
78. Em conclusão, entende a Recorrente que em caso de ratificação tácita, haverá assunção cumulativa de dívida, sendo que a ratificação expressa pressupõe a liberação do antigo devedor.
79. Pelo que constando dos autos a declaração proferida pelo Autor que ratifica expressamente a transmissão de dívida, terá de concluir-se que se verificou a exoneração da antiga devedora, ora Recorrente, pelo que deve, consequentemente ser a mesma absolvida do pedido.
80. A douta sentença violou o n.º 3 do art.º 562.º do Código do Processo Civil, na medida em que omitiu a confissão do Autor expressa no art.º 153.º da Petição Inicial e o art.º 590.º do Código Civil, em virtude de ter efectuado uma incorrecta interpretação do mesmo.
Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, revogando-se o Acórdão proferido pelo douto Tribunal a quo, substituindo-se por outro, nos termos acima propugnados, que absolva a Recorrente do pedido, por ser de inteira JUSTIÇA.
Ao passo que a 2ª Ré concluiu e pediu:
1.ª A Recorrente, através do presente recurso, impugna a decisão de facto, considerando incorrectamente julgados os factos vertidos nos quesitos 1.°, 9.°, 11.°, 14.°, 18.°, 20.° e 23.° da Base Instrutória, uma vez que dos elementos constantes do processo impunha-se decisão diversa, no que a tais factos respeita.
2.ª Não podia ter sido dado por provado que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada interviera no contrato-promessa celebrado no dia 12 de Outubro de 1992, na qualidade de procuradora da 1.ª Ré; na verdade, contrato-promessa consta de fls 74 dos autos e dele se pode verificar que figura como promitente-vendedora a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada e como promitente-comprador A (este, de acordo com a certidão emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis e constante de fls 67 e seguintes, era, à data um gerente, não sócio, da promitente vendedora); assim, se impugna o ponto de facto relativo ao quesito 1.° da base instrutória.
3.ª Não podia o douto Tribunal recorrido dar por “provado que, conforme o acordado, na data da celebração do contrato-promessa, o Autor procedeu à entrega de HK$10.000.000,00 (dez milhões à Companhia de Fomento Predial D, Limitada”, quando existe nos autos a fls. comprovativo de que esse montante foi pago à Companhia de Fomento Predial I, Limitada, conforme recibo de fls 77 dos autos.
4.ª Não podia ter dado por provado que os senhores J e H eram representantes legais da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, que intervieram na outorga do contrato-promessa de compra e venda, porque consta dos autos uma certidão emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau - fls 67 e ss dos autos - demonstra que, à data, a forma de obrigar tal sociedade era a assinatura conjunta de dois gerentes do grupo A (sempre a de J) e de um gerente do grupo B, sendo que, para actos de mero expediente, podia ser a assinatura de qualquer um dos gerentes.
5.ª Não podia o Exm.º Colectivo ter dado por provado que o Autor procedeu ao pagamento do valor HK$22.797.459,00 (vinte e dois milhões, setecentos e noventa e sete mil, quatrocentos e cinquenta e nove dólares de Hong Kong), a título de sinal, nos termos contratualmente acordados, porque existem elementos nos autos - termos de quitação fls 77, 85, 86 - que provam que o Autor procedeu ao pagamento de tal quantia global à sociedade comercial “Companhia de Fomento Predial I, Limitada”, o que significa que não tendo sido paga à 1.ª Ré, nem a outrem a seu pedido, os pagamentos não foram efectuados nos termos contratualmente acordados.
6.ª Não podia ter o Exm.º Colectivo ter feito menção - na resposta dada ao quesito 18.º da base instrutória - ao facto de que a 3.a Ré outorgara no contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12 de Outubro de 1992, na qualidade de procuradora da 1.ª Ré; na verdade, de tal contrato-promessa, constante de fls 74 dos autos, pode constatar-se que a 1.ª Ré não figura como promitente-vendedora, sendo que figura nessa qualidade (de promitente-vendedora) a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, sem que se faca menção da qualidade de procuradora da 1.ª Ré.
7.a Não podia o Exm.º Colectivo ter dado por provado que “o Autor ainda não perdeu o interesse na celebração desse contrato”, porque a questão da perda ou não do interesse do credor, neste caso, do Autor, deve ser apreciada em termos objectivos e, portanto, não devia ter sido tratada como matéria de facto mas sim como um conjunto de factos que permitissem formar um juízo nesse sentido.
8.ª O interesse não se verifica porque o credor alega; mede-se não em função do juízo do respectivo sujeito mas em função do juízo que, numa ponderação global do caso, efectuaria um homem de bom senso e razoável, suposto pela ordem jurídica e, desde a data em que seria previsível que o contrato-promessa se convertesse em contrato definitivo de compra e venda, isto é, desde 12 de Abril de 1993 até o Autor instaurar a presente acção (8 de Janeiro de 2010) passaram-se 17 anos.
9.a As partes no mencionado contrato-promessa de compra e venda de um terreno (identificado nos autos) inseriram uma cláusula resolutiva, pelo que não se pode a esta distância temporal, isto é, decorridos mais de 17 anos sobre a data do contrato, considerar que foi a 1.ª Ré que incumpriu o contrato ao celebrar um contrato-promessa de compra e venda com a 2.ª Ré que foi cumprido com a realização do contrato definitivo de compra e venda em Janeiro de 2009.
10.ª O contrato celebrado em 12 de Outubro de 1992 não é eficaz e não produz qualquer efeito, porquanto, o Autor, à data da sua celebração era gerente não sócio da sociedade comercial "Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada", razão por que não podia desconhecer os seus parceiros sociais J e H, sócios e gerentes do Grupo A da mesma sociedade e também, sabia que, para ser eficaz o contrato-promessa consigo celebrado, deveria ter sido assinado por um dos gerentes do Grupo B.
11.ª A celebração de um contrato-promessa de compra e venda não constitui um mero acto de expediente; trata-se de um negócio jurídico e, assim, para que fosse eficaz e produzisse efeitos o mencionado contrato-promessa de 12 de Outubro de 1992, não podia ter faltado a assinatura de um dos gerentes do Grupo B da sociedade "Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada", porque assim o exigiam os estatutos da empresa em causa, conforme consta da certidão emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau; a forma de obrigar a sociedade, apenas, veio a ser alterada em 14 de Julho de 1998 e o contrato-promessa, aqui em apreciação, reitera-se, foi celebrado em 12 de Outubro de 1992.
12. a Estando em causa a condenação da 1.ª Ré (como devedora principal) e da 2.ª (por ter alegadamente assumido todas as dívidas da 1.ª) no pagamento ao Autor do sinal em dobro, interessava que o douto Tribunal recorrido tivesse fixado com certeza que os montantes pagos pelo Autor, a título de sinal, tinham sido recebidos pela 1.ª Ré ou pela sua procuradora, a Companhia D, Limitada, caso efectivamente tivesse sido essa a qualidade em que interviera no mencionado contrato.
