Processo nº 187/2016
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos do recurso judicial na matéria de propriedade industrial, registado sob o nº CV3-14-0056-CRJ, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
Não encontramos fundamento bastante para se suspender os presentes autos como é requerido pela parte contrária., não se antolhando, pois, qualquer causa de prejudicialidade e ante à decisão projectada.
Desta sorte profere-se de imediato decisão.
*
I – RELATÓRIO
A, sociedade comercial e industrial constituída em conformidade com as leis francesas, com sede em XXX, France,
inconformada com as decisões da DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA que concederam o registo das marcas n.ºs N/XXX e N/XXX, ambas para assinalar produtos da classe 25.ª,
registo requerido por
C HOLDINGS LIMITED, sociedade industrial e comercial constituída segundo as leis das Bermudas, com agência comercial em XXX, Hong Kong,
vem delas interpor recurso.
Apresenta as seguintes conclusões:
“1) O presente recurso tem por objecto os despachos da Exm.ª Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que concederam o registo das marcas n.ºs N/XXX e N/XXX, para assinalar produtos da classe 25.ª.
2) A Recorrente é titular de marcas prioritárias que incorporam o sinal C (e também usa o sinal “C1” quando comercializa os seus produtos e serviços no mercado chinês), marcas notórias e de grande prestígio a nível mundial, particularmente na Ásia e em Macau (comprovado pelos factos e documentos ora juntos), estando também aqui registadas.
3) A Requerente, ao pedir o registo das marcas C e C1 (que corresponde à tradução do sinal C) para assinalar produtos da classe 25.ª, e que tomaram, respectivamente, os n.ºs N/XXX e N/XXX, procura indevidamente tirar partido do prestígio das marcas da Recorrente, o que constitui fundamento de recusa daqueles registos.
4) Mais, a tentativa de colagem à imagem da Recorrente evidencia-se também pela estratégia comunicacional empregue pela Requerente dos pedidos de registo ora impugnados (por exemplo, o jantar de Gala, em Macau, num salão rectangular, com uma réplica do Salão dos Espelhos do Palácio de Versalhes, decorado com portas de vidro, lustres e exibindo numa parede lateral, a marca “C” em letras douradas num fundo vermelho. Esse Jantar de Gala, ao estilo francês, está directamente relacionado com o Banquete Real que foi oferecido a Suas Majestades, o Rei Jorge VI e a Rainha Elisabeth do Reino Unido, no Salão dos Espelhos do Palácio de Versalhes em 21 de Julho de 1938, conforme referido acima, e à marca “C”, conforme usada pela Recorrente na sua embalagem).
5) Sendo também óbvio que a Requerente das marcas em apreço pretende fazer concorrência desleal à Recorrente, ao utilizar sinais marcários desta para criar confusão ou, pelo menos, provocar uma associação entre sinais na mente do consumidor, diluindo ao mesmo tempo a capacidade distintiva das marcas da Recorrente.
6) Tudo razões que deverão levar à revogação dos despachos ora impugnados e a sua substituição por despachos de recusa do registo daquelas marcas, nos termos dos artigos 9.º, n.º 1, alínea c), e 214.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJPI.”
Adiantando que “não se poderá deixar de concluir que, no caso, estão preenchidos os requisitos dos fundamentos de recusa previstos no art.º 214.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJPI, tendo em conta que as marcas registandas são uma reprodução ou, pelo menos, uma imitação das marcas C da Recorrente, que, para além de se encontrarem registadas em Macau, aqui são notoriamente conhecidas e gozam de grande reputação e prestígio, tal como a nível mundial, pretendendo a Requerente tirar partido indevido desse prestígio, ao pedir o registo das marcas C e C1 que tomaram, respectivamente, os n.ºs N/XXX e N/XXX, ambas para assinalar produtos da classe 25.ª”,
e que
“não pode deixar de se tomar em consideração o facto de se reconhecer que a Requerente da marca pretende fazer concorrência desleal, uma vez que esta usurpou um sinal marcário da Recorrente, e, por um lado integrou-o numa marca (marca n.º N/XXX) e, por outro, traduziu-o para a língua chinesa e compôs a marca n.º N/XXX, que, sem dúvida, é igual ao sinal através dos quais são comercializados os produtos e serviços da Recorrente na China Continental, em Taiwan, em Hong Kong, em Singapura e em Macau, o que, por si só, indicia que há intenção de criar confusão ou, pelo menos, provocar uma associação entre sinais na mente do consumidor, certo sendo que o pedido de registo de uma marca que é susceptível de induzir em erro o consumidor, constitui uma das situações que se enquadra no fundamento de recusa a que alude o art.º 9.º, n.º 1, alínea c), aplicável por força do disposto no art.º 214., n.º 1, alínea a), todas as disposições do RJPI, que tem por base a intenção de obstar a que sejam praticados actos de concorrência desleal”,
pede que se revoguem
os despachos recorridos e, em consequência, seja proferida uma decisão que determine a recusa do registo das marcas registandas.
Foi citada a DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA nos termos do artº278º do RJPI e na sequência do que pugnou pela legalidade das respectivas decisões, tudo conforme 1161 e ss e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
Foi também citada a C HOLDINGS LIMITED, igualmente pugnando pela legalidade das decisões postas em crise.
II - SANEAMENTO
O recurso é tempestivo e legal.
O Tribunal é competente em razão da matéria, territorial e hierarquia.
O processo é o próprio.
As partes têm legitimidade e são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
Não existem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
III - MOTIVAÇÃO
A. DE FACTO
1.
Em 21 de Junho de 2013, a Parte Contrária requereu o registo das marcas C e C1, que romaniza C2, que tomaram, respectivamente, os n.ºs N/XXX e N/XXX, ambas para assinalar produtos da classe 25.ª.
2.
C1 (C2) que corresponde à tradução literal da expressão francesa “C”.
3.
A DSE por despachos de 13 de Agosto de 2014 concedeu o registo das marcas acimas indicadas.
4.
Em síntese, a concessão das marcas registandas estão assim fundamentada: (i) pese o facto de a Requerente (parte contrária) das marcas não gozar do direito de prioridade no registo em Macau do sinal C, por si invocado – e (ii) ser incontornável o facto de que as marcas integram o sinal C registado em Macau, pela Recorrente, como marca para assinalar produtos da classe 33.ª e requerido em data anterior à do pedido de registo das marcas N/XXX e N/XXX, aqui em apreciação, para assinalar produtos da classe 25.ª, (iii) as marcas registandas destinam-se a assinalar produtos da classe 25.ª, produtos esses que não têm qualquer afinidade com os produtos e serviços colocados no mercado pela Recorrente.
5.
A DSE considerou a marca C da Recorrente uma marca notória e não uma marca de prestígio.
6.
Também, decidiu a DSE, que não se configura uma situação de possível concorrência desleal, por falta de afinidade entre os produtos e serviços da Recorrente e os produtos da Requerente das marcas, aqui Parte Contrária.
7.
Concluiu-se no despacho de concessão, ora em impugnação, que “não se verifica qualquer reprodução ou imitação das marcas da Reclamante, porque as marcas em confronto não se destinam a assinalar os mesmos produtos e os mesmos serviços e, assim, não se aplicam os fundamentos de recusa invocados da alínea b) e c) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do art.º 214.º, conjugado com o n.º 1 do art.º 215.º do RJPI”, nem a al. c) do nº1 do artº9 do RJPI e, em consequência, foram concedidas, à Parte Contrária, as marcas C e C1, que tomaram, respectivamente, os n.ºs N/XXX e N/XXX, ambas para assinalar produtos da classe 25.ª.
8.
A ora Recorrente tem registadas na RAEM as marcas (i) C, com o n.º N/XXX; (ii) C, com o n.º N/46899; (iii) C DE A1 RARE CASK, com o n.º N/44651; (iv) C/A1, com o n.º N/45441; (v) C de A1, com o n.º P/14077, todas elas para assinalar produtos da classe 33.ª (Bebidas alcoólicas e Bebidas espirituosas beneficiando da denominação de origem COGNAC). – Cfr. Base de dados da DSE
9.
Em 5 de Fevereiro de 2013, a Recorrente apresentou o pedido de registo da marcas que consistem em LXII e C, para assinalar serviços das classes 41.ª e 43.ª, que tomaram, respectivamente, os n.ºs N/XXX, N/XXX, N/XXX e N/XXX, que lhe foram concedidas. – Cfr. Base de dados da DSE
10.
Em 20 de Março de 2013, apresentou a Recorrente o pedido de registo da marca que consiste em C1 (que romaniza C2 e corresponde à expressão de origem francesa C), para assinalar produtos da classe 33.ª e serviços das classes 41.ª e 43.ª, tendo tomado, respectivamente os n.º N/XXX, N/XXX, N/XXX, que lhe foram concedidas. – Cfr. Base de dados da DSE
11.
A ora Recorrente – A – é uma empresa francesa que tem como actividade principal a produção, a oferta ao público e venda a nível mundial de bebidas alcoólicas e produtos e actividades relacionados, tanto directamente como através de parceiros comerciais.
12.
A empresa surgiu e especializou-se em bebidas finas da região de Cognac, sendo que, inicialmente, tudo foi produzido sob a orientação do enólogo francês Rémy Martin.
13.
A qualidade e especificidades dos conhaques foram, historicamente, atendidas pelas autoridades francesas; o Rei Francês Luís XIII, no século XVII, promulgou regras específicas e implementou vários princípios para a protecção, elaboração e venda de Conhaque, sendo que esta regulamentação real teve como resultado o sucesso mundial e a bastante conhecida Denominação de Origem do Conhaque.
14.
Devido à qualidade dos produtos desenvolvidos pela Recorrente, o Rei Luís XV de França concedeu à Recorrente o direito a plantar novas vinhas em 1738, sem prejuízo da respectiva proibição legal datada de 1731.
15.
A marca “C” começou por ser aposta pela Recorrente no século XIX, como tributo ao Rei francês C, no seu conhaque, misturado a partir de mais de 1200 destilados oriundos da região de Champagne Grande, e envelhecido até 100 anos em barris centenários de carvalho Limousin, dos quais apenas 3% da bebida evapora durante aquele período de envelhecimento.
16.
O quadro do Rei Luís XIII pintado por Champaigne foi reproduzido em alguns artigos promocionais da E. Rémy Martin & Co.
17.
Apenas as uvas “Ugni Blanc”, da região de Champagne Grande, são utilizadas na elaboração do conhaque “C” (Doc. n.º 1).
