Processo nº 302/2016
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-14-0169-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:
I – RELATÓRIO
A, divorciado, de nacionalidade filipina, residente habitualmente em Macau, na…, titular do Passaporte da República das Filipinas nº … de 12 de Maio de 2014, emitido pela autoridade competente da República das Filipinas, veio intentar a presente
Acção de Processo Comum do Trabalho contra
B (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA - LIMITADA, com sede na…, Macau.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) A quantia de MOP$52,050.00, relativa à diferença remuneratória que o Autor recebeu e que deveria ter recebido da Ré ao longo da sua relação de trabalho, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) A quantia de MOP$18,148.00, relativa à diferença remuneratória que o Autor recebeu e que deveria ter recebido da Ré pelo trabalho extraordinário prestado ao longo da sua relação de trabalho, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) A quantia de MOP$28,710.00, a título de subsídio de alimentação devido e não pago, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
d) A quantia de MOP$27,576.00, a título de subsídio de efectividade devido e não pago, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
e) A quantia de MOP$110,346.00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
f) A quantia de MOP$55,173.00, por falta de marcação e gozo de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
g) Em custas e procuradoria condigna.
Juntou os documentos constantes de fls. 26 a 39.
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Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 60 a 83 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
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II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTO
Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
Desde 1994, a Ré celebrou com a C de Macau Lda., entre outros, os «contratos de prestação de serviços»: n.º 02/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (C)
Os «contratos de prestação de serviço» supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela C de Macau Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (D)
Entre 21/10/1995 e 07/06/2002, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (E)
Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (F)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (G)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (H)
O Autor foi recrutado pela C de Macau Lda. e exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 29/94 (Cfr. fls.26 a 32, que contém o Contrato de prestação de serviços n.º 29/94 e respectiva lista nominativa, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (I)
O Contrato de prestação de serviços n.º 29/94 foi posteriormente substituído pelo Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 02420/IMO/SEF/2000, que entrou em vigor em 15/01/2001 (Cfr. fls.33 a 38, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (J)
Do Contrato de prestação de serviços n.º 29/94, resulta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90,00 diárias. (K)
Resulta dos Contratos de Prestação de Serviço n.º 29/94 que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15.00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (L)
Resulta dos Contratos de Prestação de Serviço n.º 29/94 e 1/1 que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (M)
Sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias. (N)
E o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (O)
Os referidos contratos de prestação de serviço foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (P)
Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor.(Q)
Entre 21 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora. (R)
Entre 1 de Julho de 1997 e 15 de Janeiro de 2001, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora. (S)
Durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (T)
Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor auferiu da Ré, a título de rendimento anual e de rendimento médio diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.39, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Rendimento anual
Rendimento médio diário (A)
1995
10398
139
1996
59049
164
1997
55514
154
1998
65576
182
1999
59183
164
2000
61303
170
2001
50201
139
2002
24208
161
(U)
Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras quantias por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (V)
Entre 21 de Outubro 1995 e 30 de Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (1º)
Entre 1 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (2º)
Entre Abril de 1998 e 15 de Janeiro de 2001, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (3º)
Entre 21 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (4º)
Entre 1 de Julho de 1997 e 15 de Janeiro de 2001, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (5º)
Desde 21 de Outubro de 1995 a 15 de Janeiro de 2001, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (6º)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho. (7º)
Porém, durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias». (8º)
Durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10º)
Durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (11º)
O trabalho que o A. efectivamente prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (16º)
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
Atentas as posições tomadas pelas partes, são seguintes questões essenciais a decidir nos presentes autos:
a) Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré;
b) Regime aplicável à presente relação laboral;
c) Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a C de Macau, Lda;
d) As diferenças salariais;
e) As diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário;
f) Subsídio de alimentação;
g) Subsídio de efectividade;
h) Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e pelo descanso compensatório;
i) Juros de mora.
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Caracterização do contrato celebrado entre o Autor e a Ré
Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho:
1) A prestação da actividade;
2) A retribuição;
3) A subordinação jurídica.
No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve, entre 21/10/1995 e 07/06/2002, ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o Autor e a Ré.
