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Proc. nº 453/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Julho de 2016
Descritores:
-Salário mensal
-Descanso semanal
-Descanso compensatório

SUMÁRIO:

I. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), considera-se, que o trabalhador tem direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”). Se o trabalhador nele prestar serviço, terá direito ao dobro da retribuição (salário x2), sem prejuízo do salário que sempre receberia, mesmo sem o prestar.

II. Para além disso, ainda terá direito a receber a remuneração correspondente ao dia compensatório a que se refere o art. 17º, nº4, se nele tiver prestado serviço.

III. O trabalhador que preste serviço em dia que seria de descanso compensatório a que se refere o nº4 do art. 17º do DL nº 24/89/M será remunerado duas vezes: uma, pelo serviço efectivamente prestado; outra, pelo valor salarial que sempre receberia mesmo que não prestasse serviço.
Proc. nº 453/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, solteiro, maior, de nacionalidade chinesa, residente habitualmente em Macau, na Rua XX, n.º XX, Edifício “XX”, Bloco XX, XXº andar “XX”, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente n.º 7XXXXX4(0) de 15 de Novembro de 2013, emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação da Região Administrativa Especial de Macau, instaurou no TJB (Proc. nº LB1-15-0070-LAC) contra: ----
B (macau) - serviços e sistemas de segurança - limitada, com sede na Avenida XX, s/n, Edifício XX, Fase XX, XX.º Andar XX, Macau, ----
ACÇÃO DE PROCESSO COMUM DO TRABALHO ---
Pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de MOP$ 264.616,00 - a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal (176.411,00) e de descanso compensatório (88.205,00).
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Foi na oportunidade proferida sentença condenatória, em que a Ré da acção foi condenada a pagar ao autor a quantia global de MOP$ 72.334,00, distribuída em iguais partes a título de não gozo dos dias de descanso semanal e de descanso compensatório.
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É contra essa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o autor da acção formula as seguintes conclusões:
«1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro;
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$72,334,00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$36,167,00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer, devendo manter-se a douta decisão no que diz respeito à quantia devida a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!».
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A “B” não respondeu ao recurso.
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Cumpre decidir.
***
II – Os factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
1) Entre 1 de Outubro de 1996 e 14 de Outubro de 2009, o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”. (A)
2) A Ré sempre fixou o local (posto de trabalho), o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (B)
3) O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela Ré. (C)
4) Ao longo de toda a relação laboral a Ré sempre pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia variável determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (D)
5) Durante a relação de trabalho entre 1997 e 31 de Dezembro de 2007, o Autor auferiu da Ré a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 1, Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional): (E)
Ano
Salário anual
Salário normal diário
1997
14264
40
1998
59494
165
1999
59526
165
2000
60638
168
2001
54426
151
2002
54331
151
2003
57448
160
2004
59185
164
2005
59334
165
2006
62712
174
2007
69295
192







6) Entre 1997 e 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo sido remunerado pela Ré com o valor de uma retribuição diária, em singelo. (F)
7) Entre 23 de Outubro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 28 dias em 2001, de 17 dias em 2002, de 42 dias em 2003, de 2 dias em 2005, de 12 dias em 2006 e de 49 dias em 2007. (1.º)
8) Entre 23 de Outubro de 2000 e 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (2.º)
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III – O Direito
Está em causa no presente recurso jurisdicional unicamente a forma de compensar o trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
A sentença considerou que a indemnização deve ser quantificada em dobro do valor do salário diário. Como, porém, o autor já tinha recebido da entidade patronal o valor em singelo da prestação de trabalho nesses dias, apenas lhe conferiu o direito a uma compensação equivalente a outra remuneração igual, encontrando dessa maneira o montante de MOP$ 36.167,00 (e que acrescido a outro tanto referente ao valor do descanso compensatório não gozado ascendeu ao valor total de MOP$ 72.334,00).
O autor insurge-se contra a sentença nessa parte e acha que a indemnização a que tem direito pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal ascende a MOP$ 72. 334,00.
Vejamos, então.
Salvo o devido respeito, como desde há muito tempo este TSI tem vindo a afirmar (por mais recentes, ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; Ac. 8/06/2016, Proc. nº 301/2016), não podemos acompanhar a tese da sentença recorrida.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (uma vez que a entidade patronal não lho pode descontar), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador em prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é evidente, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente ao dia de descanso.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor já pago de Mop$ 36.167,00.
Consequentemente, o autor teria direito a este específico título (remuneração pelos dias de descanso semanal) a receber a quantia total de MOP$ 72. 334,00, sem prejuízo do valor fixado na sentença recorrida a título do descanso compensatório, que aqui não está em discussão.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença na parte referente à indemnização correspondente aos dias de descanso semanal, que aqui se fixa em MOP$ 72.334,00, a que se somará a quantia de MOP$ 36.167,00 já atribuída na sentença a título de descanso compensatório, tudo acrescido de juros de mora nos termos definidos no Ac. do TUI, de 2/03/2011, Proc. nº 69/2010.
Custas do recurso pela recorrida.
TSI, 28 de Julho de 2016
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José Cândido de Pinho
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Lai Kin Hong
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Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)



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