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Processo n.º 34/2016
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 21/Julho/2016


ASSUNTOS:

- Falta de assinatura de contrato promessa
- Representação de poderes
- Venire contra factum proprium
- Abuso de direito
- Representação sem poderes
- Factos concludentes ratificativos
- Artigo 261º, n.º 1 e 2 do CC
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Se um contrato promessa foi reconhecido sempre pela Ré e esta pratica actos concretos que o confirmam, se não deixa de o fazer, mesmo em sede de contestação, alegando apenas o sem fundamento da pretensão do A., que pretende que lhe seja pago o dobro do sinal por incumprimento, que imputa à promitente vendedora, alegando por sua vez a Ré que foi o A., promitente comprador, que incumpriu o contrato, não pode vir agora, contra toda a sua conduta anterior, apenas em sede de recurso, alegar uma pretensa nulidade do contrato por falta de assinatura sua no contrato.
    
    2. Deixa de ter razão a Ré se se comprova que no contrato promessa interveio uma sua tia, em sua representação, e que ela assina o recebimento cheque correspondente ao sinal que foi pago no momento daquele, bem se podendo considerar que esse documento dele faz parte integrante.
    
    3. Constitui “formalidade " ad substantiam" de um contrato-promessa de compra e venda a(s) assinatura(s) do(s) promitente(s) - artigo 404.º/2 do CC -e a falta de qualquer assinatura relevante é questão substantiva de conhecimento oficioso que implica nulidade do contrato-promessa.
    
    4. Comete abuso do direito, sob a forma de venire contra factum proprium, a promitente-vendedora que, ao longo de vários meses, até à propositura da causa, e mesmo na pendência desta agiu sempre como se o contrato fosse inteiramente válido, jamais dando a entender à contraparte, fosse por que modo fosse, que iria servir-se da irregularidade formal do negócio para, com base nela, obter a sua anulação.

O Relator,





Processo n.º 34/2016
(Recurso Civil)
Data : 21/Julho/2016

Recorrente : A

Recorrido : B


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO

1. B, mais bem identificado nos autos, veio intentar acção declarativa com processo ordinário contra
A e C, também elas aí mais bem identificadas,
E, invocando o incumprimento de contrato-promessa, por parte destas, pede que fosse julgado procedente a acção e fosse condenada:

1) A 1.ª Ré a pagar o sinal prestado pelo Autor no montante de HKD200.000,00 em dobro, ou seja, a pagar a quantia de HKD400.000,00;
ou em alternativa
2) A 2.ª Ré a restituir o montante de HKD200.000,00, respeitantes ao cheque que a mesma recebeu do A. e cuja quantia não restituiu, bem como a pagar ao Autor as despesas incorridas por este, no valor de MOP$10.000,00;
    E os juros legais vencidos e vincendos, à taxa de juro legal.

A final foi proferida decisão, julgando procedente a acção e condenada a 1.ª Ré a pagar ao A. a quantia de HKD 400.000.00, correspondente ao dobro do sinal por incumprimento do contrato.

    2. Inconformada com a decisão recorre A, alegando em síntese conclusiva:

Da matéria de facto incorrectamente provada
1. O Tribunal a quo deu como provado o seguinte facto: “O Autor (A.) celebrou com A, (ora em diante, a 1. Ré) um contrato-promessa de compra e venda do imóvel (o Documento 1 que se junta e à P.I. e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos), sito na Rua ......, descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º 2xxxx (alínea A) dos factos assentes)”;
2. No acórdão ora recorrido, o Tribunal a quo referiu os seguintes com base nos factos acima citados:
“(…) Os factos assentes provaram que a 1.ª Ré celebrou com o Autor um contrato-promessa de compra e venda de imóvel em 16 de Fevereiro de 2011, conforme o qual, a 1.ª Ré comprometeu-se a vender ao Autor um imóvel sito na Rua ......, descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º 2xxxx, pelo preço de HKD6.000.000,00, e para tal o Autor pagou um sinal de HKD200.000,00.
Conforme os factos acima referidos, a 1.ª Ré comprometeu-se a vender um terreno ao Autor e outorgar com o Autor a escritura de compra e venda, pelo que, dúvidas não restam que a relação entre a Ré e o Autor é a da promessa de compra e venda.
 Porém, dado que o objecto da promessa de compra e venda é um imóvel, a mesma deve constar-se de documento assinado pelos próprios outorgantes.
 Conforme os factos assentes, na celebração do aludido contrato-promessa de compra e venda, a promitente-vendedora foi a 2.ª Ré C que celebrou o contrato na qualidade de representante da proprietária (…)”
3. Do contrato-promessa que se junta como documento 1 da petição inicial apresentada pelo Autor (cfr. fls. 14 dos autos) resulta que no referido contrato só foram apostas as assinaturas do comprador e da testemunha, nada constando a assinatura da vendedora nem a assinatura da “2.ª Ré, C que celebrou o contrato na qualidade de representante da proprietária” referida pelo Tribunal a quo;
4. Além disso, do documento 1 da petição inicial apresentada pelo Autor também resulta que o nome do comprador é “B”, contudo, o nome do Autor é “B”, contudo, o Tribunal a quo provou directamente que o Autor (B) celebrou uma promessa de compra e venda com a 1.ª Ré (A);
5. Daí, obviamente, o Tribunal a quo provou incorrectamente os factos concretos, pois existe contradição no documento 1 da petição inicial apresentada pelo Autor;
6. O artigo 404.º n.º 2 do Código Civil prevê: “2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.”
7. Tal como já foi referido, segundo o documento 1 da petição inicial do Autor, a vendedora nunca assinou o contrato-promessa em causa, pelo que, ao abrigo do artigo 212.º do Código Civil, o referido contrato-promessa deve ser nulo;
8. A consequência do negócio nulo é diferente da do incumprimento imputável ao devedor;
9. Conforme o entendimento do Dr. Mota Pinto, o negócio nulo não produz desde o início, por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, os efeitos a que tendia (cfr. Teoria Geral do Direito Civil, versão em língua chinesa, página 363), com a consequente restituição de tudo o que tiver sido prestado nos termos do artigo 282.º n.º 1 do Código Civil;
10. O incumprimento imputável ao devedor tem como pressuposto um negócio válido, sendo apenas que o devedor não cumpre culposamente a sua obrigação que deve cumprir, e em consequência, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor nos termos do artigo 787.º do Código Civil;
11. Assim sendo, caso o contrato-promessa em causa seja nulo, a recorrente só necessita de restituir ao recorrido o montante indevidamente recebido, no valor de HKD200.000,00;
12. Nestes termos, a decisão do Tribunal a quo é incorrecta por incorrer em erro nos factos provados referentes ao contrato-promessa;