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Regime aplicável à presente relação laboral
Além disso, segundo os factos provados nos autos, é o Autor, enquanto trabalhador não residente, quem foi oferecido por uma entidade fornecedora de mão-de-obra, isto é, pela C de Macau, Lda, através dum procedimento adminstrativo previsto no Despacho n. 12/88/M, que, para que seja concedida a importação de mão-de-obra não residente, exige a intervenção de terceira entidade de fornecedora de mão-de-obra e a celebração, apenas entre essa terceira entidade e a entidade patronal, dum denominado “contrato de prestação de serviçõs”.
No entanto, verifica-se, segundo os factos provados nos autos, que as claúsulas daquele contrato se prevêm condições de trabalho mais favoráveis às convencionadas entre o Autor e a Ré e prestadas efectivamente a ele. Assim, intentou ele a presente acção pedindo o que ele entendeu ser-lhe devido conforme o referido Despacho e o contrato de “prestação de serviçõs” celebrado entre a Ré e a C de Macau, Lda.
Mas o problema é, se ambos se integram no regime aplicável à relação laboral entre o Autor e a Ré?
Diferente do problema sobre a qualificação do contrato entre o Autor e a Ré, é muito discutido, quanto a isso, entre as partes.
Entende o Autor, para servir como base dos seus pedidos, que é aplicável o Despacho n. 12/GM/88 porque é ele que define imperativamente um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à mesma contratação e nos termos do qual a Ré só é permitida celebrar com o Autor contrato de trabalho que contém as condições de trabalho menos favoráveis para ele. Ao mesmo tempo, o contrato celebrado entre a Ré e a C de Macau, Lda deve ser qualificado como contrato a favor de terceiro cujo beneficiário seja o próprio Autor, aplicável à relação laboral entre ele e a Ré.
Por sua vez, entende a Ré que o Despacho só prevê um procedimento de importação de mão-de-obra não residente sem fixa condições de contratação específicas e por isso a violação dos seus termos só importa infracção administrativa mas não incumprimento de contrato de trabalho entre o Autor e a Ré. Quanto à qualificação do referido contrato, a Ré refuta-a como contrato a favor de terceiro com os fundamentos de que não pode ter essa qualificação quando o referido Despacho o qualifica como contrato de prestação de serviços; o referido contrato nunca confere ao Autor nenhum benefício nem atribuição patrimonial, mas sim uma contraprestação de obrigações, a qual não pode ser objecto do contrato a favor de terceiro; o referido contrato não se lhe aplica por ser inconciliável com o princípio de res inter alios acta, aliis nec nocet nec prodest e o seu incumprimento só poderia legitimar a C de Macau a reclamar os prejuízos em que haja incorrido pelo incumprimento.
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Perante essa controvérsia, entendemos que a questão está em saber duas coisas: 1) se é o Despacho n. 12/GM/88 fonte regulador do regime jurídico aplicável ao caso? 2) É ou não o contrato celebrado entre a Ré e a C de Macau, por sua natureza, contrato a favor de terceiro?
Quer uma quer outra, o Venerando Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou, nos casos semelhantes, de forma unânime em vários acórdãos no sentido de lhe aplicar o referido Despacho e considerar o dito contrato como tal, aplicável ao trabalhador (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010).
Assim, para responder a primeira questão, vale a pena citar, entre outros, e por ser convincente, o Douto Acórdão do TSI n. 574/2010:
“A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n." 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n." 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n." 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro…
…
6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho…
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a C de Macau, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a C de Macau, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“…
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);…”
É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas tem que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a titulo experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.”
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Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Ré e a C de Macau, Lda
Quanto à natureza do contrato celebrado entre a Ré e a Cde Macau, trata-se, com razão, de contrato a favor de terceiro, que se aplica ao trabalhador que o não assinou, como assim entende unanimamente na Jurisprudência.
Como se pode aferir da douta fundamentação dum desses acórdãos do Venerando TSI no processo n. 774/2010, que aqui nos permitimos reproduzir:
“De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre B e C, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
…
E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, um contrato de cedência de trabalhadores ou um contrato de promessa – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (C) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
E para tanto concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato”. Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos tipo desta espécie contratual.
