Processo n.º 337/2016
(Recurso Laboral)
Relator : João Gil de Oliveira
Data : 7 de Julho de 2016
ASSUNTOS:
- Nexo causal e fixação de incapacidade em acidente de trabalho
SUMÁRIO:
Se dois dos peritos médicos não procedem a uma avaliação de incapacidade e concluem que há 0,00% de incapacidade, justificando que não procedem a avaliação porque entendem que não há nexo causal entre as lesões e o acidente – nexo causal que, aliás, foi aceite por acordo de todas as partes na tentativa de conciliação – há aqui uma contradição nos próprios termos e o juiz não pode aceitar acriticamente tal veredicto e, sem justificar, pronunciar-se no sentido de que há uma incapacidade de 0,00%.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 337/2016
(Recurso Laboral)
Data : 7/Julho/2016
Recorrente : A
Recorrida : Companhia de Seguros da B (Macau), S.A.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, representado pelo MP, e mais bem identificado nos autos, recorre da da douta sentença que, considerando "o(a) sinistrado(a) portador(a) de uma IPP de 0%", na sequência de posição maioritária expressa em Junta Médica a que a sinistrada - aqui recorrente - foi submetida, decidiu "não condenar a companhia de seguros a pagar ao (à) sinistrado(a) qualquer quantia a título de IPP".
Para tanto, alega, em síntese:
1 - A posição maioritária da Junta Médica está em conflito com as normais legais aplicáveis a acidentes de trabalho;
2 - Ao afirmar, o referido relatório da Junta Médica, que que as lesões que a sinistrada apresenta são "lesões antigas e as principais causas dos sintomas actuais", os Exmos Peritos não tomaram em consideração o que dispõe o artigo 9° do DL 40/95/M, que refere que "quando a lesão ou doença resultante do acidente forem agravadas por lesões ou doenças anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, a incapacidade é fixada como se tudo fosse resultante deste ... ";
3 - Dispõe, também, o artigo 3° do mesmo diploma legal que se considera acidente de trabalho "o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença ...".
4 - Finalmente os Exmos peritos, sempre por maioria, "não procederam à avaliação de incapacidade por não ter qualquer nexo causal entre o presente trauma sofrido e os mesmos referidos".
5 - Os Exmos Peritos pronunciaram-se sobre uma questão que não lhes foi colocada - o nexo causal entre as lesões e o acidente de trabalho -, questão esta que ficou assente na tentativa de conciliação onde, todos os intervenientes, expressamente, aceitaram a existência do referido "nexo causal".
6 - O entendimento, maioritário da Junta Médica foi o de "não procederam à avaliação de incapacidade.
7 - Porém, a douta sentença recorrida considerou que a sinistrada "era portadora de uma IPP de 0%".
8 - Tal decisão não está fundamentada, pois limita-se a fazer referência à posição maioritária da Junta médica, a qual foi, repete-se, a de "não procederam à avaliação de incapacidade".
9 - e padece, ainda, do vício da omissão de pronúncia, pois não se pronunciou sobre a posição expressa pela sinistrada a fls.179/180, onde apontava a ilegalidade da posição maioritária da Junta médica.
10 - Violou, assim, a douta sentença quer as disposições dos artigos 3° e 9° do DL 40/95/M quer o disposto no artigo 571, n.º 1, al. b) e d) do C.P.C.,
11 - O que acarreta a sua nulidade.
Por tudo o exposto deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarada nula a sentença recorrida e ordenada a devolução dos autos ao TJB, para ser proferida nova decisão.
2. O recurso não foi contra-alegado.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
Na presente acção emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado(a) A e entidade responsável "Companhia de Seguros B (Macau), S.A.", realizou-se sem êxito, a legal tentativa de conciliação, uma vez que a segunda não aceitou o resultado do exame médico efectuado pelo perito do tribunal que concluiu sofrer o(a) sinistrado(a) de uma IPP de 10%. (fls. 131, 146v. e 157v.)
Nessa tentativa de conciliação, sinistrado(a) e seguradora acordaram, no entanto, nos seguintes pontos:
- na existência e caracterização do acidente em causa como de trabalho (ocorrido no dia 21/03/2014);
- no nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas pelo(a) sinistrado(a);
- na retribuição por este(a) auferida à data do acidente (MOP18.301,80 três meses antes de ter ficado ferido a 21 de Março de 2014; MOP18.077,01 mensais na altura em que ficou ferida a 25 de Agosto de 2014);
- na transferência da responsabilidade da entidade patronal para a seguradora, atinente ao acidente em referência, pela totalidade do salário dota) sinistrado(a);
- que o(a) sinistrado(a) recebeu uma indemnização por 158 dias da ITA (cf. fls. 145v. a 146, 150 e 156v. a l57v.);
- que o(a) sinistrado(a) recebeu a título de despesas médicas e medicamentosas efectuadas a quantia de MOP17.590,00 (16.030 + 1.560) (cf. fls. 145v. a 146,151 e 156v. a 157v.);
- o(a) sinistrado(a) nasceu a 27/09/1957.