18.
Em qualquer página electrónica sobre a marca C, pode verificar-se que é dada a informação sobre (i) como se produz este conhaque; (ii) qual o tempo de envelhecimento a que se submete esta bebida; (iii) o seu valor, podendo uma só garrafa de 750ml chegar ao montante de US$34.000,00 e (iv) como é promovida tal marca.
19.
O conhaque “C” é engarrafado num décanteur – elaborado por mãos de vinte artesãos especializados – com um gargalo em ouro de 24 quilates e tampa em formato de flor-de-lis, em cristal Baccarat; a Recorrente lança regularmente e oferece ao público edições limitadas do “C”, em particular um décanteur de luxo feito de cristal, ouro e diamantes (Doc.s n.ºs 2, 3, 4, 5).
20.
O conhaque “C” tornou-se um sinónimo de qualidade superior, luxo, distinção e exclusividade (Docs. 2, 3, 4 e 5).
21.
As marcas “C” estão constantemente a serem consideradas marcas de luxo por várias organizações, em particular na Ásia e na República Popular da China, tudo conforme doc.. 6 a 11 juntos cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
22.
A Recorrente e os seus associados alargaram o uso e protecção da marca “C” para produtos de luxo e actividades relacionadas (por exemplo, a marca francesa registada “CLUB C”, com o n.º 11382005, com registo pedido em 19 de Abril de 2011).
23.
O Conhaque “C” é um embaixador do estilo de vida francês pelo mundo; cativou as cortes reais da Europa, antes de atravessar o Atlântico, no final do século XIX, no navio de cruzeiro “Normandy”, enquanto várias garrafas foram enviadas para Xangai, pela primeira vez, em 1882.
24.
O sinal “C” tem sido promovido durante todos estes anos em várias situações famosas, designadamente, no Banquete Real dado em honra de Suas Majestades, Rei Jorge VI e Rainha Elizabeth do Reino Unido, na Sala de Espelhos do Château de Versailles em 21 de Julho de 1938 (Doc. n.º 12, ao qual está anexada uma declaração ajuramentada que confirma que o conhaque “C” foi servido em tal evento real, mencionando-se que, a título publicitário, foram apostas várias etiquetas nos produtos “C” referindo que tal conhaque havia sido servido nesse banquete – Doc. n.º 12-A).
25.
Em Março de 2011, num leilão em Singapura, a E. Rémy Martin & Co. ofereceu para venda a única garrafa de luxo “C” remanescente da série das que foram servidas durante o referido banquete real, em 1938, no Château de Versailles, na presença do Rei Jorge VI e da Rainha Elizabeth; tal garrafa “C” dos anos 30 do século XX foi vendida por USD$70,000.00 (setenta mil dólares americanos).
26.
Em 2001 foi lançado, para celebração do século XXI, da edição limitada da garrafa de diamante “C”, na qual foi incluída uma rolha em diamante da cor do conhaque (cfr. doc.s n.ºs 6 a 10).
27.
Em 2012 a World Luxury Association publicou uma lista anual das cem marcas luxuosas de topo, a nível mundial. A cerimónia de entrega de prémios teve lugar em Pequim e a marca “C” da Recorrente foi classificada como uma das marcas mais luxuosas de bebidas espirituosas a nível mundial, sendo, igualmente, considerada, pela classificação HURUN, uma marca que goza de especial notoriedade e é de luxo, tudo conforme doc. 6 a 10 cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
28
Em Macau o conhaque “C” da Recorrente foi um dos catorze produtos apresentados na exposição “LuxInside”, que teve lugar em Dezembro de 2012 e promovida ao longo do ano de 2012, da artista Laurence Picot, por conta do Instituto Francês, operador do Ministério dos Negócios Estrangeiros Francês para as Actividades Culturais, como símbolos de qualidade intemporal e luxo.
29.
Mais: no Aeroporto de Macau, foi aberto em Setembro de 2012, um “C Podium” para exibição e comercialização dos produtos “C” da Recorrente, tendo a imprensa de Macau noticiado que o referido local chama à atenção dos passageiros do aeroporto pelo seu ambiente luxuoso. – Cfr. Doc.41
30.
Encontram-se algumas lojas e restaurantes espalhados pelos vários hotéis e casinos de Macau, na Ásia e pelo mundo, assim como mostruários em hotéis, restaurantes, “lounges” e bares que promovem e comercializam os conhaques “C” da Recorrente, tendo também áreas exclusivas para produtos e serviços relacionados (por exemplo, salas, “lounges” e bares “C”).
31.
Em Macau, as marcas C da Recorrente, são conhecidas da população em geral, não só pelo uso na Região mas, também, pelos distintos eventos e campanhas de promoção, que contribuem para o enquadramento das marcas C (Doc.s n.ºs 13 a 18.)
32.
A marca C surge associada e referenciada à realização e promoção de vários eventos sociais, culturais e desportivos por toda a Ásia (Doc.s n.ºs 19 a 27),
33.
…. sendo objecto de publicidade feita em publicações asiáticas de produtos de luxo e de investimentos (Doc.s n.ºs 28 a 32);
34.
Os consumidores locais estão dispostos a pagar elevadas quantias para adquirir produtos C da Recorrente (Doc.s n.ºs 33 a 38).
35.
A recorrente fez acordos com parceiros locais (Ásia) com o objectivo de expandir o sinal C a vários ramos de actividade, designadamente a serviços nas áreas de hotelaria e alojamento temporário, produtos de luxo e acessórios de moda (Doc. n.ºs 39 a 49).
36.
A nível internacional a Recorrente tem um programa de serviços “C” que fazem parte da prática de expansão de várias empresas e marcas de luxo e de prestígio para as actividades empresariais nas áreas de hotelaria e alojamento. A A e os seus parceiros (vide, em particular, o sítio web www.louisxiii-cognac.com/en#iconic-venues--our-fortresses) alargaram nos últimos anos a utilização e a protecção das marcas “C” a produtos de luxo e actividades, nomeadamente, à área da hotelaria e dos restaurantes.
37.
É objectivo da A promover e / ou vender os produtos e oferecer aos clientes serviços de luxo assinalados com a mesma marca de luxo "C" por vários meios, tendo estabelecido relações comerciais com parceiros em hotéis e restaurantes de prestígio e produtores de acessórios de luxo e produtos de moda também prestigiados para:
(i) Exploração e uso comercial da marca “C” como um clube, por exemplo "www.clublouis.louis-xiii.com", em 2010;
(ii) Exploração de um lounge em aeroportos, como o Aeroporto de Macau em 2012, e também em hotéis em todo o mundo;
(iii) Promoção dos produtos de luxo "C" em hotéis, bares e restaurantes de hotéis de luxo;
(iv)“Co –branding” entre a marca “C” e outras marcas de prestígio de parceiros com actividades nas áreas da hotelaria, restauração e alojamento;
(v) Organização de eventos em hotéis, por exemplo : Dorchester (em Inglaterra), Hotel Okura (em Tóquio), La Gloutonnerie (na Cidade do México), Storchen (em Zurique) (CH), SANDS Cotai Central e GALAXY (Macau), Maison C no Grand Hyatt de Tóquio (Japão), LE CRILLON, MEURICE, George V, Plaza Athénée (Fr), Hotel de Paris (Monaco), Waldorf Astoria (NYC), Burj Al Arab, Ritz Carlton (Osaka), Wynn Casino (Las Vegas), Seasons Hotel (Los Angeles), Sofitel (Londres), Bolchoi (Rússia), C Clubs nos Hotéis Fairmonts, na discoteca VIP Room em Cannes (França), entre outros (vide, www.louisxiii-cognac.com/en#iconic-venues--our-fortresses). Tais parcerias têm adoptado várias formas como, por exemplo, a aposição de cartazes com o sinal C, em menus do hotel, etc., jantares, provas de conhaques, mostruários (documentos n.ºs 50 a 87).
(iv)“Co –branding” entre a marca “C” e outras marcas de prestígio da indústria da moda e dos acessórios de luxo, por exemplo, Hermès, ST Dupont, Montblanc, Baccarat, Louis Vuitton;
38.
A propósito da reclamação apresentada pela ora Parte Contrária contra o pedido de registo da marca n.º N/XXX (apresentado pela ora Recorrente), a DSE concluiu que os documentos referidos acima provavam que a ora Recorrente utilizava a marca “C” para a promoção de vários eventos e provisão de serviços relacionados com o ramo da hotelaria e dos serviços de restaurante juntamente com os seus parceiros comerciais. Ficaram ainda demonstradas a apresentação de outros pedidos de registo para serviços da Classe 43.ª noutras jurisdições e a intenção de expandir a marca “C” para as Classes 41.ª e 43.ª, para além do seu uso e actividade relacionada com os produtos da Classe 33.ª.
39.
Todas estas actividades da Recorrente, na indústria hoteleira e da restauração, estão focadas, exclusivamente, em hotéis, restaurantes, “lounges”, bares de luxo, em acessórios de moda e de luxo, tendo como público-alvo os clientes ricos.
40.
As marcas “C” encontram-se registadas e/ou gozam de prioridade no registo em Macau e, também, encontram-se registadas em muitos países do mundo, para além do registo no país de origem (França) (conforme se pode verificar dos 70 documentos juntos sob os n.ºs 88 a 158).
41.
Entre uma sociedade do grupo empresarial da Recorrente e a sociedade PHONEVALLEY foi celebrado um Memorando de Entendimento para a criação de uma aplicação de telemóvel que, sob a secção “Legendary Places”, sugere, aos seus utilizadores, os melhores hotéis do mundo (envolvidos no programa “C” da Recorrente) (Doc. n.º 162).
42.
Nos últimos anos a Recorrente tem desenvolvido e diversificado as suas actividades comerciais e alargado o uso da sua marca “C” para produtos de luxo, nomeadamente, decantadores, vidraria, colares, jóias, anéis, bandejas, mostruários, botões de punho, canetas, sacos e acessórios de couro, chocolates, pisa-papéis, corta-charutos, materiais de papel e cartão – por exemplo, revistas, livros, panfletos, embalagens e serviços relacionados.
43.
De entre as parcerias comerciais, também, se destacam as implementadas com designers de prestígio (Christophe Pillet, a título exemplificativo) e a parceria com a Baccarat (que fabrica a garrafa C há muitos anos).
44.