A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação, a uma vantagem, não uma obrigação. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe somente vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo resultantes daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre B e C, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que B se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que vale por dizer que, contra a tese da sentença sob censura, o contrato a favor de terceiro será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes.”
*
Assim sendo, à relação laboral entre o Autor e a Ré aplica, entre outros, o Despacho n. 12/GM/88 e o contrato celebrado entre ela e a C de Macau nos termos ao Autor mais favoráveis.
A seguir, vamos analisar se o Autor pode ou não reclamar os créditos resultantes das diferenças salariais, do trabalho extraordinário, do subsídio de alimentação, do subsídio de efectividade, do trabalho em dia de descanso semanal e do descanso compensatório.
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As diferenças salariais
Vem o Autor a reclamar os créditos resultantes das diferenças salariais que recebeu durante o período entre 21/10/1995 e 15/01/2001 e o que foi estipulado nos contratos de prestação de serviços.
Segundo as condições fixadas nos contratos de prestação de serviços n. 29/94 e 1/1, o Autor tem direito aos salários seguintes:
Período
Salário
21 de Outubro de 1995 a 14 de Janeiro de 2001
$2,700.00
15 de Janeiro de 2001 a 7 de Junho de 2002
$2,000.00
Ao mesmo tempo, estão provados nos autos os salários mensais efectivamente recebidos pelo Autor nos seguintes períodos:
Entre 21 de Outubro 1995 e 30 de Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (1º)
Entre 1 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (2º)
Entre Abril de 1998 e 15 de Janeiro de 2001, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (3º)
Está registada uma diferença entre o salário mensal efectivamente pago pela Ré ao Autor e o salário mínimo clausulado nos contratos de prestação de serviços de cada período acima referido.
Assim, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses de cada período (A) x a diferença salarial (B):
Período
Meses
(A)
Diferença salarial
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B)
21 de Outubro de 1995 a Junho de 1997
20 meses 11 dias
MOP$1,000.00
MOP$20,366.67
Julho de 1997 a Março de 1998
9
MOP$900.00
MOP$8,100.00
Abril de 1998 a 14 de Janeiro de 2001
33 meses 14 dias
MOP$700.00
MOP$23,426.67
15 de Janeiro de 2001
1 dia
MOP$0.00
MOP$0.00
Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global de MOP$51,893.34, a título de diferenças salariais.
*
As diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário
O Autor vem reclamar ainda o pagamento da diferença do salário, a título de trabalho extraordinário, calculado entre o que lhe era devido de acordo com o salário clausulado nos contratos de prestação de serviços e o que lhe foi efectivamente pago pela Ré.
De acordo com os factos assentes, sendo que a Ré se obrigava a pagar ao Autor um salário diário de MOP$90.00 (MOP$2,700.00/30 dias) entre 21/10/1995 e 14/01/2001, MOP$66.67 (MOP$2,000.00/30 dias) entre 15/01/2001 e 07/06/2002, a remuneração por cada hora de trabalho extraordinário devia ser calculado com base na remuneração por hora de MOP$11.25 e MOP$8.33, correspondente a MOP$90.00/8horas e MOP$66.67/8horas, respectivamente.
No entanto, está provada a seguinte matéria de facto a isso referida:
Entre 21 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$8.00 por hora. (R)
Entre 1 de Julho de 1997 e 15 de Janeiro de 2001, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$9.30 por hora. (S)
Entre 21 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (4º)
Entre 1 de Julho de 1997 e 15 de Janeiro de 2001, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (5º)
Assim, deve calcular as diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário com a fórmula seguinte: (a remuneração de trabalho extraordinário devida – remeração de trabalho extraordinário recebida pelo Autor) x número das horas de trabalho extraordinário em causa. Mais concretamente,
Período
Número das horas
Remuneração devida
Remuneração recebia
Diferença remuneratória relativa ao trabalho extraordinário
21 de Outubro de 1995 a Junho de 1997
2476horas
(619dias x 4horas)
11.25
8
MOP$8,047.00
Julho de 1997 a 14 de Janeiro de 2001
5176horas
(1294dias x 4horas)
11.25
9.3
MOP$10,093.20
15 de Janeiro de 2001
4horas
(1 dia x 4horas)
8.33
9.3
MOP$0.00
Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global de MOP$18,140.20, a título de diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário.