Caso os MM.ºs Juízes assim não entendam, a recorrente ainda invoca os seguintes fundamentos:
13. “Caso o contrato-promessa de compra e venda do imóvel seja nulo por falta da assinatura do promitente-comprador, o mesmo pode, nos termos do artigo 286.º do Código Civil, converter-se num contrato unilateral válido, isto é, contrato-promessa unilateral que vincula o promitente-vendedor. (…) Assim, para o autor, a falta da sua assinatura conduz apenas a que não esteja vinculado à obrigação por a sua declaração de vontade violar a forma legal, enquanto para o réu, o contrato-promessa passa a ser um contrato unilateral, isto é, só vincula o réu para vender o referido imóvel ao autor.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 83/2011);
14. Conforme o entendimento do acórdão acima referido, dado que no contrato-promessa de compra e venda em causa só foi aposta a assinatura do promitente-comprador, ou seja, do Autor, nada constando as assinaturas da recorrente e da 2.ª Ré C, o contrato-promessa em causa converteu-se no contrato-promessa unilateral válido nos termos do artigo 286.º do Código Civil, o qual só vincula o recorrido, não estando a recorrente vinculada à respectiva obrigação por falta de assinatura da recorrente;
15. Por outras palavras, a posterior venda do imóvel a terceiro efectuada pela recorrente não é imputável, pelo que, não se pode aplicar os artigos 790.º, 787.º e 436.º do Código Civil para pedir à recorrente a restituição do sinal em dobro, ou seja, no montante de HKD400.000,00, e a recorrente só necessita de restituir ao recorrido o sinal já recebido, isto é, HKD200.000,00;
16. Nestes termos, o Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação da lei por existir erro nos factos provados referentes ao contrato-promessa, pelo que, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é incorrecta.

Caso os MM.ºs Juízes assim não entendam, a recorrente ainda invoca os seguintes fundamentos:
Da aplicação errada do artigo 261.º n.º 2 do Código Civil
17. O Tribunal a quo deu como provado que na celebração do contrato-promessa em causa, a 2.ª Ré C não tinha a procuração outorgada pela recorrente nem se referiu qualquer procuração verbal passada pela recorrente e concluiu, com base nisso, que a 2.ª Ré celebrou o negócio em nome de outrem sem poderes de representação, e também considerou que a recorrente ratificou tacitamente o negócio praticado pela 2.ª Ré sem poderes de representação nos termos do artigo 261.º n.º 2 do Código Civil com base no acto de a recorrente ter outorgado uma procuração à arquitecta contratada pelo Autor;
18. O artigo 261.º do Código Civil prevê: “2. Contudo, o negócio celebrado por representante sem poderes é eficaz em relação ao representado, independentemente de ratificação, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificassem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do representante, desde que o representado tenha conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro.” (sublinhado nosso)
19. Para preencher as situações previstas pelo artigo 261.º n.º 2 do Código Civil, para além de o representado ter conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro, o terceiro deve ter boa fé e confiança na legitimidade do representante para praticar o respectivo negócio;
20. No canto superior esquerdo do contrato-promessa que se junta como documento 1 da petição inicial do Autor (fls. 14 dos autos) escreveu-se: “Para efeitos de confirmação, C assinou o recebimento em representação de A”. Na realidade, no dia em que foi celebrado o contrato-promessa, o recorrido sabia perfeitamente que a 2.ª Ré C não tinha poderes de representação para praticar tal negócio, senão, a sua agente imobiliária deixaria a 2.ª Ré assinar o contrato, em vez de só lhe exigir que escrevesse a expressão “Para efeitos de confirmação, C assinou o recebimento em representação de A” no canto superior esquerdo do referido contrato-promessa;
21. Mais ainda, conforme o documento 3 da petição inicial do Autor (fls. 16 dos autos), isto é, a carta emitida pelo recorrido à sua agente imobiliária D, onde se escreveu: “celebrar um acordo formal com a proprietária A no prazo de 3 dias (ou o acordo já celebrado considera-se válido desde que a representante C exiba a escritura da procuração)”. Daí resulta que na altura o recorrido sabia perfeitamente que a 2.ª Ré C não tinha poderes de representação conferidos pela recorrente, senão, o acordo já celebrado ainda poderia ser válido sem que exigisse a C a exibição da escritura da procuração nem exigisse a celebração de um acordo formal com a proprietária A (ora recorrente);
22. Dos factos acima referidos pode-se vislumbrar que o recorrido não tinha confiança na 2.ª Ré C desde a celebração do contrato-promessa em causa, isto é, não tinha confiança na legitimidade da representante sem poderes para praticar o respectivo negócio e sabia perfeitamente que a 2.ª Ré não tinha poderes de representação;
23. Acrescenta-se que o artigo 261.º n.º 3 do Código Civil prevê: “3. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro”, e no seu artigo 255.º n.º 2, “2. Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.”
24. Tal como já foi referido, o contrato-promessa deve ser celebrado por escrito, pelo que, a procuração e a ratificação também devem ser feitas por escrito;
25. O acórdão recorrido entendeu que a recorrente ratificou tacitamente o negócio praticado pela 2.ª Ré C sem poderes de representação com base no acto de a recorrente ter outorgado a procuração à arquitecta contratada pelo Autora, contudo, tal entendimento violou o artigo 261.º n.º 3 do Código Civil que prevê que a ratificação deve ser feita por escrito, pelo que, deve ser considerado que a recorrente não ratificou o negócio praticado pela 2.ª Ré;
26. Nos termos do artigo 261.º n.º 1 do Código Civil, o contrato-promessa em causa não produz efeitos em relação à recorrente;
27. “A ineficácia do negócio celebrado pelo representante sem poderes assegura uma tutela eficaz do pretenso representado, pois este pode, pura e simplesmente, ignorar os efeitos do negócio, não tendo, em geral, necessidade de recorrer a quaisquer meios jurídicos para assegurar o seu interesse. Nesta medida, a situação do representado aproxima-se da que se verificaria no regime da inexistência jurídica.” (cfr. ponto VI do Acórdão do TUI no Processo n.º 39/2012)
28. Nestes termos, o acórdão recorrido incorreu em erro na interpretação e na aplicação do artigo 261.º n.ºs 2 e 3 do Código Civil.