13.ª Ainda que os sócios da empresa D, Limitada tivessem, a título pessoal, recebido tais montantes - tendo sido emitidos termos de quitação por uma outra empresa não interveniente no contrato-promessa -, o pagamento a terceiro não é liberatório, pois a prestação, nos termos do art.º 759.º do Código Civil, deve ser feita ao credor (seria a Primeira Ré), ao seu representante (Q) ou a outrem autorizado para recebê-la em seu nome, não sendo indiferente que fossem pagos à empresa I, Limitada, porque não estava mandatada pela 1.ª Ré para receber tais montantes.
14.ª Não tendo ficado provado que os montantes pagos pelo Autor a título de sinal foram entregues à l.ª Ré não pode esta ser condenada a pagar em dobro o que foi prestado, em Outubro de 1992, pelo Autor, à empresa I, Limitada.
15.ª Decorre do contrato-promessa de compra e venda de fls 74 dos autos que a 3.ª Ré, Companhia de Fomento e de Investimento Predial D, Limitada, celebrou com o Autor A, um negócio jurídico a que é totalmente alheia a 1.a Ré.
16.ª O contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as l.ª e 2.a Rés constitui uma situação paradigmática de um caso em que o contrato-promessa vale a se, mesmo depois de celebrado o contrato definitivo, por conter cláusulas que não constituem elementos nucleares desse contrato, subsistindo mesmo depois daquele ter sido outorgado, estando-se perante um contrato misto de promessa de compra e venda e de assunção de cumprimento de obrigações.
17.ª Quando celebraram o contrato-promessa de compra e venda do terreno identificado nos autos, as 1.ª e 2.ª Rés fizeram inserir duas cláusulas que podem ser classificadas como um acordo de assunção de obrigações, tratando-se das cláusulas 4.ª e 5.ª.
18.a A Cláusula 4.ª tem a seguinte formulação: "Após a outorga do presente contrato, todos os direitos, interesses e as obrigações respeitantes ao terreno acima indicado (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídas à 2.ª outorgante, 2.ª Ré na acção e ora Recorrente".
19.ª A Cláusula 5.a tem a seguinte formulação: "A 2.ª outorgante tomou conhecimento da existência do registo de hipoteca/penhora do dito terreno (inscrição n.° XXXXº, a fls 63 do Livro C 72M, a favor do credor hipotecário: Banco M, Limitada), do registo de arresto (inscrição sob o n.º XXXXX, requerente: Companhia N) e da inscrição provisória de aquisição (sob o n.º XXXX, a favor de O) na Conservatória do Registo Predial de Macau, tendo o proprietário do imóvel, O prestado a declaração de renúncia".
20.ª A cláusula 4.ª tem que ser interpretada em conjugação com a cláusula 5.ª, (pois tiveram ambas a mesma fonte que é a cláusula 4ª do primitivo contrato-promessa datado de 3/1/2007) porquanto a limitação das obrigações era imperiosa e tinha como referência o preço do terreno.
21.ª Na interpretação de um ou mais contratos, a efectuar de acordo com as normas previstas nos artigos 228.º a 231.º do Código Civil, deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo, em especial, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas das mesmas, às negociações entabuladas pelas partes e às finalidades por elas prosseguidas, ao próprio tipo negocial.
22.ª O douto Tribunal recorrido deu por provado que, à data da celebração do contrato-promessa entre as 1.ª e 2.ª Rés, isto é, em princípios de 2007, o valor do mercado do terreno em causa era de cerca de MOP$500.000.000,00 (quinhentos milhões de patacas).
23.ª Tendo a ora Recorrente pago o valor de MOP$110.000.000,00 (cento e dez milhões) seria razoável que se tivesse comprometido a assumir dívidas da 1.ª Ré que ascendessem a um valor aproximado dos quinhentos milhões de patacas, razão por que celebrou o contrato de assunção de obrigações, tendo inserido duas cláusulas (4.a e 5.ª), sendo que a primeira era a declaração e a segunda o objecto e limitação de tais obrigações.
24.ª Conforme deu por provado o douto Tribunal, a aqui Recorrente despendeu um total de MOP$ 673.515.704,35 (seiscentos e setenta e três mil, quinhentas e quinze mil, setecentas e quatro patacas e trinta e cinco avos), que corresponde à soma da prestação de MOP$110.000.000,00 paga à 1.ª Ré e dos montantes pagos em nome da 1.ª Ré a título de uma dívida ao Banco M e a título de custas judiciais.
25.ª A cláusula 4.ª só pode ser interpretada em conjugação com a cláusula 5.ª; caso a 2.ª Ré, ora Recorrente, tivesse assumido todas as responsabilidades da 1.ª Ré, então, estaria a assumir, todas as eventuais responsabilidades decorrentes de 5 Acções Judiciais em curso que ascendem a um valor global de MOP$784.511.528,42 (setecentos e oitenta e quatro milhões, quinhentas e onze mil, quinhentas e vinte e oito patacas e quarenta e dois avos), isto é, o valor do terreno estaria, então, desde já, fixado em MOP$1.458.027.232,77 (um bilião, quatrocentos e cinquenta e oito milhões, vinte e sete mil, duzentas e trinta e duas patacas e setenta e sete avos), sem contar com eventuais acções que possam ser instauradas.
26.ª Quando L, enquanto sócio maioritário da 2.ª Ré - com uma quota equivalente a 90% do capital social, sendo a 2.ª sócia, sua mulher, com uma quota equivalente a 10% do capital social -, celebrou o contrato-promessa com a 1.ª Ré, fazendo uso de uma procuração e, portanto, como se afirma na douta Sentença recorrida foi o único interventor no contrato-promessa de 16 de Março de 2007, apenas, tinha conhecimento das responsabilidades decorrentes da relação existente entre o Banco M e as empresas "I, Limitada" e "D, Limitada", para além das obrigações decorrentes do arresto requerido pela Companhia N e da inscrição provisória de aquisição a favor de O.
27.ª Efectivamente a matéria de facto vertida no quesito 40.°, com a seguinte formulação “Nos termos e para os efetios do disposto na cláusula 4a do contrato-promssa de compra e venda celebrado entre as Rés em 16 de Março de 2007, a segunda Ré assumiu a responsabilidade por todas as obrigações decorrentes de acções judiciais relacionadas com o terreno objecto do contrato ?” Levado a julgamento: “Provado apenas o teor da cláusula 4ª do contrato-promessa referido em D e constante do documento de fls. 93 a 96.”
28.ª Ou seja, não ficou provado que a segunda Ré tenha assumido a responsabilidade por todas as obrigações decorrentes de acções judiciais relacionadas com o terreno objecto do contrato.
29.ª L foi o único interventor que formou o sentido e o alcance da cláusula 4ª, sendo este o sócio maioritário da 2a Ré, ora Recorrente, nunca poderia, tal como uma qualquer pessoa normal colocada na sua posição ou um qualquer real declaratário colocado na posição dos reais declaratários, perante estas situações referidas, não pode ser entendida como um assumir “sem reserva” e ilimitadamente as dívidas de uma companhia na qual não tinha qualquer interesse pessoal ou negocial.