A Baccarat não só fabrica o luxuoso decantador C mas, também, as jóias vendidas com algumas edições limitadas de C Diamond, incluindo uma garrafa e uma jóia de diamante; sem perder de vista que os materiais utilizados no fabrico de decantador C, tais como, cristal, ouro e diamantes, fazem com que o decantador C não seja um mero recipiente de uma bebida mas sim uma peça de arte, tal como o são os frascos de perfume e, portanto, artigo de colecção.
45.
A marca “C” aparece no TOP-10 de uma classificação de marcas de luxo – na categoria de vinhos e bebidas espirituosas – feita em 2012 pela World Luxury Association – WLA – criada tendo em consideração factores como a quota de mercado e o nível de satisfação dos consumidores – vide artigo publicado em 20 de Janeiro de 2012 no site Le Parisien.FR.
46.
A marca “C” está classificada em 1.º lugar na classificação BEST OF THE BEST de marcas de luxo, nas categorias “Best Luxury Drinks Brand” e “Best Ultra Luxury Cognac”, organizadas anualmente pelo THE HURUN RESEARCH INSTITUTE desde 2008. As demais marcas referidas noutras categorias incluem a CHANEL, a CARTIER, a MONTBLANC, a PATEK PHILIPPE, a HERMÈS, a GUCCI, a DIOR, a JAEGER LE COULTRE, a LOUIS VUITTON, a ROLLS ROYCE, a FERRARI, etc. .
47.
Dos consumidores de nacionalidade chinesa com elevada capacidade financeira que foram inqueridos numa pesquisa que teve lugar em 2012 resultou que quase 88% tinha consumido os produtos “C” da ora Recorrente nos anteriores 12 meses e que o nível de reconhecimento espontâneo daquelas marcas era de 49% e que atingia os 99% quando se oferecia alguma assistência (vide resultados da classificação Hurun de 2012).
48.
Uma lembrança da presença dos produtos “C” no banquete real servido na Sala de Espelhos do Palácio de Versailles no dia 21 de Julho de 1938, foi aposta nos rótulos do gargalo das garrafas “C” por mais de 30 anos, bem como em numerosos materiais publicitários do ora Recorrente.
49.
A marca “C” foi oferecida a bordo do transatlântico “SS Normandie”, do “Concord” e no comboio Expresso Oriente (Cfr. Doc. n.º 1).
50.
A marca “C” foi objecto de numerosos artigos de imprensa, publicidade, comentários na imprensa internacional e em particular na República Popular da China.
51.
A marca “C” é utilizada no contexto da parceria entre a ora Recorrente e a THE FILM FOUNDATION para a promoção e preservação de trabalhos cinematográficos (Docs. n.ºs 167 e 168, ora juntos).
52.
A aparição da “famosa garrafa” “C” numa sequência de vários segundos no filme MAJORDOME (The Butler) é notada pelo jornal francês CHARENTE LIBRE.
53.
A marca “C” foi reconhecida como tendo uma “duradoura reputação mundial” na publicação PRESTIGE DESIGN (Doc. n.º 169).
54.
A marca “C” aparece na capa e em várias páginas da revista internacional NEWSWEEK, de 25 de Outubro de 1999 (Doc. n.º 170).
55.
O artigo publicado no jornal francês de referência de economia “Les Echos”, intitulado “The Cognac Rémy Martin Returns to Home Territory”, qualifica o produto “C” como icónico.
56.
Em relação à marca “C”, a revista FIGARO refere-se ao “famoso vintage C”, na sua edição de 8 de Dezembro de 2007.
57.
A garrafa “C” é qualificada como “lendária” pela revista OFFRIR CLUB, de Maio/Junho de 2003.
58.
A revista FASHION & LUXURY LIFESTYLE, no seu artigo intitulado “C” qualifica o conhaque “C” como um “embaixador do estilo de vida francês”, destacando a sua origem no ano de 1874 como o do “nascimento de uma lenda”.
59.
Os consumidores de Macau, tal como acontece em grande parte do mundo, têm a marca C/C1 como referência de elevada reputação e qualidade consagrada, associando-a, sempre, aos produtos e serviços relacionados da Recorrente.
60.
Em 27 de Julho de 2013, a Requerente das marcas organizou um Jantar de Gala, em Macau, num salão rectangular, com uma réplica do Salão dos Espelhos do Palácio de Versalhes, decorado com portas de vidro, lustres e exibindo numa parede lateral, a marca “C” em letras douradas num fundo vermelho. Esse Jantar de Gala, ao estilo francês, está em relação directa com o Banquete Real que foi oferecido a Suas Majestades, o Rei Jorge VI e a Rainha Elisabeth do Reino Unido, no Salão dos Espelhos do Palácio de Versalhes em 21 de Julho de 1938 e à marca “C”, conforme usada pela Recorrente na sua embalagem.
61.
A Requerente apresentou recentemente uma imagem de um edifício relacionado com um projecto baseado no trabalho do arquitecto Peter Marino. De acordo com a comunicação da Requerente à imprensa, "Para este projecto arquitectónico, imaginei uma túnica vermelha real ao redor de um núcleo de cristal, do qual emerge um diamante de 20 metros - o material geométrico mais perfeito do planeta ", declarou Marino.
62.
A Requerente anunciou os planos de construção de um casino-hotel em Macau, denominado “C”, vindo o respectivo Chairman a declarar que o novo nome “captura a essência de uma experiência super-luxuosa sem precedentes que iremos oferecer aos nossos abastados clientes.”.
63.
Após a apresentação dos pedidos de registo da marca por parte da Requerente, houve uma associação imediata por terceiros com a marca “C” da Recorrente (Doc.s n.ºs 171 a 178, ora juntos):
64.
O Documento n.º 171, referente a um artigo datado de 5 de Abril de 2013, menciona a mudança de nome de PYE para C Holdings, e reproduzindo a pintura de Champaigne, observa que "surpreendentemente os accionistas aprovaram a mudança de nome ( ... ), possivelmente porque teriam ingerido grandes quantidades do Conhaque da A1";
65.
O Documento n°. 172, referente a um artigo datado de 8 de Abril de 2013, tendo por referência o projecto da Requerente afirma que “C” é o nome de um "Cognac bastante caro e fantasticamente embalado" (i) e chega a reproduzir uma imagem do decantador “C” da Recorrente.
66.
O Documento n.°173, relativo a um artigo datado de 6 de Maio de 2013, menciona que "Macau irá ter o primeiro hotel com conhaque C no mini- bar ( ...) Las Vegas pode ter o seu casino com um lustroso conhaque-bar. Macau tem C no mini- bar".
67.
O Documento n.° 174, refere-se a um artigo da Business Insider, no qual se observa que " (...) Pode não ser coincidência que C seja também o nome de um dos conhaques de excelência na China – ao preço de $2.500 por garrafa – que se encaixaria perfeitamente num mini- bar ultraluxuoso".
68.
O Documento n.º 175 é um artigo da Jing Daily, uma revista online sobre os negócios do luxo e da cultura na República Popular da China, que reproduzindo o artigo publicado na Business Insider, volta a referir que “(...) Pode não ser coincidência que C seja também o nome de um dos conhaques de excelência na China – ao preço de $2.500 por garrafa – que se encaixaria perfeitamente num mini- bar ultraluxuoso".
69.
O Documento n.º 176, referente a um artigo da Casino-Magazine afirma: "O mesmo que o conhaque mais caro na China (...) O nome do local é, paradoxalmente, semelhante com o conhaque mais caro na China - Uma garrafa custa $2500".
70.
O Documento n.º 177, relativo a um artigo da revista online Casino Compendium, destaca, também, que " (...) Pode não ser coincidência que C seja também o nome de um dos conhaques de excelência na China – ao preço de $2.500 por garrafa – que se encaixaria perfeitamente num mini- bar ultraluxuoso".
71.
O Documento n.º 178 é retirado de um Fórum de Macau no sítio web www.tripadvisor.com, relativo a comentários online de peritos, os quais, em tradução livre, referem que:
- “Notícias do ambicioso Hotel e Casino C de Stephen Hung, o qual é suposto ser o mais luxuoso casino no mundo assim que estiver completado no Cotai Strip em Macau...” postado por BradJill Hong Kong, China – Destination Expert para Hong Kong, Macau, Holiday Travel – em 17 de Setembro de 2014, 4:20 A.M.;
- “Olá, obrigado pela atenção.. e creio que só o conhaque C flui das torneiras da casa-de-banho..certo” postado por mKiaratravel Kuala Lumpur.... – Destination Expert para Kuala Lumpur, Macau, Hong Kong – em 17 de Setembro de 2014, 4:24 AM;
- “Eu tenho a mesma questão. Eu não quero ver o conhaque C nas torneiras da casa-de-banho. Apenas um pequeno copo como bebida de boas-vindas à chegada seria simpático. :)” postado por HappyFeet1234.... – Destination Expert para Hong Kong – em 17 de Setembro de 2014, 4:49 AM;
B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
No alinhamento dos factos provados relevantes para a decisão de mérito, o tribunal socorreu-se do denso suporte documental junto aos autos, como não podia deixar de ser e em face da natureza do processo em causa, sendo que em relação à reputação, conhecimento e demais aspectos subjectivos alinhados, o conteúdo dos documentos foram conjugados com as regras da experiência e do conhecimento comum.
Na medida do esforço possível, tentou o tribunal colocar-se no lugar de um consumidor médio dos produtos específicos objecto da indústria e comércio da recorrente, perscrutando (com os conhecimentos que tem e coadjuvados pela prognose que se operou do “sentir” das pessoas da comunidade, igualmente relevando a característica da população chinesa de grande apreciadora de conhaque), se se tratam de produtos do conhecimento geral ou de sector específico em Macau.
O tribunal socorreu-se igualmente à internet para ver esclarecidos e ou confirmados alguns aspectos que foram assentes, alguns deles indiciariamente documentados.
C. DE DIREITO
Quanto “ao regime de protecção das marcas, há que distinguir as marcas registadas das não registadas, de facto ou livres, sendo que devendo ainda acrescentar-se que as marcas notórias e as de prestígio, mesmo não registadas, gozam de protecção especial”. – Cfr. Coutinho de Abreu, in Curso de Direito Comercial, I, 4º ed. Almedina, pag354.
No caso a marca da recorrente tem prioridade por registada em primeiro lugar em relação às registandas.
