Processo nº 418/2016 Data: 14.07.2016
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Pena acessória.
Inibição de condução.
Suspensão (parcial) da execução.
SUMÁRIO
1. Existindo “motivo atendível”, possível é a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução; (cfr., art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007).
2. Não constitui “motivo atendível” a necessidade de conduzir para o transporte periódico de um parente ao hospital para assistência e tratamento, já que existem outros meios – especializados e gratuitos – que de forma adequada podem assegurar o referido transporte.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 418/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B. vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, assim como na pena acessória de inibição de condução por 1 ano, suspendendo-se, parcialmente, a execução desta pena acessória por 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 19 a 21-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido recorreu o Ministério Público pedindo a revogação da decretada “suspensão parcial da execução da pena acessória”; (cfr., fls. 24 a 27-v).
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Respondendo, pugna o arguido pela confirmação da decisão; (cfr., fls. 32 a 37).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“No presente recurso, em que o Ministério Público traz a escrutínio a sentença condenatória de 05 de Abril de 2016, do 3.° Juízo Criminal, exarada no âmbito do processo sumário CR3-16-0051-PSM, vem suscitada apenas a questão da suspensão da execução da pena acessória de um ano de inibição de conduzir aplicada ao arguido A.
Para o que ora interessa, a sentença recorrida determinou a suspensão parcial da execução dessa pena acessória, por um período de 1 ano e seis meses, como forma de permitir que o arguido satisfaça a necessidade de transporte da mãe ao hospital, para receber tratamento, de três em três semanas.
Entende o Exm.° magistrado recorrente que, na parte questionada, a sentença incorreu em contradição insanável na fundamentação e violou o artigo 109.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário.
Vejamos.
A argumentação que respalda a motivação do recurso apela, por um lado, à falta de substracto probatório para a formação da convicção do tribunal sobre a necessidade de tratamento hospitalar da mãe do arguido e sobre a inviabilidade de ser outrem a fazer o transporte; e enfatiza, por outro lado, que, segundo a tendência jurisprudencial da Região Administrativa Especial de Macau, a exigência de motivos atendíveis, como condição da suspensão da execução da sanção acessória, prevista no artigo 109.° da Lei do Trânsito Rodoviário, convoca essencialmente situações de condutores profissionais, o que não é o caso do arguido.
Temos por bem notar, quanto ao primeiro segmento daquela argumentação, que não se afigura vir caracterizada uma situação de contradição na fundamentação, muito menos insanável, cuja existência também não vislumbramos, perscrutando o teor da decisão.
O termos da alegação apontariam mais para erro na apreciação da prova. Mas crê-se que também não existe erro, sobretudo o erro notório a que alude a norma do n.° 2, alínea c), do artigo 400.° do Código do Processo Penal. Nomeadamente, não foi preterida qualquer exigência em matéria de vinculação de prova, nem foram extraídas conclusões que atentem contra as regras da experiência comum. O juiz fundou a sua convicção nas declarações do arguido, tendo feito questão de as rotular de verídicas e credíveis. Tais declarações constituem um dos meios de prova previstos no processo penal – cf. artigos 127.° e 322.° do Código do Processo Penal –, pelo que nada impedia que o juiz as ponderasse e valorasse, como sucedeu, para formação da sua convicção, adentro do princípio da livre apreciação das provas plasmado no artigo 114.° do Código do Processo Penal.
Não se descortina, pois, qualquer vício no julgamento da matéria de facto que enquadra a situação justificativa da suspensão parcial da execução da pena de inibição de condução.
Posto isto, passemos à outra vertente da questão, qual seja a de saber se o motivo em que a suspensão parcial da execução se louvou é ou não atendível.
O Exm.° recorrente faz apelo à jurisprudência para associar a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução a necessidades impostas por razões de ordem profissional. E assim é, de facto. A maioria, se não mesmo a totalidade dos casos de suspensão da execução deste tipo de penas acessórias surge associada a razões de preservação do rendimento do trabalho exclusivamente dependente da condução de veículos.
Não sendo de excluir que haja outras situações integradoras do conceito indeterminado “motivos atendíveis” utilizado na norma do artigo 109.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, parece-nos, salvo melhor juízo, que aquela que se nos depara não integra um dos motivos atendíveis pressupostos na norma. O motivo atendível tem que consistir numa razão suficientemente ponderosa, ao ponto de neutralizar as fortes razões de prevenção que aconselham a execução efectiva da sanção inibitória em matéria de condução com excesso de álcool.
Pois bem, no caso em análise, afigura-se que foram valoradas razões de índole predominantemente sentimental para suspender parcialmente a execução da sanção de inibição: o arguido pretende continuar a assegurar o transporte da mãe ao hospital, para tratamento médico, desiderato que será igualmente aceite e querido pela mãe. Ora, por muita consideração que esta manifestação de afecto possa concitar, crê-se que, de um ponto de vista objectivo, ela não ganha dimensão suficiente para ser guindada ao estatuto de motivo atendível, o tal motivo ponderoso, a que se refere a norma. Mesmo que porventura possa não haver, entre os parentes mais próximos, alguém disponível ou apto para assegurar esse transporte. A reduzida dimensão do território, a circunstância de estarem em causa tratamentos programados, bem como a existência de transportes alternativos, com o mesmo ou até maior índice de conforto, como os táxis e as ambulâncias, o que é notório e do conhecimento público – e cujo custeio não constitui problema para o arguido, atenta a sua situação económica – retiram qualquer carga de premência ou imperiosa necessidade à solução encontrada, o que igualmente faz esbater a atendibilidade do motivo.