Pelo acima exposto e com o douto entendimento entende dever o presente recurso ser julgado procedente e em consequência dever o acórdão recorrido ser revogado para produzir os devidos efeitos jurídicos.

  3. B Autor nos autos à margem identificados, notificado das alegações de recurso apresentadas pela 1 a Ré, vem, nos termos do art 613°, n.º 2 do Código de Processo Civil (C.P.C.), apresentar as suas contra alegações, concluindo:
I. A sentença recorrida não merece qualquer reparo ou juízo de censura, pelas razões devida e desenvolvidamente fundamentadas na própria e que, no entender do ora recorrido, não foram postas em causa no recurso que motiva a presente resposta.
    II. Desde logo porque a recorrente não invoca verdadeiramente qualquer erro no reconhecimento de factos, limitando-se a alegar uma pretensa contrariedade entre factos considerados provados e o documento junto com a petição inicial, sob o n.º 1.
    III. Entende a recorrente que por não ter assinado o contrato-promessa de compra e venda objecto dos autos, este deveria ter considerado nulo, nos termos do art. 212°, conjugado com o art. 404°, n.º 2, ambos do CC.
    IV. Antes de mais, tal como resulta da contestação apresentada pela recorrente, esta não invocou qualquer excepção no sentido de que a 2ª Ré agira sem poderes de representação.
    V. Pelo contrário, todos os factos alegados pela recorrente sempre evidenciaram o seu reconhecimento e confirmação da celebração do aludido contrato, sem que nunca tivesse colocado em causa a preterição de qualquer requisito de natureza formal.
    VI. Estranha-se, por isso, que a recorrente motive o presente recurso na mera ausência da sua assinatura no contrato-promessa, em total contradição daquilo que sempre alegou nos presentes autos, o que constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium - art. 326° do CC.
    VII. Não obstante a nulidade ser do conhecimento oficioso do tribunal e poder ser exercida a todo o momento - art. 279° do CC - é manifesto que a intenção da recorrente é aproveita-se do presente recurso para invocar excepções que nele não cabem, atento o princípio da preclusão processual, vertido no art. 409° do CPC, e além do mais, com fundamentos totalmente ineptos para a sua pretensão.
    VIII. O que merece a censura do direito, motivando a sua condenação em litigância de má-fé, conforme adiante se requererá, bem como o indeferimento do presente recurso.
    IX. O contrato-promessa foi assinado pela tia da recorrente, em sua representação, sem que nunca o recorrido tivesse qualquer motivo para duvidar da sua legitimidade, conforme se confirmou pelos actos subsequentes da recorrente, entre os quais e concretamente ao aceitar o montante pago pelo recorrido a título de sinal e ao outorgar, em 12 de Maio de 2011 uma procuração conferindo poderes ao arquitecto contratado pelo recorrido para desenvolver a construção no imóvel objecto dos autos, para tratar precisamente de todas as formalidades a ele respeitantes, o que demonstra claramente a sua aceitação do negócio celebrado com o recorrido.
    X. Uma vez mais se reitera que em nenhum momento a recorrida invocou a falta de legitimidade de representação da sua tia ou demonstrou não ter interesse na celebração do negócio de compra e venda com o recorrido.
    XI. Resulta, destes factos, evidente que a recorrente manifestou comportamentos concludentes, que pressuponham o reconhecimento e a aceitação do negócio, pois de outra forma não os teria praticado, o que demonstra que pretendeu fazer-se representar no contrato-promessa pela sua tia, vindo ratificá-lo posteriormente, nos termos do art. 261° do CC.
    XII. Mas ainda que assim não se entenda, i.e., que o contrato não foi ratificado, não poderão os efeitos jurídicos do contrato deixar de se reflectir na esfera jurídica da recorrente, por força do disposto no art. 261°, n.º 2, do CC, conforme decorre daquilo que foi acima exposto.
    XIII. Esteve bem o tribunal sub judice na sua douta sentença, devendo, por isso, ser mantida a decisão nos termos proferidos
    Da litigância de má-fé:
    Conforme resulta do acima exposto, a recorrente vem motivar o seu recurso na nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado com o recorrido, quando sempre pugnou pela sua validade e eficácia, tomando comportamentos que de forma concludente sempre demonstraram a sua vontade na sua celebração.
    A recorrente deduz pretensão cuja falta de fundamento não deve ignorar, ao agir em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium - art. 326º do CC - bem como faz um uso do recurso manifestante reprovável, devendo ser condenada por litigância de má-fé, no pagamento de uma indemnização doutamente a fixar pelo tribunal, nos termos do art. 385º do CPC.
    Nestes termos e melhores de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado improcedente por não provado e, consequentemente ser mantida a douta sentença que condenou a recorrente.
    Devendo ainda a recorrente ser condenada por litigância de má-fé, nos termos do art. 385º do CPC.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
“Factos provados:
- O Autor (A.) celebrou com A, (ora em diante, a 1.ª Ré) um contrato-promessa de compra e venda do imóvel (o Documento 1 que se junta e à P.I. e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos), sito na Rua ......, descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º 2xxxx (alínea A) dos factos assentes)
- O valor de aquisição do imóvel estava cifrado em HKD6.000.000,00 (seis milhões de dólares de Hong Kong) e o Autor pagou de sinal HKD200.000,00 (duzentos mil dólares de Hong Kong). (alínea B) dos factos assentes)