30.ª A cláusula 4ª deve ser interpretada em conjunto com a cláusula 5.ª e foi no sentido de obter benefícios e de assumir as obrigações que emergissem das acções judiciais a propor pela 1ª Ré contra as empresas I, Ldª e D, Ldª, ou eventualmente o Banco M.
31.ª Portanto, a cláusula 4.ª tinha a ver com o compromisso do dispêndio das custas e na acção que tinha por fim o reembolso da quantia paga de MOP581,000.000,00 bem como o de obter o distrate da hipoteca a favor do Banco M, acção essa intentada pela 1ª Ré no dia 21/6/2007, inicialmente contra I, Limitada e D, Limitada com n.º do processo CV2-07-0042-CAO.
32.ª Nestas circunstâncias, não podia L assumir toda e qualquer responsabilidade, portanto, não limitada, sob pena de estar a praticar um golpe mortal à sua própria empresa e a praticar um acto contrário aos seus interesses, sendo, pois, que a assunção das obrigações tinham o limite do valor razoável do terreno. A possibilidade de novas acções seriam sempre entre as pessoas colectivas ou singulares devidamente identificadas na cláusula 5.ª.
33.ª A douta Sentença recorrida violou os art.º 759.º do Código Civil, ao considerar que o pagamento de certas quantias a título de sinal feito a terceiros era liberatório da prestação que assumira com a promitente vendedora.
34.ª A douta Sentença recorrida violou os art.º 228.º a 231.º do Código Civil ao considerar que a simples declaração inserta na cláusula 4.ª é suficiente para considerar que o declarante pretendia assumir toda e qualquer dívida da 1.ª Ré, de forma incondicional e ilimitada, quando a interpretação de tal cláusula tem que ser feita em conjugação com a cláusula 5.ª do acordo de assunção de obrigações, por só assim, corresponder ao comportamento de um homem médio e consciente dos seus interesses.
TERMOS EM QUE, e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerando Juízes, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, após ser alterada a matéria de facto nos termos sobreditos, considerar-se que:
1) O contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12 de Outubro de 1992 foi outorgado entre a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, na qualidade de promitente-vendedora, e A, na qualidade de promitente comprador, não resultando do documento constante de fls 74 que aquela interveio na qualidade de procuradora da 1.ª Ré.
2) No contrato-promessa celebrado em 12 de Outubro de 1992, constante de fls 74 dos autos, está subjacente um negócio jurídico entre a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, e A, um gerente da mesma sociedade comercial.
3) Tal contrato-promessa não tem qualquer eficácia e não produz qualquer efeito, porquanto encontra-se assinado apenas por dois gerentes do Grupo A da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, procuradora da 1.ª Ré, quando os estatutos de tal empresa exigiam, à data da sua celebração, a assinatura conjunta de dois gerentes do Grupo A e um gerente do Grupo B, para obrigar a sociedade, pelo que, sendo o Autor um dos gerentes da referida sociedade, não desconhecia tal exigência.
4) Não constando de tal contrato-promessa a identificação da 1.ª Ré, nem tão-pouco, que a 3.ª Ré, Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, interviera na qualidade de sua procuradora, não produz esse contrato-promessa qualquer efeito na esfera jurídica da 1.ª Ré.
Se assim não for entendido por Vossas Excelências, Venerandos Juízes, deve julgar-se que:
5) Constando de tal contrato-promessa uma cláusula resolutiva, não podia o mesmo ter sido resolvido pelo douto Tribunal recorrido com fundamento na celebração de um contrato-promessa entre as 1.ª e 2.a Rés, 14 anos depois, isto é, em 16 de Março de 2007, que foi cumprido em Janeiro de 2009 por escritura pública de compra e venda.
6) A perda do interesse no negócio definitivo mede-se pela inércia do credor, sendo que o Autor só agiu decorridos 17 anos sobre a celebração do contrato-promessa celebrado entre a 3.ª Ré e o mesmo, sendo, ainda, certo que o Autor não procedeu ao pagamento, à 1.ª Ré, de quaisquer montantes a título de sinal,
Em consequência do que não é legal e de justiça que a resolução do contrato celebrado em 12 de Outubro de 1992, entre o Autor e a Companhia de Fomento e de Investimento Predial D, Limitada (3.a Ré) deva ser decretada pela via judicial, com a consequente indemnização em montante igual ao dobro do sinal.
Caso assim não venha a ser Julgado por essa Alta Instância, deve a responsabilidade decorrente do incumprimento do contrato-promessa por parte da 1.ª Ré ser da sua exclusiva responsabilidade, porquanto, pese o facto de a aqui Recorrente ter feito um acordo de assunção de dívidas com a l.ª Ré, estas estavam limitadas a um valor tendo por referência o valor de mercado do terreno prometido comprar, certo sendo que a cláusula 4.a deve ser interpretada em conjugação com a cláusula 5.a de tal acordo.
Assim se procedendo, far-se-á, a costumada
Justiça!
O Autor respondeu pugnando pela improcedência de ambos os recursos.
II
Foram colhidos os vistos.
Após os vistos, a Ré B apresentou, mediante três requerimentos três conjuntos dos documentos.
Há que portanto decidir sobre a admissão desses documentos.
A apresentação da prova por documentos rege-se pelas regras gerais consagradas no artº 450º do CPC, que reza:
Artigo 450.º
(Momento da apresentação)
1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em primeira instância, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Em situações excepcionais, as partes são autorizadas a juntar documentos após os articulados ou mesmo após o encerramento da discussão em primeira instância.
São as situações previstas no artº 451º do CPC que preceitua:
Artigo 451.º
(Apresentação em momento posterior)
1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Paralelamente às situações excepcionais previstas no artº 451º, a lei autoriza especificamente que se juntem às alegações de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou os documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ou em virtude do julgamento proferido na primeira instância – artº 616º do CPC.
O artº 616º do CPC reza que:
1. As partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451.º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
2. Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, jurisconsultos ou técnicos.
3. É aplicável à junção de documentos e pareceres, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 467.º e 468.º
In casu, tendo a Ré C só apresentado os documentos depois de apostos os vistos pelos Exmº Colegas do Colectivo, a apresentação não pode deixar de ser considerada extemporânea nos termos prescritos no artº 616º/2 do CPC.
Pelo que ficou dito, todos os documentos que se juntaram após a aposição dos vistos não podem ser admitidos e portanto são de desentranhar.
Arrumada esta questão prévia, cumpre conhecer os recursos.
Recurso interlocutório
No recurso interlocutório, o Autor formulou as seguintes conclusões e pedido:
I. Vem o presente Recurso interposto do despacho proferido a fls. 1095 dos presentes autos na parte em que admite a junção dos documentos de fls. 1010 e seguintes.
II. Os documentos em causa foram juntos com o requerimento apresentado pela Ré Companhia de Desenvolvimento C Limitada (C) de fls. 1008 e 1009 e através do qual a referida Ré se opõe a que seja admitida a depor a testemunha P arrolada pelo ora Recorrente por, no seu entendimento, a referida testemunha ser administrador da Ré Empresa de Fomento e Investimento B (B).