Todavia a protecção que desse registo deriva, atento o princípio da especialidade e o disposto no artº214º nº2 alb) do RJPI, não tem vocação suficiente para tutelar o interesse da recorrente em lograr recusadas as marcas registandas.
Por isso apela a recorrente para que se reconheça que a sua marca C é de prestígio e, subsidiariamente, notória, neste caso apelando à derrogação do princípio da especialidade que emerge da parte final do artº214ºnº1 alb) do RJPI.
Decidiu a DSE que “não se verifica qualquer reprodução ou imitação das marcas da Reclamante, porque as marcas em confronto não se destinam a assinalar os mesmos produtos e os mesmos serviços e, assim, não se aplicam os fundamentos de recusa invocados da alínea b) e c) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do art.º 214.º, conjugado com o n.º 1 do art.º 215.º do RJPI”, nem a al. c) do nº1 do artº9 do RJPI e, em consequência, concedeu à Parte Contrária as marcas C e C1, que tomaram, respectivamente, os n.ºs N/XXX e N/XXX, ambas para assinalar produtos da classe 25.ª.
A decisão que no caso se impõe, exige, desde logo, e porque temos em confronto sinais iguais, que se analise se a marca da recorrente, a reputada marca de conhaque C, é uma marca de prestígio ou notória, destarte com uma margem de protecção que permite suplantar absolutamente o princípio da especialidade da protecção das marcas no primeiro caso, e relativamente no segundo se considerada a última parte do artº214ºnº1 al b) do RJPI.
Se se tratar de marca de prestígio, a respectiva protecção surge pela via do disposto do artº214 nº1 al.c) do RJIP.
Vejamos, começando pela marca notória.
A tutela por esta via da pretensão da recorrente está consagrada no já citado artº214º nº1 al.b) do RJPI, nos termos do qual se estabelece que “O registo de marca é recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”
Pode-se dizer que subjaz deste preceito, referente à marca notória, uma excepção ao princípio do registo constitutivo do direito à marca, cremos que previsto no nosso ordenamento jurídico (no CPI Português está previsto expressamente no artº224º) através da conjugação do artº5º e 15ºdo RJPI (este consagrando expressamente o princípio da prioridade do registo), uma vez que é protegida independentemente de registo e porque a recusa de marca conflituante é obrigatória e vinculada para a DSE. De igual modo, tal circunstância é também uma excepção ao princípio da prioridade do registo, este, de certa forma, absorvido pelo princípio anteriormente referido.
Esta classe de marca, notória, e as de prestígio, conferem ao respectivo titular a atribuição de direitos exclusivos de uso, arguíveis, defensáveis e reconhecidos pela OJ independentemente, como se disse, da prévia concessão definitiva de registo.
Uma outra excepção concedida à marca notória (e a de prestígio) é a que se reconduz ao princípio da territorialidade previsto no artº4 do RJIP e por, em regra, as marcas valerem apenas para o território do país ou região onde são reconhecidas e dentro do qual podem opor o conteúdo da sua protecção.
A questão nuclear e decisiva à sorte do recurso prende-se, em primeira mão, com a qualificação da marca reclamada pelo recorrente: marca notória ou não? De prestígio ou não?
Na base da classificação de uma marca como notória está um critério quantitativo.
Entende-se, generalizadamente, que a marca notória tem de ser conhecida de uma parte significativa do “público relevante”.
No entanto, enquanto parte da doutrina entende como público relevante para o efeito o público em geral, outros entendem que basta apenas o público do circuito mercantil (fornecedores, produtores, distribuidores e consumidores) do produto ou serviço comercializado sob determinado sinal distintivo. – Cfr. Neste último sentido, Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra, 2004, p. 356. No primeiro sentido, Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, Coimbra, 2003, p. 146. (Veja-se, ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06 de Maio de 2003, no qual se reconhece a marca TOYS’R’US como notória, podendo, para tanto, ser conhecida apenas junto dos seus consumidores, entendendo-se que só a marca de prestígio precisa de ser conhecida do público em geral.)
Não obstante estas doutas posições doutrinárias, como em regra em tudo, cremos que a melhor posição será aquela que se encontra no “caminho” entre as duas, ou seja, uma posição ecléctica ou mitigada.
Reza esta posição que deve considerar-se que o “público relevante” varia consoante o tipo de produto ou serviço em causa. Se estivermos perante um tipo de produto ou serviço de grande consumo, devemos apurar se a marca é conhecida de parte significativa do grande público. Se o produto ou serviço atinge, pela sua funcionalidade, apenas uma parte do sector da sociedade, então teremos de perscrutar o grau de conhecimento junto do público com acesso expectável àqueles produtos e ou serviços
Apesar da natureza de “mera” recomendação, pela importância da sua origem institucional, outrossim relevando que os critérios que dela emergem, não sendo decisivos e dogmáticos, servirão, no entanto, como indicadores do que se deve ter em conta para se aferir da qualidade de marca notória, parece-nos interessante chamar à colação o que dispõe a Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI – Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well-Known Marks, Geneva, 2000 -, a saber:
a) - O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante:
b) - A duração, extensão e área geográfica de uso da marca;
c) - A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação em feiras e exposições dos produtos e ou serviços a que a marca se aplica;
d) - A duração e área geográfica de quaisquer registos, e ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou o conhecimento da marca – Cfr. in http://www.wipo.int/about-ip/en/development_iplaw/pub833-toc.htm#TopOfPage
Importa ainda referir que, através do article 2 (2) da Recomendação aqui referida, se opera com um conceito de sector relevante do público, indicando, como tal: i) os actuais ou potenciais consumidores do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; ii) pessoas envolvidas em canais de distribuição do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; iii) círculos de negócio ou comerciais que lidam com o tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica.
Acrescenta a mesma Recomendação, neste mesmo preceito e na sua subalínea (2) (b), que a marca que seja bem conhecida de pelo menos um dos sectores relevantes do público antes referidos, num determinado território nacional, deve ser considerada notória nesse Estado Membro.
No que concerne à marca de prestígio, pressupõe esta além de um juízo de natureza quantitativa, um outro de ordem substancial ou qualitativa.
Nesta sede, e quanto ao primeiro dos juízos, volta-se a discutir-se se o âmbito do conhecimento da marca exigido deve dizer respeito ao público em geral ou ao público interessado. – Cfr. as decisões citadas por Couto Gonçalves na nota 674 do Manual de Direito Industrial, 2013, 4ª Ed., pag.262 e que defendem a dispensabilidade deste requisito.
Para aqueles que entendem que uma marca para ser notória precisa de ser conhecida do público em geral, a marca de prestígio deve igualmente ter o mesmo nível de notoriedade.
Dentre estes surge, como já se referiu, o ilustríssimo Prof. Couto Gonçalves, afirmando que a marca deve ser generalizadamente conhecida do grande público consumidor, deve “ser, espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande público consumidor, e não apenas dos correspondentes interessados (….)”, chegando, inclusivamente, em nota a esta afirmação (673), a quantificar a percentagem dos consumidores cujo conhecimento se exige, ou seja, não menos de 75% - Cfr. Manual de Direito Industrial, 2013, 4ª Ed., pag.262
Curiosamente nessa mesma nota o Prof. Couto Gonçalves acaba por evidenciar um apelo a um “público relevante” mais restrito, ou seja, “o conhecimento dos consumidores do mercado em referência” – cfr. nota referida.
Diga-se que, quer a doutrina, quer a jurisprudência (já referimos que alguma considera dispensável este requisito), não estão pacificadas no que concerne à questão em apreço, a tal ponto que haja até quem exija para que dada marca seja qualificada de prestígio uma super-notoriedade perante o público em geral, i.e., um grau de conhecimento superior ao exigido para a qualificação de uma marca como notória – Cfr. Nogueira de Serens, A Vulgarizaçãoda marca na Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Coimbra 1995, p. 9.
De qualquer das formas, ainda que se acolha esta tese, ou seja um conhecimento pelo público em geral e num patamar acima de dado mínimo, sempre importaria a definição de um “quantum” em relação às marcas notória, para que, em juízo comparativo e exacerbado, se lograsse reconhecer a “fronteira superior” a partir das qual se estaria perante uma “quantidade maior de público relevante” com relevo para a qualificação de dada marca como de prestígio.
Temos para nós ser de rejeitar esse mínimo quantitativo, quer porque a lei não o contempla, quer porque já foi inclusivamente rejeitado pelo TJCE através de decisão de 14.9.99, proferida no âmbito do processo C-375/97 (General Motors vs Yplon).
Trilhamos, na linha do que se referiu atrás quanto à marca notória, pela posição que defende que o público relevante será o público do circuito comercial do bem, dependendo este circuito do facto de estarmos perante um bem de grande consumo ou de consumo restrito.
Com o acórdão do TJCE supra citado diremos que “(…) 24. o público perante o qual a marca anterior deve gozar de prestígio é o interessado nessa marca, quer dizer, determinado em função do produto ou serviço comercializado, nuns casos o grande público, noutros um público mais especializado, por exemplo, determinado meio profissional. / 25. Nem a letra nem o espirito (….) autorizam que se exija que a marca seja conhecida de determinada percentagem do público assim definido. / 26. Deve considerar-se atingido o grau de conhecimento exigido quando uma marca anterior é conhecida de parte significativa do público interessado pelos produtos ou serviços abrangidos por essa marca”.
Como se referiu, para que dada marca seja qualificada como de prestígio, é ainda necessário operar um juízo de natureza qualitativa: para que determinada marca se integrar na qualidade de marca de prestígio esta tem de gozar desta mesma qualidade.
A questão é integrar esta adjectivação (prestígio) que, como já resulta do referido, substancia um “verdadeiro pressuposto de aplicação de regime”, regime esse, reforça-se, que em parte consiste na ultrapassagem de um princípio nuclear do direito de marcas e do direito de concorrência, ou seja, o princípio da especialidade.
O prestígio exigido na aplicação do regime previsto no artº214º nº1 al.c) do RJPI consiste numa representação mental associada à marca que evoca, no pensamento do “público relevante”, uma imediata e superior avaliação desta e dos bens pela mesma fornecidos, que a torna “rara” (quanto a este conceito, e para que não se confunda com a “uniqueness or singularity” exigida por parte da Jurisprudência norte americana e que se encontra na origem da “dilution theory”, Cfr. Nogueira Serens, “Sobre a Teoria de Diluição da Marca no direito norte americano”, in 20 anos do CSC – Homenagem aos Profs. Orlando Carvalho e Vasco Lobo Xavier, VI, pp.207 a 203) e especial, no sentido de que poucos atingem esse grau de avaliação tão positiva.
