打印全文
Processo nº 977/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 30 de Junho de 2016
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
- Regulação do poder paternal

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.


Processo nº 977/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A -, do sexo feminino, casada, portadora do BIRM não permanente n.º XXX emitido pela DSI aos 29 de Setembro de 2015, ora residente na XXX, nos termos do art.º 1199.º do Código de Processo Civil,
Instaurou contra: ---
B, do sexo masculino, divorciado, ora residente em XXX, Hong Kong ---
Acção especial de revisão e confirmação de decisão do exterior de Macau, em termos que aqui damos por reproduzidos.
*
O réu não apresentou contestação.
*
O Ministério Público mostrou-se favorável ao deferimento da pretensão.
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O Tribunal dispõe de competência internacional, material e também em razão da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
***
III – Os Factos
1 – No dia 10 de Junho de 2010, A e B contraíram casamento civil no serviço de registo de casamento de Tsim Sha Tsui, RAEHK (Documento 1).
2 – No dia 12 de Novembro de 2010, nasceu a filha do casal, a quem foi dado o nome de C (vd. Documento 2).
3 - A requerente e B extinguiram a relação de casamento no Tribunal Distrital da RAEHK através do Requerimento em conjunto FCJA2013 n.º 452.
4 – No dia 23 de Abril de 2013, foi proferida a decisão, que transitou em julgada aos 27 de Setembro de 2013 (vd. Documento 1).
5 – É o seguinte o teor do documento de divórcio:
RAEHK
Tribunal Distrital
Requerimento em conjunto
FCJA2013 ano n.º 452
B, o 1.º requerente
e
A, a 2.ª requerente
Quanto à decisão proferida aos 23 de Abril de 2013 nesta acção, a menos que se invocasse ao Tribunal motivos suficientes pelos quais a decisão acima referida não se podia converter em absoluta, no prazo de 6 semanas contado a partir do proferimento dela, no caso contrário,
B, o 1.º requerente
e
A, a 2.ª requerente
o casamento entrelaçado entre os dois aos 10 de Junho de 2010 no serviço de registo de casamento de Tsim Sha Tsui, HK seria dissolvido. Como ninguém invocou tais motivos, ora certifico que a decisão acima referida já se converteu em final e absoluta aos 27 de Setembro de 2013. Portanto, o casamento acima mencionado já foi dissolvido.
Data: 28 de Setembro de 2013 (fls. 12 do apenso Traduções)
6 – No dia 8 de Maio de 2015, a requerente e B trataram oficialmente os trâmites, e renunciaram ao nome original do filho “C” e mudaram-no para “C1” (Documento 3).
7 – A regulação do poder paternal em relação à filha foi efectuada por decisão do Tribunal Distrital de Hong Kong, nos seguintes termos:
FCJA 452/2013
RAEHK
Tribunal Distrital
Requerimento em conjunto FCJA2013 ano n.º 452
B, o 1.º requerente
e
A, a 2.a requerente
Ordem
da Juíza temporariamente nomeada, Dr.ª XXX, do Tribunal Distrital após o julgamento (não público)
Depois de ouvir as alegações pessoais do 1.º requerente e da 2.a requerente, passo agora a proferir as seguintes ordens:
1. Entrega-se o poder de alimento, cuidado e vigilância da filha C da família à segunda requerente, tendo o primeiro requerente o direito de visita razoável. A juíza profere também uma instrução: sem autorização do tribunal, não se pode levar a filha acima referida para fora de Hong Kong, antes de ela completar os 18 anos; no entanto, se qualquer uma parte dos pais fizer compromisso geral escrito ao Juízo, garantindo que, se requerido, levaria a filha acima mencionada de volta a Hong Kong, e simultaneamente com a concordância escrita da outra parte, então quem fizer o compromisso poderá levar a filha para fora de Hong Kong, durante o prazo a indicar pela concordância escrita; a menos que haja instrução pelo Tribunal em sentido diverso.