*
Subsídio de alimentação
Segundo os factos dados provados nos autos, no contrato n. 29/94 aprovado pela DSTE ficou expressamente estipulado que o Autor teria direito a auferir, até 14/01/2001, a quantia de MOP$15 diária, a título de alimentação.
E ao longo de toda a relação entre o Autor e a Ré, nunca ela lhe pagou qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
Ora, o período de trabalho prestado pelo Autor que tem esse direito é de 5 anos, 2 meses e 25 dias (entre 21/10/1995 e 14/01/2001), correspondente aos 1913 dias.
Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global no montante de MOP$28,695.00 (1913 dias x MOP$15), a título de subsídio de alimentação.
*
Subsídio de efectividade
Segundo os factos dados provados nos autos, nos contratos aprovados pela DSTE ficou expressamente estipulado que o Autor teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de quatro dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
Porém, durante todo o período da relação contratual entre o Autor e a Ré, nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias.
Ora, o período de trabalho alegados pelo Autor que tem esse direito é de 6 anos, 7 meses e 18 dias, correspondente aos 79 meses, cada mês tem abono de 4 dias de salário diário MOP$90 até 14 de Janeiro de 2001 e MOP$66.67 posteriormente.
Assim, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses de cada período (A) x o salário diário (B) x 4 dias:
Período
Meses (A)
Salário diário (B)
Quantia indemnizatória(A x B x 4)
21 de Outubro de 1995 a 14 de Janeiro de 2001
62
90
MOP$22,320.00
15 de Janeiro de 2001 a 07 de Junho de 2002
17
66.67
MOP$4,533.56
Em suma, o Autor tem direito a receber a quantia global no montante de MOP$26,853.56, a título de subsídio de efectividade.
*
Compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e pelo descanso compensatório
Quanto à compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal pelo Autor enquanto trabalhador não residente, não é menos certo que lhe pode aplicar, por analogia, o DL nº 24/89/M, mesmo na falta de cláusula contratual e de disposto no Despacho n. 12/GM/88 a ela referentes. Assim, como o bom ensinamento dos Doutos Acórdão do TSI n. 596/2010 e 805/2010 se escreve, “A circunstância de o próprio D. L. nº 24/89/M ter determinado a sua não aplicação às relações laborais com trabalhadores não residentes não obsta a sua aplicação analógica a essas relações laborais, uma vez que a não aplicação é condicional, isto é, só se não aplica se existirem normas especiais nesta matéria.”
Portanto, devemos aplicar por analogia o disposto no art. 17º, n. 6º do DL nº 24/89/M.
Interpretando o referido artigo, os Doutos Acórdãos do TUI julgaram-se no sentido de que o trabalhador recebe o dobro da retribuição normal, mas como os Autores nos respectivos casos já receberam o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, só têm direito a outro tanto (conforme os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
Aqui, vale a pena citar essa parte do douto Acórdão n. 28/2007 do Venerando TUI:
“Na redacção original do n.º 6 do art. 17.º do RJRL o trabalho prestado em dia de descanso semanal dava sempre direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
O n.º 6 do art. 17.º do RJRL, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe:
“6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes”.
Ao caso aplica-se a alínea b), dado que o autor era remunerado, não em função do mês, mas ao dia (salário determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado).
O pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal é pago pelo montante acordado com os empregadores.
Não tendo havido acordo entre autor e ré sobre a forma de remunerar o trabalho em dia de descanso semanal, existe uma lacuna quanto à forma de determinar tal pagamento.
É que a referência, na parte final da alínea b) aos “usos e costumes”, não tem por finalidade substituir o acordo entre as partes, nem pode constituir nenhum acordo tácito entre as partes, que não se vislumbra a partir dos factos provados. Os usos e costumes são apenas um limite para o montante acordado pelas partes.
Ora, não tendo havido qualquer acordo entre as partes, há falta de previsão legal sobre o pagamento prestado em dia de descanso semanal, para aqueles que não auferem salário mensal.
Há que integrar a lacuna, por meio da norma aplicável aos casos análogos (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, correspondendo ao art. 10.º, n.º 1 do Código Civil de 1966).