Em suma, temos por bondoso este vector da argumentação da motivação de recurso, pelo que, na sua procedência, deverá ser concedido provimento ao recurso, com a revogação da suspensão parcial da execução da sanção de inibição adoptada na sentença recorrida”; (cfr., fls. 76 a 77-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrido a fls. 20 a 20-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o Ministério Público recorrer da sentença que condenou o arguido como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, fixando-se-lhe a pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano, suspendendo-se, parcialmente, esta pena acessória, por 1 ano e 6 meses.
Coloca apenas uma questão, pois que não concorda com a decretada “suspensão parcial da execução da pena acessória de inibição de condução”.
Vejamos.
Nos termos do art. 90° da Lei n.° 3/2007:
“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida”.
E prescreve o art. 109° da mesma Lei que:
“1. O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis.
2. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
3. A suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução é sempre revogada, se, durante o período de suspensão, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução.
4. A revogação referida no número anterior determina a execução da sanção de cassação da carta de condução”.
No caso dos autos, considerando que o “arguido tinha que levar a sua mãe ao hospital”, decretou o Mmo Juiz a quo a suspensão (parcial) da execução da aludida pena acessória de inibição de condução para tal efeito por um período 1 ano e 6 meses.
Contra o assim decidido diz o Ministério Público que o decidido padece de “contradição insanável da fundamentação” e “erro de aplicação de direito”.
Vejamos.
–– O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. o recente Ac. deste T.S.I. de 02.07.2015, Proc. n.° 513/2015, de 10.03.2016, Proc. n.° 95/2016 e de 28.04.2016, Proc. n.° 239/2016).
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém posições antagónicas, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
E, ponderando no decidido, não se descortina qualquer “contradição insanável”.
A sentença recorrida apresenta-se clara e lógica, tanto na sua fundamentação como sentido.
Perante a alegação pelo arguido feita em audiência de julgamento de que “de três em três semanas precisava de levar a sua mãe de carro para o hospital para receber tratamento”, considerou-a o Tribunal a quo “credível” e “verídica” e deu tal “facto” como “provado”.
E tendo decretado a suspensão (parcial) da execução da pena acessória de inibição de condução (apenas) para efeitos de poder o arguido levar a sua mãe ao hospital, cabe dizer que inexiste aqui qualquer contradição na fundamentação.
–– Porém, a solução do presente recurso implica a apreciação de uma outra questão.
Com efeito, importa saber se verificados estão os “pressupostos legais” para a suspensão da execução da dita pena acessória; (cfr., art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007).
Desde já, consigna-se que não se desconhecem as posições acerca da possibilidade legal de uma “suspensão parcial” de uma pena acessória como a inibição de condução, questão que foi tratada por este T.S.I. nos Acórdãos de 01.07.2010, Proc. n.° 25/2010 e 39/2010, e de 07.10.2010, Proc. n.° 832/2009, e onde, citando-se abundante jurisprudência portuguesa, se respondeu afirmativamente, decidindo-se, (nomeadamente) que “A pena acessória de proibição de conduzir prevista Lei do Trânsito rodoviário pode ser desmembrada de forma a ser cumprida em relação à condução não profissional e suspensa em relação à condução profissional”; (podendo-se, sobre a questão, ver ainda o Ac. de Rel. de Lisboa de 26.05.2015, Proc. n.° 915/14, e o da Rel. do Porto de 27.01.2016, Proc. n.° 229/13, in “www.dgsi.pt”).
Porém, (e independentemente do entendimento que se tenha em relação à dita possibilidade de uma pena acessória ser cumprida de forma “não contínua e universal”), cremos que a situação dos autos não permite considerar que em causa está um “motivo atendível” como previsto vem no art. 109° da Lei n.° 3/2007 para que se decidisse da forma que se decidiu.
Em relação à possibilidade de suspensão da pena acessória de inibição de condução tem este T.S.I. considerado que “só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana”; (cfr., v.g., o Ac. de 19.03.2009, Proc. n°. 717/2008, de 26.03.2015, Proc. n.° 247/2015 e de 03.12.2015, Proc. n.° 972/2015).
Admite-se também que outras situações possam existir, e que constituindo “motivo atendível” para efeitos do art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, justifiquem uma decisão de suspensão da execução da pena agora em questão.
Contudo, in casu, (para além de inexistir qualquer outro elemento provado quanto à necessidade de ter de ser apenas o arguido a efectuar o transporte da sua mãe para o hospital), e como bem se nota no transcrito Parecer do Ministério Público, existindo na R.A.E.M. outros meios – especializados e gratuitos – que, de forma adequada podem assegurar o referido transporte, inviável é dar-se como verificado o pressuposto legal em questão para a decretada suspensão (parcial) da execução da pena acessória de inibição de condução aplicada ao arguido.
Dest’arte, e outras questões não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se a decretada suspensão (parcial) da execução da pena acessória.
Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Macau, aos 14 de Julho de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 418/2016 Pág. 16
Proc. 418/2016 Pág. 15