III. Com o único propósito de demonstrar a qualidade da referida testemunha como administrador da B, a Ré C remete para o documento de fls. 60 (certidão comercial da referida companhia) e junta os seguintes documentos (i) Certidões das actas de inquirição de testemunhas e decisão relativas ao processo n.º CV3-07-0077-CAO-A; (ii)-Disquetes dos registos dos depoimentos e a transcrição dos registos dos depoimentos nas mesmas gravados.
IV. Na sequência da oposição assim apresentada pela Ré C, o ora Recorrente pronunciou-se através do requerimento apresentado em 17 de Junho de 2013, onde defende a impertinência e a desnecessidade de tais documentos e requer que não seja admitida a sua junção e consequente desentranhamento.
V. Na sequência dos requerimentos assim apresentados pelas partes, o douto Tribunal constatando o óbvio, isto é, que P não é actualmente administrador da Ré B, o admitiu que o mesmo depusesse como testemunha, porém, admitiu a junção dos documentos de fls 1010 e ss que, reitere-se, foram juntos apenas e tão só para a prova da qualidade de P como administrador da Ré B.
VI. Os documentos têm como finalidade fazer prova dos factos controvertidos tendentes à formação da convicção do Tribunal sobre a realidade em discussão, estando às partes vedada a possibilidade de juntarem indiscriminadamente toda a documentação que desejam, sendo-lhes apenas possibilitada a junção de documentos que se destinem a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa e que sejam relevantes e necessários.
VII. ln casu, parece claro, sempre ressalvando o devido respeito, que é muito, que tais documentos não podem deixar se ser considerados impertinentes e desnecessários, porque nunca seriam aptos a demonstrar a qualidade de administrador da referida testemunhas e porque, indeferida que foi a pretensão que a parte que juntou tais documentos pretendia ver acolhida, os mesmos não visam fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa.
VIII. Salvo devido respeito por melhor opinião, o douto Tribunal a quo deveria ter determinado, de imediato e oficiosamente, a inadmissibilidade da junção dos aludidos documentos por se reputarem manifestamente impertinentes e desnecessários quer para demonstrar a qualidade de administrador de uma testemunha, quer para fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa.
IX. Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que os documentos não podem ser admitidos em face do seu conteúdo, já que os documentos cuja junção foi admitida não passam da transcrição dos depoimentos gravados numa outra acção que correu termos no Tribunal Judicial de Base e na qual o Recorrente nem sequer foi parte.
X. E sem prejuízo do que se disse sobre a impertinência dos sobreditos documentos, a sua admissão mais não é que a admissão em "formato papel" do depoimento que determinada testemunha prestou em certo processo judicial, violando o principio da oralidade, da mediação e do contraditório.
XI. Pelo que se disse, e sempre ressalvando o devido respeito, que é muito, andou mal o douto tribunal a quo a admitir, no despacho de fls 1095 a junção aos autos dos documentos de fls 1010, tendo violado o disposto nos artigos 468.º e 446.º do C.P.C.,
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o despacho sob recurso ser revogado e em consequência ser substituído por outro que, dando cabal cumprimento aos aludidos preceitos legais, venha ordenar o desentranhamento de tais documento dos autos e a sua restituição à parte que os juntou.
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!
Compulsados os autos, verifica-se que o despacho recorrido (ora constante das fls. 1095 dos p. autos) é um despacho que admitiu a junção de um conjunto dos documentos, apresentados pela 2ª Ré com vista a opor ao arrolamento de uma testemunha feito pelo Autor.
O despacho recorrido foi proferido na sequência da oposição deduzida pela 2ª Ré C ao arrolamento de uma testemunha pelo Autor, com fundamento na circunstância de a mesma testemunha ser gerente da 1ª Ré B, que na óptica da 2ª Ré, fica impedida de depor como testemunha face ao disposto no artº 518º do CPC, nos termos do qual estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.
Tais documentos foram apresentados pela 2ª Ré para demonstrar que a mesma testemunha é gerente da 1ª Ré B.
Todavia, conforme iremos demonstrar infra, a apreciação do recurso se tornará inútil pela solução a ser dada por nós aos recursos interpostos pelas Rés.
Portanto, abstemo-nos para já de conhecer do presente recurso interlocutório e passamos a conhecer primeiro dos recursos da sentença final.
III
Recursos da sentença final
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com o vertido nas conclusões de ambos os recursos, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da impugnação da matéria de facto;
2. Da simulação dos contratos de 2007 e 2009;
3. Do acordo de asunção das dívidas; e
4. Da condenação solidária das Rés.
1. Da impugnação da matéria de facto
Antes de mais, é de relembrar aqui a matéria de facto dada por assente na primeira instância, que é a seguinte:
Da Matéria de Facto Assente:
- O prédio urbano em causa nos presentes autos, sito na XXXXXX n.ºs 14-17, na Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXX, do livro B-12, fls. 278v, e inscrito no respectiva matriz predial urbano sob o artigo XXXXX, encontrava-se registado a favor da Segunda Ré com a inscrição XXXXX, resultante da Apresentação 77, de 16/03/2007. (alínea A) dos factos assentes)
- A Primeira Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade construção civil e investimento no sector imobiliário. (alínea B) dos factos assentes)
- A Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda. é uma sociedade que se dedica ao investimento imobiliário. (alínea C) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007, a Primeira Ré celebrou com a Segunda Ré um contrato-promessa de compra e venda referente ao prédio melhor identificado nos presentes autos. (alínea D) dos factos assentes)
- Pelo preço de HKD$188,300,000.00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong), a Primeira Ré prometeu vender à Segunda Ré, e esta prometeu comprar-lhe o prédio atrás identificado. (alínea E) dos factos assentes)
- Na data de celebração deste contrato, ou seja, 16 de Março de 2007, e com base no mesmo, foi efectuado o registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré na Conservatória do Registo Predial, titulado pela Apresentação n.º 77 de 16 de Março de 2007. (alínea F) dos factos assentes)
- Em 10 de Janeiro de 2009, em cumprimento do contrato-promessa entre ambas celebrado, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado G, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio melhor identificado nos presentes autos, declarando que o fazia pelo preço de HKD$188,300,000.00, equivalentes a MOP$194,231,450.00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas). (alínea G) dos factos assentes)
- Em 16 de Fevereiro de 2009, com base na mencionada escritura de compra e venda celebrada entre as Rés, foi requerida e obtida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré, conforme Apresentação n.º 31 de 16 de Fevereiro de 2009. (alínea H) dos factos assentes)
- O prédio em apreço, em regime de propriedade privada, apto para construção, tem uma área de 56,166 (cinquenta e seis mil, cento e sessenta e seis) metros quadrados. (alínea I) dos factos assentes)