Ora a norma aplicável aos casos análogos é, manifestamente, a da alínea a) do mesmo n.º 6 do art. 17.º, que se refere à remuneração em dia de descanso semanal, para os que recebem em função do mês, ou seja o dobro da retribuição, no caso, diária.
Por outro lado, para haver lugar à remuneração do trabalho prestado em dia de descanso semanal não é necessário que o empregador tenha impedido o trabalhador de gozar tal descanso. Basta que tenha havido uma conduta do empregador a determinar o trabalho nesses dias, como não pode ter deixado de ser, pois é a ré que alega que o descanso dos trabalhadores poria em causa o funcionamento dos casinos.
Estas considerações aplicam-se também ao trabalho nos dias feriados.
Mas já tem razão a ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não em dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.”
Salvo melhor opinião, entendo ser um bom entendimento para, mutatis mutandis, a resolução da presente causa.
Outra coisa é a compensação de um dia de descanso compensatório não gozado. Nos termos do art. 17º, n. 4º do DL 24/89/M também por analogia, “nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.”
Assim, segundo os factos considerados como provados nos autos, sendo ao Autor já pago salário diário em singelo referente à prestação do trabalho nos dias de descanso semanal, ele tem direito receber a outro tanto, também em singelo, e uma compensação correspondente aos dias de descanso compensatório não gozado, a saber:
Período
N.os do dia de trabalho em descanso semanal (A)
N.os do dia de descanso compensatório não gozado(B)
Salário diário
(C)
Compensações
(A x C)+ (B x C)
21 de Outubro de 1995 a 14 de Janeiro de 2001
273
273
90
MOP$49,140.00
15 de Janeiro de 2001 a 7 de Junho de 2002
72
72
66.67
MOP$9,600.48
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$58,740.48, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e dos dias de descanso compensatório não gozados.
*
Juros de mora
Sendo os créditos supra mencionados ilíquidos, às quantias a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, absolvendo do restante pedido, a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
a) MOP$51,893.34, a título de diferenças salariais;
b) MOP$18,140.20, a título de diferenças remuneratórias relativas ao trabalho extraordinário;
c) MOP$28,695.00, a título de subsídio de alimentação;
d) MOP$26,853.56, a título de subsídio de efectividade;
e) MOP$58,740.48, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e pelo descanso compensatório;
f) A todas as quantias supra mencionadas (MOP$184,322.58) acrescerão os juros de mora, à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento.
As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
Não se conformando com essa sentença, vieram o Autor e a Ré recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância.
O Autor alegou concluindo e pedindo:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.° de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de de MOP$117,480.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$58,740.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer, devendo manter-se a douta decisão no que diz respeito à quantia devida a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!
Por sua vez a Ré formulou as seguintes conclusões e pedidos:
a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
I) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, n° 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, n° 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
cc) Por outro lado, não se provou nos autos qual o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. à R.;
dd) Ao decidir no sentido em que o fez, o Tribunal recorrido incorreu em errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228°, n° 1 do Código Civil;
ee) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada
JUSTIÇA
Notificados o Autor e a Ré das alegações apresentadas pela contra-parte, só a Ré respondeu pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo Autor.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a C de Macau, Limitada;
2. Ds diferenças salariais e do trabalho extraordinário;
3. Do subsídio de alimentação;
4. Do subsídio de efectividade; e
5. Do multiplicador para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
Passemos então a apreciá-las.
1. Da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a C de Macau, Limitada
Em primeiro lugar, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica, feita pelo Tribunal a quo, do acordo celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.
Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C de Macau, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.
Não se vê portanto razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.
Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C de Macau Limitada.
Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C de Macau Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela C de Macau Limitada e a serem afectados ao serviço da Ré.
E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela C de Macau Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.
Segundando a nossa jurisprudência unânime, o Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a C de Macau Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.
Ora, reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a C de Macau Limitada, em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.
Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a C de Macau Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórias a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.
Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.
2. Das diferenças salariais, do trabalho extraordinário e do subsídio de efectividade
Apoiando-se a recorrente na sua tese de que o contrato de prestação de serviço não é um contrato a favor de terceiro, defende que é forçoso concluir que nenhum direito assiste ab initio ao Autor para reclamar quaisquer condições mais favoráveis emergentes daquele contrato, referentes às diferenças salariais e ao subsídio de efectividade.