Base instrutória:
- Na assinatura do contrato-promessa a proprietária do imóvel fez-se representar, com primeira outorgante, pela Ré C. (resposta ao quesito 1.º da base instrutória)
- Ao A. não foi exibida a procuração por parte da 2.ª Ré, que foi quem outorgou o contrato-promessa com o primeiro. (resposta ao quesito 2.º da base instrutória)
- A escritura de compra e venda seria marcada até ao dia 31 de Maio de 2011, data em que deveria ser pago o remanescente do preço no valor de HKD5.800.000,00. (resposta ao quesito 3.º da base instrutória)
- O contrato-promessa foi celebrado nas instalações da Companhia de Fomento Predial XXXX” (XX地產置業) e D, agente imobiliária da referida sociedade foi testemunha na referida compra e venda do imóvel, tendo igualmente assinado a promessa. (resposta ao quesito 4.º da base instrutória)
- O que consta do documento de fls. 16 que aqui se dá por integralmente reproduzido. (reposta aos quesitos 5.º a 7.º da base instrutória)
- Conforme informação obtida no Cartório Privado onde seria assinada a escritura pública de compra e venda e o contrato definitivo, os elementos do registo predial não estavam em conformidade com a realidade, pois na certidão do registo predial ainda constava “um edifício com um 1.º andar”, andar este que na realidade já tinha sido demolido. (resposta ao quesito 10.º da base instrutória)
- Sendo necessário apresentar uma planta cadastral e uma planta de alinhamento oficial actualizadas, a apresentar pela proprietária e 1.ª Ré A. (resposta ao quesito 11.º da base instrutória)
- O A. solicitou, várias vezes às RR. que actualizassem os elementos constantes do registo predial, nomeadamente, apresentando uma planta cadastral actualizada e uma planta de alinhamento oficial actualizada, o que as RR. nunca fizeram. (resposta ao quesito 12.º da base instrutório)
- O Autor, por diversas vezes interpelou sem sucesso as Rés para assinarem o contrato prometido, uma vez actualizados os elementos respeitantes ao prédio urbano objecto da promessa. (resposta ao quesito 14.º da base instrutória)
- Nem a 2.ª Ré, nem a proprietária do imóvel, a 1.ª R., entraram, nunca mais, em contacto com o Autor. (resposta ao quesito 15.º da base instrutória)
- Em 16 de Setembro de 2011, o imóvel foi alienado a terceiros. (resposta ao quesito 16.º da base instrutória)
- Até à data, o Autor, nunca recuperou o cheque que deu à 2.ª Ré, nem recebeu desta ou da 1.ª Ré, o sinal em dobro. (resposta ao quesito 17.º da base instrutória)
- O Autor contratou uma Arquitecta E, para dar início aos procedimentos e formalidades necessárias, para construção de um prédio urbano, que não pôde levar adiante. (resposta ao quesito 18.º da base instrutória)
- Tendo incorrido em despesas com a Arquitecta que contratou, despesas não inferiores a MOP$8.000,00 (oito mil patacas), de assessoria e estudos prévios por aquela prestados. (resposta ao quesito 19.º da base instrutória)
- As RR. é que nunca procederam ao pagamento da quantia de MOP$99.880,00 junta da DSSOPT a título de despesas realizadas pela mesma para a limpeza do terreno e demolição do imóvel em ruínas que aí se encontrava. (resposta ao quesito 20.º da base instrutória)
- A 1.ª R. assinou uma procuração dando poderes à Arquitecta E – Arquitecta nomeada pelo Autor – para tratar das formalidades relativas ao prédio urbano objecto da venda, indicadas no documento de fls. 41. (resposta ao quesito 22.º da base instrutória)”
    III – FUNDAMENTOS
    1. O caso
    O A. promete comprar o imóvel X à 1.ª Ré e esta, representada pela 2ª Ré, sua tia promete vendê-la pelo preço de HKD 6.000.000,00.
    O A. pagou de sinal HKD200.000,00.
    Entretanto, a 1ª Ré vendeu X a terceiro.
    A sentença recorrida reconheceu o incumprimento do contrato por banda da 1.ª Ré. e condenou-a no pagamento do dobro do sinal.
    O contrato promessa foi reconhecido sempre pela 1.ª Ré e não deixa de o fazer mesmo em sede de contestação, alegando apenas o sem fundamento da pretensão do A., porquanto terá sido este que incumpriu o contrato, tendo-se desinteressado do negócio.
    Mesmo nos articulados não nega qualquer invalidade do contrato, nem sequer qualquer falta de representação de poderes da 2ª Ré como sua representante no contrato celebrado.
    Durante a vigência do contrato celebrado a 1.ª Ré não deixou de prestar a colaboração à A. no sentido do projecto de desenvolvimento que o A. se proCha levar a cabo em X.
    Vem agora, em sede de recurso, pela primeira vez, invocar uma invalidade do contrato, dizendo que é nulo, por falta de assinaturas do vendedor.
    