III – FUNDAMENTOS
O presente recurso vem interposto da douta sentença que, considerando "o(a) sinistrado(a) portador(a) de uma IPP de 0%", na sequência de posição maioritária expressa em Junta Médica a que a sinistrada - aqui recorrente - foi submetida, decidiu "não condenar a companhia de seguros a pagar ao (à) sinistrado(a) qualquer quantia a título de IPP".
O recorrente tem razão.
A sentença recorrida padece dos vícios da falta de fundamentação e da omissão de pronúncia, tendo-se limitado acriticamente a aceitar opinião maioritária da Junta Médica, no sentido de rejeitar um nexo causal que nem sede de conciliação havia sido tomada por assente.
Tal conclusão maioritária da Junta Médica havia sido contestada pela recorrente a fls. 179-180.
Na verdade, o parecer maioritário da Junta Médica ofende o disposto nos artigos 3° e 9° do DL 40/95/M, os quais dispõem que se considera acidente de trabalho "o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença ... "
e que
"quando a lesão ou doença resultante do acidente forem agravadas por lesões ou doenças anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, a incapacidade é fixada como se tudo fosse resultante deste ...".
Acompanha-se o raciocínio do recorrente, ao referir que os Exmos peritos que, por maioria, entendem que as lesões que a sinistrada apresenta são "lesões antigas e as principais causas dos sintomas actuais" e que " não procederam à avaliação de incapacidade por não ter qualquer nexo causal entre o presente trauma sofrido e os mesmos referidos", violaram o disposto nas referidas disposições legais.
O que é pedido aos peritos é que definam a incapacidade de que o sinistrado padece.
Se não o quiserem fazer ter-se-á que nomear outros peritos. Estão ao serviço da Justiça e só têm que que responder a essa questão única – qual a incapacidade daquela pessoa? Não se lhes pergunta donde proveio; essa é uma questão que está fora da sua competência. Ou têm incapacidade ou não têm. Se disserem que não podem responder, essa é outra questão.
Não pode o juiz pactuar com essa posição e dizer que não há incapacidade, quando evidentemnente parece que há.
A origem é outra questão.
Pelo que parece haver aqui uma contradição evidenciada pelos próprios elementos doa autos. Tanto mais que até há um perito que diz que há 10%.
É evidente que não se pretenda que essa posição tenha vencimento. O juiz pode nem sequer seguir a posição dos peritos. Deve é explicar por que razão se afasta desse veredicto da junta; veredicto que, neste caso, nem sequer existe porque eles acham que não se devem pronunciar por causa da falta do nexo causal.
Os referidos peritos dizem que as lesões que a sinistrada apresenta são "lesões antigas e as principais causas dos sintomas actuais".
Repare-se que os peritos se referem a "principais causas dos sintomas actuais"... Logo, os "sintomas actuais" que a sinistrada apresenta terão também outras "causas" ...
Impunha-se, assim, que os Exmos peritos avaliassem as lesões da sinistrada ("os sintomas actuais") à luz do que dispõe o citado artigo 9° do DL 40/95/M.
Como se referiu, não se pode sequer concluir, como faz a douta sentença, que os Exmos peritos fixaram, por maioria a incapacidade da sinistrada em 0%.
O que os referidos peritos dizem é que "não procederam à avaliação de incapacidade", o que é diferente de terem atribuído 0% de incapacidade.
Dizem-nos os Exmos peritos que "não procederam à avaliação de incapacidade por não ter qualquer nexo causal entre o presente trauma sofrido e os mesmos referidos".
É bem verdade que essa questão nem sequer lhes foi colocada. Andaram mal os Exmos Peritos porque se pronunciaram sobre uma questão que não lhes foi, sequer, colocada à apreciação, o "nexo causal", cuja existência foi reconhecida por todos os intervenientes na tentativa de conciliação realizada em 10/07/2015, inclusive pela companhia seguradora requerente da Junta Médica.
O Mmo Juiz, decidiu, salvo o devido respeito, infundamentadamente, sem se pronunciar sobre a posição defendida pela sinistrada, "considerou a sinistrada portadora de uma IPP de 00/0" apenas com base na posição maioritária da Junta Médica de não procederem à avaliação de incapacidade da sinistrada. Isto é, quel ler a sentença, fica sem saber porque é que o trabalhador em causa não tem qualquer capacidade, poi há um perito que diz que tem 10% e os outros, no fundo, não se pronunciam sobre a matéria, pois dizem que não há nexo causal.
Dir-se-á que a fls 178, no relatório dos médicos, dois deles escrevem que a “avaliação da incapacidade do presente caso é fixada em 0,00%”. É verdade, mas há que ler essa afirmação no contexto do que antecede, onde se diz exactamente que “Deste modo, os dois peritos não procederam à avaliação de incapacidade por não ter qualquer nexo causal entre o presente trauma sofrido e os mesmos referidos.”
Ora, como podem fixar uma incapacidade de 0,00% se não procederam à avaliação de incapacidade?
Com todo o respeito, mas isto não faz sentido.
Razão por que o recurso não deixará de proceder
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando a decisão proferida, deverão continuar os autos para apuramento da capacidade, nomeando outros peritos se necessário for..
Sem custas por não serem devidas.
Macau, 7 de Julho de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
337/2016 10/10