Dito de outra forma: sempre que o público toma contacto com a marca, logo a associa a uma esfera reduzida, que apenas alguns atingem, destacando-se, de forma extraordinariamente positiva e reputada.
A confiança e estima por marcas que sejam capazes de produzir o referido efeito no consumidor incorporam uma capacidade de aviamento que, por si só, é financeiramente avaliável e extramente valiosa.
Sobre os elementos que se podem relevar para se concluir pelo prestígio da marca, releva, por ex, a quota de marcado, alcance geográfico, investimento na promoção, atenção da comunicação social, duração da utilização, etc… Cfr. Jorge Gonçalves, A Marca Prestigiada no Direito Comunitário das Marcas , Direito Industrial, Vol.V, Coimbra, Janeiro 2008, pp.339 a 341.
Isto posto, definido o quadro legal, doutrinário e jurisprudencial, cremos nós de forma suficiente para balizar a decisão que se impõe, o que temos de relevante assente para neste primeiro momento captar qual o conhecimento concreto do “público relevante” (que no caso, visto a natureza do produto, atinge, pela sua funcionalidade, apenas uma parte do sector da sociedade), o que de facto deve ser atendido para o efeito e que se seleccionou com alguma prudência e nos termos que atrás se mencionou sob a epigrafe “fundamentação da matéria de facto”, tudo sem prejuízo do que noutra instância mais se puder retirar dos autos, é o seguinte:
“(…)A ora Recorrente – A – é uma empresa francesa que tem como actividade principal a produção, a oferta ao público e venda a nível mundial de bebidas alcoólicas e produtos e actividades relacionados, tanto directamente como através de parceiros comerciais.
A empresa surgiu e especializou-se em bebidas finas da região de Cognac, sendo que, inicialmente, tudo foi produzido sob a orientação do enólogo francês Rémy Martin.
A qualidade e especificidades dos conhaques foram, historicamente, atendidas pelas autoridades francesas; o Rei Francês Luís XIII, no século XVII, promulgou regras específicas e implementou vários princípios para a protecção, elaboração e venda de Conhaque, sendo que esta regulamentação real teve como resultado o sucesso mundial e a bastante conhecida Denominação de Origem do Conhaque.
Devido à qualidade dos produtos desenvolvidos pela Recorrente, o Rei Luís XV de França concedeu à Recorrente o direito a plantar novas vinhas em 1738, sem prejuízo da respectiva proibição legal datada de 1731.
A marca “C” começou por ser aposta pela Recorrente no século XIX, como tributo ao Rei francês C, no seu conhaque, misturado a partir de mais de 1200 destilados oriundos da região de Champagne Grande, e envelhecido até 100 anos em barris centenários de carvalho Limousin, dos quais apenas 3% da bebida evapora durante aquele período de envelhecimento.
(…)
Em qualquer página electrónica sobre a marca C, pode verificar-se que é dada a informação sobre (i) como se produz este conhaque; (ii) qual o tempo de envelhecimento a que se submete esta bebida; (iii) o seu valor, podendo uma só garrafa de 750ml chegar ao montante de US$34.000,00 e (iv) como é promovida tal marca.
O conhaque “C” é engarrafado num décanteur – elaborado por mãos de vinte artesãos especializados – com um gargalo em ouro de 24 quilates e tampa em formato de flor-de-lis, em cristal Baccarat; a Recorrente lança regularmente e oferece ao público edições limitadas do “C”, em particular um décanteur de luxo feito de cristal, ouro e diamantes
(…)
As marcas “C” estão constantemente a serem consideradas marcas de luxo por várias organizações, em particular na Ásia e na República Popular da China, em particular as ofertas de turismo de luxo ao público em Singapura, no dia 12 de Março de 2011.
(…)
O Conhaque “C” é um embaixador do estilo de vida francês pelo mundo; cativou as cortes reais da Europa, antes de atravessar o Atlântico, no final do século XIX, no navio de cruzeiro “Normandy”, enquanto várias garrafas foram enviadas para Xangai, pela primeira vez, em 1882.
O sinal “C” tem sido promovido durante todos estes anos em várias situações famosas, designadamente, no Banquete Real dado em honra de Suas Majestades, Rei Jorge VI e Rainha Elizabeth do Reino Unido, na Sala de Espelhos do Château de Versailles em 21 de Julho de 1938
Em Março de 2011, num leilão em Singapura, a E. Rémy Martin & Co. ofereceu para venda a única garrafa de luxo “C” remanescente da série das que foram servidas durante o referido banquete real, em 1938, no Château de Versailles, na presença do Rei Jorge VI e da Rainha Elizabeth; tal garrafa “C” dos anos 30 do século XX foi vendida por USD$70,000.00 (setenta mil dólares americanos).
Em 2001 foi lançado, para celebração do século XXI, da edição limitada da garrafa de diamante “C”, na qual foi incluída uma rolha em diamante da cor do conhaque.
Em 2012 a World Luxury Association publicou uma lista anual das cem marcas luxuosas de topo, a nível mundial. A cerimónia de entrega de prémios teve lugar em Pequim e a marca “C” da Recorrente foi classificada como uma das marcas mais luxuosas de bebidas espirituosas a nível mundial, sendo, igualmente, considerada, pela classificação HURUN, uma marca que goza de especial notoriedade e é de luxo.
Em Macau o conhaque “C” da Recorrente foi um dos catorze produtos apresentados na exposição “LuxInside”, que teve lugar em Dezembro de 2012 e promovida ao longo do ano de 2012, da artista Laurence Picot, por conta do Instituto Francês, operador do Ministério dos Negócios Estrangeiros Francês para as Actividades Culturais, como símbolos de qualidade intemporal e luxo.
No Aeroporto de Macau, foi aberto em Setembro de 2012, um “C Podium” para exibição e comercialização dos produtos “C” da Recorrente, tendo a imprensa de Macau noticiado que o referido local chama à atenção dos passageiros do aeroporto pelo seu ambiente luxuoso.
Encontram-se algumas lojas e restaurantes espalhados pelos vários hotéis e casinos de Macau, na Ásia e pelo mundo, assim como mostruários em hotéis, restaurantes, “lounges” e bares que promovem e comercializam os conhaques “C” da Recorrente, tendo também áreas exclusivas para produtos e serviços relacionados (por exemplo, salas, “lounges” e bares “C”).
Em Macau, as marcas C da Recorrente, são conhecidas da população em geral, não só pelo uso na Região mas, também, pelos distintos eventos e campanhas de promoção, que contribuem para o enquadramento das marcas C.
A marca LOUI XII surge associada e referenciada à realização e promoção de vários eventos sociais, culturais e desportivos por toda a Ásia .
…. sendo objecto de publicidade feita em publicações asiáticas de produtos de luxo e de investimentos.
(….)
A nível internacional a Recorrente tem um programa de serviços “C” que fazem parte da prática de expansão de várias empresas e marcas de luxo e de prestígio para as actividades empresariais nas áreas de hotelaria e alojamento. A A e os seus parceiros (vide, em particular, o sítio web www.louisxiii-cognac.com/en#iconic-venues--our-fortresses) alargaram nos últimos anos a utilização e a protecção das marcas “C” a produtos de luxo e actividades, nomeadamente, à área da hotelaria e dos restaurantes.
(….) É objectivo da A promover e / ou vender os produtos e oferecer aos clientes serviços de luxo assinalados com a mesma marca de luxo "C" por vários meios, tendo estabelecido relações comerciais com parceiros em hotéis e restaurantes de prestígio e produtores de acessórios de luxo e produtos de moda também prestigiados para:
(i) Exploração e uso comercial da marca “C” como um clube, por exemplo "www.clublouis.louis-xiii.com", em 2010;
(ii) Exploração de um lounge em aeroportos, como o Aeroporto de Macau em 2012, e também em hotéis em todo o mundo;
(iii) Promoção dos produtos de luxo "C" em hotéis, bares e restaurantes de hotéis de luxo;
(iv)“Co –branding” entre a marca “C” e outras marcas de prestígio de parceiros com actividades nas áreas da hotelaria, restauração e alojamento;
(v) Organização de eventos em hotéis, por exemplo : Dorchester (em Inglaterra), Hotel Okura (em Tóquio), La Gloutonnerie (na Cidade do México), Storchen (em Zurique) (CH), SANDS Cotai Central e GALAXY (Macau), Maison C no Grand Hyatt de Tóquio (Japão), LE CRILLON, MEURICE, George V, Plaza Athénée (Fr), Hotel de Paris (Monaco), Waldorf Astoria (NYC), Burj Al Arab, Ritz Carlton (Osaka), Wynn Casino (Las Vegas), Seasons Hotel (Los Angeles), Sofitel (Londres), Bolchoi (Rússia), C Clubs nos Hotéis Fairmonts, na discoteca VIP Room em Cannes (França), entre outros (vide, www.louisxiii-cognac.com/en#iconic-venues--our-fortresses). Tais parcerias têm adoptado várias formas como, por exemplo, a aposição de cartazes com o sinal C, em menus do hotel, etc., jantares, provas de conhaques, mostruários (documentos n.ºs 50 a 87).
(iv)“Co –branding” entre a marca “C” e outras marcas de prestígio da indústria da moda e dos acessórios de luxo, por exemplo, Hermès, ST Dupont, Montblanc, Baccarat, Louis Vuitton.
(…)
Todas estas actividades da Recorrente, na indústria hoteleira e da restauração, estão focadas, exclusivamente, em hotéis, restaurantes, “lounges”, bares de luxo, em acessórios de moda e de luxo, tendo como público-alvo os clientes ricos.
As marcas “C” encontram-se registadas e/ou gozam de prioridade no registo em Macau e, também, encontram-se registadas em muitos países do mundo, para além do registo no país de origem (França).
Entre uma sociedade do grupo empresarial da Recorrente e a sociedade PHONEVALLEY foi celebrado um Memorando de Entendimento para a criação de uma aplicação de telemóvel que, sob a secção “Legendary Places”, sugere, aos seus utilizadores, os melhores hotéis do mundo (envolvidos no programa “C” da Recorrente.