    2. A sentença
    
    A questão foi tratada de forma correcta, pelo que passamos a transcrever a douta sentença proferida, seguindo, passo a passo, todo o encadeamento lógico e jurídico que conduziu à condenação no pagamento do dobro do sinal:
    
“A natureza da relação jurídica celebrada entre o Autor e a Ré
Para conhecer dos pedidos formulados pelo Autor, é de confirmar, em primeiro lugar, se ambas as partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda, de forma a ponderar as obrigações que as Rés devem assumir.
O artigo 404.º do Código Civil prevê que:
“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.”
“O contrato-promessa é convenção pela qual ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigar, dentro do prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.”1
Os factos assentes provaram que a 1.ª Ré celebrou com o Autor um contrato-promessa de compra e venda de imóvel em 16 de Fevereiro de 2011, conforme o qual, a 1.ª Ré comprometeu-se a vender ao Autor um imóvel sito na Rua ......, descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º 2xxxx, pelo preço de HKD6.000.000,00, e para tal o Autor pagou um sinal de HKD200.000,00.
Conforme os factos acima referidos, a 1.ª Ré comprometeu-se a vender um terreno ao Autor e outorgar com o Autor a escritura de compra e venda, pelo que, dúvidas não restam que a relação entre a Ré e o Autor é a da promessa de compra e venda.
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Porém, dado que o objecto da promessa de compra e venda é um imóvel, a mesma deve constar-se de documento assinado pelos próprios outorgantes.
Conforme os factos assentes, na celebração do aludido contrato-promessa de compra e venda, a promitente-vendedora foi a 2.ª Ré C que celebrou o contrato na qualidade de representante da proprietária, porém, a 2.ª Ré nunca exibiu a procuração ao Autor.
O artigo 251.º do Código Civil, “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste ultimo”.
Em conformidade com os factos assentes acima referidos, o contrato-promessa de compra e venda não foi assinado pela própria 1.ª Ré mas sim pela 2.ª Ré na qualidade de representante da proprietária. Se o contrato assinado pela 2.ª Ré pode produzir efeitos vinculativos em relação à 1.ª Ré?
A 2.ª Ré celebrou o contrato na qualidade de representante da 1.ª Ré, porém, nunca exibiu qualquer procuração, e no caso em apreço também não se referiu que a 1.ª Ré passou a procuração verbal, o que se referiu é apenas o facto de a 2.ª Ré ter dito que celebrou o contrato em representação da proprietária. É de notar que os factos assentes não deram como provados que a 1.ª Ré delegou poderes à 2.ª Ré para representá-la para assinar a procuração (sic). Caso haja delegação de poderes mas a mesma não se conste expressamente da procuração, deve-se, então, considerar se a procuração é eficaz ou não.
Porém, in casu, só se provou que a 2.ª Ré agiu na qualidade de representante da 1.ª Ré, não se conseguindo saber definitivamente se a 1.ª Ré delegou os seus poderes, pelo que, a 2.ª Ré celebrou um negócio em nome de outrem sem poderes de representação, em vez de com poderes delegados, isto possivelmente constitui a forma inapropriada.
  O artigo 261.º n.º 1 do Código Civil prevê que: “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”, porém, no seu n.º 2, “Contudo, o negócio celebrado por representante sem poderes é eficaz em relação ao representado, independentemente de ratificação, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificassem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do representante, desde que o representado tenha conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro”.
  Pelo que, para dar resposta à aludida questão, é necessário analisar se a 1.ª Ré ratificou o contrato de promessa de compra e venda celebrado pela 2.ª Ré em nome dela.
  No caso em apreço, não há factos que provem que a 1.ª Ré ratificou expressamente o negócio praticado pela 2.ª Ré através de declaração escrita, porém, os factos assentes demonstram que o acto da 1.ª Ré ratificou tacitamente o negócio praticado pela 2.ª Ré, uma vez que:
  O Autor contratou a arquitecta E para tratar dos procedimentos e formalidades necessárias à construção de um prédio no referido imóvel.
  Em 12 de Maio de 2011, a 1.ª Ré outorgou uma procuração (fls. 41 dos autos), dando poderes à arquitecta E para tratar das formalidades relativas ao pedido de construção de prédio no imóvel.
  E não foi a arquitecta contratada pela 1.ª Ré mas sim pelo Autor para construir um prédio no imóvel por si adquirido junto à 1.ª Ré, pelo que, não há razão para a 1.ª Ré outorgar a procuração a uma pessoa com quem não teve qualquer relação. A única interpretação é que a 1.ª Ré sabia perfeitamente que essa é a arquitecta contratada pelo promitente-comprador do seu terreno.
  Conforme o senso comum, caso a 1.ª Ré discordasse totalmente da celebração do contrato-promessa de compra e venda entre a 2.ª Ré em nome dela e o Autor, nunca a 1.ª Ré conferiu poderes à arquitecta contratada pelo promitente-comprador para facilitar o seu acompanhamento das formalidades referentes à construção no referido imóvel. Daí, pode-se afirmar que a 1.ª Ré concordou e confirmou a vontade da venda, acto esse equivale à ratificação do negócio da 2.ª Ré sem poderes de representação.
  Dado que o acto da 1.ª Ré revela a sua ratificação tácita do contrato-promessa de compra e venda celebrado pela 2.ª Ré em nome dela, o negócio praticado pela 2.ª Ré em nome dela produz efeitos vinculativos em relação à 1.ª Ré.
  Pelo que, apesar de ter sido assinado pela 2.ª Ré, o referido contrato de promessa de compra e venda produz efeitos em relação à 1.ª Ré.
  Por outras palavras, o contrato-promessa de compra e venda foi celebrado por documento escrito assinado por ambas as partes outorgantes (ou seja, o Autor é o promitente-comprador e a 1.ª Ré é a promitente-vendedora), sendo por isso um negócio eficaz.
  Nestes termos, a 1.ª Ré tem a obrigação de vender ao Autor o imóvel objecto do contrato.
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O Autor pediu que a Ré lhe restituísse o sinal já pago em dobro por incumprimento do contrato por parte da Ré.
O artigo 436.º n.º 2 do Código Civil prevê: “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado”.
Ao ponderar a procedência ou não do pedido formulado pelo Autor, é necessário analisar se existe o incumprimento por parte da Ré.
Quanto ao incumprimento previsto no disposto legal acima referido, a doutrina e a jurisprudência dominantes entendem que só se pode aplicar o aludido disposto legal quando se verifica o incumprimento definitivo.