- Em 11 de Julho de 2008 a Primeira Ré intentou contra a Segunda Ré acção judicial com vista à obtenção de declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a Segunda Ré e datado de 18 de Janeiro de 2007, a qual correu termos sob o número de Processo CV2-08-0048-CAO. (alínea J) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- No dia 12 de Outubro de 1992, o A., na qualidade de promitente-comprador, e a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., na qualidade de procuradora da 1ª R., celebraram um contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre um terreno destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º P15 e 15, integrado no prédio sito na XXXXXX, n.º 14 a 17. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- De acordo com o estipulado na cláusula 1ª do contrato-promessa celebrado, o preço acordado pelas partes foi estabelecido à razão de HKD$250.00 (duzentas e cinquenta dólares de Hong Kong) por pé quadrado. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A área de construção prevista e então sujeita a aprovação do terreno objecto do contrato era de 173,730 (cento e setenta e três mil, setecentos e trinta) pés quadrados. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- O preço de venda total foi de HKD$43,432,500.00 (quarenta e três milhões quatrocentos e trinta e dois mil e quinhentos dólares de Hong Kong) a que correspondiam MOP$44,735,475.00 (quarenta e quatro milhões, setentas e trinta e cinco mil, quatrocentas e setenta e cinco patacas). (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Mais acordaram as partes que, na data da celebração do contrato-promessa, o A. pagaria a título de sinal, o valor de HKD$10,000,000.00 (dez milhões de dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Até ao dia 15 de Novembro de 1992, também a título de sinal, pagaria mais HKD$11,716,250.00 (onze milhões, setecentos e dezasseis mil e duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- O remanescente do preço, ou seja, HKD$21,716,250.00 (vinte e um milhões, setecentos e dezasseis mil, duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong), seria pago aquando da celebração da escritura pública de compra e venda. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- A qual, nos termos do ponto 2 da cláusula 2ª, deveria ser celebrada no prazo de 20 dias a contar da aprovação do projecto de construção que havia sido apresentado junto da entidade administrativa competente, e que se previa acontecer em 12 de Abril de 1993. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Conforme o acordado, na data de celebração do contrato-promessa, o A. procedeu à entrega do valor de HKD$10,000,000.00 (dez milhões de dólares), à Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Foi emitido ao A. um recibo comprovativo do pagamento de tal quantia em nome da Companhia de Fomento Predial I, Lda. assinado por H. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Os representantes legais da Companhia Fomento e Investimento Predial D, Lda., os Senhores J e H, que intervieram na outorga do contrato-promessa de compra e venda, eram também sócios da Companhia de Fomento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- No dia 28 de Outubro de 1992, o A. entregou ao Senhor K, sócio da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., a quantia de HKD$9,112,885.00 (nove milhões, cento e doze mil e oitocentos e oitenta e cinco dólares de Hong Kong). (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- Foi emitido por aquele senhor ao A. um recibo em nome da Companhia de Fomento e Investimento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- No dia 29 de Outubro de 1992, o A. procedeu à entrega de mais HKD$3,684,574.00 (três milhões, seiscentos e oitenta e quatro mil e quinhentos e setenta e quatro dólares de Hong Kong) à Companhia de Fomento e Investimento D, Lda. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- Novamente, foi-lhe emitido um recibo de quitação de tal quantia em nome da Companhia de Fomento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- O A. nunca celebrou qualquer negócio ou estabeleceu qualquer relação comercial com a Companhia de Fomento Predial I, Lda. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- O A. sempre aceitou os recibos que em nome da Companhia de Fomento Predial I, Lda. lhe eram emitidos pelos legais representantes da Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., com quem havia celebrado o contrato-promessa, por confiar nos mesmos e estes lhes transmitirem que não havia problema. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Alguns legais representantes da sociedade que, como procuradora da 1ª R., celebrou o contrato-promessa e da sociedade em nome da qual foram emitidos os recibos de quitação são os mesmos. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- O A. procedeu ao pagamento do valor HKD$22,797,459.00 (vinte e dois milhões, setecentos e noventa e sete mil quatrocentos e cinquenta e nove dólares de Hong Kong), a título de sinal nos terreno contratualmente acordados. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Apesar dos contactos encetados pelo A. junto à 1ª R. ao longo de vários anos, nomeadamente junto do Sr. Q, sócio da 1ª R., não foi possível até à presente data chegar a acordo quanto a celebração do contrato definitivo. (respostas aos quesitos 21º e 22º da base instrutória)
- O A. ainda não perdeu o interesse na celebração desse contrato. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- O prédio tinha, nos princípios de 2007, um valor de mercado de cerca de MOP$500,000,000.00 (quinhentos milhões de patacas). (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Provado apenas que o prédio referido nos autos é um prédio em regime de propriedade privada. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- O prédio encontra-se ocupado por um indivíduo chamado por R. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- O teor do contrato-promessa referido em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- O teor da cláusula 4ª do contrato-promessa referido em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Foi exibida ao A., aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda melhor identificado resposta ao quesito 1º uma procuração outorgada pela 1ª R. a favor da Companhia de Fomento e Investimento Predial D Lda. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- Por força de tal procuração a 1ª R. conferiu à Companhia D, Lda. plenos poderes de administração e de disposição relativamente ao prédio número 14 a 17 da XXXXXX, descrito na CRPredial de Macau sob o n.º XXXX, e bem assim, “a quaisquer edifícios, construções, edificações, incluindo prédios constituídos ou não em regime de propriedade horizontal e, na primeira hipótese, respectivas fracções, autónomas, e suas componentes que venham a implantar-se no terreno resultante da sua demolição”. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- A referida procuração confere ainda à procuradora poderes para celebrar negócios “consigo mesmo”. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- E foi outorgada também em benefício da procuradora. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Na data em que foi outorgado o contrato-promessa de compra e venda com o ora A., a Companhia D, Lda. exibiu o original de tal procuração e facultou ao ora A. não só uma cópia da mesma, mas também a sua tradução para chinês. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- O A. sempre confiou nas pessoas que agiram em representação da 1ª R., e no âmbito dos poderes que lhe foram outorgados através daquela procuração. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Foi na posse desta procuração que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, como procuradora da 1ª R., deu início à celebração dos contratos-promessa de compra e venda relativos aos prédios a construir no terreno sito na XXXXXX, n.º 14 a 17. (respostas aos quesitos 47º e 48º da base instrutória)
- A Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada entregou os respectivos sinais à 1ª R.. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- A 1ª R. tinha pleno conhecimento dos contratos-promessa de compra e venda que, recorrendo a tal procuração, a Companhia D, Lda. vinha celebrando sobre o imóvel sito na XXXXXX n.ºs 14 a 17. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- O contrato-promessa de 16 de Março de 2007 foi celebrado com o objectivo de se rectificar o lapso de escrita existente no nome do procurador da 1ª R. e legal representante da 2ª R. no contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- O teor da cláusula 5ª do contrato-promessa referida em D) e constante do documento de fls. 93 a 96. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Para aquisição do terreno em causa, L pagou à 1ª R. HKD$110,000,000.00, e por conta da 1ª R., a 2ª R. pagou ao Tribunal Judicial de Base, as quantias de MOP$581,000,000.00 e de MOP$2,515,704.35, a título de encargos decorrentes da acção judicial por constituição de hipoteca sobre o terreno em causa a favor do banco M para garantia do crédito no valor de MOP$493,520,000.00. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- Está estipulado no artigo 5º do “Contrato-Promessa de Compra e Venda” de 16 de Março de 2007 o seguinte: o 2º outorgante tomou conhecimento da existência do registo de hipoteca/penhora do dito terreno (inscrito sob o n.º XXXXº, a fls. 63 do Livro n.º C72M, a favor do credor hipotecário: Banco M, Limitada), do registo de arresto (inscrita sob o n.º XXXXX, requerente: Companhia N) e da inscrição provisória de aquisição (sob o n.º XXXXX, a favor de O) na Conservatória do Registo Predial de Macau, tendo o proprietário do imóvel O prestado a declaração de renúncia. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
Ambas as Rés impugnaram por via de recurso a matéria de facto assente na primeira instância.