Nos últimos anos a Recorrente tem desenvolvido e diversificado as suas actividades comerciais e alargado o uso da sua marca “C” para produtos de luxo, nomeadamente, decantadores, vidraria, colares, jóias, anéis, bandejas, mostruários, botões de punho, canetas, sacos e acessórios de couro, chocolates, pisa-papéis, corta-charutos, materiais de papel e cartão – por exemplo, revistas, livros, panfletos, embalagens e serviços relacionados.
De entre as parcerias comerciais, também, se destacam as implementadas com designers de prestígio (Christophe Pillet, a título exemplificativo) e a parceria com a Baccarat (que fabrica a garrafa C há muitos anos).
A Baccarat não só fabrica o luxuoso decantador C mas, também, as jóias vendidas com algumas edições limitadas de C Diamond, incluindo uma garrafa e uma jóia de diamante; sem perder de vista que os materiais utilizados no fabrico de decantador C, tais como, cristal, ouro e diamantes, fazem com que o decantador C não seja um mero recipiente de uma bebida mas sim uma peça de arte, tal como o são os frascos de perfume e, portanto, artigo de colecção.
A marca “C” aparece no TOP-10 de uma classificação de marcas de luxo – na categoria de vinhos e bebidas espirituosas – feita em 2012 pela World Luxury Association – WLA – criada tendo em consideração factores como a quota de mercado e o nível de satisfação dos consumidores – vide artigo publicado em 20 de Janeiro de 2012 no site Le Parisien.FR.
A marca “C” está classificada em 1.º lugar na classificação BEST OF THE BEST de marcas de luxo, nas categorias “Best Luxury Drinks Brand” e “Best Ultra Luxury Cognac”, organizadas anualmente pelo THE HURUN RESEARCH INSTITUTE desde 2008. As demais marcas referidas noutras categorias incluem a CHANEL, a CARTIER, a MONTBLANC, a PATEK PHILIPPE, a HERMÈS, a GUCCI, a DIOR, a JAEGER LE COULTRE, a LOUIS VUITTON, a ROLLS ROYCE, a FERRARI, etc. .
Dos consumidores de nacionalidade chinesa com elevada capacidade financeira que foram inqueridos numa pesquisa que teve lugar em 2012 resultou que quase 88% tinha consumido os produtos “C” da ora Recorrente nos anteriores 12 meses e que o nível de reconhecimento espontâneo daquelas marcas era de 49% e que atingia os 99% quando se oferecia alguma assistência (vide resultados da classificação Hurun de 2012).
(….)
A marca “C” foi objecto de numerosos artigos de imprensa, publicidade, comentários na imprensa internacional e em particular na República Popular da China.
A marca “C” é utilizada no contexto da parceria entre a ora Recorrente e a THE FILM FOUNDATION para a promoção e preservação de trabalhos cinematográficos.
A aparição da “famosa garrafa” “C” numa sequência de vários segundos no filme MAJORDOME (The Butler) é notada pelo jornal francês CHARENTE LIBRE.
(…)
A marca “C” aparece na capa e em várias páginas da revista internacional NEWSWEEK, de 25 de Outubro de 1999.
O artigo publicado no jornal francês de referência de economia “Les Echos”, intitulado “The Cognac Rémy Martin Returns to Home Territory”, qualifica o produto “C” como icónico.
Em relação à marca “C”, a revista FIGARO refere-se ao “famoso vintage C”, na sua edição de 8 de Dezembro de 2007.
A garrafa “C” é qualificada como “lendária” pela revista OFFRIR CLUB, de Maio/Junho de 2003.
A revista FASHION & LUXURY LIFESTYLE, no seu artigo intitulado “C” qualifica o conhaque “C” como um “embaixador do estilo de vida francês”, destacando a sua origem no ano de 1874 como o do “nascimento de uma lenda”.
Os consumidores de Macau, tal como acontece em grande parte do mundo, têm a marca C/C1 como referência de elevada reputação e qualidade consagrada, associando-a, sempre, aos produtos e serviços relacionados da Recorrente. (…)”
Note-se que se procurou, na medida do possível, eventualmente “pecando” por excesso, ajustar o respigar factual que antecede tendo presente a Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI – Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well-Known Marks, Geneva, 2000 supra referida.
Ora, vista a natureza do produto objecto do comércio da marca da recorrente (conhaque), o “público relevante”, como se referiu, é um público restrito e específico, ligado ao consumo de marcas de luxo, possuidor de grande capacidade financeira.
Sendo esse o público relevante facilmente se pode considerar que a marca da recorrente é manifestamente dele conhecido, a marca é história e de uso mundial. Mais, é altamente promovida por todo o mundo e está registada a nível planetário – Cfr. os critérios aventados por aquela recomendação.
Diremos mais e em termos de conhecimento: não haverá muita gente que não conheça a marca em causa, sendo por isso super notória. Que não a conheça das revistas, da sua publicidade, por via sua grandiosidade e exuberância, isolada e em associação como outras grandiosas marcas, pela sua exclusividade e preços, digamos “inaceitáveis” pelo “pedaço de prazer” que com trago eventualmente satisfaça, pelo seu “design”, pela sua invocação histórica, pela sua promoção universal, etc….
Com estes dados, que relevam quer do conhecimento comum quer dos dados como assentes, não temos como não deixar de qualificar aprioristicamente (mas ainda não em definitivo, apenas em “passo para que ….”) a marca da recorrente como notória, aspecto este com relevo para o regime de protecção destas marcas mas também como primeiro pressuposto (quantitativo) para a qualificar como de prestígio, de resto como se já amiudadamente foi reconhecido por sistemas jurídicos altamente apetrechados conforme referido pela recorrente.
Na verdade, e agora já no quadro do requisito qualitativo supra referido, não temos dúvidas, e já atrás nos aproximamos desta conclusão quando se falou na grandiosidade da marca, da sua exuberância, exclusividade e preços, etc…, que a marca da recorrente promove uma representação mental que evoca, no pensamento do “público relevante”, uma imediata e superior avaliação, que a torna “rara” e especial no sentido de que poucos atingem esse grau de avaliação tão positiva.
São relevantes e abundantes os dados seleccionados e atrás elencados que ancoram esta conclusão, cremos nós.
Desta sorte, estamos em condições de referir que, sendo de prestígio a marca C da recorrente, não impedindo esta conclusão o facto de se tratar de um nome de um rei, portanto não original, a sua protecção inviabiliza o registo de quaisquer outas marcas (independentemente da sua prioridade no registo), impondo-se igualmente perante a tentativa de registo de igual marca ainda que diga respeito a produtos e/ou serviços sem qualquer afinidade àquele que a marca de prestígio visa sinalizar – Cfr. artº214ºnº1 c) do RJPI.
Mais, é também verificável em face da matéria assente (e também indirectamente através de um raciocínio lógico suportado em factos concretos apurados e orientados à luz das regras da experiência) que nos parece indubitável que a parte contrária com a sua pretensão procura tirar partido indevido do carácter distintivo insofismável ou do prestígio da marca da recorrente - Cfr. artº214ºnº1 c), parte final, do RJPI.
Diga-se, no entanto, mesmo não aceitando, à míngua de dados suficientes, que a marca da recorrente deva ser qualificada de prestígio, sempre seria de qualificar-se como de notória, de resto como a DSE o fez.
Neste caso, importa considerar que não é pelo facto da marca da recorrente proteger produtos/serviços de distinta natureza dos que têm por objecto as marcas registandas que fica prejudica a procedência do recurso.
Na verdade não se olvida que a última parte do artº214ºnº1 al.b) protege igualmente nestes casos a marca imitada ou reproduzida se os produtos ou serviços das marcas registandas permitiram que se estabeleça uma ligação com o proprietário da marca notória.
Da matéria de facto resultam factos que permitem a conclusão de que essa associação existe – Cfr. últimos factos alinhados.
Mas se estes factos apontam indubitavelmente nesse sentido, importa referir que essa conclusão releva da devida compreensão da realidade que está em causa, nomeadamente no confronto com a indubitável e incontornável reputação da marca da recorrente e com um concreto fenómeno empresarial que actualmente se assiste.
Esse fenómeno tem que ver com a constatação factual de que as marcas de grande reputação (sejam, notórias, sejam de prestígio) se abalançaram definitivamente para a conquista de outros “terrenos”, saindo, digamos, da sua “zona de conforto”, ou seja, da área onde granjearam renome, na conquista de outros mercados, tudo de forma bastante mais facilitada porque suportada ou apoiada numa marca de todos já conhecida pela sua áurea de notoriedade e qualidade.
É do conhecimento geral que as grandes marcas, quer através de partilha de esforços com outras, quer isoladamente, surgem as mais das vezes a produzir, comercializar ou a prestar serviços que nada tem que ver com o que seu objecto primitivo ou inicial, criando no espírito de qualquer consumidor a ideia de que o “sinal” delas, aparecendo num qualquer outro produto ou serviço, dizem ainda respeito ao produto da sua actividade.
É um dado do mercado ver, por ex., marcas de automóveis a “emprestar” o seu nome a produtos têxteis (por ex. a Ferrari ou a BMW), a relógios e óculos (por ex. a Porche), a bicicletas (por ex. a Lamborghini), etc. Mas se assim é em relação às grandes construtoras de automóveis, tal fenómeno surge, com maior ou menor expressão, noutras áreas, disse se apercebendo o consumidor minimamente atento.
No caso apura-se matéria que aponta no sentido do referido, por ex. na seguinte:
“(…)A recorrente fez acordos com parceiros locais (Ásia) com o objectivo de expandir o sinal C a vários ramos de actividade, designadamente a serviços nas áreas de hotelaria e alojamento temporário, produtos de luxo e acessórios de moda.
A nível internacional a Recorrente tem um programa de serviços “C” que fazem parte da prática de expansão de várias empresas e marcas de luxo e de prestígio para as actividades empresariais nas áreas de hotelaria e alojamento. A A e os seus parceiros (vide, em particular, o sítio web www.louisxiii-cognac.com/en#iconic-venues--our-fortresses) alargaram nos últimos anos a utilização e a protecção das marcas “C” a produtos de luxo e actividades, nomeadamente, à área da hotelaria e dos restaurantes.