Todavia, tendo em conta o decidido supra na questão nº 1, isto é, o Autor, enquanto terceiro beneficiário, adquiriu o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”, por efeito imediato do contrato a favor de terceiro celebrado entre a Ré e a C de Macau Limitada, cai por terra toda a tese defendida pela Ré para não reconhecer as peticionadas diferenças salariais entre aquilo que recebeu e aquilo que deveria ter recebido, as diferenças remuneratórias do trabalho extraordinário e o direito ao subsídio da efectividade.
3. Do subsídio de alimentação
A Ré recorrente questiona a decisão recorrida na parte que reconhece ao Autor o direito ao subsídio de alimentação com vários fundamentos, deduzidos numa relação de subsidiariedade.
O fundamento principal reside na sua tese de que o contrato de prestação de serviço não é um contrato a favor de terceiro. Defende portanto que é forçoso concluir que ao Autor não assiste o o direito de reclamar o subsídio de alimentação com base naquele contrato celebrado entre a Ré e a C de Macau Limitada.
Mais uma vez, tal como vimos supra, cai por terra a tese da Ré e é de reconhecer ao Autor o direito ao subsídio de alimentação com base naquele contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C de Macau Limitada.
Subsidiariamente, a recorrente defende que o montante de subsídio de alimentação arbitrado pelo Tribunal a quo se mostra incorrectamente calculado, uma vez que o Tribunal arbitrou a favor do Autor o subsídio de alimentação mesmo nos dias em que não trabalhou.
Trata-se da questão de saber se o subsídio de alimentação é devido nos dias em que o Autor efectivamente trabalhou ou é sempre devido em todos os dias enquanto durou a relação de trabalho.
Então vejamos.
Nota-se que, in casu, o “quando” deve ser pago o subsídio de alimentação não foi objecto de estipulação quer no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C de Macau, Limitada, quer no contrato individual celebrado entre o Autor e a Ré, nem na lei vigente na constância de relação de trabalho em causa, para a qual o próprio contrato individual de trabalho remete.
Ou seja, na falta de disposições legais que impõem à entidade patronal a obrigação de pagar ao trabalhador o subsídio de alimentação, a sua regulação quer quanto à sua existência quer quanto aos termos em que é pago deve ser objecto da negociação entre as partes.
In casu, foi apenas estipulada no contrato de prestação de serviço a obrigação de pagar ao trabalhador um subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.
Para resolver esta questão, temos de averiguar a natureza do tal subsídio.
Ora, inquestionavelmente o subsídio de alimentação não é a retribuição do trabalho nem parte integrante dessa retribuição, dado que não é o preço do trabalho prestado pelo trabalhador.
Como foi dito supra, na falta de disposições expressas na lei, só há lugar ao pagamento do subsídio de alimentação se assim for estipulado entre o trabalhador e a entidade patronal.
Ficou provado que in casu foi estipulado no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C de Macau Lda. que o trabalhador tinha direito ao subsídio de alimentação no valor de MOP$15,00 por dia.
Mas ficamos sem saber se era devido enquanto a relação de trabalho se mantinha ou apenas nos dias em que houve prestação efectiva de trabalho.
Não obstante o D. L. nº 24/89/M, vigente no momento dos factos dos presentes autos, não ser aplicável à contratação dos trabalhadores não residentes, por força do disposto no próprio artº 3º/3-d), por o Autor não ser trabalhador residente, o certo é que, por conhecimento que temos por virtude do exercício de funções, por remissão expressa do contrato individual de trabalho celebrado entre a Ré e os seus trabalhadores, o mesmo diploma é aplicável ao caso sub judice.
Assim, vamos tentar procurar a solução para a questão em apreço na mens legislatoris subjacente ao regime jurídico definido no citado D. L. nº 24/89/M.
Como se sabe, no âmbito desse diploma, existem prestações por parte da entidade patronal a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
É o que se estabelece nos artºs 17º, 19º e 21º daquele decreto-lei, nos termos dos quais é devido o salário nos dias de descansos semanal e anual e de feriados obrigatórios remunerados.