De acordo com as relações controvertidas configuradas pelo Autor na petição inicial, um dos pedidos formulados na acção foi dirigido contra ambas as Rés B e C, pretendendo a declaração pelo Tribunal da nulidade, com fundamento na alegada simulação, de um negócio, celebrado em 10JAN2009, entre as mesmas Rés, de compra de venda de um terreno situado na zona de XXXXXX de Macau, onde se localizaria o bem imóvel (dois blocos a construir), objecto de um contrato promessa alegadamente celebrado em 12OUT1992 entre a 1ª Ré B e o Autor, nos termos do qual este prometeu comprar e aquela prometeu vender.
E na improcedência desse pedido principal, o Autor formulou vários pedidos subsidiários, quais são:
* Pedido da resolução desse contrato promessa de 12OUT1992, celebrado entre ele e a 1ª Ré B, por incumprimento definitivo e doloso por parte da 1ª Ré B, e a restituição do sinal em dobro, acrescido de juros de mora;
* Impugnação, por via de acção pauliana, do acto da venda do imóvel por parte da 1ª Ré B a favor da 2ª Ré C, com fundamento na diminuição da garantia patrimonial do crédito que o Autor tinha contra a 1ª Ré B e que resulta do incumprimento definitivo e doloso do cumprimento, por parte da 1ª Ré do contrato promessa de 12OUT1992;
* Pedido do reconhecimento ao Autor da legitimidade para, em substituição da 1ª Ré, exigir da 2ª Ré o pagamento dos créditos de que a 1ª Ré é titular por força do contrato promessa datado de 16MAR2007 e do contrato definitivo de 10JAN2009, ambos celebrado entre as Rés, e consequentemente a condenação da 2ª Ré a pagar à 1ª Ré os valores correspondentes ao sinal e o remanescente do preço não pago por força daqueles contratos de 16MAR2007 e 10JAN2009, de modo a que pudesse ser revertida a favor do Autor das mãos da 1ª Ré B uma parte desses créditos no valor de MOP$54.516.546,00, correspondente ao valor do crédito que o Autor reclamava da 1ª Ré B, acrescido de juros de mora; e
* Pedido da condenação solidária de ambas as Rés no pagamento ao Autor o valor de MOP$54.516.546,00, acrescido de juros de mora, por força de um acordo de assunção de dívidas da 1ª Ré, relacionadas com o terreno da XXXXXX, que é objecto do contrato de 10JAN2009 e onde se situa o imóvel a construir, objecto do contrato promessa de 12OUT1992.
Ora, a procedência de todos esses pedidos, principal ou subsidiários, pressupõe a comprovação de um facto, que é a existência de um contrato promessa, celebrado em 12OUT1992, entre o Autor e a 1ª Ré B, no acto representada pela Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., ora Interveniente.
In casu, ambas as Rés impugnaram por via de recurso a resposta positiva dada à matéria quesitada no ponto 1º da base instrutória.
A matéria quesitada no ponto 1º tem o seguinte teor:
“No dia 12 de Outubro de 1992, o A., na qualidade de promitente-comprador, e a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., na qualidade de procuradora da 1ª R., celebraram um contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre um terreno destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º P15 e 15, integrado no prédio sito na XXXXXXXX, n.º 14 a 17.?
O quesito foi julgado provado.
De acordo com o Acórdão da decisão de facto, a convicção do Tribunal Colectivo foi formada com base na prova documental, designadamente de fls. 74, 75 e 524 a 532 dos autos e nos depoimentos prestados pelas primeiras três testemunhas arroladas pelo Autor.
A 1ª Ré B veio reagir contra esta parte da decisão de facto por entender que ela própria não consegue descortinar em que medida é que os depoimentos das aludidas testemunhas do Autor e o conteúdo dos documentos apresentados contribuíram para a formação da convicção do tribunal relativamente à existência do contrato-promessa de compra e venda objecto dos presentes autos – cf. ponto 3º das conclusões do seu recurso.
Ou seja, está a imputar erro à decisão de facto na valoração das provas documentais e testemunhais.
Ao passo que a 2ª Ré C defende que não podia ter sido dado por provado que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada interviera no contrato-promessa celebrado no dia 12 de Outubro de 1992, na qualidade de procuradora da 1.ª Ré; na verdade, contrato-promessa consta de fls 74 dos autos e dele se pode verificar que figura como promitente-vendedora a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada e como promitente-comprador A – cf. ponto 2º das conclusões do seu recurso.
A 2ª Ré C questiona a comprovada qualidade da procuradora da 1ª Ré B como promitente vendedor do imóvel que assumia a Companhia de Fomento e Investimento Predial D Lda. no acto de celebração do contrato promessa de 12OUT1992, pois para a 2ª Ré, a Companhia de Fomento e Investimento Predial D Lda. interveio em nome próprio no acto de celebração do tal contrato promessa com o Autor.
Vêm agora ambas as recorrentes apontar o erro na apreciação das provas na resposta dada ao quesito 1º, dado que na óptica delas, o Tribunal a quo não valorou correctamente as provas documentais e os depoimentos das primeiras três testemunhas XXX, XXX e XXX.
Pretendem ambas as recorrentes com a reapreciação dessas provas ver alterada a parte da matéria de facto ora impugnada, com vista à revogação da sentença recorrida, e consequentemente à absolvição dos pedidos, julgados procedentes em 1ª instância.
Por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes de primeira instância segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Todavia, a matéria de facto assim fixada pelo tribunal de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.
Reza, por sua vez, o artº 599º, cuja epígrafe é “(ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)” para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Para a recorrente B, as provas que na sua óptica impunham a resposta negativa ao quesito 1º são os depoimentos de XXX, XXXX e XXXX, primeiras três testemunhas arroladas pelo Autor e os documentos constantes das fls. 74 a 75, 524 a 532.
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.
A recorrente B identificou exaustivamente as passagens das gravações, através da indicação da localização temporal das passagens e da transcrição dos depoimentos – vide as fls. 1452 a 1478v dos autos.
Por sua vez, na óptica da 2ª recorrente C, que se limitou a questionar a intervenção da ora 2ª Ré B, na celebração do contrato de 12OUT1991, através do seu procurador que é a ora Interveniente Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., o meios probatório que impunha decisão diversa é o documento constante das fls. 74 e 75.
Evidentemente, ambas as recorrentes cumpriram desta forma o seu ónus, imposto pelo artº 599º do CPC, de especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas documentais e testemunhais que na sua óptica impunham sobre esses pontos da matéria de facto decisão diversa.
Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na valoração da provas pelo tribunal a quo.
Ora, decorre do preceituado no artº 629º que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.