É objectivo da A promover e / ou vender os produtos e oferecer aos clientes serviços de luxo assinalados com a mesma marca de luxo "C" por vários meios, tendo estabelecido relações comerciais com parceiros em hotéis e restaurantes de prestígio e produtores de acessórios de luxo e produtos de moda também prestigiados para:
(i) Exploração e uso comercial da marca “C” como um clube, por exemplo "www.clublouis.louis-xiii.com", em 2010;
(ii) Exploração de um lounge em aeroportos, como o Aeroporto de Macau em 2012, e também em hotéis em todo o mundo;
(iii) Promoção dos produtos de luxo "C" em hotéis, bares e restaurantes de hotéis de luxo;
(iv)“Co –branding” entre a marca “C” e outras marcas de prestígio de parceiros com actividades nas áreas da hotelaria, restauração e alojamento;
(v) Organização de eventos em hotéis, por exemplo : Dorchester (em Inglaterra), Hotel Okura (em Tóquio), La Gloutonnerie (na Cidade do México), Storchen (em Zurique) (CH), SANDS Cotai Central e GALAXY (Macau), Maison C no Grand Hyatt de Tóquio (Japão), LE CRILLON, MEURICE, George V, Plaza Athénée (Fr), Hotel de Paris (Monaco), Waldorf Astoria (NYC), Burj Al Arab, Ritz Carlton (Osaka), Wynn Casino (Las Vegas), Seasons Hotel (Los Angeles), Sofitel (Londres), Bolchoi (Rússia), C Clubs nos Hotéis Fairmonts, na discoteca VIP Room em Cannes (França), entre outros (vide, www.louisxiii-cognac.com/en#iconic-venues--our-fortresses). Tais parcerias têm adoptado várias formas como, por exemplo, a aposição de cartazes com o sinal C, em menus do hotel, etc., jantares, provas de conhaques, mostruários (documentos n.ºs 50 a 87).
(iv)“Co –branding” entre a marca “C” e outras marcas de prestígio da indústria da moda e dos acessórios de luxo, por exemplo, Hermès, ST Dupont, Montblanc, Baccarat, Louis Vuitton
(…)
Todas estas actividades da Recorrente, na indústria hoteleira e da restauração, estão focadas, exclusivamente, em hotéis, restaurantes, “lounges”, bares de luxo, em acessórios de moda e de luxo, tendo como público-alvo os clientes ricos.
(…) Entre uma sociedade do grupo empresarial da Recorrente e a sociedade PHONEVALLEY foi celebrado um Memorando de Entendimento para a criação de uma aplicação de telemóvel que, sob a secção “Legendary Places”, sugere, aos seus utilizadores, os melhores hotéis do mundo (envolvidos no programa “C” da Recorrente)
Nos últimos anos a Recorrente tem desenvolvido e diversificado as suas actividades comerciais e alargado o uso da sua marca “C” para produtos de luxo, nomeadamente, decantadores, vidraria, colares, jóias, anéis, bandejas, mostruários, botões de punho, canetas, sacos e acessórios de couro, chocolates, pisa-papéis, corta-charutos, materiais de papel e cartão – por exemplo, revistas, livros, panfletos, embalagens e serviços relacionados.
De entre as parcerias comerciais, também, se destacam as implementadas com designers de prestígio (Christophe Pillet, a título exemplificativo) e a parceria com a Baccarat (que fabrica a garrafa C há muitos anos).
A Baccarat não só fabrica o luxuoso decantador C mas, também, as jóias vendidas com algumas edições limitadas de C Diamond, incluindo uma garrafa e uma jóia de diamante; sem perder de vista que os materiais utilizados no fabrico de decantador C, tais como, cristal, ouro e diamantes, fazem com que o decantador C não seja um mero recipiente de uma bebida mas sim uma peça de arte, tal como o são os frascos de perfume e, portanto, artigo de colecção.”
Face ao que se deixa, é de racional consequência concluir que um consumidor normal, ao constatar as marcas registandas e para o serviço a que se destinam, tendo necessariamente em consideração o conhecimento que a generalidade das pessoas tem da marca da recorrente (não esquecer que os chineses são os maiores consumidores de conhaque do mundo, relevando as marcas deste produto), igualmente tendo presente a percepção genérica da “diluição das fronteiras” da área de intervenção original das grandes marcas, não deixará de a associar à marca C que teve origem em meados de 1700, ou seja, a marca da impugnante.
Desta sorte, entendemos ser de direito fazer proceder o presente recurso, sendo, salvo o devido respeito por posição contrária, que é sempre muita (nunca teremos a veleidade de ser dogmáticos), essa a única decisão que conseguimos cogitar e com arrimo exclusivo nos ditames legais, nessa sequência protegendo um modo específico de afirmação económica da identidade da empresa recorrente.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto pela A, assim determinando que a DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA recuse o registo das marcas n.ºs N/XXX e N/XXX, ambas para assinalar produtos da classe 25.ª, requerido por C HOLDINGS LIMITED.
Custas a cargo da parte contrária.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 283º do RJPI.
Não se conformando com o decidido, veio a Requerente C Holdings Limited recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
a) Ainda que nos autos de discuta uma questão de elevado pendor subjectivo, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida, por faltar qualquer suporte ao estatuto de marca de prestígio conferido à marca da Parte Contrária no território.
b) A prova que a Parte Contrária trouxe aos autos apenas pode relevar para considerar a marca de conhaque “C” uma marca notória, mas, ainda que se reconheça esse estatuto à marca, não se crê que o consumidor estabeleça uma ligação com a Rémy Martin.
c) O Tribunal a quo concluiu que, por aplicação do conceito de consumidor médio relevante quanto ao tipo de produtos em causa e, pela análise da avalancha de documentos juntos pela Parte Contrária, que a marca “C” de conhaque é notória e de prestígio em Macau por, essencialmente, os critérios quantitativo e qualitativo, apontados pela Doutrina e Jurisprudência para aferir esses estatutos, se verificarem.
d) Ao aplicar separadamente esses dois critérios para aferir por um lado, a notoriedade e, por outro, o prestígio, o Tribunal acabou, como resulta da decisão recorrida, por aplicar uma noção de consumidor médio, que só se coaduna com a notoriedade e já não com o prestígio de uma marca.
e) De acordo com o que vem sendo defendido na Doutrina e Jurisprudência, quer local quer estrangeira, a notoriedade e prestígio devem ser aferidos, cada um, pela aplicação de critérios quantitativos e qualitativos, sob pena de, se assim não for, se alargar o reconhecimento de ambos os estatutos a um grande número de marcas e, assim, esvaziando-se o conteúdo do Princípio da Especialidade das marcas.
f) Concorda-se que o conceito de consumidor relevante tenha de se adaptar ao tipo de produtos em causa, mas não podemos concordar que o tipo de consumidor para efeitos de marca de prestígio seja tão restritivo, correndo-se o risco de todas as marcas notórias serem marcas de prestígio - pois estamos perante dois tipos de marcas diferentes, cada uma com a sua função.
g) Para efeitos de marca de prestígio, de acordo com o que Doutrina e Jurisprudência vêm defendendo, o conceito de consumidor terá de ser mais alargado, justificando-se assim, pelo grande número de consumidores que conhecem a marca e, pela qualidade e exuberância associada aos produtos, a ascensão a marca de prestígio.
h) Tal como é defendido por Luís Couto Gonçalves, a excepcional notoriedade da marca de prestígio deverá ser aferida no sentido de ser “espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande-público consumidor e não apenas dos correspondentes meios interessados”. (destaque nosso. Vide Luís Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial”, 5.ª ed., 2014, p. 264).
i) Como sustentação da posição adoptada, o Tribunal refere ainda Pedro Sousa e Silva, o qual entende que uma marca de prestígio deve “beneficiar de um considerável prestígio junto do público. Isto é, tratar-se de uma marca particularmente apreciada [...]. O público a considerar, para este efeito, será a generalidade dos consumidores de um país[...] e não apenas o universo dos consumidores dos produtos assinalados pela marca célebre.” (destaque nosso. Vide Pedro Sousa e Silva, “O princípio da especialidade das marcas. A regra e a excepção: as marcas de grande prestígio”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58 - Volume I - Janeiro 1998, pág. 393; ob. cit. no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo N.º 463/07.3TYLSB.L1-1, de 15/03/2011).
j) Efectivamente, se uma marca é conhecida “apenas junto dos meios interessados”, não faz “muito sentido protegê-Ia para além do princípio da especialidade”, pois significa que assim consegue “pelo direito aguilo que não alcançara pelo mercado, isto é, um círculo de protecção jurídica superior ao círculo de afirmação económica”.(destaque nosso. Vide Luís Couto Gonçalves, ob. cit., p. 261; ob. cit. no “Código da Propriedade Industrial Anotado”, António Campinos, Luís Couto Gonçalves, 2015, 2ª Edição Revista e Actualizada, p. 432).
k) O juízo sobre a notoriedade e prestígio deve incidir sobre a prova disponível à data dos pedidos de registo e levar em conta o conhecimento que é tido da mesma à data de entrada dos pedidos.... Fica a Recorrente com a sensação de que o Tribunal a quo se deixou influenciar pela torrente de documentos junta pela Parte Contrária e pela publicidade à marca a que a Rémy Martin, entretanto, deu início....
l) Portanto, relativamente ao requisito de natureza quantitativa, a marca de prestígio deve ser, espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande-público consumidor, e não apenas dos correspondentes meios interessados, como um sinal distintivo de uma determinada espécie de produtos ou serviços.
m) Embora não haja um valor percentual obrigatário, parece-nos ser consensual que quanto maior for, maior será o conhecimento que se tem da marca, funcionado os valores acima indicados como mera referência.
n) A Parte Contrária não provou que a maioria do grande público (incluindo o público interessado) ou do mercado em referência de Macau conheça a marca de conhaque “C”.
o) O facto de o preço dos produtos “C” ser elevado e exibirem um estilo requintado não é suficiente para reconhecer prestígio à marca.
p) Salvo o devido respeito, as conclusões a que o Tribunal a quo chegou são infundadas, não passando de ilações superficiais e genéricas. Não tendo ficado demonstrado, nomeadamente, quanto ao segundo requisito acima referido, de natureza qualitativa, que a marca “C” tenha especial capacidade evocativa, pois a associação da marca de conhaque “C” a ambientes de luxo não é suficiente para alargar protecção a todas as classes de produtos e serviços.
q) No entender da Recorrente, os documentos apresentados não indiciam que a marca “C” é uma marca de prestígio, porquanto todos dizem respeito à promoção do conhaque C e, embora alguns desses elementos de prova demonstrem que C é difundido em hotéis, nenhum desses documentos sugere que a marca “C” goze de reputação para além do conhaque.