Isto é, é devido o salário a favor do trabalhador independentemente da prestação efectiva de trabalho.
Então urge saber se é também devido o subsídio de alimentação independentemente da prestação efectiva de trabalho.
E assim é preciso saber qual é a razão que levou ao legislador a obrigar a entidade patronal a pagar salário ao trabalhador mesmo nos dias de folga e averiguar se existe uma razão paralela justificativa da atribuição ao trabalhador do subsídio de alimentação nos dias em que não trabalha.
Face ao regime de descansos e feriados definido no decreto-lei, sabemos que a razão de ser de assegurar ao trabalhador o direito ao salário nesses dias de descanso é porque o legislador quis estabelecer, como o mínimo das condições de trabalho, o direito ao descanso sem perda de vencimento.
Ou seja, é o direito ao descanso que justifica o pagamento de salário nos dias de descanso e feriados.
Mas já nenhum direito, como mínimo das condições de trabalho ou a qualquer outro título, estabelecido na lei, a favor do trabalhador, tem a virtualidade de obrigar a entidade patronal a pagar o subsídio de alimentação quer nos dias em que trabalha quer nos dias em que não trabalha.
Assim, parece que nos não é possível resolver a questão no âmbito do D. L. nº 24/89/M e temos de virar a cabeça tentando encontrar a solução para o presente caso concreto tendo em conta as características do serviço que o Autor prestava.
Da matéria de facto provada resulta que o Autor exercia as funções de guarda de segurança, trabalhando sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré e era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades.
As tais condições de trabalho, nomeadamente a mobilidade do local e horário de trabalho, a total disponibilidade do trabalhador, mostram-se evidentemente pouco compatíveis com a possibilidade de o Autor, nos dias em que efectivamente trabalhava, preparar e tomar as refeições em casa, que lhe normalmente acarretariam menores dispêndios.
Assim, compreende-se que nos dias em que efectivamente trabalhava, por ter de comer fora, o Autor viu-se obrigado a suportar maiores despesas nas refeições do que nos dias de folga.
Com esse raciocínio, cremos que o subsídio de alimentação, acordado no contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C de Macau, Limitada, de que é beneficiário, visa justamente para compensar ou aliviar o Autor das despesas para custear as refeições nos dias em que se tendo obrigado a colocar a sua força laboral ao dispor da Ré, lhe não era possível preparar e tomar refeições em casa.
Assim sendo, é de concluir que o subsídio de alimentação só é devido nos dias em que o trabalhador efectivamente trabalha.
Ora, ficou provado que “Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor, sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, deu qualquer falta ao trabalho”.
Bom, este facto, de per si, não afirma nem infirma que, enquanto durou a relação laboral entre o Autor e a Ré, o Autor já chegou a faltar ao serviço, com motivos justificativos.
Assim, ante a matéria de facto assim provada, entendemos que o Autor não logrou demonstrar o número exacto dos dias em que efectivamente trabalhou.
Assim sendo, não nos resta outra alternativa que não seja a revogação da sentença recorrida nesta parte, reconhecer ao Autor o direito de receber o subsídio de alimentação em todos os dias em que trabalhou durante o período compreendido entre 16JAN2001 e 31JAN2005, e condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença – artº 564º/2 do CPC.
4. Do multiplicador para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal
O Autor pede, inter alia, a condenação da Ré a pagar-lhe a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e a compensação dos dias compensatórios dos descansos semanais não gozados.
O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esses direitos.
Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, adoptado pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2).
Tem razão o Autor.
Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$117.480,00, correspondente ao dobro de MOP$58.740,00, quantia fixada na sentença recorrida.
Tudo visto resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento parcial ao recurso interposto pela Ré B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada e conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor A, determinando:
* A revogação da sentença recorrida na parte que diz respeito ao subsídio de alimentação, passando a condenar a Ré a pagar a compensação a título de subsídio de alimentação no valor a liquidar em execução de sentença nos termos acima consignados;
* A revogação da sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, passando a atribuir ao Autor, a título da compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor total de MOP$117.480,00; e
* Manter na íntegra todas as restantes condenações feitas pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes/recorridos, na proporção do decaimento.
Notifique.
RAEM, 30JUN2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Ac. 302/2016-44