“A existência do sinal e a estrutura da promessa bilateral parece tornar, aqui, sem sentido, uma escolha puramente indemnizatória e mesmo que se adira à interpretação mais moderna do art.º 801; 2. O pedido indemnizatório assenta necessariamente num incumprimento definitivo com exoneração recíproca da obrigação de conclusão do contrato.”2
O mesmo entendimento também vide o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de Portugal de 17 de Fevereiro de 2005: “A aplicação da sanção estabelecida no art.º 442.º, n.º 2 do C.C. pressupõe incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa por parte de demandado.” (neste sentido vide o Acórdão no Processo n.º 04B368, de 18 de Março de 2004, ambos acessíveis in www.dgsi.pt)
Quanto ao incumprimento definitivo do contrato-promessa, entendeu o Tribunal de Segunda Instância, no seu acórdão de 24 de Fevereiro de 2000 (Processo n.º 1245), que o incumprimento definitivo do contrato-promessa encontra-se pela verificação de situações (declaração antecipada de não cumprir, termo essencial, cláusula resolutiva expressa, impossibilidade da prestação e perda de interesse na prestação) que a induzam (a semelhante decisão vide o Acórdão do TSI no Processo n.º 365/2007, de 13 de Setembro de 2007).
Conforme a doutrina e jurisprudência acima referidas, a procedência do pedido do Autor depende da verificação do incumprimento definitivo por parte da Ré.
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Cumprimento do contrato-promessa
O Autor alegou que não conseguiu outorgar a escritura da compra e venda dentro do prazo estabelecido por a Ré não ter acompanhado a actualização dos elementos constantes do registo predial, e depois de decorrido o prazo, o Autor nunca mais conseguiu entrar em contacto com a Ré, e posteriormente, a Ré mesmo alienou o referido imóvel a terceiro, pelo que, incorreu em incumprimento.
Conforme os factos assentes, na celebração do contrato-promessa entre o Autor e a 2.ª Ré, a Ré concordou em vender um terreno pelo preço de HKD6.000.000,00, e na mesma ocasião o Autor pagou à 2.ª Ré um sinal de HKD200.000,00, tendo ambas as partes combinado outorgar a escritura de compra e venda até ao dia 31 de Maio de 2011.
Ao abrigo do artigo 752.º n.º 1 do Código Civil, “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.”
E segundo o artigo 793.º n.º 2 do Código Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
“O devedor incorre em mora, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, página 112).
Nos termos do artigo 794.º n.º 2 alínea a) do Código Penal, “há mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo”.
In casu, provou-se que ambas as partes convencionaram, mediante o acordo, que o último dia para outorgar a escritura de compra e venda foi o dia 31 de Maio de 2011, porém, também se provou que o notário privado responsável por lavrar a escritura de compra e venda verificou que os elementos constantes do registo predial não estavam em conformidade com a realidade, sendo necessário apresentar, por parte da proprietária, a planta cadastral e a planta de alinhamento oficial actualizadas. O Autor pediu várias vezes para que a Ré actualizasse os referidos elementos, mas sem sucesso, e posteriormente, as duas RR. nunca mais entraram em contacto com o Autor.
A actualização dos elementos do registo predial só pode ser feita pela própria proprietária, porém, a proprietária não aplicou quaisquer medidas para proceder à actualização, o que levou a que a escritura de compra e venda não pudesse ser outorgada até ao dia 31 de Maio de 2011, pelo que, o incumprimento deve ser imputado à proprietária.
Porém, tal incumprimento incorreu em mora em vez de incumprimento definitivo. A mora pode converter-se em incumprimento definitivo quando se verifiquem determinadas condições legais. Porém, in casu, já não é necessário ponderar se existem as condições para a conversão em incumprimento definitivo, pois no caso em apreço existe outra circunstância independente que pode constituir o incumprimento definitivo, isto é, a impossibilidade objectiva da prestação.
Conforme os factos assentes, o referido imóvel já foi alienado a terceiro em 16 de Setembro de 2011, e segundo a certidão do respectivo registo predial, o imóvel objecto da presente acção já não está registado a favor da 1.ª Ré desde 19 de Setembro de 2011.
Por outras palavras, a 1.ª Ré alienou a referida propriedade a terceiro, objectivamente já não podendo voltar a alienar tal propriedade ao Autor, pelo que, é impossível que a 1.ª Ré cumpre a obrigação da venda resultante do contrato-promessa de compra e venda.
Assim sendo, a 1.ª Ré incorreu em incumprimento definitivo.
O artigo 787.º do Código Civil prevê que: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
Na responsabilidade civil contratual, o Código Civil prevê a presunção da culpa do devedor (artigo 788.º), por outras palavras, cabe ao devedor o ónus da prova de que o incumprimento não procede de culpa sua.
In casu, a causa da impossibilidade do cumprimento do contrato-promessa de compra e venda é que a 1.ª Ré vendeu o imóvel a terceiro, o que se tornou impossível o cumprimento da prestação a que a 1.ª Ré se obrigara e a 1.ª Ré não invocou quaisquer factos para ilidir a presunção da culpa, pelo que, deve-se provar que o incumprimento foi por culpa da Ré.
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Sinal em dobro
O Autor pediu que a 1.ª Ré lhe restituísse o sinal já pago em dobro.
Depois de provar o incumprimento definitivo, por parte da Ré, do contrato celebrado entre o Autor e a Ré, vamos agora analisar as consequências do incumprimento.
Nos termos do artigo 790.º do Código Civil, “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.
2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”
Além disso, ao abrigo do artigo 787.º do Código Civil, “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
Porém, caso, no contrato, se estabeleça um sinal, ainda se deve ter em conta o preceito no artigo 436.º n.º 2 do Código Civil: “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.”
No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço (artigo 435.º do Código Civil).
No caso sub judice, já se provou que a 1.ª Ré não cumpriu o contrato-promessa e o Autor entregou à Ré um montante de HKD200.000,00 como sinal na celebração do contrato com a 1.ª Ré.
Assim sendo, o Autor tem o direito de exigir à 1.ª Ré o dobro do que pagou, isto é, HKD400.000,00, pelo que, deve ser julgado procedente este pedido do Autor.”
    