2. O primeiro requerente obriga-se a entregar à segunda requerente os alimentos da filha C da família mensalmente, no valor de HKD$ 1000; sendo a primeira vez em 12 de Outubro de 2013, e as seguintes pagamentos serão efectuados ao décimo dia de cada mês; até a quando a filha acima mencionada completar os 18 anos de idades, ou até quando ele parar de receber educação a tempo inteiro, é a data da ocorrência daquilo que acontecer depois do outro que conta.
3. A verba acima mencionada deve ser debitada directamente na conta bancária do Banco da China indicada pela segunda requerente, conta n.º 03057910098117.
4. Qualquer eventual reclamação apresentada pelas partes da acção, nos termos do Regulamento de Acções Matrimoniais (“MATRIMONIAL CAUSES ORDINANCE”), Regulamento de Procedimentos Matrimoniais e Propriedade (“MATRIMONIAL PROCEEDINGS AND PROPERTY ORDINANCE”), Regulamento de Estatuto de Pessoas Casadas (“MARRIED PERSONS STATUS ORDINANCE”), Regulamento de Herança (Provisão para família e dependentes) “INHERITANCE (PROVISION FOR FAMILY AND DEPENDANTS) ORDINANCE”, ou ainda no termos dos outros regulamentos respeitantes, será anulada, seja ela apresentada por uma parte contra a outra parte, ou contra o ajustamento dos capitais da indústria deles, a receita, ou outros bens, incluindo uma ou várias verbas, a alienação dos bens, ou disposição de acordo, e a ordem de venda.
5. Sobre os assuntos relacionados com apoios acessórios e as custas da acção do poder de vigilância e alimento (incluindo todas as custas judiciais reservadas), o tribunal não profere qualquer ordem.
A juíza mais declara: na aplicação do artigo 18.º do Regulamento de Procedimentos Matrimoniais e Propriedade (“MATRIMONIAL PROCEEDINGS AND PROPERTY ORDINANCE”) - Capítulo 192, o juízo crê que a filha acima referida C é a filha da família; e para o bem-estar dela, já foram efectuadas as disposições acima mencionadas, que são satisfatórias ou a melhor solução sob as actuais circunstâncias.
8 – No dia 9 de Junho de 2015 o Tribunal Distrital da REEHK concedeu autorização à aqui autora para levar a filha C (i.e. C1) para fora da jurisdição judicial de Hong Kong para vir viver em Macau (Documento 5), nos seguintes termos:
FCJA 452/2013
RAEHK
Tribunal Distrital
Requerimento em conjunto FCJA2013 ano n.º 452
B, o 1.º requerente
e
A, a 2.ª requerente
Ordem
da Juíza temporariamente nomeada, Dr.ª XXX, do Tribunal Distrital após o julgamento (não público)
Depois de ouvir as alegações pessoais do 1.º requerente e da 2.ª requerente,
E depois de serem lidos dos requerimentos de citação do 1.º requerente no dia 1 de Setembro de 2014, e da 2.ª requerente aos 14 de Abril de 2014:
Tendo o concordo das duas partes, prefere-se as seguintes ordens:
1. Autoriza-se à 2.ª requerente levar a filha C da família de imediato para fora da jurisdição de Hong Kong, para irem viver em Macau:
2. Muda-se a ordem sobre visita proferida aos 4 de Novembro de 2013 para a seguinte:
I. O primeiro requerente adquire o direito de visita razoável a filha C.
*
Cumpre decidir.
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos - de revisão formal - não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do Tribunal Familiar competente da RAEHK (Jurisdição de divórcio), que decretou a dissolução do casamento dos cônjuges.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, bem como a regulação do exercício do poder paternal. Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a sentença de divórcio já transitou.
Acrescenta-se ainda que a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Região Administrativa e Especial de Hong Kong e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão de divórcio proferida pelo Tribunal de Família da Região Administrativa Especial de Hong Kong datada de 23/04/2013, transitada em 27/09/2013, que decretou o divórcio entre A e B, bem a regulação do poder paternal, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 30 de Junho de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


977/2015 10