O que significa que vigoram para ambas as instâncias as mesmas regras do direito probatório adjectivo e substantivo.
Assim, por força do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 558º do CPC, este Tribunal de recurso deve igualmente apreciar as provas em causa, segundo o critério de valoração racional e lógica do julgador, com a observação das regras de conhecimentos gerais e experiência de vida e dos critérios da lógica.
Como dissemos supra, foi dado in casu cumprimento ao exigido pelo artº 629º/1-a), in fine do CPC, para a viabilização da reapreciação dos depoimentos prestados na primeira instância.
E face ao preceituado no nº 2 do mesmo artigo, impõe-se ao Tribunal de Segunda Instância reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, procedendo à audição dos depoimentos indicados pelo recorrente.
Defende a 1ª recorrente B tanto os depoimentos das três testemunhas como os documentos constantes das fls. 74 a 75, e 524 a 532 dos autos, se bem valoradas, não têm a virtualidade de demonstrar a celebração do contrato promessa de 12OUT1992, entre o Autor e a 1ª Ré B.
Como a única prova que a 2ª Ré C indicou para abalar a convicção subjacente à resposta positiva dada ao quesito 1º é também um dos documentos indicados pela 1ª Ré B, podemos apreciar em conjunto ambos os recursos nesta parte que diz respeito à impugnação da resposta dada ao quesito 1º.
Auscultadas e analisadas as passagens da gravação identificadas e examinados os documentos indicados pela recorrente B, verificamos que a mensagem que podemos extrair do depoimento de cada uma dessas testemunhas não é suficiente para nos levar a julgar provada a matéria integral constante do quesito 1º, e além disso, o teor desses documentos impõe que pelo menos, a qualidade da procuradora de D não possa ser dada como provada.
Na verdade, o documento constante das fls. 74 e 75 é o contrato promessa de compra e venda dos imóveis identificados por P15 e 15, a construir no terreno sito na zona da XXXXXX de Macau, de que é promitente vendedor a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda. e promitente comprador o ora Autor A.
Nesse contrato, inexiste qualquer menção de que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda. interveio na qualidade da procuradora da 1ª Ré B.
Todavia, o Tribunal a quo deu como provado que “o Autor, promitente-comprador e a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada, na qualidade de procuradora da Primeira Ré, celebraram um contrato-promessa de compra e venda ……”
O que significa que o Tribunal a quo valorou as provas alheias ao texto do contrato para dar como provada esta parte por nós sublinhada.
Então põe-se a questão de saber se a falta dessa menção no contrato escrito é suprível por outro meio de prova, nomeadamente a prova testemunhal.
Ou seja, coloca-se a questão saber se face ao regime do contrato promessa de compra e venda de imóveis, a forma escrita é exigida pela lei como formalidades «ad substantiam» ou meras formalidades «ad probationem».
O contrato promessa sub judice foi celebrado em 1992.
Há que portanto ter em conta a redacção original do artº 410º do Código Civil de 1966 que, no momento da celebração do contrato, era vigente em Macau.
Reza o artº 410º/2 do Código Civil de 1966 que a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pelos promitentes.
In casu, para a celebração do contrato definitivo a que visa a promessa a lei exige a forma legal de escritura pública - artº 875º do Código Civil de 1966.
Portanto o contrato promessa de 12OUT1992 devia revestir a forma legal de documento assinado pelos promitentes.
Na matéria das consequências da inobservância da forma legal, a doutrina faz a distinção entre formalidades ad substantiam e formalidades ad probationem: as primeiras são insubstituíveis por outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do negócio, enquanto a falta das segundas pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir (confissão e, no nosso antigo direito, o juramento) – Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, pág. 435.
Ora, se a exigência de forma legal é mera formalidade «ad probationem», a falta da menção no contrato escrito de que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada interveio na qualidade de procuradora da Primeira Ré é sempre suprível por outros meios de prova, pois se for caso disso, a forma legal é exigida apenas para facilitar a prova e não para a validade do negócio.
Pelo contrário, se estamos perante uma formalidade «ad substantiam», a falta dessa menção no contrato já não é suprível por outros meios de prova e gera necessariamente a nulidade do negócio.
Então, urge saber qual é a natureza, ad substantiam ou ad probationem que os normativos constantes do artº 410º/2 do Código Civil de 1966 atribuem à forma legal nele exigida.
Para o efeito, é de perguntar a que critério que podemos recorrer para distinguir quando é que a lei exige a forma legal como uma formalidade ad substantiam e quando é que estamos perante uma mera formalidade ad probationem?
A este propósito, o Prof. Mota Pinto, na obra citada, deu-nos a pista.
O Mestre defende que “há que tomar em conta o artº 364º do actual Código (que corresponde ao artº 357º do nosso CC), integrado nas disposições sobre direito probatório material constante do mesmo. Aí se reafirma no nº 1 o princípio geral, segundo o qual os documentos autênticos, autenticados ou particulares são formalidades «ad substantiam». No nº 2, estatui-se que o documento pode ser substituído por confissão expressa, se resultar claramente da lei que foi exigido apenas para prova da declaração. Donde se infere que quaisquer documentos (autênticos ou particulares) serão formalidades «ad probationem», nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei que a finalidade tida em vista ao ser formulada certa exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do acto e não qualquer das outras finalidades possíveis do formalismo negocial (obrigar as partes a reflexão sobre as consequências do acto, assegurar a reconhecibilidade do acto por terceiros ou o seu «contrôle» no interesse da comunidade, etc.). Admite-se nestes casos, como meio de suprimento da falta do documento, a confissão expressa.” – ibidem, pág. 436 e 437.
Assim, in casu, interesse saber se resulta claramente da lei que a forma legal do contrato promessa é exigida apenas para prova.
Obviamente não.
Pois do próprio artº 410º/2 não resulta claramente que o documento assinado pelos promitentes é exigido apenas para prova da declaração e que o reconhecimento do contrato em juízo pode ser feito por qualquer outro meio de prova.
Assim, in casu, para convencer o Tribunal de que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada interveio na qualidade de procuradora da Primeira Ré, no contrato promessa celebrado com o Autor em 12OUT1992, é preciso que essa representação voluntária seja expressamente feita mencionar no próprio texto do contrato.
Não o tendo feito conforme demonstrámos supra, não podemos senão dar como não provado o facto de que a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada interveio na qualidade de procuradora da Primeira Ré.
Pelo exposto, mal andou o Tribunal a quo ao valorar as provas testemunhas e documentais, alheias ao próprio texto do contrato promessa de 12OUT1992 para julgar provada a matéria do quesito 1º, na parte que diz respeito à qualidade em interveio a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Limitada.
E consequentemente, há que passar a julgar apenas provado que “no dia 12 de Outubro de 1992, o A., na qualidade de promitente-comprador, e a Companhia de Fomento e Investimento Predial D, Lda., celebraram um contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre um terreno destinado à construção do prédio urbano a que seria atribuído o n.º P15 e 15, integrado no prédio sito na XXXXXX, n.º 14 a 17.