3. Da pretensa matéria de facto incorrectamente provada
    Mais do que discordar de um julgamento da matéria de facto, no fundo, do que a recorrente discorda é da relevância jurídica que foi dada ao contrato promessa que diz não ter sido assinado por si, pretendendo extrair daí a sua nulidade, nos termos do art. 212°, conjugado com o art. 404°, n.º 2, ambos do CC, pretendendo ver destruídas todas as consequências decorrentes do negócio, incluindo as obrigações assumidas pelas respectivas partes - art. 282°, n.º 1, do CC..
    Por essa razão diz que o Tribunal não poderia ter relevado a vinculatividade do contrato e extrair daí as consequências que retirou.
    Ora, não há aí verdadeiramente um erro no reconhecimento dos factos, não se podendo considerar que haja uma contrariedade entre factos considerados provados e o documento junto com a petição inicial, sob o n.º 1.
    Trata-se de uma questão que só agora é trazida a juízo, mas na medida em que possa traduzir uma nulidade, que é de conhecimento oficioso, envolvendo razões que transcendem os meros interesses das partes, não obstante tal falta de alegação oportuna, não nos eximiremos ao seu conhecimento
    Diz a recorrente que não assinou o contrato, mas a sua tia, a 2ª Ré, não deixou de estar presente, não se tendo deixado de consignar essa representação no próprio contrato e que a sua intervenção era em nome da 1.ª Ré.
    Aliás, comprova-se, face aos factos dados como provados, que a 2.ª Ré agiu em nome e representação da 1.ª Ré e esse facto não se mostra impugnado nem há elementos nos autos que o contradigam, não deixando de assinar o recebimento do cheque, no momento do contrato, documento que será integrante do próprio contrato.
    Agindo a 2.ª Ré em representação, é, pois, natural que o contrato não precisasse de ser assinado pelo representado e há uma referência expressa à intervenção da tia da 1.ª Ré no canto superior esquerdo do contrato.
    Acresce que na sentença não se deixa de referir que a tia assina em representação da A,, sua sobrinha, o que se compagina com a prova feita nos autos e se evidencia se atentarmos na folha seguinte ao contrato, (fls 15 dos autos), logo aí se encontrando a assinatura da C, que declara que recebeu o cheque do sinal referido no contrato e que não deixa de se dever entender como integrante daquele.
    4. Do abuso na invocação da pretensa nulidade
    Vir invocar uma falta de assinatura no contrato, quando aí se refere que a C intervém em substituição da sobrinha A, recebe o cheque por ela, assina uma declaração desse recebimento, se reconhece a existência desse contrato e dessa representação, se age, no cumprimento e execução do contrato-promessa celebrado, raia a má-fé.
    Se esses poderes representativos teriam de constar de documento escrito essa é outra questão que, não vem, aliás, suscitada. De qualquer modo, não é pelo facto de esse documento não ter sido exibido que daí resulta que não existisse.
    5. Da invalidade, suas consequências e inoperância
    Resta sempre indagar qual a invalidade de que está ferido um contrato a que falta uma assinatura.
    Parece que essa formalidade não deixa de ter natureza ad substantiam, o que resulta desde logo do disposto no art. 367º, n.º 1 do CC. Na verdade, constitui “formalidade "ad substantiam" de um contrato-promessa de compra e venda a(s) assinatura(s) do(s) promitente(s) - artigo 410 n. 2 do C.Civil de 1966 [404.º/2 do CC de 1999]” e a ” falta de qualquer assinatura relevante é questão substantiva de conhecimento oficioso que implica nulidade do contrato-promessa.” 3
    No entanto, como também já afirmado em termos de Jurisprudência Comparada, a “ falta de assinatura de um contrato-promessa referente a contrato para o qual a lei exija documento autêntico ou particular não acarreta a invalidade quando foi parcialmente cumprido criando na outra parte a convicção de que não seria invocada a sua nulidade”4