r) As decisões tomadas em jurisdições estrangeiras não vinculam dentro do ordenamento jurídico da RAEM, podendo, no entanto, reconhecer-se algum peso na tomada de decisão - mas nada a isso obriga e nada nos indica que tais decisões estão correctas...
s) A Recorrente chama a atenção para o facto de os exemplos que o Tribunal refere, constantes dos art. 194 e seguintes da resposta da Parte Contrária, não reflectirem o risco de confusão com a marca da Recorrente: referem-se a “C Cognac de Rémy Martin”, reforçando, assim, a posição da Recorrente de que “C” é uma sub-marca da Parte Contrária, cuja reputação é indissociável da Rémy Martin (e do conhaque). Além disso, essas declarações não se referem a Macau, aludindo, simplesmente, ao seu uso em jantares, degustações e reserva de hotéis para clientes VIP, etc., tudo centrado em pessoas degustando conhaque. Nada nessas declarações sugere direitos obtidos pela Recorrente sobre a marca “C” para além dos que se refere ao uso em conhaque.
t) Destarte, nenhum dos documentos, artigos e comentários constantes dos documentos juntos pela Parte Contrária indicam confusão no espírito do consumidor, causada pela adopção da marca “C” pela Recorrente, muito menos para produtos na classe 25.
u) Ao invés, esses documentos referem as duas marcas de forma distinta, reforçando o argumento de que são perfeitamente distinguíveis uma da outra. Em bom rigor, esses documentos são prova de que a suposta confusão dos consumidores na prática não se verifica.
v) No que diz respeito à apreciação feita pelo Tribunal a quo do Doc. 178, retirado de um Fórum de Macau no sítio web www.trpadvisor.com, relativo a comentários online de peritos, urge referir que as reviews escritas no TripAdvisor são escritas anonimamente, não havendo qualquer garantia de que o conteúdo é verdadeiro.
w) A este respeito, a Advertisement Standards Authority no Reino Unido emitiu uma decisão relativamente ao TripAdvisor, realçando que quem contribui para o site não tem que assegurar que não tem qualquer interesse competitivo no local/negócio que está a ser revisto e que não estão a escrever a review para beneficiar um rival ou outra parte interessada.
x) Para além se tratarem de apenas três comentários supostamente provenientes destination experts, a verdade é que os contributos são dados na mesma por pessoas anónimas, sem qualquer verificação da sua identidade/afiliações/interesses, com a agravante de que os fóruns não são monitorizados pelo pessoal do TripAdvisor.
y) Além disso, o facto de alguém ter o título de “destination expert” para Macau, não significa que viva em Macau ou que faça parte do consumidor de Macau. Efectivamente, o TripAdvisor refere que uma pessoa é escolhida para ser um "destination expert" com base na regularidade com que respondem a diferentes tópicos e na calorosidade com que o fazem, como se pode verificar pela explicação sobre esta matéria dada pelo Help Center do TripAdvisor.
z) Não existe processo de escrutínio nenhum, pelo que não se pode aferir onde é que as pessoas que comentaram vivem ou onde devem ser considerados como consumidoras para efeito de consumidor médio, pelo que os comentários escritos por aquelas três pessoas não devem ser considerados como prova de que existe qualquer associação entre as marcas pelo consumidor de Macau.
aa) Portanto, a amostra de comentários do Fórum de Macau, além de ser de origem duvidosa, pondo em causa a sua força probatória, também não corresponde a um número suficiente de pessoas que leve a concluir que o consumidor de Macau estabelece uma ligação com a Rémy Martin, cuja notoriedade apenas de admite por mero dever de patrocínio.
bb) As marcas notórias são as marcas muito conhecidas pelo público interessado, constituem assim excepções aos princípios do registo e da territorialidade. No entanto, por serem apenas muito conhecidas pelo público interessado, e não público em geral, ficam sempre sujeitas ao princípio da especialidade, ou seja, só beneficiam da protecção determinada em função do produto e serviço especificamente comercializado - cf. Art. 214º Nº 1-b) do RJPI.
cc) Ao passo que para ser apelidada marca de grande prestígio, é preciso que goze não só um maior grau de notoriedade em comparação com as marcas notórias, como também seja símbolo de grande qualidade e de boa imagem, junto do público em geral. Assim, as marcas de grande prestígio, enquanto tais, já fogem aos princípios do registo, da territorialidade e da especialidade, pois, além de não precisar de registo anterior num determinado território para beneficiarem de tutela jurídica, merece ainda a protecção alargada a produtos ou serviços não semelhantes ou afins - cf. artº 214º/1-c) do RJPI.
dd) O registo das marcas da Parte Contrária é potencialmente gerador de actos de concorrência desleal.
ee) A Parte Contrária está a tentar bloquear o registo da marca “C” para todas as classes de produtos manifestamente distintos dos produtos na classe 33, de forma leviana, contrária aos usos honestos de mercado.
ff) Ora, no caso vertente, não subsistem dúvidas de que o pedido de registo das marcas registandas não é idóneo a causar confusão com os produtos da Recorrente, pela manifesta diferença que existe entre os produtos em questão.
gg) Na verdade, como já é de conhecimento geral, a Parte Contrária está impedir o registo da marca “C” pela Recorrente, em várias classes, desde que esta divulgou e publicou, em 5 de Janeiro de 2013, o seu objectivo de abrir em Macau um hotel e casino sob o nome “C”.
hh) A Parte Contrária está, por conseguinte, a obstar ao registo das marcas registandas em manifesta má-fé com o único e exclusivo objectivo de impedir que a Recorrente registe as marcas para classes de produtos completamente diferentes das bebidas alcoólicas, prosseguindo, por conseguinte, fins ilegítimos.
ii) “A concorrência desleal actua, de modo impróprio e indirecto, como um instrumento excepcional destinado a evitar registos que possam pôr em causa posições de concorrência conquistadas no mercado por terceiros de boa-fé. Na sua lógica, ao lado, por exemplo, da atribuição de um direito prioritário para efectuar o registo ao usuário durante um período de seis meses (art. 227/1), está a preocupação de atenuar os efeitos jurídicos resultantes de um sistema de aquisição do direito de marca baseado no registo”(destaque nosso).
jj) Portanto, a conduta da Parte Contrária não pode deixar de relevar na medida em que a sua intenção é impedir a Recorrente de registar marcas para a classe 25, para o que possui total legitimidade, impedindo-a de desenvolver a sua actividade com normalidade em Macau.
III. Do Pedido
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, que seja considerado procedente o presente Recurso e que, em consequência, seja revogada a sentença recorrida, e substituída por outra que conceda o registo das marcas impugnadas, como é de
JUSTIÇA!
Notificadas a recorrente da 1ª instância A e a DSE, esta ofereceu o merecimento dos autos e aquela respondeu pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 1362, 1366 a 1408 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
A sentença ora recorrida foi proferida no âmbito do recurso judicial que tem por objecto o despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que concedeu à C Holdings Limited, ora recorrente, registo das duas marcas para assinalar produtos de classe 25ª.
Na primeira instância, a recorrente do recurso judicial A, ora recorrida fundamentou os seus pedidos da revogação do despacho recorrido e da consequente determinação da recusa dos registos pretendidos pela C Holdings Limited, na circunstância de ser titular das marcas, já registadas, notórias e de prestígio que consiste nos sinais nominativos C e C1 e no facto de a requerente do registo das marcas registandas pretender fazer concorrência desleal por ter usurpado os sinais componentes das marcas já registadas, de que é titular a A.
Na resposta ao recurso, a DSE impugnou a qualificação como de prestígio das marcas, de que é titular a A, tendo reconhecido quanto muito o carácter notório dessas marcas, o que, na óptica da DSE, não constitui fundamento para a recusa do registos das marcas por força do princípio da especialidade.
Mas defendeu a DSE que não houve por parte da requerente das marcas atitudes susceptíveis de integrar na concorrência desleal.
Por sua vez, a requerente das marcas, a sociedade C Holdings Limited, não aceitou que as marcas já registadas da A são marcas de prestígio e defendeu que in casu não houve risco de ocorrência da concorrência desleal por as marcas registadas e as registandas se destinarem a distinguir produtos diferentes.
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo qualificou como marcas de prestígio as de que é titular a recorrente A e considerou esta qualificação de per si bastante para julgar procedente o recurso determinou a revogação do despacho administrativo recorrido e a consequente recusa dos pedidos de registo formulado pela C Holdings Limited à DSE.
E subsidiariamente teve o cuidado de apreciar o fundamento subsidiário do recurso e acabou por considerar que, mesmo qualificadas como notórias apenas as marcas registadas da A, é de recusar os registos pretendidos pela C Holdings Limited nos termos prescritos no artº 214º/1-b), in fine, do RJPI, uma vez que os produtos a que visam as marcas registandas permitem uma ligação com a A.
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do disposto no artº 282º do RJPI, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com o alegado nas conclusões do recurso, a recorrente levantou várias questões, quais são as da marca de prestígio, da marca notória e da concorrência desleal imputada à A.
Como se sabe, em regra, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre – cf. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª Edição, pág. 150 e 151.
Assim, como a questão da concorrência desleal imputada à A é uma questão nova, dado que não foi suscitada quer pela ora recorrente C Holdings Limited quer pela DSE nas suas respostas à petição do recurso judicial.
Além disso, não foi tratada pelo Tribunal a quo nem se trata de uma questão de conhecimento oficioso.
Portanto, não é de conhecer em sede do presente recurso esta questão da concorrência desleal imputada à A.
Assim, só constituem o thema decidendum na presente lide recursória as primeiras questões levantadas, ou seja, as de saber se as marcas já registadas, de que é titular a A são ou não qualificáveis como marcas de prestígio, ou pelo menos como marcas notórias, e neste último caso, se merecem protecção para além da tutela proporcionada pelo princípio da especialidade.
Ora, as tais questões já foram ai devidamente apreciadas, debatidas e decididas na sentença recorrida.
Conforme se vê na sentença recorrida, foi demonstrada, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, a procedência dos fundamentos que a A invocou para pedir que fosse qualificadas as marcas já registadas como de prestígio ou pelo menos como notórias com a protecção que vai para além da tutela do princípio da especialidade nos termos prescritos no artº 214º/1-b), in fine, do RJPI, assim, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a sentença recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na sentença recorrida, julgando improcedente o recurso e confirmando a sentença recorrida.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela recorrente C Holdings Limited.
Notifique.
RAEM, 30JUN2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Proc. 187/2016-50