Inexistindo um contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a 1ª Ré B, mas sim um contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Interveniente, cessa logo a necessidade de apreciar todas as restantes questões colocadas pelas recorrentes, dado que essas questões só subsistiam se o contrato de 12OUT1992 tivesse sido celebrado entre o Autor e a 1ª Ré B.
Inexistindo o contrato celebrado entre o Autor e a 1ª Ré B, aquele não pode ser titular dos créditos contra a 1ª Ré B resultantes do incumprimento por parte da 1ª Ré B do contrato promessa em causa.
Não sendo credor da 1ª Ré B, naturalmente o Autor não tem legitimidade activa e interesse de agir para intentar contra ambas as Rés a acção para declaração da nulidade dos contratos de 2007 e 2009, com fundamento na simulação.
O que conduz inevitavelmente à revogação in totum da sentença ora recorrida, à improcedência da acção contra as Rés e à absolvição de ambas as Rés dos pedidos.
Com esta solução dos recursos finais interpostos pelas Rés, fica logo prejudicado o conhecimento do recurso interlocutório interposto pelo Autor, pois se torna irrelevante a questão de saber se a testemunha P podia depor como testemunha nos presentes autos, uma vez que o seu depoimento não foi tido em conta pelo Tribunal a quo nem por nós em sede do presente recurso para proceder à alteração da matéria de facto que, em última análise, conduz à improcedência da acção contra as Rés.
Todavia, mesmo assim, não podemos ficar por aqui e por força da regra de substituição consagrada no 630º/2 do CPC, temos de nos debruçarmos sobre os pedidos subsidiários formulados pelo Autor no incidente da intervenção provocada principal passiva contra a Interveniente que ficam por conhecer por o Tribunal a quo os considerar prejudicados pelas soluções dadas à acção.
Cumprido o contraditório exigido no artº 630º/3 do CPC.
Em sede do contraditório, o Autor pede que seja mantida a decisão em relação a 2ª Ré C, dado que esta assumiu, de forma ilimitada e irrestrita todas as responsabilidades das dívidas existentes com relação ao terreno em causa.
Todavia, por razões que vimos supra, esta pretensão é de rejeitar, uma vez que por força do contrato promessa de 12OUT1992, o Autor não adquiriu nenhum direito sobre o terreno, pois se limitou a prometer comprar uma coisa futura que, nunca entrou na esfera jurídica do promitente vendedor D.
Assim, mesmo que o Autor tivesse alguns créditos por força do contrato promessa, estes créditos só poderiam ser créditos contra o promitente vendedor D, ora Interveniente, e não estariam certamente relacionados com o terreno em causa.
Improcede assim a pretensão do Autor de ver mantida a sentença recorrida na parte respeitante à condenação da 2ª Ré C.
Então apreciemos os pedidos formulados pelo Autor contra a Interveniente D.
Ora, o Autor formulou subsidiariamente dois pedidos, um principal e outro subsidiário, quais são:
1. Pedindo a interpelação da Interveniente para o cumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Interveniente em 12OUT1992, caso venha a ser declarada nula por simulada a venda efectuada pela 1ª Ré a favor da 2ª Ré do terreno da XXXXX (artºs 85º a 91º da réplica); e subsidiariamente
2. Pedindo a declaração da resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Interveniente em 12OUT1992 e a condenação da Interveniente D na restituição do sinal prestado no valor de MOP$23.481.383,00, acrescido de juros de mora até integral pagamento (artºs 92º a 100º da réplica).
Bom, o pedido principal não pode proceder, uma vez que, conforme decidimos supra, não se verifica a condição de que o Autor fez depender a procedência do pedido, ou seja, a declaração da nulidade por simulada a venda efectuada pela 1ª Ré B a favor da 2ª Ré C do terreno da Ilha XXXXX.
Quanto ao pedido subsidiário, já é de proceder.
Pois, apesar de ter prometido vender ao Autor os imóveis sitos no terreno da Zona XXXXXX, o certo é que a Interveniente D nunca adquiriu os imóveis, objecto do contrato promessa.
Por outro lado, por força da cláusula 3ª do contrato promessa de12OUT1992, o Autor tem direito de não comprar e exigir a restituição dos sinais entretanto pagos.
Assim na procedência do pedido subsidiário formulado pelo Autor contra a Interveniente D, é de julgar resolvido o contrato promessa de 12OUT1992, celebrado entre o Autor e a Interveniente D, e condenar, ao abrigo do disposto no artº 270º/2-a) do CPC a Interveniente D a restituir ao Autor os sinais pagos, acrescidos de juros de mora contados a partir do presente Acórdão até integral pagamento.
Em conclusão:
Face ao disposto quer na redacção primitiva do artº 410º/1 do Código Civil de 1966 quer no artº 404º/2 do Código Civil de 1999, a exigência da forma legal para a celebração de contrato promessa de compra e venda de bens imóveis tem natureza de formalidade ad substantiam e não de mera formalidade ad probationem;
Assim, se no contrato promessa de compra e venda de bens imóveis não constar a menção de que um dos intervenientes agiu na qualidade do procurador, o Tribunal não pode, através da valoração dos outros meios de prova que não sejam do próprio texto do contrato, julgar provado que esse interveniente agiu em nome de outrem na celebração do contrato.
Tudo visto, resta decidir.
IV
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
1. Mandar desentranhar todos os documentos juntos pela Ré Companhia de Desenvolvimento C, ora constantes das fls. 1638, 1639, 1653 a 1680, 1692 a 1708 dos presentes autos;
2. Julgar procedente a impugnação da matéria de facto do quesito 1º da base instrutória;
3. Proceder à alteração da resposta ao quesito 1º da base instrutória, nos termos supra consignados;
4. Revogar in totum a sentença recorrida;
5. Julgar improcedente a acção contra as Rés Empresa de Fomento e Investimento B (Macau), Limitada e Companhia de Desenvolvimento C, Limitada;
6. Absolver das Rés de todos os pedidos contra eles formulados pelo Autor;
7. Não conhecer do recurso interlocutório interposto pelo Autor; e
8. Julgar resolvido o contrato promessa de 12OUT1992, celebrado entre o Autor e a Interveniente D, e condenar, ao abrigo do disposto no artº 270º/2-a) do CPC a Interveniente D a restituir ao Autor os sinais pagos no valor de MOP$23.481.383,00, acrescidos de juros de mora contados a partir da data do presente Acórdão até ao integral pagamento.
Custas pelo Autor, em ambas as instâncias, pela improcedência da acção e pelo decaimento nos recursos interpostos pelas Rés.
Custas pela Interveniente pelo decaimento no pedido subsidiário contra ela formulado pelo Autor.
Custas pela Ré Companhia de Desenvolvimento C pela não admissão dos documentos por ela juntos.
Registe e notifique.
RAEM, 07JUL2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
1 Cfr. Jose Carlos Brandão Proença, in Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, pag. 127
2 Cfr. João Cura Mariano, ob. cit, pg. 165
3 Cfr. Antunes Varelas, ob.cit. pg. 445
4 Cfr. João Cura Mariano, ob.cit., pg. 168.
5 Cfr. Antunes Varelas, ob.cit. pg.450
6 Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria geral do Direito Civil, Almedina, 4ª ed., pg.416.
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