    Assume, assim, particular relevância, no caso “sub judice,” a postura da 1.ª Ré nos seus articulados, traduzida no reconhecimento desse contrato-promessa e da assunção dos compromissos a que por ele se vinculou através de representante, tendo sustentado apenas que quem não cumpriu o contrato foi o A.
    Ora é nesta atitude e em toda a conduta anterior à acção que radica a justificação para não se poder fazer funcionar uma invalidade em relação a um negócio que sempre foi assumido como válido e vinculante, incluindo nos próprios articulados da acção, razão que se invoca apenas para a hipótese de se considerar que não foi aposta qualquer assinatura no contrato.
     A Mma Juíza realça bem, como se viu, a conduta concludente no sentido da validação e confirmação desse negócio.
    De todo o modo, não se deixará de dizer que não faz sentido pretender que o negócio seja válido para umas coisas, mas quando já não convém que o deixe de ser para outras.
    Como se salientou já “Comete abuso do direito, sob a forma de venire contra factum proprium, a promitente-compradora que ao longo de vários meses, até à propositura da causa, agiu sempre como se o contrato fosse inteiramente válido, jamais dando a entender à contraparte, fosse por que modo fosse, que iria servir-se da irregularidade formal do negócio para, com base nela, obter a sua anulação.”5
    Todos os factos alegados pela recorrente sempre evidenciaram o seu reconhecimento e confirmação da celebração do aludido contrato, sem que nunca tivesse colocado em causa a preterição de qualquer requisito de natureza formal e o caso mais relevante é o facto de a própria 1.ª Ré ter passado uma procuração a uma arquitecta do A. para tratar das formalidades requeridas em relação ao dito prédio, para além do dinheiro do sinal que foi por ela recebido através da sua tia.
    Estranha-se, por isso, que a recorrente motive o presente recurso na mera ausência da sua assinatura no contrato-promessa - e já vimos que a assinatura está lá, ainda que num documento que o integra - , em total contradição daquilo que sempre alegou nos presentes autos, o que sempre, neste concreto circunstancialismo, sempre constituiria abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium , face ao disposto no art. 326º do CC.
    O contrato-promessa foi assinado pela tia da recorrente, em sua representação, sem que nunca o recorrido tivesse qualquer motivo para duvidar da sua legitimidade,
    Conforme se confirmou pelos actos subsequentes da recorrente, entre os quais e concretamente ao aceitar o montante pago pelo recorrido a título de sinal e ao outorgar, em 12 de Maio de 2011 uma procuração conferindo poderes ao arquitecto contratado pelo recorrido para desenvolver a construção no imóvel objecto dos autos, para tratar precisamente de todas as formalidades a ele respeitantes, o que demonstra claramente a sua aceitação do negócio celebrado com o recorrido.
    É certo que em nenhum momento a recorrida invocou a falta de legitimidade de representação da sua tia ou demonstrou não ter interesse na celebração do negócio de compra e venda com o recorrido.
    Resulta, destes factos, repete-se, ser evidente que a recorrente manifestou comportamentos concludentes, que pressupõem o reconhecimento, a aceitação e ratificação do negócio, pois de outra forma não os teria adoptada, quanto se refere, em termos subsidiários para o caso de se entender que não houve uma actuação com poderes representativos, para efeitos do disposto no art. 261°/1 e 2 do CC.
    Nesta conformidade, o recurso não deixará de improceder.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 21 de Julho de 2016,
Joao A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Jose Candido de Pinho


1 Antunes Varelas, Das Obrigações em Geral, (sic).ª edição, Volume I, página 312.
2 Cfr. José Carlos Brandão Proença, in Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, pág. 122.
3 - Ac. do STJ, de 17/3/1998, Proc. n.º 98A167
4 - Ac. da RP, de 24/5/2012, Proc. n.º 46/10.0TBVFR.P1
5 - Ac. do STJ, de 29711/2011, Proc. n.º 2632/08.0TVLSB.L1
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